O despertar na capitania naquele dia era especialmente espetacular.
Numa claridade absoluta o dia surgia forte na imponência de uma natureza imperiosa e na cor da vida que nela se pronunciava despertando todos os seres para as ínfimas bênçãos de um magnânimo Pai.
A caravela que permanecia próxima ao porto, ainda se agitava subindo e descendo nas ondas de um mar que nunca se interrompia num incessante movimento de vida.
Ergui-me orgulhoso na túnica de jesuíta que usava e caminhando na areia muito branca da linda praia, que sempre me era companheira em minhas preces e meditações, olhei a densa vegetação.Ali se ocultavam a tribos indígenas, em suas próprias terras, mas tão submissas e castigadas, tão subjugadas pela ambição de senhores que parecia não ter limites.
Olhei a cidade que crescia velozmente e a imponência do engenho de cana de açúcar que se destacava propositalmente na colina.
Difícil era não sentir em mim mesmo a dor dos meus irmãos negros que se encontravam nas inúmeras propriedades do lugar.Irmãos escravizados em trabalhos forçados e muito sofrimento,distantes de sua terra natal.
Sim, eu com certeza era um filho de Deus Pai e um missionário Jesuíta, com a missão grandiosa de obrar em auxilio e com imenso amor, a todos os meus irmãos fossem eles indígenas ou negros.
Caminhei resoluto e determinado para a grande igreja que também demonstrava a sua superioridade aos muitos colonos brancos que ali residiam em suas humildes casinhas.
Entrei na igreja e ali também orei, pedindo forças na minha determinação de obrar com amor por meus irmãos.
Caminhei até o jardim interno que era imponente,bonito, mas não tinha para mim o mesmo valor que o pátio interno da pequena igrejinha no qual eu cultivara cada planta diariamente desde que ali chegara.
Ali me sentei.Enquanto meus irmãos despertassem,fiquei observando tudo num pensamento determinado de que agora eu semearia em corações e cultivaria em vidas.
Logo meus cinco companheiros jesuítas despertaram e se aproximaram igualmente confiantes e determinados. Sorriamos em nossas convicções e na fé que nos unia.
Nosso Irmão frei Orlando também se aproximou na costumeira seriedade e constante austeridade.
Reunimos-nos para as orações diárias e depois que nos alimentamos o Irmão Orlando falou que iríamos até uma das tribos catequizar.
Silenciosos,meus irmãos trocaram olhares me indagando como poderíamos obrar como jesuítas naquele dia.
Sorri e mentalmente lhes disse: “tranquilizem-se Deus providenciará” e eles compreenderam demonstrando confiança.
Acompanhamos Frei Orlando até a tribo, na qual eu, Fernando e Tiago já éramos conhecidos por nosso proceder como Irmãos. No entanto nos últimos tempos em razão da superioridade de nosso irmão Orlando os índios silenciaram e novamente se distanciaram.
Frei Orlando começou a catequizar com voz alta e forte.
Os índios permaneciam humildes em suas atividades e observei que uma menina indígena chorava ininterruptamente no colo de sua mãe.
Pela primeira vez depois da chegada do Irmão Orlando à vila eu resolvi agir.
Caminhei determinado em direção à mãe e à criança,então ouvi que Frei Orlando interrompera a leitura e me falava com autoridade:
- Os jesuítas devem ficar juntos!
Olhei para trás e falei com humildade:
- Continue a catequese senhor, eu irei ver o que sente aquela criança!
Novamente o meu Irmão falou austero:
- Venha estou ordenando!
Olhei-o com amor e disse:
- Não antes de auxiliar meus Irmãos!
Os índios haviam parado com suas tarefas e me olhavam com admiração. Prossegui aproximando-me da criança e pedindo à sua mãe com os olhos peguei-a no colo. Percebi em seu corpo quente que estava doente.
Meus cinco companheiros jesuítas também se encorajaram e se aproximaram. Meu IrmãoTiago indagou:
- Como podemos ajudar!
Levantei-me com a criança indígena em meus braços, olhei-os com amor e olhei para o Irmão Orlando que estava distante em sua perplexidade e disse alto:
- Somos Jesuítas e aqui e em todos os lugares desta Colônia obraremos com Amor para com todos os Irmãos em nome de Deus Pai Todo Poderoso! Simplesmente Obrem Meus Irmãos.
Compreendendo o que lhes dizia meus companheiros começaram a auxiliar a todos naquela tribo. Pedi ao Irmão Tiago que fosse até à pequena casa de saude e pegasse os medicamentos para auxiliar aquela criança. Ele prontamente atendeu o meu pedido.
Frei Orlando enfurecido ,distanciou-se..... caminhando para a vila.
Ciente estava eu de que teria problemas, mas desta vez, no entanto eu não estava sozinho, Eramos seis desejando simplesmente ser jesuítas.
Naquele dia, com a criança indígena enferma em meu colo, eu compreendi que cada ser tem que prosseguir na evolução que anseia para si, independente de que irmãos em seu caminho o contestem, pois de nada adianta lutar contra a vontade do próprio ser no desejo ardente de agir em auxilio e em amor para com os seus irmãos.
Olhei para os índios que nada me questionavam e recordei do Mestre, que caminhou perseverante, ainda que muitos de seus Irmãos, ao longo de toda a jornada o apedrejassem nos atos.
Apesar das intempéries prosseguiria em amor, na certeza absoluta de que Deus me atenuaria o caminho em minha missão como um tarefeiro a seu serviço.
Medicamos a criança e auxiliamos os índios naquele dia catequizando-os com amor sem infringir seus próprios valores.
Ao retornar, encontramos frei Orlando que nos aguardava impaciente. Expôs regras e leis a serem seguidas na casa de Jesus.
Ouvimos atentamente e então resolvi falar, sereno e harmônico:
- Irmão Orlando, leis e regras sociais impostas por nobres também existiam na época do Mestre Jesus, no qual exemplificamos nossas vidas.
Levantei-me e encorajado por um enorme sentimento prossegui:
- Ele, no entanto, em sua própria missão,Jesus prosseguiu a sua caminhada respeitando uma, a Lei Maior de Deus Nosso Pai “Amai-vos!”
Frei Orlando interrompeu-me argumentando:
- Acabou julgado e condenado em seus atos! Crucificado numa cruz como um criminoso!
Suas palavras agora me impulsionavam ainda mais a me pronunciar sob o olhar perplexo em admiração de meus companheiros:
- Mas é lembrado e amado por muitos, na instrução com a qual evangelizou cada irmão apesar das intempéries cotidianas de sua própria existência e nos atos que exemplificou com amor no percurso de sua vida.
Novamente o frei falou enfurecido.
- És um louco meu Irmão! Eu não desejo ser julgado e nem condenado pelas leis da sociedade na qual convivo!
Ajoelhei-me em frente aos meus irmãos e disse:
- Eu como um missionário jesuíta obrarei a serviço de Deus Meu Pai a cada dia,ainda que,pelas leis dos homens me julguem ou me condenem em meus atos.
Meus companheiros também se ajoelharam em concordância com minhas palavras.
Frei Orlando se sentindo só em suas convicções se afastou.
Olhei meus irmãos e silenciosamente nos abraçamos num único anseio de agir em amor fraternal para com todos.
Estávamos determinados de que semearíamos em corações e cultivaríamos em vidas.