(Esta é uma obra mediunica; ainda não foi revisada em erros de gramatica ou ortografia; porem compartilho a sua essencia com muito amor no nobre obrar de Irmãos Espirituais)
GABRIEL
III PARTE
Equipe Nosso Lar
medium maria
medium maria
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III Parte No
Hemisfério da Conseqüência
O vento gelado despertou os seres para uma manhã de inverno. Job
agasalhou-se e caminhou ao aposento de Anderson. Auxiliou-o, banhando-o,
trocando-lhe as vestes, e carregando-o até defronte a janela. Na qual ficaria
observando o movimento do castelo. Mas a névoa cobria as colinas, e só se podia ver o rio que sempre veloz seguia
seu rumo.
-
Está frio Senhor Anderson, pegarei uma coberta para aquecer-te o corpo.
Job agilmente pegou uma coberta e envolveu-lhe as
pernas e uma parte do corpo. Anderson em sua arrogância tão freqüente murmurou contrariado.
-
Não sei porque te preocupas tanto com isto; não sabes que nada sinto em
meu corpo.
Job com extrema paciência argumentou.
-
Sei disto senhor Anderson nada sentes, mas não deves esquecer-te que o
corpo vive. Sente calor e frio ainda que não mais o saibas disto. Precisas te
preocupar com isto, desejas adoecer?
-
Melhor seria morrer, a viver esta vida!
-
Não diga um absurdo destes Senhor, se Deus o mantém em vida algum
motivo deve ter para isto...
Anderson silenciou observando o rio, e Job
percebendo-lhe a extrema amargura prosseguiu.
-
Se adoeceres, não poderás conversar com tua irmã Brigith. Como irás
cantar com ela? Como ouvirás as estórias que te lê com tanto amor?
Job então afastou-se para arrumar-lhe o leito e
Anderson olhou as campinas e lembrou-se de Brigith.
Era-lhe o sol forte . Sentia-se enternecido com sua
candura e dedicação e a vida lhe parecia melhor. Seus pais e seu irmão
raramente apareciam para o ver. Pareciam
se esquecer de sua existência; quando apareciam em visitas rápidas e piedosas,
lhe indagavam um breve "estás bem"; mas logo sumiam sentindo-se
incomodados por sua presença imóvel. Somente sua irmã Brigith e o servo Job
passavam os dias a fazer-lhe companhia. Sem eles estaria completamente só. Num
arrepio assustador Anderson apelou a Job inquieto.
-
Chama Brigith!
Job tranqüilizou-o.
-
Senhor Anderson, ainda é muito cedo e Brigith deve estar dormindo
ainda. Irei providenciar tua refeição e após te alimentares irei chama-la,
certo?
O jovem inconformado olhou a paisagem triste pela
janela e concordou com um leve meneio de cabeça.
Job trazia-lhe a
bandeja farta em alimento quando Lana o interceptou no corredor e antes
que entrasse no aposento falou-lhe aos soluços.
-
Job, a menina Brigith !
O servo olhou-a fixamente. A cor da pele lhe sumira
das faces e as lagrimas rolavam constantes.
-
O que houve Lana; o que aconteceu!
As vozes ainda que desesperadas saiam num baixo
sussurro para que Anderson não os ouvisse.
-
Estive em seu aposento para auxilia-la como sempre faço... caminhei até
ás janelas e abri os cortinados...balbuciei mansamente sobre a manhã fria...e
lhe alertei que ao levantar-se deveria se agasalhar bem ... mas...
Lana interrompeu com choro convulsivo e continuou
com dificuldade.
-
Job ela não desperta....toquei-a e está gelada...
O servo tentou manter-se calmo dizendo-lhe:
-
Iremos vê-la agora.
Dizendo isto colocou despreocupadamente a bandeja no
chão, e saiu apressadamente rumo ao aposento de Brigith.
Chegando lá Lana abriu a porta e Job imediatamente a
viu deitada sobre o leito. Estava serena e parecia dormir profundamente. Job
aproximou-se do leito e tocou-a. Sentindo-lhe a pele muito fria e percebendo que não respirava deu um forte
arrepio. Elevou as mãos ao seu rosto para estancar o grito de angustia que
sentia. Brigith estava morta. Morrera dormindo. Mas como? Porque? A emoção
surgiu-lhe aflorando em todos os sentidos. Densas lágrimas afloraram de seus
olhos. Tentava controlar-se em
vão. Os pensamentos lhe eram confusos "que seria de
Anderson sem Brigith" lembrou-se do seu filho; porque aquilo havia
ocorrido estava tão bem no dia anterior; nada compreendia na mente que não
conseguia pensar direito. Precisava sair dali, avisar alguém. Lana estava
petrificada na porta também em profunda emoção. Pediu-lhe tentando conter-se no
pranto sofrido.
-
Lana, precisas procurar o Lorde Orlando. Precisamos ser fortes!
Lana demasiadamente tremula indagou-lhe.
-
Está morta, não está?
Job não conseguia falar-lhe, com um meneio de cabeça
afirmou-lhe.
Lana tentou conter-se no choro convulsivo mas não
conseguiu; mas assim mesmo afastou-se em direção aos aposentos de Lorde Orlando
para chama-lo.
Aproximou-se e bateu temerosa. A porta se abriu e
Lana explicou ao nobre como encontrara sua filha. Lorde Orlando desesperou-se
correndo aflito ao aposento de sua única filha. Chegando próximo ao leito de
Brigith e constatando-lhe o falecimento, ajoelhou-se aos prantos. A sua família
parecia sofrer uma terrível maldição. Olhou para o alto e irreconhecível ,
rogou com extremo fervor:
- Meu
Deus...que fazes tu de minha família; porque me tiras pessoas tão queridas?
limitastes a vida de meu primogenito e agora tiras a vida de minha filha...Deus
tende piedade deste teu humilde servo.
Lana entrou
no aposento acompanhada do medico que havia ido chamar a pedido do Lorde. Viram
o nobre ajoelhado e de mãos colocadas em prece chorando muito. Lana humildemente também se colocou de joelhos
em oração enquanto o medico se dirigia ao leito para examinar a jovem.
Examinou-lhe os olhos; tocou-lhe a boca; sentiu-lhe a pele; desejava descobrir
porque a jovem havia falecido. Concluiu que a sua morte deveria ter ocorrido
tão logo se deitara, mas porque se mantinha tão plácida e serena. A cama estava
intacta. Nenhum sinal de agonia. Sem conseguir justificativas lógicas voltou-se
para o Lorde e colocou-lhe solidariamente a mão no ombro, despertando-o para a
vida que prosseguia.
Este ergueu-se com dificuldade e caminhou
determinado a dar a noticia a sua esposa e filho.
Lana mantinha-se imóvel; lembrava-se de quando ali viera trabalhar como
serva de Brigith. A nobre era apenas uma menina de cinco anos de idade que lhe
sorriu dizendo:
-
Serás minha amiga?
A menina Brigith não somente pertencia á nobreza mas
possuía coração nobre. Nunca
lhe tratara com superioridade , era
muito humilde e extremamente boa e justa;
compreensiva e carinhosa. Lana sofria porque perdera a nobre á qual se apegara, e que lhe era como uma irmã.
A noticia rapidamente se espalhou no castelo.
Job, no aposento de Anderson permanecia imóvel sem
compreender o que acontecera. Profunda tristeza lhe apertava o peito mas não
podia demonstra-lo. Anderson ainda não tinha sido comunicado da morte de
Brigith. Ninguém se sentia encorajado a faze-lo.
Job recordou-se da noite anterior, dos receios de
Brigith, do chá... levantou-se num sobressalto. .."O chá"...com muita
convicção apoderou-se da idéia de que o chá a matara; pediu licença a Anderson
e ausentou-se apressadamente do castelo a caminho do celeiro.
Vagarosamente entrou neste, e percebeu que
Gabriel não se encontrava. Caminhou
determinado até á lenha ,como que induzido, e ali viu oculto um tacho que ainda mantinha algumas ervas e um
pouco de chá. Sentia enorme necessidade de averiguar a desconfiança que lhe
assombrava a mente. Verteu um pouco do liquido numa caneca e caminhou até o
estábulo.
Os servos ali presentes estavam ocupados com a
alimentação dos animais e não deram qualquer atenção ä sua presença. Job
aproximou-se de uma vaca robusta e deu-lhe um pouco o liquido a beber; o que
prontamente o animal recusou-se. Job cuidadosamente abriu-lhe um pouco a boca e
verteu o chá; e ali permaneceu verificando-lhe as reações. Não tardou o animal
cambaleou e deitou-se sonolento. Job
aproximou-se com cautela para verificar-lhe a respiração e perplexo constatou
que o animal estava morto.
Job afastou-se indignado , sentando-se próximo ao leito
do rio. A água passava veloz, tal qual as lágrimas que lhe desciam na face.
Job chorava pelo erro cometido; sentia-se culpado
por pedir auxilio a pessoa tão inexperiente; lembrava-se amargurado das
palavras de Gabriel na noite anterior: "diz-lhe que tome tudo enquanto
estiver quente; se sentirá mais forte e as náuseas e desmaios terminarão... que
durma com Deus!" Sim , somente ele
tinha culpa; Brigith pedira que fosse até o médico do castelo e lhe pedisse
auxilio; temeu as indagações que talvez
não ocorressem, pelo que conhecia o médico era um senhor sereno e discreto.
A
luminosidade se intensificava ao seu redor, mas o frio lhe gelava
a face e a respiracão lhe parecia uma tortura. A s lágrimas desciam-lhe
o rosto frias; frio e amargurado estava o seu coração.
Precisava cuidar de Anderson, saberia ele da noticia
triste? Como reagiria a tudo? E Gabriel.
estaria ciente do mal que fizera?
Job ergueu-se e caminhou vagarosamente. Não sabia ao certo que direção
tomar. Secou as lagrimas na face , conteu a angustia e caminhou mecanicamente até o celeiro.
Chegando lá , percebeu que Gabriel sentado no feno,
observava o tacho, abandonado no chão descuidadamente; nela ainda possuía um pouco do liquido e as
ervas . Job ficou observando-o , sem que fosse visto.
Gabriel levantou-se e pegou o tacho com ambas as
mãos, sentando-se novamente no feno. Balançando o líquido em seu interior ,
sorriu feliz. Estava ciente que logo lhe chegariam as noticias da morte de
Anderson.
Na lida ouviria
breves comentários de luto no castelo; mas não se atrevera a indagar ou
dialogar; temia por sua reação feliz ao
olhos de outros. Mas não tardaria a seria comunicado por Philip do falecimento
e do dia sem lida, em homenagem ao falecido.
Só mais alguns dias e poderia dialogar com Brigith e
abraça-la com amor.
Job começou a sentir-se intrigado, com a insistência
de Gabriel em mirar-se no liquido escuro, com tamanha felicidade.
Fez-se surgir repentinamente , e Gabriel
assustou-se, colocando o tacho no chão,
levantou-se e cumprimentou-lhe num meneio.
O silêncio de cumplicidade anonima se fez, até que
Gabriel, surpreso com sua presença falou-lhe:
-
Manhã fria Job; o que te traz aqui?
Job caminhou determinado ao tacho e pegando-o
cuidadosamente, indagou a Gabriel.
-
Não sentistes falta de nada ?
Gabriel sentia-se temeroso.
-
Sim Job, alguém recolheu grande parte do chá que havia restado.
-
Isto te preocupa Gabriel?
Gabriel ciente de que o liquido venenoso poderia
matar qualquer animal ou pessoa que o ingerisse, tentou disfarçar sua preocupação.
-
Não Job, nada me preocupa!
Job sentindo enorme impulso, apresentou-lhe o pouco
liquido no tacho, dizendo:
-
Bebe!
Gabriel de um sobressalto caminhou até á lenha para
acende-la. Precisava disfarçar sua apreensão. Job insistiu:
-
Toma um pouco deste chá Gabriel !
-
Job, não compreendo tua insistência. Porque beberia esse chá, se não
sinto eu incômodos.
Gabriel não conseguia olhar Job. Este determinado
caminhou em sua direção e olhando-o nos olhos balbuciou seguro.
-
Peço-te Gabriel que bebas um gole deste chá. Se o mesmo é para
curar as indisposições para as quais te
pedi, não te fará qualquer mal.
Gabriel olhou o pouco liquido turvo no tacho.
Sentia-se nervoso e apreensivo.
-
Job, porque isto agora. Quem se sentia adoentado melhorou?
O servo mantinha-se persistente.
-
Volto a pedir-te Gabriel, que em nome de Deus tomes um gole do chá que
fizestes!
Gabriel não conseguia compreender a insistência de
Job e a revolta lhe tomou o corpo e num rápido impulso tomou o tacho e verteu o
liquido e as ervas no solo.
-
Porque fizestes isto Gabriel?
Job mantinha-se sereno, mas não mais considerava
Gabriel inocente. Se realmente houvesse feito um chá para incômodos gástricos,
não se negaria a toma-lo, pois mal nenhum lhe faria.
-
Não desejava tomar chá agora!
Gabriel
respondeu irritado sob o olhar perplexo de Job.
Caminhou até o feno e lá sentou-se. Job caminhou
também até ele e abaixando-se para lhe olhar nos olhos perguntou num sussurro
de revolta.
-
Porque fizestes isto Gabriel?
Gabriel nada lhe dizia, evitando-lhe o olhar.
-
Porque matastes a menina Brigith? Porque lhe tirastes a vida Gabriel?
Somente te pedia ajuda!
Gabriel sentiu como se tivesse levado uma punhalada
no peito; a mais cruel; a mais forte; a que lhe doía profundamente em suas
entranhas.
Ergueu-se em fúria inconsolável e jogou-se sobre
Job, arremessando-o ao chão violentamente.
-
Que fizestes?
Job violentamente acuado por Gabriel, mantinha-se
inexplicavelmente sereno. Falou harmoniosamente enquanto as lágrimas desciam
sofridas em sua face.
-
Matastes a doce Brigith! Matastes o filhinho que esperava e por isto
sentia-se muito indisposta! Pediu-te auxilio em chá que a reconfortasse e tu
mandaste-lhe veneno; porque Gabriel?
Gabriel extremamente abalado com tudo o que Job lhe
falava, esmurrou-se em fúria inconsolável.
-
Não matei minha Brigith! É mentira tua! Que filho é esse? Me fala
infeliz, me conta a verdade!
Job, conseguindo libertar-se das agressões de
Gabriel, levantou-se empurrando-o em cima do feno. Job era bem mais forte e
robusto que Gabriel. Poderia destruir-lhe a vida com brutalidade se desejasse.
Porem não desejava agredir Gabriel; o coração doia-lhe em demasia com as
revelações de um assassinato premeditado em que fora ingênuo cúmplice.
Limpou a face esmurrada por Gabriel, olhando-o
piedosamente.
-
Poderia acabar contigo Gabriel, mas não o farei! Desejo respostas;
Porque matastes Brigith envenenada?
Gabriel baixou a cabeça. Nada compreendia; o chá era para Anderson e não
para Brigith.
-
Quando te pedi o chá, Gabriel, não podia revelar-te que a menina
Brigith sentia-se mal por causa do filho que esperava; desesperada pediu-me
segredo. Desejava melhorar para poder procurar o pai de seu filho e pedir-lhe
que fugissem. Mas tu Gabriel, que eu pensava seres inocente em mero erro de
troca de ervas; te vi culpado no exato momento em que te recusastes a tomar um
gole do chá...não poderias toma-lo, estavas ciente do veneno que era...
Job deu um pequena pausa, para se conter no choro
convulsivo e indagou-lhe.
-
...Quem desejavas matar? Quem pensastes que se sentia mal? Para quem
fizestes Tão cuidadosamente o veneno/
O servo estava agora
incontrolavel. Olhava Gabriel com extrema piedade e ao mesmo tempo como
o mais desprezível dos seres. Não conseguia se conter no pranto.
Gabriel permanecia imóvel, de cabeça baixa, sem nada
dizer; não demonstrava qualquer sentimento ainda que imensa dor lhe sufocasse
demasiadamente.
Job percebendo que Gabriel nada diria, e sentindo
enorme necessidade de acalmar o pranto, afastou-se saindo celeiro.
Precisava pensar em tudo o que ali ocorrera.
Precisava tranqüilizar-se retornar ás
suas tarefas como servo de Anderson.
A determinação em consolar o infeliz jovem nobre,
com a perda da irmã, auxiliou-o a se conter na dor, na culpa e na revolta;
quando entrou no salão principal do castelo, encontrou o Lorde Orlando e este
em extrema dor, falou-lhe que fosse imediatamente ver Anderson pois estava
inconsolável e não havia aceitado a noticia do falecimento de sua irmã.
Job entrou no aposento de Anderson este estava
estático próximo á janela. Desde que tivera a queda, que lhe causara a total
paralisia; o jovem movimentava ininterruptamente a cabeça em todas a direções;
talvez numa enorme necessidade de mostrar a si mesmo, que ainda mantinha
domínio sobre uma parte de seu corpo. Brigith
lhe falava constantemente que deveria
agradecer a Deus por poder fazer inúmeros
movimentos; ver, escutar, falar, cantar, sorri e chorar, pensar, comer sentindo paladar, e possuir olfato. Lhe
falava da alegria de se possuir a vida !
Mas agora ali estava Anderson imóvel. Petrificado e
de olhar fixo no rio. Parecia em estado de choque; Job acariciou-lhe os cabelos
como Brigith sempre fazia e Anderson manteve-se ausente olhando fixamente o
rio; mas agora algo se alterava em seu semblante...finalmente pranteava sua
enorme dor.
Job não
conseguiu se conter em sua posição de servidão; abraçou-o fortemente e também
pranteou sua imensa dor.
Por longo tempo não houveram palavras. O silencio
imperou em todos as direções e o extremo frio parecia congelar todas as emoções
num imenso e sufocante sentimento de perda de pessoa imensamente querida por
todos.
O castelo se aprisionou num imenso luto interminável. Naquele inverno Job evitou lembrar-se de
Gabriel extremamente preocupado em devolver
a vida a Anderson. Como as freqüentes tempestades de nevascas, Job também usava
de toda a sua força e de todas as formas e maneiras substituir a enorme
ausência do carinho e do amor da irmã Brigith que lhe eram essenciais.
Anderson se fechara em si mesmo; nunca mais
pronunciara qualquer som ou mostrara desagrado ou agrado do que quer que fosse.
Parecia um mero vegetal que o servo pacientemente alimentava e com o qual
conversava sem obter respostas. Mantinha-se ausente apesar do enorme esforço do
servo em lhe narrar estórias ou lhe cantar doces melodias.
O corpo sem os movimentos mirrava pouco a pouco,
ficando extremamente emagrecido. Mas Job não desistia; persistente sabia que
precisava manter-lhe a mente ativa e mostrar-lhe continuamente o seu carinho e
o seu amor, já que os familiares haviam se afastado definitivamente.
Lorde Orlando em tristeza aparente e contínua
escondia-se na biblioteca do castelo,
lento e tentando compreender os misteriosos desígnios de Deus.
Joane definhara com a perda da filha, não mais
bordava ou distraiasse em diálogos com seu filho Arthur; se enclausurava também
em seu aposento em fervorosas orações, comentavam alguns servos.
Arthur, explodindo jovialidade e enorme vontade de
viver, sentia-se acuado com aquele enorme castelo frio e sem vida.
Freqüentemente procurava os filhos dos servos para se distrair e conversar. Se
tornava um rapaz forte e esperto e entremente bom e justo para com todos, tratando-os com igualdade, humildade e
simplicidade.
Finalmente o enorme inverno acabou. Novamente as campinas esverdeavam-se
e os animais retornavam aos pastos. A sensação que se sentia, é de que a vida
recomeçava após interminável período de hibernação. A atenção de todos os seres
parecia agora se voltar para o forte sol que se expandia em todas as direções,
fortificando e gerando vida nova.
Naquela linda manhã Job deixou Anderson próximo ä
janela como sempre o fazia e saiu apressado do aposento. Determinado saiu do
castelo. Era a primeira vez que o fazia desde que descobrira o feito de
Gabriel.
Sentiu a brisa fresca da manhã e respirou
profundamente, tentando roubar-lhe toda a energia, que emanava em suavidade e
lhe renovava as forças. Sentiu o sol ainda ameno iluminando-lhe o corpo e
sentiu-se inexplicavelmente abençoado. A sensação lhe era imensamente
confortante.
Aproximando-se determinado do celeiro, entrou sem temores. O ambiente
era silencioso mas logo um rapaz aproximou-se, e após cumprimenta-lo
gentilmente num meneio sorridente falou-lhe prestativo:
-
Deseja algo senhor?
Job observou o pequeno jovem indagando-lhe:
-
Onde está Gabriel?
O rapaz mostrando-se imensamente surpreso
apressou-se a responder.
-
O senhor não sabe, que Gabriel adoeceu no inicio do inverno?
-
Como te chamas rapaz?
-
Chamam-me de Silvio senhor!
-
Não me chames de senhor; Silvio meu nome é Job; Contai-me o que
aconteceu com Gabriel.
O rapaz muito prestativo , narrou-lhe vagarosamente:
-
Pouco posso falar-te Job, mas
quando Philip me pediu para ficar no celeiro, cuidando dos cavalos já não o encontrei aqui. Soube, que aqui neste
feno, o encontraram agonizando em delírio febril...contaram-me que foi logo
após o enterro da senhorita Brigith. Soube também que compareceu á cerimonia
juntos com todos os servos, que como em todo luto da nobreza de matem a
distancia prestando suas homenagens.
O jovem arregalou os olhos, como que impressionado,
e continuou.
-
Philip naquela mesma tarde, o encontrou aqui agonizante entre a vida e
a morte. Dizem que tentou matar-se!
Job, num sobressalto, imediatamente lembrando-se do
chá venenoso, indagou ao rapaz.
-
Silvio, como tentou matar-se, sabes?
-
Dizem que tomou um chá...
Job receoso voltou a perguntar-lhe.
-
Viveu?
-
Sim senhor; deseja vê-lo?
Job afirmou-lhe que sim sem no entanto mostrar muito
entusiasmo.
- O senhor o encontrará próximo ao lago. Numa gruta
é lá que mora!
- Mora numa gruta Silvio?
-
O senhor Job faz muitas perguntas!
-
Sou servo do castelo, e Gabriel
é meu amigo. Mas por causa da invernada não pude vir vê-lo antes.
Silvio sabendo da amizade de ambos, mostrou-se ainda
mais prestativo informando-lhe:
-
Sim senhor Job; Philip o expulsou das proximidades do castelo e ele como não tinha para onde ir, lá se
instalou. Philip deixou-o lá ficar até que o Lorde decida o que fazer com ele.
Job estava demasiadamente intrigado.
-
O que Gabriel fez para Philip o mandar embora?
Silvio baixou a cabeça piedosamente.
-
Salvou-se do chá da morte mas não ficou bom da cabeça. Não queria mais
trabalhar e constantemente ficava conversando sozinho. Diz a todos que o velho
Manco lhe persegue...os outros servos da lida estavam ficando com muito medo da
sua loucura e Philip achou melhor afastá-lo.
-
Há quanto tempo está na gruta Silvio?
-
Para lá foi tem mais ou menos uns quatro dias.
Job colocou carinhosamente a mão no ombro do rapaz e
agradecendo-lhe saiu do celeiro pensativo e aproximou-se do rio para refletir
em tudo o que ouvira.
Pela primeira vez pensava em tudo com clareza e
maior tranqüilidade, liberto da extrema dor que o feria. "Gabriel fizera o
chá venenoso com intenção de matar alguém...quando soube no entanto que a
vitima fora Brigith, pareceu amargurado e surpreso, ainda que não mostrasse
emoção ou dor...posteriormente tenta matar-se com o mesmo chá...e tornasse um
ser louco sendo expulso das tarefas..." Uma certeza lhe veio, precisava
ver Gabriel com brevidade!
Job rapidamente retornou ao celeiro e pediu a Silvio que lhe emprestasse
um cavalo para que podesse ir até o lago, procurar Gabriel. Imediatamente o
rapaz lhe arrumou a montaria, pedindo-lhe que não demora-se por causa do
capataz. Job estava ciente de que não
poderia deixar o menino Anderson muito
tempo sozinho.
Na cavalgada para o lago continuou divagando sobre
tudo. "Como encontraria Gabriel...porque não havia morrido com o veneno
letal..." Os pensamentos lhe eram enormes incógnitas, mas se mantinha
sereno.
Chegou próximo ao lago mas não o avistou. Apeou da
montaria e prosseguiu próximo ao seu leito até avistar um pequeno córrego que
no lago desaguava.
Gabriel estava próximo a este, de olhar fixo na água
que deslizava lenta, e com uma pequena machadinha nas mãos. Parecia adormecido,
imóvel e sem reações.
Job observou-o antes de aproximar-se. Sua túnica
estava demasiadamente suja. Os cabelos haviam crescido rebeldes e sem cuidados,
assim como a vasta barba e bigode.
Ainda que Silvio lhe houvesse falado que ali estava
a apenas quatro dias, pelo seu estado poderia facilmente concluir como vivera
aquele inverno em loucura próximo aos demais serviçais.
Job determinado aproximou-se falando-lhe firme.
-
Gabriel, vim procurar-te!
Gabriel olhou-o fixamente, desviando o olhar do rio,
e assustando-se repentinamente soltou a machadinha. Indagou a Job suplicante:
-
Vistes Brigith?
Os olhos de Gabriel começaram a lacrimejar . Job
sentiu-se confuso com os sentimentos que lhe chegavam; ora sentia-se piedoso de
uma criatura aparentemente tão desgraçada; ora sentia-se irado pelo imenso mal
e pela dor que trouxera a tantos. Tocou-lhe o ombro amigavelmente.
-
Vim auxiliar-te Gabriel; senta-te comigo um pouco; precisamos
conversar.
Gabriel sentou imediatamente ao lado de Job, agindo
igual a um menino ingênuo e obediente. Job analisava-o continuamente. Não sabia
como iniciar um dialogo mas precisava compreender o que acontecera com aquele
jovem. Precisava faze-lo falar se ainda tivesse alguma lucidez para faze-lo.
Com extrema astucia falou-lhe, afim de observar-lhe as reações.
-
Brigith mandou-me aqui!
Os olhos de Gabriel, pararam repentinamente de
lacrimejar e abriu incompreensível sorriso de euforia.
-
Ela está bem? Virá me ver?
Em função das reações de Gabriel , Job mais
astutamente ainda continuou.
-
Brigith pediu-me que te perguntasse o que realmente sentes por ela!
Gabriel surpreendentemente levantou-se abriu os
braços e olhou Job falando como extrema paixão:
-
Ela sabe que eu a amo...sempre amei...depois de nossa noite de amor eu
a amo mais ainda!
Deu uma pausa para olhar Job.
-
Porque não veio ver-me?
Job sentia-se perplexo com a revelação de Gabriel.
Se não estivesse complemente louco se ainda possuía
alguma lucidez, com certeza ele poderia ser o pai do filho que Brigith esperava
e isto explicaria porque tentara se matar após saber do terrível engano que
cometera matando-a. Mas ainda lhe era uma incógnita o fato de Gabriel ter
preparado o veneno, a quem intencionada matar.
Gabriel rapidamente interrompeu-lhe os pensamentos,
colocando-lhe a mão no ombro e olhando-o fixamente falou melancólico.
-
Com certeza não veio ver-me porque está com o irmão...nunca tem tempo
para mim; só para ele...Não é isto ?
Job receou a repentina fúria de Gabriel e
levantou-se. Precisava pensar um pouco e o sol já ia alto. Precisaria retornar
ao castelo. Com certeza nos aposentos de Anderson poderia refletir com
tranqüilidade em tudo o que ali ouvira.
Olhou piedosamente para Gabriel e falou-lhe:
-
Não te inquietes Gabriel, trago-te recado que virá ver-te ao
entardecer.
Gabriel baixou a cabeça compreensivo e Job
afastou-se cavalgando rumo ao castelo.
Chegando nos aposentos de Anderson este estava dormindo como
costumeiramente fazia, sentado em sua poltrona. Faltavam algumas horas para sua
refeição; aproveitaria para analisar tudo o que acontecera. Paulatinamente
direcionou os pensamentos "Gabriel amava Brigith e ambos haviam tido um
romance...Gabriel começou a sentir extremo ciúme de Anderson, porque Brigith
não mais tinha tempo a encontros furtivos..." Job com um sobressalto
facilmente concluiu que o chá venenoso deveria matar Anderson e não Brigith;
quando Gabriel no entanto soube que Brigith tinha morrido tentou matar-se inconformado.
Job indagava-se em pensamento "saberia do filho..." Lembrou-se das
palavras iradas de Gabriel "- Que filho é esse! "Não ele não tinha
conhecimento. Repentinamente Job percebeu-se cheio de compaixão. Pobre infeliz
de Gabriel que sem desejar, matara a mulher que amava e o seu próprio filho.
Sentia piedade imaginando-lhe a angustia e o sofrimento que o levara á loucura.
Sentia piedade de um criminoso que intencionava matar o indefeso Anderson.
Estava confuso, e atordoado pela culpa que lhe vinha; ingenuamente havia
salvado Anderson mas tinha compactuado com o assassinato de Brigith. Job
começou a se sentir demasiadamente amargurado com tantos sentimentos opostos
vasculhando a sua mente.
Deveria acusa-lo pelo crime que Gabriel cometera?
Não sofreria em demasia já o infeliz ?""
Änderson despertou tirando-lhe dos pensamentos que o
feriam. Prontificou-se a falar com ele, porem surpreendeu-se quando Anderson
começou a falar sereno e triste .
-
Sonhei com Brigith!
Job extremamente eufórico com o retorno do jovem á vida o fez continuar mostrando-se
curioso:
-
Que sonhastes Anderson, conta-me!
Anderson olhou-o balançando a cabeça, como sentindo
enorme vontade de gesticular.
-
Estava tão linda Job...vestia-se de branco e sorria para mim. Estava
bem ali; olha...
Anderson olhou para o leito tentando mostrar a Job a
posição exata onde vira a irmã em sonho.
-
Eu estava deitado e ela cantava para mim... depois parou de cantar e
disse "Anderson meu querido, estou sempre contigo; nunca te deixarei só;
quando Job voltar diz-lhe que estive em sonho contigo, e pede-lhe que perdoe,
porque só Deus poderá julga-lo!"
Anderson parou com a narração do sonho; olhou Job em
duvida e indagou-lhe:
-
Porque no sonho Brigith pediu para dizer-te que não deves julgar? Tens
raiva de mim Job?
Job não se conteve e duas roliças lagrimas lhe
desceram na face pálida. Falou com dificuldade em sua extrema emoção:
- Anderson, que mágoa teria de ti !
Acariciou-lhe o ombro carinhosamente e secando a
face molhada prosseguiu.
-
Mas conta-me o resto do sonho!
O jovem olhou-o enchendo-se de alegria enquanto
narrava.
-
Depois Brigith acariciou-me os cabelos, me deu um doce beijo na testa,
e disse-me que quando as flores surgissem nos campos viria me buscar para
caminhar com ela até as colinas...então acordei!
Anderson olhava então através da janela:
- Job, foi só um sonho; um lindo sonho...afinal como
poderia eu caminhar nas colinas floridas com Brigith?
Job ergueu-se e olhando-o carinhosamente sem mostrar
suas apreensões, murmurou-lhe baixinho:
-
Anderson, Brigith agora é um lindo anjo e com certeza veio ver-te para dizer que está perto de ti e
que vocês podem se encontrar para passear enquanto dormes...
Job afastou-se dizendo-lhe que iria pegar a
refeição.
O sonho que Anderson tivera despertando-o novamente
para a vida e o convívio; era verídico demais para os acontecimentos, para ser
somente um mero sonho.
A narração de
Anderson impressionara-o .
Repetia-se em sua mente continuamente "...
pede-lhe que perdoe, porque só Deus
poderá julga-lo"
As flores começavam a
brotar nos campos, quando Job encheu-se de coragem para falar com lorde
Orlando. preparava-se o nobre para viajar a propriedade de Adredanha com seu
filho Arthur. ficariam no castelo
somente os servos a nobre Joane e Anderson.
Job aproximou-se da biblioteca, sentia-se receoso;
não sabia ao certo o que lhe diria. em
si, as noções de justiça eram amplas e concretas mas freqüentemente vinham lhe
as palavras de Brigith., de quem tinha doce lembrança "só Deus poderá
julga-lo!"
Bateu na frondosa porta e o lorde lhe concedeu a
entrada. Abriu e entrou silencioso. O lorde Orlando estava recostado em uma
poltrona . com o mesmo semblante triste e apático.
-
Que deseja Job?
-
Senhor. tenho algo a falar-lhe .
Job aproximou-se a seu pedido e lhe fez breve
reverencia
- Que sejas breve; algum problema com Anderson?
Job prosseguiu como que impulsionado
- Senhor. Anderson esta bem; ainda que
freqüentemente se lamente de nenhum de voz ir mais vê-lo... sei que o senhor
viajara pela manha e gostaria de alertar-lhe sobre algo.
O lorde pela primeira vez, o olhou com semblante
firme e serio .
- O senhor lorde esta ciente que o servo Gabriel
encontra-se em estado deplorável, talvez enlouquecido, na beira do lago?
O lorde
intrigado ordenou que prosseguisse.
Job vacilou entre a verdade e a ocultação do crime,
mas mais uma vez impulsionado pelo pedido de Brigith em sonho , falou:
-
Gostaria de pedir-lhe senhor, que o jovem Gabriel ficasse sob minha
responsabilidade ; aos poucos poderá auxiliar-me com Anderson , que cada dia se
torna mais frágil...
Lorde Orlando interrompeu-o assombrado.
_ Sabes que Gabriel esta louco?
_ Sim senhor lorde, sei que esta perturbado pela
morte de seu tutor; mas sei que poderá auxiliar-me; em sua demência e apatia mal não poderá fazer.
O lorde Orlando pensou pausadamente, folheando um
livro.
-
Dou-lhe minha permissão Job. Que Gabriel seja recolhido ao castelo sob
tua responsabilidade; no entanto alertarei Philip, que se inconvenientes
trouxer que molestem a paz que aqui reina; será expulso definitivamente de minha
propriedade.
Job não conseguia compreender mas sentia-se
inexplicavelmente vitorioso.
- Agradeço-lhe
a atenção senhor lorde Orlando.
Job fez uma reverencia e saiu da biblioteca.
Caminhou sem demora ate o celeiro e posteriormente cavalgava rumo ao lago.
Encontrou Gabriel , em
estado mais deplorável. Sentado e imóvel mantinha-se recostado em arvore
frondosa . Pensativo ficou olhando-o por longo tempo sem que fosse visto.
Preocupado temia estar fazendo uma loucura ...
colocaria o criminoso dentro do castelo , justo em atividade próxima a pretensa vitima.
Job meneou a cabeça angustiado.
Atendera o pedido que Brigith fizera em sonho. Não
o julgaria; deixaria que Deus o fizesse.
Aproximou-se de Gabriel temeroso da decisão que
tomara .
Auxiliando-o
colocou-o na montaria sem dificuldades, diálogos ou resistência.
Permaneceram silenciosos no retorno ate o castelo .
Chegando lá Philip caminhou na direção de Job. Este apeou do cavalo e
auxiliou Gabriel a sair da montaria também.
Gabriel mantinha-se de cabeça baixa, parecia ausente
de tudo o que ocorria.
Philip adiantou se em voz rude:
_ Nunca gostei deste jovem, prepotente e arrogante,
sempre se achando superior aos demais servos... que estado deplorável,
tornou-se um miserável homem louco.
Gabriel mantinha-se imóvel enquanto Job pedia com o
olhar clemência a Philip
_ Poderás leva-lo contigo Job mas se criar
problemas, farei questão de expulsa-lo da propriedade .
Job entrou no castelo com Gabriel.
Encaminharam-se ao enorme pavilhão onde dormiam os
servos. Estava vazio .
Job aproximou-se de um leito feito de feno onde
dormia e fez com que Gabriel ali se sentasse.
Providenciou água e auxiliou-o a banhar-se. Cortou-lhe
a barba e o bigode. Gabriel finalmente com túnica alva parecia outro.
Job então falou-lhe:
-
Gabriel, estas silencioso desde que trouxe do lago; fala-me algo!
Gabriel olhou-o fixamente dizendo-lhe:
-
Es pessoa boa e justa Job; estou
ciente do mal que cometi...
Job
surpreendeu-se com a clareza das idéias e a voz firme. No entanto o semblante
ainda lhe era humilde.
-
Recordo-me de tudo e sinto-me a mais infeliz das criaturas; porque não
me acusastes do crime que cometi?
Job afastou-se de Gabriel indignado.
Havia se iludido com sua aparente fragilidade. Não
era demente e nem estava louco. Enganara a todos.
-
Job deverias ter me acusado do crime que cometi, somente assim poderia
ressarcir minha culpa em claustro fechado, o resto de minha vida. A infelicidade
me e tamanha e não tenho motivos para viver.
O servo caminhou de um lado para o outro impaciente,
ouvindo-o atenciosamente.
-
Matei a minha Brigith ... matei meu filho... mas Deus não permitiu que
me matasse. Vou sofre este pesadelo o
resto de meus dias.
Job interrompeu-o
-
Escuta-me Gabriel, te acolhi
como o irmão que me és e porque te apresentavas frágil,
demente e louco. Não compreendo porque
o fizestes ; Não gosto de ser enganado. Mas relevarei isto; terás tempo suficiente a reparar o mal
que fizeste ; substuiras a irmã que roubaste no carinho e na atenção
a Anderson. Somente assim a Deus mostraras teu real arrependimento. Não ouses
tu, enganar-me novamente; ouviste Philip
, estejas certo que se algo fizeres que
desabone a minha proteção, eu o auxiliarei a expulsarte desta propriedade. Pelo
que sei , os teus vinte e dois anos de
existência estão solidificados aqui... ponderai qualquer atitude tua.
Gabriel sempre humildemente e mostrando-se
imensamente agradecido baixou a cabeça em concordância.
-
Agora repousa e pensa em tudo o que te disse mais tarde virei buscar-te
para a refeição e o inicio de tuas tarefas.
Dizendo isto Job afastou-se.
Gabriel olhou-o
e em si somente existia ódio e
fúria.
Deitou-se no leito de feno fitando as telhas de
cerâmica. O silencio se fazia naquele aposento úmido embora sempre alguns
servos entrassem e saíssem continuamente.
Finalmente conseguiu o que tanto ambicionava e tanto tempo esperou.
Estava dentro do castelo de lorde Orlando. Repensou no ano que passara .
Angustiado e sofredor ficara com a morte de Brigith
e de seu filho que brotava em seu ventre; fruto de ato lindo amor. Colocara-se
a olhar o seu enterro , naquela tarde gelada e embora mantivesse-se sem reações
diante dos outros servos, o coração lhe estrangulava o peito; ali lhe era enterrada a vida, a esperança, os sonhos.
Lembrou-se que dali foi ao lago e lá permaneceu ate
anoitecer. Desejava congelar as emoções no frio torrencial que fazia.
Nada na vida lhe tinha mais interesse; não desejava
mais trabalhar ou servir os nobres aos quais tanto odiava.
Caminhou ate as colinas. longa e árdua jornada que
mal lhe incomodava. La chegando selecionou algumas ervas que provocariam febres
elevadíssimas em quem as tomasse.
Propositadamente as tomou ao retornar ao celeiro;
desejava adoecer aparentemente. Temia também que o servo Job revelasse seu
crime; e estando doente ninguém o
incomodaria ate que voltasse a ficar são . Sabia que as ervas o deixariam
agonizante e febril por longos dias.
Propositadamente ainda deixara próximo a si um chá
de ervas fatais, para que todos deduzissem que tentara se matar; ocultando as
outras que na realidade havia tomado.
Lembrou-se que acordou alguns dias depois,
circundado pela piedade de inúmeros servos e do medico que o assistia.
Manteve-se silencioso observando tudo e todos. com o
tempo percebeu que nada sabiam do crime que cometera e concluiu que o servo Job
se calara em cumplicidade ainda que não compreendesse porque.
Freqüentemente um velho frei vinha próximo ao seu
leito, para falar-lhe do pecado que cometera ao tentar tirar a sua vida.
Não sabiam no entanto que não ousara em momento
algum se matar; mas fugir as
conseqüências do mal que cometera.
Como o corpo se restabelecia e liquido febril não
mais surtia efeitos, optou por fazer-se louco; somente os loucos usufruíam dos
alimentos sem o árduo trabalho. Estava
empenhado em nunca mais trabalhar e em armar estratégias vingativas.
O seu ódio e
a sua ira eram direcionadas a Anderson.
Fora culpa dele a morte de Brigith.
A raiva também era direcionada a Job ; era sua a
culpa da morte de Brigith .
Recordou-se que os dias de inverno passavam lentos e
intencionalmente fingia conversar e discutir com imagens inexistentes.
Divertia-se com o receio que provocava nos servos,
que temerosos pelas visões que demonstrava ter começaram a afasta-lo das
tarefas.
Fácil lhe era ficar
pelos cantos fingindo demência enquanto interiormente construía o seu
ódio.
Certa vez Philip indisposto obrigou-o a
distanciar-se do castelo; dizendo-lhe que atrapalhava o trabalho e que poderia
ficar na gruta do lago, ate que falasse
com o lorde Orlando.
Sentiu-se vitorioso;
conseguira o que almejara ;
estava finalmente livre das tarefas longe dos servos, do medico e do
velho frei .
No lago conseguiu ficar tranqüilo e não precisou
mais fingir os ataques de loucura. Vivaz
optou em não cuidar do corpo; ainda que
o incomodasse, estava certo que Philip ali apareceria para ver como
estava. Se o visse limpo e bem tratado
concluiria que não era ato demente. A
comida lhe chegava em fartura e a gruta lhe era imensamente confortável.
deixara de ser submisso e vivia
bem.
Mas a raiva ,o ódio, o rancor lhe cresciam
incessantemente. Desejava uma
oportunidade que lhe permitisse que entrar no castelo.
Poucos dias
de vida no lago surgiu-lhe um dia a oportunidade em galope lente. Havia o
reconhecido de imediato era Job.
No inicio se sentiu receoso de sua presença ali, mas
estava ciente que após tanto tempo da morte de sua amada Brigith, pouco mal
poderia fazer-lhe em função da sua total cumplicidade.
Premeditadamente fizera-se aparentemente louco e lhe
revelara o amor que sentia por Brigith, e o ciúme que tinha em relação a
Anderson... assim Job compreenderia o que ocorrera e se apiedaria de si.
Os dias passaram tranqüilamente para ele; afastado
do castelo tinha tempo a confeccionar arcos e flechas que ocultava na gruta,
escondendo-os entre as pedras. Quando Job finalmente retornou sentiu-lhe
imediatamente a presença e propositadamente fizera-se imóvel e apático.
Quando caminhou em sua direção e encaminhou-lhe á
montaria, sentiu que seu desejo se realizava; o retorno ao castelo!
Defronte ao castelo quando Philip o agrediu
verbalmente, felicitou-se interiormente pelo êxito da conquista; entraria no
castelo, e poderia executar a vingança tanto tempo elaborada.
Repentinamente Job entrou no pavilhão e interrompeu-lhe as lembranças.
Job apresentava bondade extrema, e este sentimento irritava Gabriel mas
precisava manter-se humilde e arrependido aos olhos deste.
-
Repousastes um pouco Gabriel?
-
Descansei sim Job. Estou imensamente agradecido pelo que fazes por mim.
Job pediu então que o acompanhasse, e ambos
dirigiram-se á copa do castelo onde fizeram a refeição.
Gabriel não se sentia faminto, mas devorou a comida
como se á muito não se alimentasse; intencionada manter a piedade daquele servo
que o observava continuamente.
Falou-lhe Job com extrema emoção:
-
Observo que estavas com muita fome, Gabriel! Agora amigo, alimento não te
faltará.
Gabriel olhou-o humildemente mostrando-se
imensamente agradecido, mas a vontade que sentia era a de levantar-se e
esmurra-lo por haver matado a sua Brigith.
Após a refeição, caminharam até o aposento de
Anderson. levando-lhe a refeição.
Ao entrarem neste, Gabriel avistou o jovem como o
adversário frio e indiferente que lhe roubara o carinho e o amor de Brigith.
Sentiu um impulso enorme de pular sobre ele e
estrangula-lo até que a asfixia o matasse.
Mas mais uma vez controlava-se na fúria e no extremo
ódio que sentia e mostrou-se amigavelmente sereno e cândido.
Job carinhosamente apresentou-o a Anderson:
-
Senhor Anderson, este é o servo Gabriel e de hoje em diante passará a
auxiliar-te também.
Anderson observou Gabriel desinteressadamente e Job
pedindo a Gabriel que se aproxima-se instruiu-o:
-
Gabriel, observa e aprende como o alimento, passarás tu a faze-lo
quando estiver ausente!
Então o servo colocou-se a manusear os talheres, de
forma a alimentar Anderson com extremo cuidado e amor. Gabriel mantinha-se em
pé observando-os com uma repulsa intima grandiosa.
Com o passar dos dias, Gabriel foi se integrando ás
tarefas com Anderson. O dia inteiro mantinham-se ocupados, alimentar, banhar,
limpar, trocar, vestir.
Logo Job elogiava o carinho que Gabriel demostrava
ao cuidar de Anderson. Contava-lhe inúmeras estórias que aprendera com o velho
Manco e com envolventes encenações conseguia atrair o real interesse de
Anderson que por ver vibrava e até conseguia rir.
Job despreocupado e percebendo que não devia ter
mais receios, porque Gabriel realmente havia se arrependido e havia mudado, tentando ser uma pessoa boa e justa; passou a deixa-los a sós;
enquanto ia aos pastos recolher flores para trazer um pouco da perfumada
primavera para o aposento.
Anderson estava mais feliz e tinha se resignado á paralisa e ás enormes limitações que
ela lhe trouxera. Aprendera a
agradecer a vida que Deus lhe concedia em bondade a cada amanhecer, e a valorizar cada movimento, por
menor que fosse, que ainda possuía. Sentia-se bem próximo a Gabriel e o
considerava um grande amigo assim como Job a quem reconhecera o esforço e a
dedicação.
Nos campos as flores pareciam brotar incessantemente
e Job continuamente as trazia em inúmeras espécies o que dava ao aposento o ar
primaveril.
Certa manhã, quando Job se ausentou do aposento para ir aos pastos, como
fazia costumeiramente pelas manhãs,
Gabriel aproximou-se de Anderson que ainda se
mantinha deitado no leito e fitou-o demoradamente.
Anderson incomodou-se com aquele olhar fixo que
naqueles longos dias haviam mostrado doçura e bondade mas agora brilhavam em
aparente raiva.
Balbuciou temeroso:
-
O que há contigo Gabriel? Aborreceste-te comigo? Porque sentes raiva?
Gabriel nada lhe respondeu, não conseguia mais
controlar em si o desejo ardente de concluir a vingança que ocultara em doces
sorrisos e palavras carinhosas.
Alcançou a almofada na qual a cabeça de Anderson
estava deitada e sem que o jovem pudesse se defender ou implorar auxilio
Gabriel começou a asfixia-lo.
Anderson indefeso
e desesperado tentava se livrar o rosto da almofada que lhe impedia a
respiração.
O ritual de sofrimento lhe foi longo. Gabriel
maquiavelicamente dava pequenas pausas na tortura para visualizar-lhe a face
contorcida ansiando oxigênio e sorrindo sarcasticamente novamente o asfixiava
com a almofada.
Todo o ódio de Gabriel ali imperava. Matava-o pelo
carinho e o amor que lhe roubara; pelo tempo que não retornaria; pela pessoa
que tanto amava e não mais veria; pelo filho que nunca teria oportunidade de
conhecer...
Finalmente terminou a agonia de Anderson e ele ficou
imóvel perdendo a vida em seu corpo.
Gabriel friamente e sentindo-se um pouco exausto,
recolocou cuidadosamente a almofada sob sua cabeça e recompôs o leito. Anderson
parecia dormir sereno tal qual Job o vira quando saíra.
Gabriel olhou-o indiferente ironizando em seus
pensamentos "agora podes dormir infeliz!".
Gabriel saiu do aposento aliviado, parecia ter
tirado de si o enorme peso da repulsa e do ódio que lhe consumiam os dias.
Caminhou tranqüilo até o pavilhão dos servos e pediu
a um deles que chama-se o médico, porque não estava se sentindo bem.
Rapidamente em sua astucidade, mascou algumas ervas que colhera certa vez ,
premeditadamente, quando o Job lhe pedira para pegar flores no campo e as
ocultou em seu leito de feno sem que Job o visse.
Quando o medico ali chegou, Gabriel já ardia em
enorme febre e agonizava em
convulsões. O médico que já o havia tratado anteriormente,
concluiu que fosse uma recaída e desconhecendo a razão da enfermidade, pediu
aos demais servos que observavam amedrontados o infeliz em convulsão, que se
mantivessem distantes.
Quando Job retornou
dos campos com as lindas flores que colhera com amor para Anderson, logo os
servos lhe avisaram da enfermidade de Gabriel. Job apiedando-se do amigo correu
ao pavilhão e surpreendeu-se com o corpo de seu colega em delírio febril,
espumando agonizante.
Lágrimas piedosas lhe desceram em sua extrema
bondade. Um dos servos advertiu-o que o medico instruíra que ninguém deveria se
aproximar do enfermo, o mal poderia ser contagioso. Job secando as lagrimas,
indagou-lhe preocupado, quando a indisposição havia começado.
Este como não sabia ao certo, pois ali chegara á
pouco, informou-lhe que adoecera tão logo despertara.
Job lembrou-se que Gabriel despertara consigo e o
acompanhara até o aposento de Anderson. Ali o deixara quando Anderson ainda
dormia. Sentindo-se culpado, lembrou-se ainda que Gabriel tão logo acordara
reclamava fortes dores de cabeça e fragilidade em seu corpo.
Job sentia-se profundamente culpado, tratara com extrema indiferença os incômodos
do parceiro amigo, pedindo-lhe que ficasse no aposento até retornar dos campos.
Percebendo que nada podia fazer por Gabriel, Job
controlou-se na enorme piedade que sentia e caminhou ao aposento de Anderson.
Observando-o dormindo ainda tranqüilamente e
percebendo que Gabriel não tivera tempo a levar-lhe a refeição matinal; saiu a
providenciar rapidamente antes que o jovem nobre despertasse.
Aproveitou que novamente havia descido, e retornou
ao pavilhão preocupado em demasia com o infeliz Gabriel. Este apresentava-se
mais sereno; parara de espumar e agonizar; entrara em sono febril e profundo.
Job carinhosamente aproximou-se do seu leito de
feno, e cobriu-o com sua manta.
Sentou-se bem próximo indiferente á moléstia ou ás
orientações medicas e lamentou a sua sorte " como Gabriel era pessoa boa;
naqueles longos dias havia conseguido fazer o milagre de mudar a vida de
Anderson; com lindas canções o animava e com as envolventes estórias o
distraia;" Intrigava-se no entanto porque o mal lhe acometia novamente;
com certeza pensou, o corpo de Gabriel ainda se ressentia do veneno que tomara
para se matar. "Pobre Gabriel "pensou melancólico e fez breve oração
pedindo a Deus que o auxiliasse.
Retornou então ao aposento de Anderson levando-lhe a
refeição e preocupado em como lhe explicaria a ausência de Gabriel de quem
tanto aprendera a gostar. Ao entrar observou
surpreendido que o jovem ainda dormia e observando o sol que já se
erguera em demasia, aproximou-se do leito para desperta-lo.
Olhou-o atenciosamente e percebeu assustado que não
tinha respiração.
Tocou-lhe a pele e sentiu-a quente. Sentiu-se
amedrontado e ciente de que novamente a fatalidade descia naquela família.
Correu desesperado a chamar Philip e o médico.
Rapidamente todos se encontravam no aposento observando o corpo do jovem
Anderson. O médico exclamou surpreso:
-
Anderson morreu dormindo; tal qual a irmã Brigith!
Job sofreu em demasia com a perda do seu protegido. Recostado próximo as
flores que colhera desejando alegra-lo em mais um dia.
Lembrou-se repentinamente do sonho de Anderson que
nunca lhe saíra da mente " disse-me que quando as flores surgissem nos
campos, viria me buscar para caminhar com ela até ás colinas..."Job
caminhou ä janela e por um instante podia imaginou Anderson e Brigith correndo pelos campos de
mãos dadas.
As lagrimas saudosas desciam-lhe tristes em suas
faces robustas. Philip e o medico foram imediatamente avisar a nobre Joane do
falecimento de seu filho Anderson.
Como o Lorde Orlando e seu filho estavam ausentes do
Castelo, em viagem a Adredanha , deveria ela dar as ordens para que fossem
tomadas todas as providencias.
A nobre senhora sempre muito elegante, mas
envelhecida pelo constante claustro em seu aposento e entristecida pelos
acontecimentos fatídicos em sua família, recebeu-os recostada em um pequeno
divã.
O aposento era requintado de esmeros luxo e as
tonalidades escuras nos cortinados e tapetes que o tornavam sombrio mas
aconchegante, mostravam que a nobre Joane temia excessa luminosidade.
O médico aproximou-se e com cuidado primoroso
falou-lhe das limitações de seu filho tetraplégico para depois lhe informar de
sua morte. Joane olhou-os conformada dizendo-lhes:
-
Não se surpreendam com minha insensibilidade á noticia que me trazem;
para mim é enorme motivo de alivio e conforto saber que Deus teve misericórdia
de meu amado filho e o abençoou concedendo-lhe morte tranqüila. Ciente estava
do quanto meu filho sofria em função das limitações em sua juventude. Deus é Pai e é justo!
Silenciou serena, parecia estar fazendo uma breve
prece com os olhos cerrados. Alguns instantes depois pediu a Philip que tomasse
todas as providencias necessárias ao enterro e que prontamente enviasse um
mensageiro á propriedade de Adredanha, enviando a seguinte mensagem que
manuscreveu:
" Senhor meu esposo,
Venho informar-lhe que
nosso querido primogênito
descansa finalmente
em paz do lado de Deus .
Sua
esposa
Joane"
Philip saiu ágil a resolver tudo; enquanto o medico
ficou no aposento a pedido da nobre senhora.
Murmurou esta:
-
Pedi que ficasses pois desejo falar-lhe. Senta-te Ricardo!
O medico sentou-se sem cerimonias próximo a si, como
uma pessoa intima e amiga.
-
Que deseja de mim, nobre Joane?
Joane cerrou o semblante pedindo á sua dama de
companhia , que ali ainda estava, para deixa-los sozinhos. Olhou então o medico
e disse-lhe com extrema seriedade.
-
Não é de meu interesse chamar o velho frei e me confessar; estou ciente
que ele no compromisso de sua religiosidade não poderia ajudar-me!
O medico a olhava extremamente curioso e Joane
prosseguiu:
-
Ricardo, és o medico de nossa família á uma década , ainda que por
motivos da moléstia contagiosa em Adredanha tenhas te ausentado temporariamente...
A nobre dama ergueu-se e caminhou até á janela.
-
Sabes do mal que possuo e sempre me fostes leal; respeitaste-me a
vontade e sempre mantiveste sigilo absoluto. Cuidadosamente tens me dado a
droga sem que nenhum de meus familiares ou servos sequer o desconfiem. E
somente o medicamento me tem mantido apta á convivência ocasional com eles; sem
que se apercebam de minhas terríveis dores...
O medico levantou-se, desejava caminhar até Joane
para confortá-la; mas mantivesse imóvel.
-
Sei que as dores são mais freqüentes e isto me leva a crer, ainda que
não me digas, que o tempo que me reta é bem restrito.
Ricardo balbuciou preocupado:
-
Senhora é melhor sentar-se!
Joane prosseguiu fazendo um gesto para que o medico
novamente se sentasse.
-
Não conseguirei descansar, enquanto não te pedir auxilio!
Caminhando sentou vagarosamente novamente no divã.
- Como te disse Ricardo, isto não é uma confissão;
desejo compartilhar contigo algumas coisas de minha vida para que me auxilies!
O medico sentia-se apreensivo e tentou evitar que
continuasse de emocionando.
-
Senhora, é importante que repouse; o medicamento começa a perder o
efeito.
Joane se tornava pálida e começava a se contorcer
com as dores que lhe ao corpo.
-
Ricardo peço-te que me ouças; como já podestes observar, das grandes
janelas de meu aposento posso visualizar o rio, as colinas, os campos...posso
ver e acompanhar em posição privilegiada o dia a dia de cada servo, indo e
vindo de seus afazeres. Posso vê-los entrando e saindo do pavilhão onde dormem
e posso observar os bonitos cavalos entrando e saindo do celeiro...
Deu um profundo suspiro e continuou.
-
Como sempre fiquei muito reclusa em meu aposento, para não despertar
atenções sobre o mal que possuo e suas conseqüentes e constantes dores; passei
longos dias de minha vida, por detrás destas janelas, de onde sempre pude
acompanhar a vida deste castelo .
Joane prosseguiu de olhos cerrados como se tentasse
com isto controlar a dor que sentia.
-
Com esta minha diária distração, os dias passavam-me breves. O que te
contarei agora não é de forma alguma, uma acusação, mas um conjunto de
suspeitas...
Joane contorceu-se em dor violenta e o medico
prontamente auxiliou-a.
-
Agora é melhor deitar-se
senhora!
Enquanto o medico Ricardo a auxiliava a deitar-se
explicou-lhe :
-
Como acompanhei Philip a vir aqui dar-lhe a noticia do falecimento de
seu filho Anderson, e sabendo de sua enfermidade, achei prudente trazer-lhe a
morfina; a aplicarei e se sentirá melhor!
Dizendo isto, o medico lhe deu o medicamento e esta
após repentina melhora suplicou-lhe:
-
Ricardo, acomode-se novamente para que continue, ainda tenho muito a
falar-lhe, e temo que não tenha muito tempo para isto.
O medico sentou-se num banco próximo ao leito, e
ouviu-a atentamente. Joane continuou agora serena.
-
Como te dizia Ricardo, não desejo acusar ninguém, mas dividir a minha
suspeita contigo, para que tu, em teu dinamismo força e jovialidade possas
averiguar. Desde que minha filha completou os treze anos, pude observar um
comportamento estranho, talvez certo interesse em demasia por um dos servos. O
vi freqüentemente amanhecer nas pastagens próximo ao rio, a observar o castelo.
O fazia continuamente. Quando eu descia para conviver um pouco com meus
familiares, pude observar ainda os olhares de paixão que este servo destinava a
Brigith quando a vinha chamar para cavalgar. Como mãe zelosa que sou, ainda que
freqüentemente ausente em função de minha enfermidade, resolvi vigiar-lhe o
comportamento. Percebi então, pela janela de meu aposento, que esse servo
parecia demasiadamente agitado e nervoso com a proximidade do noivado de
Brigith. Cavalgava pelas colinas confuso e caminhava nas margens do rio
impaciente. Por minhas observações conclui que a amava, mas estava certo que
Brigith já com seus quinze anos não o via alem de um mero servo que lhe era
amigo. Certa noite, em que precisamos de lenha no castelo, este servo a
trouxe...enquanto a arrumava vagarosamente próximo á lareira eu levantei-me
para ir até o lavabo; sentia dores e precisava disfarça-las. Quando retornava deste, observei que o rapaz
subia apressado a escadaria que levava aos aposentos. Temi pela segurança de
meus familiares mas nada falei ao senhor meu esposo. Estava certa que ali
subira por mera curiosidade e que não demoraria a descer. Conhecia seu tutor e
sabia que pessoa tão boa não poderia ter um protegido ruim...
Joane observou o médico para verificar-lhe a atenção
e continuou.
-
Como não pude observa-lo pois havia me reunido aos demais no salão,
deduzi que tivesse descido prontamente e saído do castelo. No entanto depois
que nos retiramos para o referido repouso naquela noite, e como não consegui dormir, pelos
incômodos que sentia, proseei-me na
janela... tentava distrair-me com a noite. Era bem tarde quando percebi um vulto correr em direção ao celeiro. pela silhueta estou certa que era Gabriel...
Pela primeira vez
Joane falara o nome do rapaz e o medico, redobrou a atenção na longa
narração da nobre dama, que de olhos
fechados , parecia visualizar os acontecimentos , que visualizara só e
agora compartia com ele em confidencia.
- Como a morfina me deixa excitada e da insônia,
interessei-me em verificar o que acontecia ali; e de lá não tirei os olhos
. Posteriormente, vi o velho Manco, caminhar ate o pavilhão e de lá saiu apressado carregando uma corda.
Não tardou muito Gabriel saia do castelo em seu
cavalo ; lembro que a silhueta estava de chapéu e recordo ainda com perfeição ,
que carregava um enorme arco nas costas
...
O medico
Ricardo , de um sobressalto levantou-se do banco e pôs-se de pé .
-
Mas porque a senhora nunca contou isto a seu marido lorde Orlando ?
-
Sente-se Ricardo... como haveria
de lhe dizer o que fazia na
janela tão tarde da noite ?
Ricardo sentou-se:
-
A senhora poderia dizer-lhe que estava sem sono !
-
Não Ricardo ... não tinha eu motivos para desconfiar do passeio noturno
de Gabriel !
Ricardo olhou-a fixamente :
- Mas com certeza , a senhora teve inúmeros motivos
para desconfiar posteriormente ?
-
Sim os tive Ricardo , mas
calei-me ! Na manha seguinte , dia festivo ao noivado de nossa filha Brigith ,
chegou a comitiva de Duque Henri
I , trazendo o filho que falecia , alvejado
por duas flechas ... como o amigo sabe
, não acharam suspeito do ataque ...
Joane parou repentinamente , e uma lagrima
desceu-lhe nas faces , cerrou novamente os olhos e prosseguiu.
-
Acalma-te Ricardo , que ainda tenho muito a falar-te ... Quando o luto
terminou com a partida do Duque da Duquesa ,
meus filhos pediram para dar um
passeio , o que consenti .Caminhei ate a janela da grande sala , e pude
observa-los assumir a montaria . Intrigada observei Gabriel e mais intrigada fiquei observando
que Brigith trocava olhar cúmplice com ele ...Temi pela inocência de minha menina ; e apressada
dirigi-me a meu aposento . Daquela minha janela
pude ver os meus três filhos
distanciando-se nas colinas ; e
assombrada percebi que Gabriel os seguiu .Estava disposta a chamar meu esposo
, mas mais uma vez temi faze-lo , e aguardei ansiosa que retornassem .Observei
quando os três surgiram no topo da colina e
com tristeza imensa lembro-me de meu filho Anderson , sendo arremessado do cavalo .Naquela distancia não
podia compreender o motivo ; mas quando
o cavalo de Anderson passava perto do rio a caminho do celeiro , pude observar
revoltada que a cela estava completamente solta .
Ricardo novamente interrompeu-a :
-
Senhora o que me narras e assustador ! Primeiro me dizes que Gabriel
ausentou-se do castelo , tarde da noite com um arco ; na manha seguinte o noivo
de Brigith e ferido não muita distante
daqui ... agora me dizes que teu filho caiu da montaria porque estava a cela
solta e me afirmas que Gabriel os acompanhava ;
mas porque senhora te omitistes em silencio ?
A nobre dama que agora chorava intensamente nada
respondeu . Ricardo colocou-se a caminhar no aposento impaciente
- Posso prosseguir ?
Indagou a senhora após algum tempo . Ricardo fez um
meneio sentando -se .
- Ricardo , estou certa que errei em omitir ; mas
não me julgues .Auxiliai-me a descobrir a verdade . Ouvi tudo e não me
interrompas .
Ricardo baixou a cabeça em humildade e deixou-a
continuar .
-
Com imensa dor soube da invalidez de meu primogênito ; as reuniões
familiares passaram a ser breves
encontros silenciosos . fiquei então maior tempo reclusa . nos poucos momentos
que via meus filhos , podia observar-lhes o crescimento que passa despercebido
a quem se vê freqüentemente ; mas a esta mãe que os via tão pouco cada diferença era grandiosa . pude observar
que Brigith com seus quinze anos não era
mais uma menina ; os quadris haviam aumentado e os seios se tornavam fortes ;
desconfiei que tivesse perdido definitivamente a infância no encontro furtivo ,
mas não tinha certeza . Fiquei vigiando-a a distancia tornando-me amiga e
confidente de Lana sua dama de companhia . Por ela soube que Brigith estava indisposta e que a comida lhe
dava enjôos e vômitos ... começava a ficar certa do que desconfiava . Com
certeza ela teria se encontrado com Gabriel
e esperava um filho .
Angustiei-me em demasia e recolhi-me em oração , pedindo a Deus que me iluminasse
numa solução para ajuda-la . Certa noite vi Job dirigindo-se ao celeiro .
Observei que trazia algo em suas mãos e fiquei curiosa . Senti-o caminhando nos corredores e sem que
me visse o segui . Observei quando
entrou no quarto de Brigith e como a porta estava somente encostada pude
escutar-lhes o dialogo . Job a pedido de Brigith , conseguira um chá com Gabriel para sanar-lhe as indisposições que
sentia. No dia seguinte como o senhor sabe , minha filha amanheceu morta !
O medico não se continha de aflição e baixando o rosto sobre as mãos balbuciou :
-
Que horror!
Joane também rompia em pranto inconformado,
dizendo-lhe entre soluços.
-
Ricardo tudo são meras desconfianças, de nada podemos ter certeza.
Ricardo olhou-a intrigado:
-
Perdoai-me senhora a indiscrição, mas ainda não consigo compreender seu
silencio!
Joane tentava se desvencilhar do olhar de Ricardo ,
temia que este descobrisse em si, um pecado tão docemente guardado ; um segredo
jamais revelado . Prosseguiu para distrair-lhe a atenção :
-
Recentemente fiquei sabendo que o velho Manco falecera na noite em que Anderson ficara
invalido ; e fiquei sabendo ainda que Gabriel retornou ao castelo , como
demente para cuidar de meu filho ; que
coincidentemente agora faleceu ...
A nobre dama , mostrou sinais de cansaço e o medico prontificou-se :
-
A morfina a acalma, e dormira breve sono; precisa repousar !
Joane agradeceu-lhe com um olhar e antes que o
medico Ricardo saísse do aposento disse-lhe:
-
Ricardo, tens uma desconfiança e não uma certeza; ponderai as atitudes;
confiei-te este meu segredo.
Ricardo lhe fez breve reverencia afirmando-lhe fidelidade e saiu .
Sentia-se intrigado com tudo que ouvira ... se as suspeitas eram
verídicas , tantos males poderia ter evitado , se houvesse alertado o lorde .
Porque o haveria ocultado durante tanto tempo ? Porque somente agora dividia as
suas duvidas quanto a integridade de Gabriel .
Intuitivamente rumou ao pavilhão dos servos ; quando
se aproximou deste, voltou-se na direção das muralhas do castelo; realmente
Joane falara a verdade, da porta do pavilhão poderia avistar as janelas de
seu aposento.
Surpreendeu-se ao vê-la, de pé, recostada no
cortinado. Olhava-o serenamente !
Ricardo baixou o semblante e entrou no interior do
pavilhão. Porque Joane expressara-se imensamente cansada e agora a vira predisposta mirando da janela ? Porque
evitara o dialogo ?As perguntas lhe eram intermináveis.
Ricardo caminhou ate o leito onde Gabriel se
encontrava. Examinou-o! A febre ainda
estava elevada , mas o sono mantinha-se tranqüilo . Ficou ali pensativo olhando-o por longo tempo
... seria aquele rapaz, de vinte e
quatro anos de idade, capaz de premeditar a desgraça de tantos por simples amor
?
Gabriel pareceu sentir-lhe a presença indagadora , e
agitou-se no leito .
Ricardo levantou-se e saiu . Observou na saída do castelo que Philip
providenciava o sepultamento para o
entardecer .
Agindo por instinto rumou ate o celeiro , e de lá
também voltou-se para avistar as janelas do aposento de Joane . Sem duvidas ali estava ela , mantinha-se
na mesma posição imóvel observando-o .
Meditou surpreendido , "Como a nobre dama tão
ausente da vida no castelo, estava tão mais
presente que os demais, em seu posto solitário; observando, vigiando e
concluindo de uma mera janela".
Entrou no celeiro e sentou-se no feno.
Silvio surgiu, indagando ao medico se desejava algo.
O medico fez-lhe perguntas sobre Gabriel e o menino prontamente informou tudo o
que sabia.
Ricardo então pediu-lhe um cavalo e rumou tranqüilo
ate o lago.
Não foi difícil encontrar a gruta onde Gabriel
dormia, no breve tempo de reclusão. Entrou na gruta, temeroso do que ali
encontraria.
No vasto vão revestido de pedra, observou um farto
leito de palha. Curioso caminhou ate ele; próximo ao leito, cravado na pedra, a
sulcos rústicos e mal traçados o nome de Brigith .
Alguns restos de fogueira ali próximo lhe chamaram a
atenção. Porque faria Gabriel uma fogueira dentro da gruta.
Caminhou ate
ela, e remexeu as cinzas;
No meio das cinzas o medico Ricardo, encontrou
alguns pedaços de pedra talhada no fogo. Quatro pedaços encontravam-se em forma
aproximada e pontudas flechas.
A conclusão lhe entorpeceu o ser; Gabriel na
penumbra da noite fabricava flechas...
mas para que, e onde as ocultaria.
Ergueu-se veloz e vasculhou a gruta de ponta a
ponta. Nada encontrara. Mas uma pedra deslocada das demais o intrigou e
resolveu remove-la. Não foi difícil faze-lo.
A surpresa invadiu-lhe todos os sentidos, quatro
arcos bem talhados em madeira alva e quantidade substanciosa de flechas
ardilosamente trabalhadas, se
encontravam ali ocultas. Ricardo temia
alguém vir procura-lo e recolocou a pedra em seu lugar.
Saiu da gruta e o ar fresco lhe fez sentir-se bem.
Aproximou-se do lago e ali permaneceu algumas horas, tentando concluir tudo o
que ouvira e vira naquele dia.
O sepultamento de
Anderson foi breve.
Joane permaneceu serena e silenciosa e depois
rumou aos seus aposentos sem nada dizer.
Job demonstrava sentimento de perda profunda, como
se ali tivesse sepultado o filho mais querido ou o irmão mais terno.
Sentara-se próximo as duas sepulturas, a de Brigith
e Andreson, e ali permanecera ate que a
noite o fizesse retornar ao castelo.
O medico Ricardo manteve-se distante como um hábil
observador, tentando compreender tudo e todos.
Sempre fora o servo mais discreto e neutro naquela
propriedade. Nunca se envolvera na vida da nobreza ou dos demais servos .
Fazia seu serviço com dedicação e amor, e o ofertava sem nada exigir ou reclamar.
Lembrava-se que ali chegara quando as crianças eram
pequenas e a vida familiar era tranqüila
e serena.
Chegara á propriedade, como ordem do lorde, e para
substituir o medico familiar que havia falecido repentinamente de velhice.
Podia recordar-se com clareza do dia em que
chegou, ao descer as colinas avistou
uma menina de aproximadamente cinco
anos, cabelos dourados e caheados, que correu em sua direção e falou-lhe
cândida : "Meu nome é Brigith e o seu senhor ?"...
Ricardo agora
sentia-se cansado; os quarenta anos de existência física já lhe pediam
calma e ponderação nas atitudes e nos
impulsos.
Sempre fora neutro, mas agora se via envolvido numa
trama diabólica a confirmar, e a pedido da nobre dama, deveria se manter
discreto ate ter provas e certezas. "Como
a vida tecia os rumos dos seres,
entrelaçando-os ! " pensou.
Quando Job retornava ao castelo, Ricardo o
acompanhou silencioso.
Ao chegarem próximo ao pavilhão dos servos , Job
falou-lhe:
-
Viestes ver Gabriel, Dr. Ricardo ?
O medico olhou-o intrigado.
- Sim Job , mas também desejo falar contigo !
Ricardo
caminhou na direção de Gabriel e observou-o. O quadro clinico, se
mantinha o mesmo. Muita febre e sono
agitado. O medico nada poderia fazer, a não ser esperar que a febre cedesse por
si , e manter os demais serviçais distantes. Quando algum mal ocorria
sem explicação, não podia ter certezas de que não era contagioso... a precaução era a
sua primeira providencia .
Olhou Job que o
aguardava e este falhou-lhe:
- Que desejas senhor Ricardo ?
-
Conversar contigo Job ainda que saiba que já é tarde !
-
Estou sem sono senhor, podemos conversar.
Ricardo caminhou com Job até o pátio interno do
castelo; e ainda que sentisse a presença de Joane a observá-los da janela de
seu aposento, não olhou em sua direção. Sentou-se e Job sentou próximo a si, de
cabeça baixa, triste e silencioso.
-
Job, gostavas muito de Anderson!
-
Sim senhor Ricardo. Considerava-o um irmão muito querido.
-
Pelo que soube, também gostavas muito de Brigith.
-
Sim senhor, tinha-lhe imenso carinho e respeito.
-
Que idade tens?
-
Farei trinta anos na próxima primavera!
-
Viestes da propriedade de Adredanha para cuidar de Anderson, que farás
agora Job?
-
O que o senhor Lorde me ordenar senhor Ricardo; no entanto, gostaria de
retornar para perto de minha família...tenho esposa e uma filhinha!
-
Porque não as trouxestes contigo?
-
Senhor Ricardo, nós os servos, não decidimos sozinhos nossas vidas. O
Lorde requisitou os meus serviços aqui neste castelo; ainda pedi a Philip que
havia ido a Adredanha me buscar, que permitisse que minha família me
acompanhasse; mas este simplesmente alegou a inutilidade destas nesta
propriedade...
-
Deves sentir falta, afinal á muito tempo não as vês.
-
Precisava tratar do senhor Anderson, e ele me ocupava os dias; mal percebi
o tempo passar. Mas por vezes enquanto dormia, elas me surgiam na mente e eu
sentia-me amargurado pela distancia.
O médico olhou-o sentindo-lhe a tristeza, e tentou
consola-lo.
-
Não tardará, o lorde estará no castelo novamente, com certeza permitirá
que retornes para tua família.
Job olhou-o confiante e o silencio por breves
minutos se fez. O médico encheu-se de coragem e indagou-o .
-
O que achas de Gabriel?
Job estremeceu sentindo que a pergunta não lhe era
feita despropositadamente.
-
Que desejas saber senhor?
O médico analisando-o sempre, nas reações,
continuou.
-
Tudo Job. Preciso saber tudo!
O servo sentia uma enorme vontade de desabafar; mas
temia por sua segurança. Sentia-se cúmplice na morte de Brigith. O médico no
entanto parecia-lhe pessoa de confiança. Ricardo percebendo-o apreensivo, olhou
a imensidão escura cintilante de estrelas e disse-lhe, colocando-lhe a mão no
ombro.
-
Confia em mim
Job. Não desejo te prejudicar. Me ajuda !
Ricardo olhava-o suplicante e Job abaixando a cabeça
sobre os joelhos, sentindo-se imensamente culpado, chorou. Ricardo acalmou-o e
Job mais sereno contou-lhe tudo o que havia ocorrido com Brigith. O médico
perplexo com a confirmação de algumas suspeitas da nobre senhora, também baixou
a cabeça inconformado, e disse-lhe baixinho.
-
Então ele era o pai !
-
Sim senhor Ricardo e a matou por mero engano, ciente de que matando
Anderson se reaproximaria desta...
-
Job, disseste-me que te enganou, fingindo-se louco! Não temeste pela
segurança de Anderson?
-
Sim senhor, no inicio fiquei demasiadamente preocupado e vigiava-o
continuamente mas com o tempo passei a confiar em seu real arrependimento...era
bom, terno e amigo de Anderson. Conseguiu Gabriel, fazer o que não havia
conseguido, fazer Anderson ser resignado, feliz e humilde com a vida
que Deus lhe concedera! Porque o mataria não mais tinha motivos para
isto ?
O médico o olhou surpreso.
-
Como és ingênuo Job ! Talvez por raiva ou por ódio; talvez por
vingança!
-
Mas não o fez não é senhor ? Não
teve tempo para isto!
-
Talvez estejas errado meu amigo; não desejo acusa-lo sem provas concretas; mas devemos
ponderar, que Anderson, também morreu surpreendentemente dormindo !
O médico e o servo se olharam perplexos. Ricardo
pediu-lhe então humildemente.
-
Job, precisamos nos ajudar; juntos descobriremos tudo. Precisamos ser
observadores atentos, silenciosos, prudentes e sensatos. Me ajudarás?
-
Sim senhor, o ajudarei com meu silencio e minha total discrição!
O medico então levantou-se determinado a ir ao aposento de Anderson e Job o acompanhou
a seu pedido. Acenderam uma pequena candeia e entraram.
-
Senhor Ricardo, o que faremos aqui?
-
Job, evita falar. Conheces mais do que ninguém este aposento; e este
ainda não foi limpo. Preciso que verifiques se nele algo há de anormal!
Job rapidamente compreendera as intenções do medico,
e silenciosamente colocou-se a conferir a posição de objetos , moveis e
pertences utilizados nos cuidados com Anderson. Parecia um fiel cão farejador,
que por acompanhar constantemente o seu dono, sabia-lhe os hábitos e por vezes até
adivinhava-lhe os pensamentos. Vasculhou as tapeçarias e os cortinados. Nada de
anormal encontrara.
- Nada senhor, tudo está perfeitamente igual,
como deixei pela manhã, quando sai a
colher as flores no campo, deixando Gabriel a sós com Anderson.
O médico aproximou-se do leito de Anderson e
indagou-lhe num sussurro.
-
E o leito Job, ainda não o verificastes?
O servo aproximou-se entristecido com as lembranças.
Diariamente trocava-lhe as mantas, mas naquele dia não tivera tempo a faze-lo.
Olhou pausadamente o leito ainda desarrumado , nada de anormal se apresentava.
-
Senhor, nada vejo de anormal aqui também!
O médico sentindo-se impulsionado indagou-lhe,
levantando a candeia para que melhor luminosidade tivessem.
-
Job olhai a almofada !
Job pegou-a e olhou fixamente. Revirou-a e de
rompante deu enorme suspiro de surpresa.
-
Senhor...
-
Que foi Job? Que encontrastes?
Job mostrando-lhe a almofada falou tremulo.
-
Senhor está furada, parece uma mordida!
O médico passou o dedo sobre a marca incrivelmente
discreta na almofada e mostrou o dedo a Job dizendo-lhe:
-
Uma mordida e gosma salivar, vês Job ?
Job exclamou em sofrimento.
-
Senhor Ricardo, Anderson não poderia morder a almofada; jamais o
colocava para dormir de bruços, temia que se asfixiasse! Sozinho não podia
virar-se em sua total imobilidade.
O servo deixou cair a almofada e prostrou-se de
joelhos em pranto angustiado, em que repetia continuamente.
-
Asfixia senhor! Anderson foi asfixiado!
O médico em sua prudência , ainda analisava
minuciosamente a almofada . Realmente a marca discreta de uma mordida ali
estava, como se alguém houvesse mordido com extrema força marcando-a em
pequenos furinhos. O médico olhou piedosamente para Job e suplicou-lhe:
-
Job, controla-te ! Me responde, quando trocastes esta almofada pela
ultima vez?
O servo humilde aos soluços, tentou conter-se
levantando-se.
-
Senhor, eu sempre a trocava antes de deitar Anderson no leito. Achava
importante que sentisse o leito sempre limpo
e perfumado. Ontem eu mesmo arrumei o leito, e posso afirmar que a almofada
estava alva, limpa e impecável.
-
Foste tu que deitastes Anderson no leito?
-
Sim senhor. O peguei no colo como sempre o fazia, deitando-o
cuidadosamente no leito...ajustei-lhe a almofada e indaguei-lhe se estava
confortável...
As lembranças traziam a Job imensa tristeza e agora
lhe esfaqueavam a consciência, sentindo-se culpado por sua morte. O médico
recordou-se que ao vir examina-lo pela manhã, o corpo ainda estava bem quente,
facilmente concluiu "que Anderson havia sido morto em asfixia bem cedo"
indagava-se no entanto como poderia ter sido Gabriel, se este estava doente.
Perguntou a Job:
-
Disseste-me que deixastes Gabriel aqui ao saíres?
-
Sim senhor, dizia ele que se sentia mal; pediu que não me
demorasse...Não lhe dei atenção, não parecia nada sério...Anderson dormia,
podia sentir-lhe a respiração profunda, ao sair.
O médico, extremamente sério, fez um sinal a Job
para que se retirassem do aposento de Anderson. Apagaram a candeia, e saíram
apressadamente para o pátio.
Job estava completamente abatido e horrorizado.
-
Senhor, que faremos?
-
Prometeste-me teu silencio e tua discrição, lembras-te!
-
Sim senhor!
-
Então volta ao pavilhão, deita-te e tenta dormir. Sei que será difícil,
mas esquece que Gabriel está ali...
-
Como poderei senhor, não indignar-me com sua presença?
Ricardo olhou-o com bondade e colocando-lhe
amigavelmente a mão no ombro falou-lhe
serenamente tentando passar-lhe paz.
-
Lembra-te das doces palavras de Brigith, no sonho de Anderson, que me
contastes. Lembra-te Job, de tua esposa e de tua filhinha...
Job fez-lhe um breve meneio de agradecimento e
entrou no pavilhão.
Olhou Gabriel, não sentia raiva ou ódio, mas
desejava ardentemente poder desperta-lo e olhando-o profundamente nos olhos,
indagar-lhe " porque matara Anderson depois de lhe devolver a alegria da
vida?" .
Job sentia-se exausto. Deitou-se em seu leito e
cerrando os olhos, orou.
No dia seguinte, tão logo amanhecera, o médico caminhou apressadamente
ao pavilhão dos servos , convicto de que
Gabriel matara Anderson asfixiado. Olhou-o piedosamente .
A febre parecia ter cedido um pouco, mas ainda se
encontrava inconsciente. Olhou ao redor percebendo que todos os servos já
haviam saído para a lida.
Resolveu vasculhar o leito de Gabriel e em meio ao
feno, o medico encontrou um galho de ervas. Parecia não ter muito tempo que
havia sido colhido e encontrou ainda algumas folhas que haviam sido mascadas do
mesmo. Sabia, que aquela erva, poderia servir para matar ou para curar! Não era
grande conhecedor das ervas medicinais existentes naquela propriedade.
Sentia enorme necessidade de testa-las para
verificar-lhe o efeito medicamentoso.
Ricardo sentia enorme intuição de que as ervas não
fariam mal a quem as mascasse, e decidido caminhou ao celeiro. Ainda que se mantivesse
meio receoso, resolveu testa-las em Silvio. O rapaz surgiu-lhe sorridente e
prestativo como sempre e o medico falou-lhe.
-
Lembrei-me que reclamastes dores de garganta. Trouxe-te algumas folhas
que deves mascar.
O rapaz agradeceu-lhe confiante e pegando as ervas
prontamente mascou-as com segurança.
Num efeito surpreendentemente rápido, o rapaz
começou a ter convulsões e a babar. A temperatura também lhe subiu
assustadoramente em enorme febre que lhe ocasionava delírio. O medico Ricardo,
sentindo-se culpado pela temporária enfermidade de Silvio, segurou-o
carinhosamente para que não se ferisse, no processo convulsionaria.
Concluiu prontamente : "- A febre não era uma
enfermidade. Era apenas um meio do qual Gabriel fazia uso, para fugir das
possíveis conseqüências, de seus atos criminosos! ", as usara
posteriormente á morte de Brigith e agora fizera o mesmo após a morte de
Anderson
**********************************************************Gabriel na masmorra, fitava silencioso a guerrilha de vultos
negros que se digladiavam próximo ao rio. Compreendia agora, que os guerreiros
tentavam proteger o castelo. Sentia-se preocupado e por horas esqueceu-se da
fraqueza do seu corpo.
Concluíra
, que os servos e os nobres, com certeza, estavam escondidos no interior do
castelo. Deveriam ter sido avisados do ataque e por este motivo, ao longo
daquele dia , não percebera ele qualquer movimento na propriedade. Não
compreendia no entanto, porque aqueles homens tentavam invadir o castelo. Nos
quatro anos ali enclausurado pouco conseguia tomar conhecimento da vida de seus
moradores.
Controlava
o tempo, pela luas e pelo sol que surgiam diariamente, e que traçava em sangue
nas paredes frias de pedra. Neste controle, podia ter certeza do tempo que ali
estava. Mil e seiscentos tracinhos de dor...dias intermináveis de ociosidade.
Inumares vezes os contava, somava, dividia e multiplicava para manter o seu
raciocínio operante. Também dialogava consigo mesmo, como se mantivesse
conversação com ourem...cantarolava e recitava as velhas estórias e contos que
Manco lhe ensinara. Ainda que aquele pequeno espaço de sua cela fosse
extremamente restrito , flexionava os membros para que não enrijecessem; e nas
grades daquela janelinha forçava a musculatura braçal....assim haviam sido os
seus dias. Tinha se organizado para não enlouquecer ! Mas não podia no entanto,
saber o que ocorria no castelo. Alguns dias antes, aquele intempestivo combate,
vira Lorde Arthur cavalgando apressado sobre as colinas, com alguns guerreiros.
Aos vinte e cinco anos se tornara um
rapaz alto mas mantivera o porte magro, o que não o impedia de ser um bom
guerreiro. Gabriel indagava-se se ele estaria participando do combate, com sua
agilidade... de súbito, as laminas pararam de se debater e Gabriel inúmeros vultos
correndo em direção de seus cavalos e fugirem apressadamente. Pouco conseguia
ver na noite escura, mas sentia que o combate havia terminado e que os
invasores não haviam tido êxito.
Ansiava
a madrugada que se aproximava para poder ver melhor com a claridade e talvez
compreendesse o que ali ocorrera.
Ansiava
que a vida na propriedade, recomeçasse, em paz e segurança para todos.
**********************************************************
O dia já findava
quando o médico Ricardo deixou Silvio em seu aposento Mantivera-se a seu lado o
dia inteiro, tentando amenizar-lhe o mal que ocasionara.
Caminhou decidido até o pavilhão dos servos e
observou Gabriel. A febre havia cedido significativamente, certamente estaria
restabelecido pela manhã. Ricardo, no entanto, ainda não sabia ao certo, como
proceder com ele.
Indagou onde se encontrava Job, a alguns servos e
estes lhe informaram que este tinha saído cedo para os campos de cultivo,
obedecendo ordens de Philip.
Sentou-se próximo ao rio, o sol já se ocultava nas
colinas, e resolveu aguardar o retorno de Job; precisava falar-lhe. Quando Job
se aproximou, Ricardo fez-lhe um gesto para que se aproximasse.
Job sentou-se próximo a ele e Ricardo disse-lhe:
-
Job, pedirei a Philip permissão para que trabalhes comigo! És rapaz
esperto e de bom coração. Poderás auxiliar-me com os enfermos do castelo até o
lorde voltar da propriedade de Adredanha.
Job olhou-o agradecido. A fronte se apresentava
cansada da rude lida nos campos de cultivo e o corpo sujo implorava-lhe que se
banhasse, por isto pediu-lhe licença e afastou-se sem mais nada dizer. Ricardo
caminhou até o aposento da nobre Joane.
Chegando lá bateu na
porta anunciando-se e a senhora autorizou-lhe a entrada. Joane estava deitada
em seu leito. As forças lhe pareciam nulas na voz baixa extremamente
enfraquecida. As faces estavam profundamente abatidas. Todo o entardecer,
Ricardo ali vinha para dar-lhe o alento a suas dores. Inumares vezes a
encontrava contorcendo-se sem suporta-las. Ricardo caminhou em sua direção e
dando-lhe o medicamento com extrema
bondade, pediu á sua ama que saísse do aposento. Ricardo falou-lhe:
-
Senhora, sei que não se sente bem; mas preciso muito falar-lhe!
-
Meu bom amigo Ricardo, diz-me o que descobristes!
Ricardo vagarosamente narrou-lhe as assustadoras
descobertas e Joane não se mostrou surpresa. Parecia imensamente infeliz. O
medico continuou:
-
Desejo lhe pedir permissão para que assim que o Lorde Orlando retorne
ao castelo, possa falar-lhe sobre tudo.
O medico olhou-a
suplicante, observando-lhe as
reações e continuou:
- Somente o Lorde poderá julga-lo e puni-lo!
Joane olhou-o
amedrontada:
-
Não Ricardo!
O grito suplicante já lhe saia num sussurro.
-
Precisava ter certezas do que vira e ouvira, hoje me trazes...mas não
poderemos acusá-lo. Somente observa-lo!
Joane cerrou os olhos em contorção de dor violenta.
Ricardo indignou-se e por alguns instantes esqueceu-se de sua submissão perante
a nobre dama. Disse-lhe inconformado:
-
Que me pedes senhora? Pedes-me que me cale a tudo que sei? Que seja
cúmplice de atos tão bárbaros e friamente premeditados, que destruíram-lhe a
família e consequentemente a paz e a felicidade? Porque senhora, desejais
poupar de punição um mero servo vil, que numa paixão doentia exterminou á
oportunidade á vida de quatro seres?
Ricardo caminhava nervoso, de um lado para o outro.
Aproximou-se novamente do leito e disse-lhe ajoelhando-se:
-
Por piedade nobre senhora, deixai-me proclamar justiça!
Joane olhou-o e colocando fragilmente a sua mão
sobre sua cabeça murmurou:
-
Meu bom Ricardo, não compreendes o que não sabes...não posso julgar e
condenar quem nos é sangue. Gabriel é um nobre! Gabriel pertence á nossa
nobreza!
Joane rompeu em prantos e Ricardo, completamente
atônito com o que ouvia e não compreendia, não sabia como consola-la. Pediu que
se controlasse, mas a forte emoção da revelação, desencadeava uma convulsão
incontrolável. O medicamento
extremamente potencializado pelas emoções, lhe era agora prejudicial em
inumeros movimentos convulsivos involuntários. Contorcia-se inconsciente
debatendo-se no leito. Ricardo correu ao corredor e chamou a ama para que o
auxiliasse a segura-la, para que não se ferisse. Pediu ainda a um outro servo
que ali estava próximo, para correr e chamar Philip. Os dois tentavam mante-la
no leito, tarefa que lhes era árdua. Ricardo jamais vira crise convulsiva tão
demorada e com tanta intensidade. Philip ao entrar no aposento alarmou-se com o
estado da nobre senhora e tentou auxilia-los.
Mas o coração angustiado da nobre Joane, não
resistiu á crise e parou de bater. Momentaneamente o corpo agitado, serenou; e
a face ficou cândida e harmônica. Philip olhou o médico e exclamou:
-
Por Deus, que maldição caiu sobre esta família?
A nobreza era agora extinta no castelo.
Os serviçais encontravam-se temerosos pelos últimos
acontecimentos.
A fatalidade, parecia haver ali estabelecido residência. Todos
aguardavam apreensivos o retorno de lorde Orlando e seu filho Arthur.
Para incompreensão de Ricardo, o efeito das ervas
ingeridas por Gabriel e Silvio, se havia alongado; a febre havia cessado em
ambos, mas o estado de inconsciência se mantinha já alguns dias.
As chuvas chegaram fortes, inundando as plantações e
trazendo um aspecto maior á tragédia familiar.
Philip enviara um mensageiro a Adredanha, informando
o lorde Orlando do falecimento de sua esposa Joane, mas este não retornara.
Ricardo ficava intrigado porque a demora no retorno
de lorde Orlando... como haveria recebido as duas noticias de falecimento; primeiro
de seu primogênito, agora de sua esposa Joane.
Como reagiria ao saber que não era mera fatalidade,
maldição ou casualidade, mas de mortes premeditadas.
O que faria com o culpado da desgraça de sua
família.
O castelo
parecia viver longos dias na penumbra. As colinas pareciam haver se vestido de
luto, assim como o céu negro e escuro.
Somente o rio se mantinha correndo veloz, farto nas
águas geladas que vinham dos montes.
Por vezes Ricardo
para espantar seus pensamentos ,
dialogava com todos os servos; afinal um
enigma ainda não lhe tinha resposta, nas ultimas palavras de Joane:
"Gabriel pertence a nobreza!"... não conseguia compreender como!
Conhecia a família á uma década e conhecia o
protegido de Manco, desde que menino
tinha dez anos. Na época soubera que o curandeiro Manco o recolhera á
sua casa, por causa da morte de sua mãe, que não possuía companheiro certo.
Mais nada sabia no entanto.
Disposto a decifrar o enigma interrogava muitos
servos a respeito da mãe de Gabriel... mas estes nada lhe diziam.
Desconheciam seu passado. Ricardo sabia
que os servos mais novos talvez desconhecessem mesmo; mas os mais velhos com
certeza teriam muito a falar, mas se omitiam por algum mistério.
Ricardo em sua astucia, resolveu não mais indagar
sobre Gabriel a estes e procurou Philip.
O capataz se encontrava recostado próximo a entrada
do castelo. Um senhor forte e robusto, com seus quarenta anos aproximados.
Vestia-se com roupas largas. Em suas mãos um chicote lhe era inseparável, assim
como a velha lança lhe era amiga fiel na cintura.
Ricardo recordou-se que ao chegar ao castelo, Philip
já era o senhor dos campos e o servo fiel de lorde Orlando. Pelos comentários
dos servos soubera que ele nunca gostara de Gabriel mas não compreendia no
entanto o motivo da antipatia.
O medico com cautela, aproximou-se do capataz e este
indagou-lhe :
- Algum
problema senhor?
O medico era respeitado como uma autoridade no
castelo; todos já haviam precisado de seus cuidados e este tratava-os sempre
com o mesmo carinho e dedicação.
-
Nenhum problema Philip. Porem a tarde esta triste e melancólica,
desejava falar um pouco.
Philip rescostou-se
na muralha despreocupadamente e o medico percebendo-o tranqüilo
continuou:
-
Tivestes noticias do lorde e de seu filho?
-
Já a alguns dias mandei o
mensageiro á propriedade de Adredanha, mas nenhuma resposta nos trouxe.
Ricardo desejava indagar-lhe mas não sabia no
entanto como faze-lo.Philip era muito
perspicaz.
-
Trabalhas a muito tempo aqui não e Philip?
-
Sim senhor... tinha dez anos quando o lorde me trouxe de Adredanha e
treinou-me nas artes da guerra para servir-lhe e auxiliar-lhe na administração
do castelo.
-
Três décadas é muito tempo Philip!
-
Sim senhor , nada mais sei fazer nesta
vida a não ser servir o senhor lorde e sua família.
Ricardo pensou rapidamente e concluiu que Philip
teria aproximadamente dezoito anos
quando Gabriel nasceu. Ele deveria saber de tudo, mas como indagar-lhe.
Ricardo nada falava; Philip olhou
pensativo para o imenso salão principal e falou:
-
Neste castelo houve tempo mais feliz senhor Ricardo. Haviam grandes
festas, muita alegria, quando aqui cheguei. Era um menino e o lorde sempre me
manteve no castelo sob a sua vigilância. Dizia que devia prestar atenção em
tudo e por isto eu acompanhava as festas
observando-as da copa. Depois o lorde vinha me indagar o que observara para
testar minha perspicácia.
Ricardo mostrou-se interessado na conversa e Philip
prosseguiu feliz com as lembranças.
-
Quando a menina Brigith nasceu, o castelo serenou. As visitas passaram
a ser ocasionais e as festas muito raras. Ela tornou-se o centro das atenções
de lorde Orlando e a nobre Joane. Nada faltava a Brigith . Depois nasceu o
menino Anderson e logo após Arthur como
o senhor já sabe!
Ricardo precisava que Philip falasse mais sobre as
festas, afinal estava ciente que Gabriel nascera cinco anos antes de Brigith.
-
Diz-me Philip como eram as festas... assim a tarde passará ligeira!
Philip novamente olhou o salão, visualizando os
tempos em que era o olheiro de lorde Orlando.
-
Vês a entrada da copa senhor Ricardo
ali ficava eu, atras da porta, observando sem ser visto; quando
completei quinze anos o lorde me presenteou com uma linda farda e ordenou que a
partir daquele dia eu ficaria aqui na entrada do castelo, vigiando a entrada e
a sadia de todos.
Ricardo interrompeu-o propositadamente.
-
Philip, mas a propriedade de lorde Orlando é tão distante da corte, de
onde vinham os visitantes?
-
Nobrezas de propriedades vizinhas, que aqui passavam alguns dias...
certa época também aqui se reuniram as
famílias de lorde Orlando e a nobre
Joane.
-
Pouco sei de seus familiares Philip. Quando aqui cheguei poucas visitas
haviam.
Philip olhou o medico, sentia-se em duvida se
deveria prosseguir mas sentindo-se confiante continuou:
-
Nessa grande reunião das duas famílias, tinha festas todas as noites.
Eu gostava de ver o brilho dos
candelabros nos salões, ouvir as valsas ecoando nas muralhas, observar as
vestes elegantes. Tinha aproximadamente meus dezessete anos e em plena alegria
da juventude sentia enorme vontade de participar... e o fazia, senhor
Ricardo,ainda que fosse com os olhos.
O olhar de Philip parecia retornar aquela época de sua vida. O medico aproveitou-se de
seu entusiasmo momentâneo e
perguntou-lhe :
-
Quem aqui estava das famílias? Podes contar-me Philip?
-
Claro que sim senhor Ricardo . Da família da nobre Joane vieram
seus pais e os seus dois irmãos com as
respectivas esposas e da família do lorde veio seu pai e as suas quatro irmãs
ainda muito jovens e solteiras...
-
Porque nunca mais retornaram aqui?
-
Senhor Ricardo, as propriedades são muito distantes e houve tempo de
guerra...
-
Eram atenciosos tal qual o lorde Orlando e amáveis tal qual a nobre
Joane?
Philip sorriu ao recordar-se da sua paixão juvenil
por uma das irmãs do lorde Orlando.
-
Sim senhor Ricardo! Eram amáveis e gentis ; mas superiores. Sabiam
respeitar os servos mas os mantinham submissos como deve ser! Entretanto...
Philip deu uma breve pausa, temendo a continuidade,
no entanto, observando a aparente de indiferença do medico ao assunto concluiu
poder prosseguir:
- ... Entretanto o pai da senhora Joane, era vil e
promiscuo, criando problemas com as irmãs de lorde Orlando ainda jovens e muito
bonitas.
-
Como sabes disso Philip?
-
Observava tudo senhor. As jovens sentindo-se constrangidas com aquela
situação, comentaram com a nobre Joane as investidas de seu pai e esta
sentiu-se obrigada , por sua vez , a
falar com seu esposo lorde Orlando.
-
E então o que aconteceu?
-
Lorde Orlando chamou o duque na biblioteca e lhe pediu que parasse de
molestar suas irmãs e que para isto, lhe cederia em sua estadia a mais linda e
jovem serva do castelo. Assim o sogro de lorde Orlando parou de assediar as
irmãs dele e passou a ter á sua disposição
uma serva todas as noites.
Ricardo não se conteve na curiosidade, mostrando mera pergunta casual,
perguntou-lhe:
-
E quem era esta?
Philip sussurrou:
- O senhor não a
conheceu; morreu no
rio...afogou-se quando lavava roupas... coitada!
Philip silenciou definitivamente e Ricardo agradecendo-lhe
a prosa afastou-se, mostrando-se discreto e desinteressado em tudo o que
ouvira.
No entanto tudo guardara em sua mente, e agora o enigma parecia se
decifrar: "Com certeza Gabriel era irmão de Joane" e por este motivo
a nobre senhora tanto o protegera.
Quando Ricardo retornou aos aposentos, encontrou
Silvio consciente. Felicitou-o pela recuperação
e alimentou-o na imensa fome que
sentia tantos dias inconsciente sendo alimentado somente com líquidos. Ricardo
apressou-se a ir ao pavilhão dos servos; Com certeza Gabriel também havia se restabelecido.
Chegando lá, percebeu que Gabriel estava sentado e
aproximou-se. Os sentimentos lhe eram
antagônicos.
Desejava saber como seu paciente se sentia,
independente do que fizera, ; como medico deveria
auxiliar sem interferir na vida das
pessoas.
Por outro lado , em seus pensamentos o julgava, por
ser o causador de tantos males. Ricardo indagou-lhe:
- Como te sentes Gabriel?
Gabriel olhou-o pensativo; Quanto tempo haveria
passado; O que teria acontecido? Ricardo insistiu:
-
Sentes-te bem Gabriel?
Gabriel olhou-o, respondendo com a voz áspera de
quem não fala a muito tempo:
-
Sinto-me bem senhor mas, sinto muita fome. O que aconteceu ?
Ricardo sentiu enorme indignação ; como Gabriel era
premeditado e esperto.
-
Não sabes Gabriel?
Gabriel assustou-se com o olhar enfurecido, e tentou
fugir do mesmo, fingindo sentir uma tonteira e deitando-se.
Ricardo percebeu que o assustara e não era sua
intenção revelar-lhe o que sabia, até
que o lorde retornasse. Disse-lhe carinhosamente:
-
Deves alimentar-te Gabriel. Muitos dias tivestes inconsciente; depois
conversaremos.
O médico afastou-se com um sorriso, pedindo a um
servo que lhe trouxesse alimento.
Ricardo desejava ardentemente que o lorde não
tardasse a voltar ao castelo. Estava convicto a revelar-lhe tudo o que
descobrira, e a tirar de si o fardo enorme da responsabilidade de tantos
segredos. Procurou Job e logo o encontrou, descansando próximo a copa.
Job olhou-o confiante; o medico era o seu único
confidente e amigo naquele castelo, gostava dele.
-
Senhor Ricardo; em que posso ajuda-lo?
-
Job, venho informar-te que Gabriel
está recuperado!
Job sussurrou assustado:
-
Infeliz, fez tantos males!
Ricardo colocou-lhe a mão no ombro:
-
Acalma-te Job... Sobre isto que desejo falar-te; sei que será difícil;
mas deveras agir como se nada soubesses.. agirás normalmente com Gabriel !
-
Mas senhor Ricardo, ele matou dois
grandes amigos!
-
Crê Job, haverá justiça ! Mas precisamos aguardar o retorno de Lorde
Orlando, para revelar-mos o que sabemos.
Pensa em tua esposa e em tua filhinha; que achas que Gabriel fará se souber que
estamos conscientes de seus males?
Job, ficou pensativo e amedrontado:
-
Senhor Ricardo, desejo voltar
para a propriedade de Adredanha, peça a Philip que permita que me vá!
Ricardo ainda com a mão posta em seu ombro, disse-lhe amigavelmente:
-
Ainda preciso de teu auxilio Job; Preciso que observes Gabriel enquanto
o Lorde não retorna; e quando este o fizer com certeza voltarás á tua família.
Job consentiu com a cabeça, dizendo amargurado.
-
Será difícil fingir senhor Ricardo; mas tentarei fazer o que me pedes.
Ricardo então agradeceu-lhe afastando-se. Procurou Philip e logo o encontrou:
-
Philip, venho lhe comunicar que o servo Silvio e o servo Gabriel, estão
prontos para a lida!
Philip exultou com a noticia, dando um forçado
sorriso.
-
Muito bom senhor Ricardo! O menino Silvio retornará ao trato com a
cavalaria; Quanto a Gabriel há muito não trabalha para o seu sustento; está na
hora de voltar aos campos, não acha?
O medico concordou meneando a cabeça.
-
Philip ,posso lhe pedir um favor?
-
Com certeza senhor Ricardo!
-
Gostaria de manter Job como meu
auxiliar até que o lorde retorne.
Philip consentiu com seu pedido e ambos se
despediram cerimoniosamente.
Gabriel caminhou com dificuldade após alimentar-se.
Já anoitecia na propriedade e a chuva persistia em cair fina e triste.
Caminhou até á área frontal do castelo e vislumbrou o rio veloz. Sentia-se confuso e apreensivo. Ainda não dialogara com
ninguém a não ser com o medico quando despertara e sentiu-o diferente.
Não lhe
parecia a pessoa amena e caridosa que
conhecia. Sentiu-o arrogante. O que teria acontecido enquanto dormia, pensava.
Estava tão pensativo que não percebeu quando Philip se aproximou.
-
Que bom encontrar-te bem Gabriel... voltarás á lida nos campos, pela
manha , junto com os demais serviçais.
Gabriel sentia enorme ódio de Philip que nunca o
tratara com respeito. Sempre o distanciava do castelo com arrogância. Nada
respondeu fazendo simples reverencia de
humildade e de obediência com a cabeça.
Philip
afastou-se imponente, mostrando a altivez e a força do capataz e do fiel
administrador na ausência do senhor daquelas terras.
Pela manha o sol surgiu forte depois de enorme período de chuvas.
Gabriel juntou-se aos demais serviçais
para rumar aos campos, onde o trabalho era contínuo e árduo. Precisava saber o
que acontecera com a morte de Anderson, e como Lorde havia reagido, mas nenhum servo se
aproximava temendo-lhe ainda a loucura. Precisaria questionar alguém. Por onde
andaria Job; percebeu ao deitar-se que não mais dormia próximo a si; teria
voltado para Adredanha após a morte de Anderson?
Estava ciente que ficara inconsciente quarenta dias.
O corpo sustentado a líquidos havia emagrecido e se tornado frágil . Por
vezes sentia tonteiras na fraqueza em
que estava. Sentia-se revoltado por voltar aos campos em estado tão debilitado.
O dia lhe correu em imensa dificuldade; as mãos finas, da longa ausência do trabalho
braçal, ficaram arduamente feridas pela terra e pelas pedras. Philip não lhe
dera tranqüilidade o dia inteiro.
Voltou ao castelo exausto e abatido. Após banhar-se
resolveu questionar a Lana o destino de Job. Encontrou-a na cozinha onde agora
lidava com a alimentação. Dirigiu-se a ela com cautela:
-
Lana, que bom ver-te... estive ausente muito tempo... estava doente...
sabes onde anda Job?
Lana olhou-o indiferente:
-
Gabriel, Job está a serviço do médico Ricardo; visita e medica
pacientes. O ajuda em todo o trato e cuidados necessários com nossos doentes.
Gabriel resolveu questionar mais:
-
E o Lorde ausentou-se do castelo?
-
Sim Gabriel; todos o aguardam breve por causa do falecimento da nobre Joane...
-
A nobre dama faleceu?
Lana com o
semblante extremamente entristecido murmurou.
- A pobre senhora morreu de desgosto em conseqüência
da perda de seus filhos!
Gabriel tentou mostrar-se entristecido mas
dificilmente conseguiu-o. O falecimento da nobre senhora era-lhe indiferente.
Não sabia o jovem servo Gabriel que perdera a irmã que ainda distante zelava
por seu bem estar e por sua proteção. A apreensão no entanto lhe tomava os
sentidos e despediu-se de Lana agradecendo-lhe.
Sentia enorme expectativa em poder encontrar-se com
Job. Odiava-o por ter sido o culpado na morte de Brigith, mas somente
conversando com ele sentir-se-ia mais tranqüilo e estaria certo que não
haveriam suspeitas contra si. Alguns servos informaram-lhe que Job se
encontrava próximo ao rio e para lá caminhou.
Vendo-o aproximou-se cumprimentando
-
Meu amigo Job que bom ver-te. Estive tanto tempo ausente que me senti
imensamente saudoso de ver-te.
Job permaneceu olhando fixamente o rio. Não estava
preparado ainda para o encontro com Gabriel; como lhe ocultar a profunda
indignação que sentia. Sua voz parecia lhe ferir os sentimentos e em imensa dor
de reprimir em si o que sentia pranteou. Gabriel prontamente percebeu-lhe as
lagrimas que desciam nas faces e constatou em seu semblante contorcido que
desejava conte-las. Falou-lhe piedosamente:
-
Estás triste Job! Também fiquei imensamente entristecido com o
falecimento de Anderson; afeiçoamo-nos demais a ele.
Job sentia-se perplexo com sua falsidade.
Como podia alguém ser tão premeditado e cruel com a
existência dos outros. Quanto mais se via obrigado a esconder a repulsa que
sentia de Gabriel, mais as lagrimas afloravam de sua dor tão profunda.
Desejava ardentemente fazer Gabriel compreender seus
erros; desejava faze-lo sentir a enorme dor que trouxera a tantos; no entanto
precisava controlar-se e ser fiel á promessa que fizera ao médico Ricardo.
Gabriel continuava olhando-o ternamente.
-
Sei que não desejas conversar agora Job;
Job meneou afirmativamente a cabeça com humildade
sem olha-lo, então Gabriel colocou-lhe amigavelmente a mão no ombro, como desejando
confortá-lo e afastou-se dirigindo-se ao pavilhão dos servos.
Deitou-se em seu canto pensativo "Pobre
infeliz...chora pela morte de seu senhor, tão superior, esnobe e arrogante.
Deveria chorar pelo erro que cometeu em matar Brigith.. ."
As carruagens
aproximaram-se velozes do castelo, sendo acompanhadas de perto pelos guerreiros
que as protegiam. Lorde Orlando finalmente retornava á propriedade após longa
ausência. O semblante era demasiadamente serio e a tristeza lhe era aparente
assim como a expressão entristecida de seu filho Arthur, que se encontrava
extremamente emagrecido. Philip aproximou-se prestativo a recebe-los e
auxilia-los. Lorde Orlando antes de entrar no castelo, rumou silenciosamente
com seu filho até ás sepulturas de Anderson e Joane. Ajoelharam-se e prantearam
a dor que sentiam e pela família que não mais possuíam. Após alguns
instantes ambos caminharam até os seus
aposentos para se recuperarem da viagem e da profunda emoção da chegada.
Lorde Orlando saiu do seu aposento, já o dia
declinava sua majestade e a noite se anunciava serena. Chamou Philip á
biblioteca para indagar-lhe como havia ficado a propriedade em sua longa
ausência.. O capataz servilmente o colocou ciente de tudo e então o lorde
pediu-lhe que o deixasse sozinho. Sentia-se desanimado e profundamente triste.
A vida lhe parecia vazia e sem objetivos.
Os pensamentos melancólicos, repentinamente
foram-lhe interrompidos. Já a noite havia escurecido toda a propriedade. Fortes batidas na porta de madeira, o
despertaram. Indagou nervoso e
sentindo-se contrariado.
-
Quem deseja falar-me? Ordenei que desejava ficar só!
-
Senhor Lorde me perdoe contraria-lo, e atrapalhar a sua tranqüilidade,
mas preciso imensamente falar-lhe!
-
Entrai !
Ricardo entrou seguro na biblioteca e o semblante
trazia alivio e tensão ao mesmo tempo.
-
Então o que desejas Ricardo?
Ricardo aproximou-se do lorde, que se encontrava
sentado em uma antiga escrivaninha. Recostava-se numa poltrona de couro negro.
Sobre a mesa inúmeros livros se amontoavam. O lorde olhava-o fixamente
aguardando-lhe a resposta. O medico sentia-se inseguro e hesitante. Sentia
receios da reação de lorde Orlando ao escutar as revelações que lhe faria.
-
Senhor Lorde, o que tenho para lhe falar é longo!
O lorde ordenou que se sentasse e prontamente
Ricardo o fez sentando-se numa cadeira de madeira rústica que se encontrava
defronte ao nobre . Começou então a manipular as palavras com cautela.
-
Senhor Lorde, sempre fui um servo discreto e cuidadoso em minhas
obrigações. Nunca interferi na rotina deste castelo; Por enorme infortúnio de
meu destino, sinto-me no entanto agora na obrigação de contar-lhe sérios
acontecimentos que se passaram em sua longa ausência e que infelizmente lhe
trarão imenso pesar e sofrimento.
O lorde Orlando olhou-o intrigado e Ricardo
prossegui sempre observando-o
-
Quando vim da corte, para substituir o velho medico de seu castelo, que
falecera; a sua nobre esposa informou-me de uma enfermidade consangüínea que
possuía e esta lhe ocasionava enormes incômodos em dores insuportáveis.
Respeitando-lhe, o seu pedido de sigilo, diariamente passei a lhe medicar para
que podesse suportar as constantes dores físicas e assim conviver com os
familiares, sem que estes lhe percebessem a moléstia. Quando viajei para a
propriedade de Adredanha, em função de uma febre contagiosa, ensinei a serva
que lhe era ama, a dar-lhe a medicamentarão. Assim a nobre senhora continuou
sendo medicada em minha ausência. Quando retornei, prontamente assumindo os
seus cuidados, percebi que a enfermidade
aumentara significativamente e o medicamento não mais agia em seu corpo
amenizando-lhe as dores plenamente. O sofrimento lhe era maior e cada vez mais
constante. Por este motivo, maior tempo ficava reclusa em seu aposento e
ausente do convívio familiar.
O lorde levantou-se intranqüilo. Sentia-se
constrangido em como ele, um senhor de todas aquelas propriedades e possuidor
de enorme conhecimento, não percebera a enfermidade dolorosa de sua esposa
sempre tão companheira.
Envergonhasse em ficar agora ciente, de que aquela
nobre senhora, inúmeras vezes os acompanhara,
sendo sempre uma pessoa prestativa e humilde, silenciando a sua própria dor e o
seu profundo sofrimento, para oferecer aos que próximo a si estavam, amparo,
conforto e alento.
Caminhou até á janela, desejando fugir aos olhares
de Ricardo e este continuou.
-
Quando acompanhei Philip, que precisava comunicar-lhe o falecimento de
seu filho Anderson, ela solicitou minha permanência em seu aposento. Desejava
revelar-me alguns segredos...
O Lorde voltou-se repentinamente, ciente do passado
intempestivo de seu sogro e de suas tenebrosas conseqüências, temia que Joane o
tivesse relatado ao medico. Sentou-se novamente na poltrona fazendo um leve
sinal para que Ricardo continuasse a contar-lhe.
-
Disse-me a nobre dama, que não desejava falar com o velho frei,
sentia-se necessitada , de um amigo de confiança, que podesse manter-se
sigiloso e tivesse interesse em averiguar suas suspeitas.
O lorde parecia começar a ficar nervoso, com a
complexidade do assunto. Acendeu apressadamente um cachimbo enquanto o medico
continuou falando.
-
Senhor Lorde, resumirei ao máximo o que me contou, porque o assunto é
demasiadamente longo, mas de fácil compreensão e extremamente doloroso aos
sentimentos. Disse a nobre Joane que suspeitava que Gabriel, o tutelado do
velho Manco, amava sua filha; e que os dois se haviam ficado a sós em encontro
furtivo...
-
Que blasfêmia é esta Ricardo? Como ousas denegrir o nome de Brigith com
tamanha infâmia?
-
Senhor Lorde, disse-lhe que o assunto seria doloroso a seus
sentimentos. Peço-lhe que me escute e que depois tire suas conclusões. A
senhora sua esposa, estava convicta de que os dois mantiveram um romance.
Relatou-me que vira de seu aposento, Gabriel sair a galope com arco e flechas,
na noite anterior ao noivado de Brigith...relatou-me ainda que na noite
anterior ao falecimento de Brigith viu
Job, o servo de Anderson, pegar um chá e entregar á sua filha que se sentia
indisposta porque esperava um filho; e este chá senhor lorde feito por
Gabriel...
-
Pelo amor de Deus Ricardo, que loucura é esta que me falas e tão pouco
consigo compreender...
-
Senhor, peço-lhe que me escutes...disse-me ainda sua nobre esposa, que
percebeu na queda de seu filho Anderson, que a cela do cavalo estava solta e
que Gabriel os seguira quando estes saíram a passeio...
Ricardo parou momentaneamente para respirar e
sufocar as emoções. O lorde com a voz embargada pelo sofrimento mas imensamente
confuso com tudo que ouvira, falou em voz grave.
- Ricardo, te apressas a contar-me e não compreendo
claramente o que desejas me falar. Diz-me se compreendi. Joane falou-te que
minha filha manteve relacionamento furtivo com Gabriel e engravidou?
Posteriormente falou-te que Gabriel matou Henri II e que também provocou a
queda de meu filho deixando-o imobilizado num leito? E como se isto não fosse
suficientemente grave matou Brigith com um chá ?
Ricardo observou que o lorde se tornava enrubescido.
Temeu a continuidade no assunto mas estava ciente que precisava faze-lo.
-
Sim senhor lorde. Sua esposa pediu-me que averiguasse estas suspeitas
em sigilo, e assim o fiz senhor. Hoje posso lhe afirmar com plena convicção que
Gabriel matou premeditadamente Henri II; Ocasionou propositadamente a queda do
seu filho Anderson; Matou por equivoco, sua filha Brigith e seu neto, com um
chá...
O Lorde interrompeu-o num sussurro perplexo.
- Tem mais?
Ricardo, sentindo enorme piedade daquele pai,
falou-lhe constrangido.
-
Sim senhor Lorde. Sinceramente eu lamento muitíssimo em trazer-lhe
noticias tão cruéis, mas Gabriel também matou friamente o seu filho Anderson; e
indiretamente, com certeza, provocou a morte por desgosto de seu tutor Manco e
da nobre Joane.
O lorde encolheu-se na poltrona negra
assemelhando-se a uma criança que mais nada deseja ouvir. Ricardo aproveitou
então, para narrar-lhe toda a longa estória vagarosamente, com detalhes para
que melhor compreendesse. Quando
terminou, percebeu que o lorde Orlando lacrimejava infeliz. Disse-lhe:
-
Perdoai-me Senhor, não desejava ser eu o portador de revelações tão
frias e tão cureis. A nobre dama, antes de falecer em extrema emoção de
desgosto, falou-me que o servo Gabriel lhe era sangue e após a sua morte,
averiguando com alguns servos, fiquei ciente de que era seu irmão, e compreendi
porque tanto silenciara em seu favor. Pobre senhora!
Ricardo deu
um profundo suspiro para controlar a imensa emoção que também sentia.
-
Se o senhor desejar, terá o testemunho do servo Job, que lhe é um fiel
servo e que se envolveu nas tramas de Gabriel ingenuamente e sem maldade.
Ricardo sentia-se extremamente exausto mas
incrivelmente leve, da imensa responsabilidade que carregava consigo todos os
dias. O lorde interrompeu-lhe os pensamentos, com a voz repleta de sofrimento e
angustia.
-
Mais alguma coisa Ricardo?
Ricardo recordou-se prontamente dos arcos e flechas
escondidos na gruta, falando-lhe.
- Somente mais uma coisa senhor. Em minhas
averiguações descobri que Gabriel fabricou alguns arcos e flechas, que se
encontram ainda escondidos na velha gruta, próximo ao lago onde morou ,
conforme lhe contei.
O nobre olhou fixamente, pedindo-lhe com enorme
seriedade:
-
Ricardo, agora sou eu, Lorde Orlando, quem te pede total sigilo.
Pensarei em tudo que me contastes e poderás ter certeza que farei justiça e
honrarei o nome de minha família!
Ricardo olhou-o hesitante, pedindo-lhe:
-
Senhor lorde, desejaria pedir-lhe, que permita que o servo Job, retorne
para a sua família, na propriedade de Adredanha, com brevidade se assim for
possível!
-
Ficai tranqüilo Ricardo, atenderei este teu pedido, pelos inúmeros
préstimos que tens feito a nossa família; Ordenarei a Philip que providencie
imediatamente a sua viagem.
Ricardo levantou-se fazendo-lhe uma reverencia em
gratidão e saiu deixando-o sozinho.
O Lorde Orlando sentia-se profundamente infeliz.
Vagou pensativo esquecendo-se que noite escura sublimava em todos os
horizontes. Os pensamentos lhe eram cureis e o sufocavam.
Como poderia um só homem ter-lhe destruído a família
inteira; ter aniquilado com seus sonhos e os seus objetivos; ter extinto sua
felicidade e sua paz.
Como poderia um só servo, lhe provocar uma guerra
interior tão voraz.
O passado lhe surgia em acusações dolorosas em sua
consciência.
Surgiam-lhe as imagens da serva, do bebe... da ordem
que dera a Philip, para que a afogasse no rio...surgia-lhe na memória , a
imagem da pequena criancinha, ainda recém nascida, envolta em trapos, sendo
entregue a Manco...
Lembrou-se do menino que viu crescendo, em vida
humilde de servo mas com o porte e a altivez de um lorde!
Sempre se sentira preocupado, com a sua proximidade
deste do castelo, e pedia freqüentemente a Philip, que o vigiasse e evitasse
que permanecesse perto do castelo.
Estaria ele pagando pelo crime que ordenara; estaria
aquele filho vingando-se pela cruel
morte de sua mãe ! Os fantasmas de um enorme erro cometido em seu passado, lhe
apontavam "culpado".
Será que Gabriel, como filho bastardo de seu sogro,
e vivendo despojado de seu titulo de nobreza e de sua riqueza, tinha o direito
de destruir-lhe tudo...teria Gabriel o direito de matar seus filhos e
trazer-lhe a angustia e o desespero
Lorde Gabriel sentia-se envenenado por confusos
sentimentos de dor, aflição, culpa, raiva e incompreensão.
Já a madrugada principiava, quando finalmente saiu da
biblioteca decidido a procurar Philip. Encontrando-o , ordenou-lhe algumas
providencias e afastou-se caminhando para o seu aposento.
Philip não compreendia as súbitas decisões do lorde,
mas saiu prontamente a obedece-las.
A claridade já surgia na madrugada fria, quando Philip entrou no
pavilhão dos servos, pisando firme e determinado.
Aproximou-se de Gabriel, despertando-o abruptamente
.Ordenava-lhe que se levantasse e que após juntar os seus pertences, fosse para
o portal do castelo.
Gabriel, ainda extremamente ensonado, sentia-se
confuso e amedrontado. Não compreendia porque Philip ordenara que se
levantasse, se o dia ainda não havia clareado ainda, mandara-lhe juntar seus
pertences e encontra-lo na frente do castelo...havia saído rapidamente
parecendo apressado. Inúmeras indagações surgiam-lhe na mente, mas não
encontrava respostas lógicas.
Philip já havia orientado os servos, para que providenciassem a carruagem do
lorde, os cavalos e a carroça e também havia orientado os guerreiros para a
viajem tão logo amanhecesse.
Caminhava agora apressado para o aposento do medico
Ricardo. Com fortes batidas na porta despertou-o . Ricardo ergueu-se
cambaleante e abriu a porta.
-
Philip que houve?
-
Perdoai-me senhor acorda-lo assim, mas tenho instruções para que o
servo Job, reuna seus pertences e se apronte para viajar para a propriedade de
Adredanha.
Job que ali dormia, num canto confortável,
alegrou-se com a comunicação do capataz. Ansiava rever a sua esposa e filha, e
sentisse agradecido ao medico que conseguira a permissão do lorde.
Olhou o capataz e perguntou-lhe humildemente:
-
Senhor Philip, irei só?
Philip olhou-os com seriedade e sem compreender ou conseguir explicar a
decisão de seu senhor, falou-lhe:
-
Irás com Gabriel !
Ricardo sentiu inquietação profunda e falou-lhe com
perplexidade.
-
Com Gabriel? Não compreendo Philip!
-
Também não consegui compreender senhor Ricardo. Ordens de nosso senhor
Lorde Orlando, que parece não ter dormido e procurou-me á pouco, ordenando-me
para que tomasse providencias para sua
viagem, tão logo amanhecesse, e informou-me que levaria o servo Gabriel e o
servo Job...
O médico indagou-lhe preocupado.
- Ninguém mais irá Philip?
O capataz prestativo, prontamente explicou-lhe, que
os guerreiros acompanhariam o nobre, como usualmente faziam.
O silencio se fez absoluto e Philip retirou-se
pedindo ao servo Job que não se demorasse. Ricardo fechou a porta, enquanto Job
sentava-se no leito amedrontado.
-
Porque senhor Ricardo?
Ricardo havia lhe contado a longa conversa que
tivera com o lorde e confiara-lhe as revelações que descobrira e que Job ainda
desconhecia e por isto o servo estava perplexo com viagem tão repentina.
-
Gabriel é um louco, um assassino frio e cruel senhor. Porque o lorde
deseja leva-lo para a propriedade de Adredanha? Porque não o prende na
masmorra?
Ricardo olhava-o também confuso sem saber o que lhe
responder. Não conseguia compreender as verdadeiras intenções de Lorde Orlando.
-
Acalma-te Job! Infelizmente não posso responder-te. Tenta manter-te
tranqüilo e mantém o sigilo sempre. Pensa em tua família...esquece que Gabriel
viajará contigo! Porem Job, precisarás ficar alerta e continuarás vigiando-o .
Temo por ti e por tua família...temo por lorde Orlando...farei orações para que
tenham viagem tranqüila e em paz e para que cheguem breves a vosso destino.
Job meneou a cabeça humildemente agradecendo-lhe os
conselhos e colocou-se a arrumar os seus poucos pertences, demasiadamente
preocupado e silencioso.
O dia surgiu imponente, e o sol forte clareava a
linda propriedade de Lorde Orlando.
O nobre surgiu com o seu filho Arthur, para o qual
nada contara, e despediram-se num forte abraço. Arthur falou-lhe entristecido:
-
É incompreensível esta viagem tão repentina senhor meu pai! Mal
chegamos de árdua viagem ontem; o senhor
deveria repousar alguns dias, antes de fazer esta.; parece-me cansado e
profundamente abatido.
-
Não te preocupes meu filho Arthur, um
mensageiro aqui chegou quando já dormias, e preciso retornar e tomar
algumas providencias inadiáveis. Deverás zelar e administrar esta
propriedade...já és um homem e um bravo guerreiro!
Os dois novamente se abraçaram e o Lorde entrou na
carruagem.
Os viajantes afastaram-se; os quatro guerreiros em
montaria seguiam na frente, em seguida a carruagem de Lorde Orlando, e atras
duas carroças, uma com as bagagens e mantimentos e outra com os servos Gabriel
e Job. Ambos estavam silenciosos.
Job observava o medico olhando-o apreensivo e os
receios aumentavam em sua mente. Nada dialogara com Gabriel; sentia-lhe enorme
repudio por haver feito tanto mal e ainda que a viagem fosse longa e cansativa,
evitaria faze-lo mostrando-se sempre ausente e indiferente á sua presença.
Gabriel, por sua vez, olhava o castelo distanciar-se
pouco a pouco. Lembrava-se de Brigith; visualizando-a no avarandado florido de
seu aposento. Olhou para o celeiro e lembrou-se de Manco, o velho amigo sempre
prestativo e confidente. Sentia-se angustiado por deixar aquela propriedade.
Ali vivera vinte e quatro anos e nunca dali saíra. O seu mundo era o castelo e
os seus moradores...mas as lembranças se perdiam tal qual as imagens que sumiam
na distancia. Não mais avistava o castelo. Os pensamentos revoltados
invadiam-lhe novamente o ser. Sentia-se inconformado com a sua situação
submissa de servo. Havia sido meramente escolhido e agora era transportado. Já
tinha conhecimento para onde ia, mas se não compreendia o motivo. Olhou para
Job que se deitara na carroça e parecia repousar. Ele era o culpado de tudo! Se
não tivesse lhe pedido o maldito chá, sua Brigith estaria ali agora com ele. O
ódio lhe invadia todo o ser mas controlava-se.
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