sexta-feira, 24 de junho de 2011
A Desgraça Real- Delfina de Girardin. (Paris, 1861.)
A Desgraça Real- Delfina de Girardin. (Paris, 1861.)
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Toda a gente fala da desgraça,
toda a gente já a sentiu e julga conhecer-lhe o caráter múltiplo.
Venho eu dizer-vos que quase toda a gente se engana
e que a desgraça real não é,
absolutamente, o que os homens,
isto é, os desgraçados, o supõem.
Eles a vêem na miséria, no fogão sem lume,
no credor que ameaça,
no berço de que o anjo sorridente desapareceu,
nas lágrimas, no féretro que se acompanha de cabeça descoberta
e com o coração despedaçado,
na angústia da traição,
na desnudação do orgulho que desejara envolver-se
em púrpura e mal oculta a sua nudez sob os andrajos da vaidade.
A tudo isso e a muitas coisas mais
se dá o nome de desgraça, na linguagem humana.
Sim, é desgraça para os que só vêem o presente;
a verdadeira desgraça, porém,
está nas conseqüências de um fato, mais do que no próprio fato.
Dizei-me se um acontecimento, considerado ditoso na ocasião,
mas que acarreta consequências funestas,
não é, realmente, mais desgraçado do que outro
que a princípio causa viva contrariedade e acaba produzindo o bem.
Dizei-me se a tempestade que vos arranca as arvores,
mas que saneia o ar, dissipando os miasmas insalubres
que causariam a morte,
não é antes uma felicidade do que uma infelicidade.
Para julgarmos de qualquer coisa,
precisamos ver-lhe as consequências.
Assim, para bem apreciarmos o que, em realidade,
é ditoso ou inditoso para o homem,
precisamos transportar-nos para além desta vida,
porque é lá que as consequências se fazem sentir.
Ora, tudo o que se chama infelicidade,
segundo as acanhadas vistas humanas,
cessa com a vida corporal e encontra a sua compensação na vida futura.
Vou revelar-vos a infelicidade sob uma nova forma,
sob a forma bela e florida
que acolheis e desejais
com todas as veras de vossas almas iludidas.
A infelicidade
é a alegria,
é o prazer,
é o tumulto,
é a vã agitação,
é a satisfação louca da vaidade, que fazem calar a consciência,
que comprimem a ação do pensamento,
que atordoam o homem com relação ao seu futuro.
A infelicidade é o ópio do esquecimento
que ardentemente procurais conseguir.
Esperai, vós que chorais!
Tremei, vós que rides,
pois que o vosso corpo está satisfeito!
A Deus não se engana;
não se foge ao destino;
e as provações,
credoras mais impiedosas
do que a matilha que a miséria desencadeia,
vos espreitam o repouso ilusório para vos imergir
de súbito na agonia da verdadeira infelicidade,
daquela que surpreende a alma
amolentada
pela indiferença
e pelo egoísmo.
Que, pois, o Espiritismo vos esclareça e recoloque,
para vós, sob verdadeiros prismas, a verdade e o erro,
tão singularmente deformados pela vossa cegueira!
Agireis então como bravos soldados
que, longe de fugirem ao perigo,
preferem as lutas dos combates
arriscados à paz
que lhes não pode dar glória,
nem promoção!
Que importa ao soldado perder na refrega armas,
bagagens e uniforme,
desde que saia vencedor e com glória?
Que importa ao que tem fé no futuro
deixar no campo de batalha da vida
a riqueza e o manto de carne,
contanto que sua alma entre gloriosa no reino celeste?
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- Delfina de Girardin. (Paris, 1861.)
Allan Kardec. Da obra: O Evangelho Segundo o Espiritismo. Capítulo V.
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