quarta-feira, 21 de março de 2012

Obra mediúnica "GABRIEL" ( IV PARTE)


(Esta é uma obra mediunica; ainda não foi revisada em erros de gramatica ou ortografia; porem compartilho a sua essencia com muito amor no nobre obrar de Irmãos Espirituais)

GABRIEL

IV PARTE

Equipe Nosso Lar
medium maria
..................................................................................................................
                                IV Parte  No Hemisfério da Reflexão



                     Os dias de viagem foram longos e cansativos. Finalmente foram informados que haviam entrado  na propriedade de Adredanha. Imensos campos adornados de lírios balançavam ao vento, o céu muito azul e a claridade muito intensa. Gabriel ainda não visualizava colinas e nem rios mas sentia um cheiro forte no ar que não conseguia decifrar. Repentinamente surgiu-lhe no olhar, á direita da carroça, um  rio como nunca vira.
Era uma imensidão azul e Gabriel estava perplexo com a grandiosidade deste. Não conseguia ver a outra margem parecia-lhe infinito. O forte cheiro lhe invadia o corpo. Extasiado estava com o que via...o vento batia na imensa água levantando-a e jogando-a em enormes ondulações sobre uma areia muito branca. Podia cerrar os olhos e sentir que aquele imenso rio orvalhava seu rosto em pequenas goticulas que eram trazidas pelo vento forte. Surpreendido constatou que a água que lhe chegava candidamente á face era salgada. Deixou-se flutuar pela grandiosidade da beleza que se vislumbrava a seus olhos, enquanto a carroça percorria veloz margeando a extensa praia. Do lado esquerdo podia ver enormes plantações que mostravam que a terra era demasiadamente fértil. Balbuciou emocionado, esquecendo-se que Job mal falara consigo na viagem:
-         Como este imenso rio é lindo!
Job por um instante esqueceu-se que Gabriel lhe era perigoso e cruel e explicou-lhe:
-         É o mar...o lindo mar de Adredanha!
Gabriel parecia um menino entusiasmado e indagou-lhe.
-         É salgado ?
Job indiferente balbuciou:
-         É água que não se bebe!
Novamente os dois silenciaram na antipatia que os distanciava. Gabriel vislumbrava a paisagem, desejando reparti-la interiormente com Brigith. Pouco a pouco os viajantes foram se distanciando do mar .Gabriel agora somente poderia ver vastas plantações verdejantes. Após rápido trajeto viu um imenso portal e depois deste uma enorme moradia branca, com longas colunas que davam-lhe imponência. Chegando defronte á mesma alguns servos se aproximaram tentando auxiliar o lorde que já saia da carruagem. O lorde dialogou rapidamente com um senhor bem escuro e que deveria ser o capataz daquela propriedade. Este se aproximou da carroça falando.
-         Job, meu amigo! Quanto tempo distante desta propriedade. Deves estar cansado.              Apressa-te... estou ciente que anseias ver tua família!
Job saltou da carroça e lhe fez um meneio cumprimentando-o
-         Senhor Luís, senti saudades de tudo e de todos. Verei meus familiares e posteriormente estarei pronto para a tarefa que me designar.
O capataz sorriu-lhe carinhosamente, e Job afastou-se correndo rumo a uma vila de pequenas casinhas brancas que se espalhavam por entre um imenso coqueiral.
O capataz Luís, olhou então Gabriel com seriedade e lhe disse:
-         Quanto a ti rapaz, não te conheço. Disse-me o senhor Lorde que devo te designar para o trabalho nas salinas. Como te chamas?
Gabriel saltou da carroça e colocou-se humildemente em posição de servo esperando instruções.
-         Meu nome é Gabriel!
-         Muito bem Gabriel, acompanha-me.
Gabriel pegou os seus poucos pertences e caminhou com o senhor Luís até uma das pequenas casinhas brancas. Disse-lhe:
-         Gabriel, aqui dormirás e te alimentarás. Dividirás esta casa com quatro servos que ainda não retornaram das salinas. Não tardarão uma vez que o sol já apeia. Repousarás um pouco e depois dar-te-ei novas instruções.
Gabriel fez um meneio de agradecimento e o capataz se distanciou. Gabriel pode então analisar o pequena moradia que lhe era destinada. Possuía dois compartimentos sem qualquer mobiliário. Podia perceber três leitos improvisados, e com palha dos coqueiros. O outro compartimento um cano de madeira jorrava água e um pequeno buraco mostrava onde eram feitas as necessidades. Caminhou até uma pequena janela e desta avistou a imponente moradia. Poderia imaginar-lhe o a fartura , o luxo e as riquezas. O andar superior desta, possuía enormes varandas ornadas de lírios brancos. Sentia-se incompreensivelmente injustiça com sua situação. Deitou-se no solo e em seu cansaço dormiu.
-         Acorda rapaz!
Gabriel de um sobressalto ergueu-se. Imediatamente percebeu que anoitecera. Alguém portava uma tocha defronte a si, mas não conseguia ver-lhe claramente o rosto.
-         Meu nome é Fernando, como te chamas?
Gabriel conseguia agora ver-lhe o semblante que brilhava sob o calor da chama. Era bem jovem ainda, talvez tivesse seus quatorze ou quinze anos. Mas era extremamente forte e muito robusto. A cor também lhe chamava a atenção porque a pele parecia colorida de negro pelo sol, ainda que não lhe fosse a cor de origem.
-         Me chamo Gabriel. Dormi demais!
-         Sim por certo que dormistes...todos já pegaram a refeição; deverás pegar a tua!
Gabriel acompanhou-o até os fundos da enorme moradia de Lorde Orlando. Lá, de uma imensa copa, eram-lhes fornecidos pratos fumegantes. Fernando falou-lhe:
-         Sempre será assim, deverás trazer teu prato e aqui pegarás o alimento. As refeições devemos fazer na casa que temos.
Gabriel caminhou segurando o seu prato de caldo grosso e sentou-se defronte á pequena casinha. Olhou Fernando agradecendo-lhe:
-         Obrigado por me acordares; onde estão os outros?
Fernando sentou-se ao seu lado dizendo-lhe:
-         Nossos companheiros logo chegarão, tiveram permissão a sair na noite!
-         Fala-me de Luís!
-         Não deves tratar o capataz assim! O senhor Luís não gosta de intimidades!
-         Mas Fernando, ele me pareceu amigo e terno.
-         Não compreendes ainda, Gabriel. Por vezes assim o é mas constantemente é cruel e rigoroso.
-         Fernando o que são salinas?
Fernando intrigou-se com o desconhecimento de Gabriel e respondeu-lhe:
-         Salinas é onde se faz o sal. Com este o senhor lorde negocia e administra suas propriedades.
-         Não compreendo Fernando, mas como se faz o sal?
Fernando, enquanto Gabriel se alimentava ia lhe explicando a tarefa á qual estava predestinado.
-         A água do mar é transportada em enormes toneis de madeira que são colocados em carroças para depois ser vertida em extensas valas no solo. Pouco a pouco a água vai sumindo no ar, e fica em seu lugar um pó esbranquiçado que é recolhido. Tudo sempre sob os olhares dos servos que nos são superiores.
Gabriel indagou-lhe ingenuamente.
-         Não parece ser muito trabalhoso!
Fernando olhou-o, encolhendo os ombros.
-         Lorde Orlando é muito bom para com todos nós; estamos entregues á servidão e cabe-nos servir!
A esperteza de Fernando, impressionava Gabriel, e este continuou.
-         Pelo que percebo, não estás acostumado á lida grosseira. Digo-te que sofrerás! O sol te queimará a pele abrindo-te feridas, até que a cor negra se incorpore á tua pele tão branca e macia. A água salgada do mar come-nos a pele durante o dia inteiro de trabalho, destruindo cada maciez até que esta fique áspera e grossa e não mais sinta a agressão. Quando recolhemos o sal  o ar se torna insuportável e os olhos ardem queimando-se constantemente; te acostumarás, todos passamos por isto e sobrevivemos!
-         E se eu não quiser isto, Fernando!
Fernando olhou-o incrédulo no que ouvia; não compreendia de onde tinha vindo Gabriel que não aceitava a servidão. Levantou-se dizendo-lhe:
-         Não compreendo o que dizes Gabriel, mas vejo que viestes de problemas e desejas atrair a ti mais alguns. Ficarei longe de ti, nunca fui castigado e não desejo me meter em confusões.
-         Espera Fernando, responde-me somente isto, o que acontecerá se eu me recusar a passar por tudo isto!
Fernando voltou-se contrariado dizendo-lhe enquanto se afastava:
-         Sem trabalho, sem alimento...sem trabalho, castigo!
Gabriel ficou sozinho, pensando em tudo que Fernando lhe dissera e que lhe aumentava a revolta.
Já era demasiadamente tarde, quando o lorde Orlando chamou o capataz Luiz para prescrever suas ordens. Encontrava-se recostado em uma poltrona com ar extremamente cansado. Luís entrou pedindo-lhe licença e o lorde falou-lhe.
-         Conhecestes Gabriel?
-          Pouco senhor Lorde, levei-o para uma das casas dos servos e deixei-o repousar da viagem. Amanhã cedo começará nas salinas como o senhor ordenou.
-         Perceberás Luís, que não está acostumado a lida árdua...tinha boa vida tratando de cavalos!
Lorde Orlando tentou conter-se para não demostrar raiva em suas palavras e continuou.
-         Retornarei ao castelo, pela manhã. Somente aqui vim para trazer pessoalmente este servo, que me trouxe inúmeros problemas...
O lorde Orlando deu um suspiro profundo e reprimindo a tristeza que lhe invadia os sentimentos continuou:
-         Quero que lhe dês trabalho árduo e incessante.  Como percebestes, sua pele é macia e  clara; provavelmente adoecerá! Não te compadeças Luís.  Ordeno-te que não tenhas piedade pois este servo não a merece. Se te criar maiores problemas prende-o na masmorra próximo ao rio.
Luís estava perplexo com o brilho febril que faiscava nos olhos do nobre. Não compreendia no entanto os motivos que o levavam a tanta contrariedade. Ainda que o lorde Orlando tentasse disfarçar a sua fúria, Luís imediatamente o havia percebido nas palavras que saiam amarguradas  ; nunca  o vira com tanta ira de um servo.
" Que teria feito ao lorde, aquele jovem servo Gabriel?" perguntava-se.
-         Somente isto senhor lorde?
-         Não Luís. Desejo que o servo Job, sua esposa e filha sejam trazidos para a lida aqui na moradia. Não permitas jamais que Gabriel ouse se aproximar deles. Deverás protege-los!
Inexplicavelmente Luís começava a sentir enorme repulsa de Gabriel. Lorde Orlando era um nobre bom e justo para com os servos. Ainda que lhes tratasse como seres inferiores, respeitava-lhes a necessidade de repouso , moradia e alimento e não aplicava castigos por mero prazer como faziam outros nobres. No entanto o nobre parecia desejar castigar aquele servo.
-         Senhor lorde, farei tudo como deseja e quando o senhor aqui retornar perceberá que este servo não lhe trará mais problemas. Aprenderá a ser um bom trabalhador humilde e resignado. Com a sua licença irei pedir providencias para sua viagem pela manhã.
Dizendo isto, Luís saiu apressado deixando o lorde sozinho com seus inúmeros pensamentos de dor e revolta.
Uma bela manhã surgiu imponente e majestosa, e o lorde Orlando já se afastava da moradia, em viagem com seus guerreiros .
Luís procurou Job ,sentindo-se satisfeito com a ordem de leva-lo para a moradia com a sua família; sempre gostara daquele servo humilde , inteligente e prestativo. O servo Job no entanto, estava imensamente intrigado com as atenções e cuidados que o capataz lhe dispensava.
-         Porque me tratas tão bem Luís? Porque pedes-me que nunca saia da moradia sem comunicar-te?
-         Ordens de nosso senhor, lorde Orlando. Devo proteger-te Job e também tua família.
-         Proteger-me de que senhor?
Luís olhou-o fixamente dizendo-lhe:
-         De Gabriel Job! Sei que deves saber porque; mas se o lorde não me contou os motivos, também não pedirei que me contes.
Luís afastou-se deixando-o no salão imponente da moradia . O capataz começou a soar uma catraca, próximo á vila dos servos e estes surgiam ágeis de suas pequenas casas. Pegavam na copa da moradia um caneco de leite e um pedaço de pão e após alimentarem-se reuniam-se defronte a Luís para que este os dispensasse para rumarem para as tarefas que lhes eram incumbidas. Uns iam para o cultivo nos campos; outros para o trato com os animais; e um  grupo de homens robustos e de pele escurecida ia  para as salinas.
Gabriel estava entre eles, mais ou menos trinta servos, a sua pele alva destoava em meio a seus companheiros. Luís chamou-o fazendo-lhe um sinal:
-         Aonde pensas que vais trajado assim ?
Gabriel olhou-se na túnica longa e branca, que sempre usara.
-         Tragam-lhe uma canga!
Ordenou Luís com voz séria e rude. Gabriel recebeu a canga de um dos servos e rapidamente a colocou, deixando a túnica próxima aonde dormira na casa. Logo retornara para junto dos seus companheiros que também se trajavam somente com uma canga e todos caminhavam rumo ás salinas. Gabriel avistou o esplendoroso mar de Adredanha, mas agora ele não lhe parecia tão belo; sentia-o assustador depois das advertências de Fernando. Sentia enorme angustia pelo que dissera que iria sofrer naquela lida.
Grupos de cinco servos ,para cada tonel de madeira,  deveriam leva-lo  ao mar e deveria ser enchido com aquela água salgada. Por vezes as fortes ondas os jogariam á areia, mas rapidamente deveriam retornar e recomeçar a difícil tarefa de encher o tonel. Assim que estivesse cheio, os cinco servos precisavam  arrasta-lo na areia; coloca-lo na carroça e leva-lo ás valas para ali verter a água.
Gabriel escutou as orientações silencioso, eventualmente havia entrado no lago da propriedade do castelo de lorde Orlando, para banhar-se e lhe era imensamente prazeroso .
Todavia  agora ele era obrigado a entrar naquela água fria e extremamente revoltosa  e isto o assustava porque não sabia nadar.
Inúmeras vezes era arremessado na areia muito branca mas o capataz impiedoso mandava-o voltar e auxiliar os outros a segurar o tonel.
Gabriel sentindo-se exausto auxiliou finalmente tirava o tonel do mar com seus companheiros. Os outros cinco toneis também já haviam sido retirados do mar repletos de água salgada e agora precisavam arrasta-los na areia até á carroça.
O tonel parecia ser tragado em seu peso na areia muito fina.  Afundava-se sendo mais difícil transporta-lo. Estavam todos cientes que se o tonel se virasse vertendo a água, teriam que reiniciar a árdua tarefa.
A pele clara de Gabriel começava a se avermelhar, e o sal da água secando em seu corpo lhe trazia imensa ardor. O imenso incomodo que sentia era pior que a descrição que Fernando lhe fizera.
 Imenso era o trabalho de colocar e tirar os toneis cheios e pesados das carroças, mas finalmente o haviam conseguido e agora vertiam a água nas valas.
Novamente o trabalho recomeçava retornando os servos e os respectivos toneis ao mar. Assim transcorria o dia para os servos das salinas. Quando o sol já alto ia; uma catraca se fez soar; os toneis eram então deixados e todos paravam para se alimentar.
Gabriel ambicionava uma sombra, mas o forte sol queimava em todas as direções. Sentou-se próximo a uma das carroças, desejando-lhe a pouca sombra. Alimentou-se ainda que não sentisse vontade de faze-lo. Tateou os braços extremamente avermelhados; a pele estava demasiadamente quente e sentia enorme ardor em sua face e tronco. Sentia-se asfixiado com o ar quente ainda que brisas soprassem freqüentemente.
Gabriel recordou-se saudoso dos campos frescos do castelo. Lembrou-se do rio cristalino, das arvores, das colinas, do lago; olhou ao redor e avistou as valas ás quais chamavam de salinas. Poderia conta-las em cinqüenta. Em algumas já poderia ver o pó esbranquiçado secando ao sol. Em outras o liquido ainda era abundante. Defronte a si o imenso mar de Adredanha lhe instigava receios. Uma imensidão azul que lhe mostrava superioridade. Novamente a catraca soou. tirando-lhe do breve repouso. Caminhou junto com os seus companheiros para verter o liquido existente no tonel, na vala. pela terceira vez recomeçariam a penosa tarefa.
Gabriel caminhou angustiado acompanhando a carroça que rangia leveza. O seu corpo reclamava sentindo-se pesado e febril. A areia fina da praia feria-lhe os pés que haviam se cortado na longa tarefa da manhã. Desejava imensamente poder correr e refugiar-se em algum lugar fresco  para amenizar um pouco as dores que sentia mas o capataz Luís, o olhava vigiando-o continuamente no trabalho. Como poderia fugir, se não conhecia os limites e nem as distancias daquela propriedade. No trajeto que fizera não identificara as ervas que tão bem  conhecia e dominava nas colinas e nos pastos do castelo; a vegetação ali lhe era imensamente diferente.  Novamente levavam o tonel ao grande mar. Sentiu na água fria,  um alivio momentâneo ao  ardor que sentia no corpo mas o conforto foi drasticamente interrompido porque  na agitação das ondas pouco conseguia se equilibrar e era arremessado na areia sem piedade. A água  ficava-lhe na altura da cintura, mas regularmente, na elevação das ondas, chegava-lhe ao pescoço trazendo-lhe pânico.
O sol misericordiosamente já declinava sua majestade, quando retornavam ao oceano repetindo a dolorosa tarefa pela quarta vez. Gabriel não mais possuía forças para executar o trabalho exaustivo. A sua visão se turvou, as pernas ficaram-lhe tremulas, numa das ondulações não mais conseguiu se equilibrar e foi arremessado impiedosamente á areia, ficando imóvel. Luís  com sua voz austera prontamente ordenou que se erguesse e auxiliasse os seus companheiros, a sustentar o tonel. Não houve qualquer resposta ou reação por parte de Gabriel. Estava de bruços e inconsciente. A água cobria-lhe o corpo a cada ondulação, o que o asfixiava fazendo-o engolir água. O capataz percebendo que não obedecia suas ordens, fez um sinal para que Fernando fosse até ele e o puxasse para a areia ficando a salvo das ondas que se arremessavam sobre seu corpo. Gabriel estava agora de bruços sobre sobre a areia fina  demasiadamente quente. Despertou abruptamente com o estalar do chicote em suas costas. Respirou ofegante expelindo a água salgada que havia engolido. A areia fina, ao ser arrastado, havia se aglomerado em seu rosto e corpo. Olhou o capataz Luís que agitava o chicote impaciente e balbuciou enfraquecido:
-         Clemência senhor!
Luís observou- fria e indiferentemente.
-         Levanta-te servo!
Gabriel reunindo as forças que ainda possuía, ergueu-se com grandiosa dificuldade, e caminhou cambaleante  retornando ao trabalho . As pernas fraquejavam  fazendo-o cair continuamente. Após a água ser vertida finalmente na vala, soou a catraca e sentindo um alivio inexplicável  Gabriel arrastou o seu corpo até á moradia. Num pequeno córrego se banharam e na copa recolheram o caldo reconfortante.
A noite já estava escura quando finalmente Gabriel chegou á pequena casinha e deixou-se cair de bruços. O corpo lhe doía imensamente; um imenso calor parecia queima-lo em cada pedaço de sua pele. Sentia-se extremamente febril em arrepios de imenso frio que lhe percorriam o  ser. Os profundos vergões que o chicote delineara em suas costas eram-lhe três sulcos de imensa dor.
Os seus companheiros dormiam serenos porem Gabriel sentia-se desfalecer em interminável sofrimento. Fernando não conseguira dormir escutando-lhe os gemidos doloridos. Levantou-se inquieto e olhou-o com extrema clemência . Temia aquele jovem  Gabriel, que se mostrara atrevido e arrogante , desejaria ficar longe dele para não atrair problemas para si; no entanto aquele irmão sofria e sentia enorme necessidade de auxilia-lo; "como poderia repousar tranqüilamente se aquele irmão precisava de auxilio"... um imenso sentimento fraterno e solidário o invadia.
- Gabriel, trarei água! Vou banhar-te continuamente, isto irá aliviar-te! Precisas beber muito liquido também!
Gabriel entreabriu os olhos, não possuindo forças para agradecer-lhe. Fernando pegou água e o banhou continuamente aquela longa noite. Com extremo amor abdicara da sua necessidade de  repouso para auxiliar aquele seu companheiro que sofria;  sem nada impor ou questionar;
A catraca soou pela manhã . Fernando já se afastara de Gabriel, após ficar toda a noite em vigília. Banhara-se para espantar o sono que sentia e agora levava-lhe a refeição matinal. Gabriel ergueu-se com extrema dificuldade para alimentar-se e Fernando afastou-se temendo censuras do capataz. Após alimentar-se levantou-se e saiu cambaleante da casinha para se reunir aos seus companheiros.
Os servos o olharam-no com assombro e Gabriel olhou-se também perplexo.  A pele extremamente queimada e vermelha se avolumava em bolhas que se dispersavam em todo o seu corpo. Sentiu que os vergões do chicote em suas costas infeccionara. Os seus pés e a sua face estavam inchados, assim como seus olhos que pouco conseguia abrir, com certeza, em conseqüência da febre, do sal da água, e da forte luz solar. Percebera ao se alimentar que também seus lábios estavam rachados e que até o movimento de mastigação lhe era doloroso.
Olhou o capataz Luís humildemente. Ansiava desesperado, que este tivesse clemência, percebendo-o em estado físico tão lastimável, e o dispensasse do trabalho nas salinas até sua recuperação.
Não conseguiria suportar mais um dia no trabalho nas salinas... o capataz Luís, no entanto, ignorou-o .
Caminhando mecanicamente, com extremo sacrifício a cada passo, os dias se repetiram sem clemência para Gabriel.
Passara-se o período de um ano de muita dor e sofrimento para Gabriel.
A sua pele tornou-se gradativamente escura e mais resistente. As feridas cicatrizaram paulatinamente. Os pés sofreram uma metamorfose tornando-se duros e insensíveis. Os músculos se salientaram em todo o seu corpo.
Gabriel começava a ter tempo para pensar. A vida naquela propriedade de Adredanha, lhe fora um verdadeiro inferno. Estava ciente de que o capataz Luís antipatizava com ele; castigava-o continuamente quando não conseguia concluir um bom desempenho em seu trabalho nas salinas. Era impiedoso e cruel.
Os seus companheiros inexplicavelmente temiam aproximação ou dialogo consigo. Mantinham-se silenciosos e indiferentes á sua presença. Fernando o auxiliara continuamente, em muitas e muitas noites, de tortura;  até que se recuperasse e tivesse forças a cuidar sozinho de seus ferimentos; mas este também  lhe impunha distancia com um silencio inviolável.
Gabriel intrigava-se. Nunca mais vira ou tivera noticias do servo Job, por vezes concluindo que deveria ter retornado para o castelo com o lorde. Tal conclusão lhe aflorava intima revolta achando-se cruelmente injustiçado.
O corpo se adaptara definitivamente á sua árdua vida em Adredanha e ao seu trabalho nas salinas. Terminara-lhe o tempo de dor e sofrimento.















                      O sol já alto se erguia no céu incrivelmente azul. O verde das colinas e a brisa fresca se misturavam num aroma de flores silvestres. O castelo imponente reinava em mais um dia tranqüilo.
Philip encontrou o médico, Ricardo medicando com extrema dedicação, um servo que se ferira no cultivo nos campos. Falou-lhe com admiração:
-         Senhor Ricardo, o lorde mandou-me chama-lo!
Ricardo olhou-o sentindo-se intrigado. Desde que o lorde retornara á propriedade nunca mais o procurara. Por vezes, quando se encontravam ocasionalmente, cumprimentava-o num rápido e frio movimento manual. Nada sabia sobre a viagem ä propriedade de Adredanha , sentindo-se extremamente preocupado com os destinos de Job e Gabriel. A vida naquela propriedade voltara a uma rotina tranqüila e sem novidades. A tristeza do lorde Orlando se mantivera aparentemente profunda, enquanto que o seu filho, o jovem Arthur, parecia haver superado sua dor expandindo jovialidade e alegria no castelo.
Ricardo disse a Philip que iria prontamente procurar o lorde na biblioteca e o capataz afastou-se. O medico pensativo terminou de colocar a atadura no braço do servo e sorrindo-lhe carinhosamente ,despediu-se saindo do pavilhão dos servos e caminhando até o salão principal do castelo e de lá para a biblioteca. A porta estava entreaberta.
-         Senhor lorde Orlando, deseja falar comigo?
O lorde autorizando que entrasse, olhou-o com seriedade.
-         Sim Ricardo. Tenho uma tarefa para dar-te!
Ricardo ouviu-o atento e prestativo.
-         Desejo que viajes para a propriedade de Adredanha, e me tragas noticias.
O medico inquietou-se questionando.
-         Senhor Lorde, perdoai-me a ousadia, mas sou necessário neste castelo. Tem vinte servos que precisam de meus cuidados.
O lorde interrompeu-o sentindo-se contrariado.
- Deixai de tolices Ricardo. Preciso que viajes e tragas noticias do servo Gabriel!
A ordem do lorde era-lhe inesperada atingindo-o incompreensivelmente. Novamente era enredado pelo destino, na vida de Gabriel e de seus crimes. Por vezes sem saber o que ocorrera , achava que o lorde houvesse  o matado para honrar a vida de seus familiares; por outras vezes  julgava que este o houvesse enclausurado numa masmorra distante; Entretanto se surpreendera quando o lorde lhe falou que Gabriel estava  na propriedade de Adredanha. O Lorde Orlando percebeu-lhe o semblante pálido e falou-lhe compreensivo:
-         Julgo-te pessoa ponderada e de inteira confiança. Muito refleti aquela noite em que tudo me contastes! Conclui que mata-lo seria pouco! Prende-lo seria lhe cômodo! Resolvi conceder-lhe a oportunidade de reconhecer e arrepender-se  dos seus erros e de poder se redimir do imenso mal que fez. Julguei-o ao trabalho! Em diária vida  penosa,  teria oportunidade e tempo á reflexão e aprenderia  com este a ter disciplina,  equilíbrio, humildade e resignação. No entanto sinto enorme necessidade de tomar conhecimento se no árduo trabalho regenerou-se, e por isto te peço que vás a Adredanha!
O lorde deu silenciosa pausa para observar as reações de Ricardo e prosseguiu:
-         Da propriedade de Adredanha, não deverás retornar sem antes haveres concluído o que Gabriel aprendeu com sua nova vida!
Ricardo remuia as palavras do lorde dentro de si, sem compreende-las corretamente, O lorde ordenou-lhe excluindo-lhe qualquer possibilidade de recusa.
- Viajarás pela manhã, Ricardo!
O medico afastou-se despedindo-se do lorde com uma humilde reverencia e caminhou apressado rumo ao rio veloz para refletir pausadamente em tudo.
Não conseguia compreender porque o Lorde tivera tanta clemência com o assassino de sua família, doando-lhe oportunidade a melhorar-se. Era-lhe incompreensível pelo muito que conhecia aquele lorde frio e indiferente ás aflições e sofrimentos de seus servos. Tratando-os no essencial á mera subexistencia como fazia com qualquer um de seus animais. Achando-os inferiores.










































                                 Gabriel recostara-se para fazer a breve refeição no meio de um dia de trabalho. O seu corpo não mais ansiava o frescor de uma sombra. Sentava-se em pleno sol desafiando o calor que tanto o ferira, mas não mais o incomodava. Olhava também o imenso oceano em desafio e orgulhava-se de ter aprendido a domina-lo, com perfeito equilíbrio. Por vezes a água  lhe subia acima do rosto e conseguia perfeitamente manter-se sobre ela; aprendera a nadar forçosamente. Um ano e meio se passara sendo desafiado por sua hostilidade mas agora desafiava sua grandiosidade. Sentia-se forte e robusto e os demais servos observavam-lhe com seriedade e respeito longínquo. Não fizera amigos mas não sentia falta destes. Se empenhava em suas horas de repouso em  conhecer melhor os limites da vila dos servos. Enquanto os seus companheiros de lida se divertiam, em danças ocasionais , em longas conversas, ou com suas mulheres; Gabriel dava longos passeios noturnos descobrindo caminhos ocultos na vegetação. Num desses passeios descobrira um rio que desaguava no mar. Havia pensado em fugir subindo este; teria água farta a beber e com certeza frutas silvestres a comer na longa fuga; no entanto optou em melhor fortalecer-se. O objetivo não lhe era fugir das propriedades de lorde Orlando; desejava sim, ardentemente,  retornar ao castelo.
Gabriel terminou a refeição com brevidade e enquanto os demais servos aproveitavam os poucos minutos que ainda tinham para repousar; ele ergueu-se e caminhou na areia. Sentou-se na areia fina que inúmeras vezes tinha lhe cortado os pés e pegando um pouco desta em sua mão a apertou violentamente exclamando em pensamento hostil "és me submissa agora!"...A catraca soou e todos os servos retornaram ao trabalho.
Gabriel se esforçava para ser o melhor e o mais forte; não para atrair a si os encantos do capataz Luís, e nem para fugir-lhe aos castigos; mas para salientar em toda a sua musculatura o imenso ódio que sentia  de tudo e de todos .
"Voltaria..."A afirmação era continua e determinada em sua mente ao longo do dia, e quando isto acontecesse voltaria um homem forte e valente; voltaria um guerreiro.
Sabendo ler e escrever, atributos que o velho Manco lhe dera em árdua doutrina, também se treinava mentalmente ao longo do dia, formulando letras, palavras e estórias em sua memória. Tinha conhecimento que a grande maioria daqueles servos eram ignorantes e não letrados, e isto fazia com que se sentisse superior a todos eles. Inúmeras vezes punha-se a contar os passos que dava, para não esquecer as difíceis e complicadas lições de aritmética. "Voltaria um guerreiro!"
O dia findara e a catraca soou para que retornassem á moradia.
Luís observava Gabriel atentamente preocupado. Assombrava-se com a rápida adaptação deste á vida nas salinas. Admirava-lhe o corpo atlético completamente recomposto do sofrimento. Temia-lhe a fisionomia freqüentemente revoltada, mas não poderia lhe impor castigos por seus pensamentos que desconhecia mas poderia afirmar não serem bons. Era um servo exemplar e tinha força a trabalhar por três. Possuía o porte, a elegância e a postura de um lorde e isto o impressionava. Andava com altivez  e olhava os demais companheiros de lida com superioridade aparente.
O capataz Luís sentia que os problemas não haviam terminado para o lorde Orlando mas pareciam estar apenas começando. O belo jovem que ali chegara com um jeito extremamente frágil e um corpo juvenil, com o árduo trabalho das salinas e consequentemente com o imenso sofrimento que lhe fora imposto, se transformara num homem forte, que em seu semblante resplandecia contrariedade e certamente não tardaria a desafia-lo.  
Luís sentia  enorme receio e estava decidido a mandar um mensageiro ao castelo, afim de alertar o Lorde Orlando sobre suas desconfianças.

Quando se aproximavam da moradia avistou prontamente o viajante que chegara á propriedade. Gabriel avistou-o também reconhecendo-o ; Luís caminhou até Ricardo, esquecendo-se momentaneamente que os servos lhe aguardavam a ordem para que podessem ir se banhar e alimentar.
-         Que bom ver-te Senhor Ricardo...a que vens?
Ricardo apeou da montaria olhando os servos, mas sem reconhecer Gabriel. Voltou-se para Luís dizendo-lhe:
-         O Lorde Orlando mandou-me para analisar as condições físicas de seus servos nesta propriedade. Ficarei apenas alguns dias!
-         O acomodarei imediatamente senhor Ricardo, tão logo dispense os servos.
Luís voltou-se e soando a catraca os servos se dispersaram. Então acompanhou o medico que parecia extremamente fatigado até o interior da imponente moradia. Tão logo ali entrou, avistou  Job que polia com dedicação, as imensas peças de madeira que adornavam a escadaria. Exclamou com alegria:
-         Job, meu amigo!
O capataz Luís sentiu-se extremamente intrigado com a intimidade do medico para com aquele servo, e resolveu deixa-los a sós, ordenando:
-         Job, encaminha o senhor Ricardo ao aposento.
Quando Luís se distanciou saindo da moradia, o médico radiante deu um forte abraço em Job. Viajara angustiado desejando saber como encontraria aquele servo tão amigo. Job também imensamente feliz em vê-lo, levou-o até o aposento e lá o medico pediu-lhe que se sentasse para poderem conversar um pouco. O servo prontamente atendeu-lhe o pedido e sentou-se com a costumeira humildade. Ricardo contou-lhe as ordens que recebera do lorde, e Job prontificou-se  a informar-lhe:
-         Por vezes o vejo Senhor Ricardo! Este ano e meio me ocultei nesta moradia mas freqüentemente o observo quando sai para a lida nas salinas e quando retorna.
-         Gabriel está na lida das salinas?
-         Sim senhor, nosso bom lorde desejou castigá-lo impondo-lhe sofrimento em trabalho árduo; por longo tempo o sofrimento lhe era aparente no corpo frágil, no entanto...
-         Fala-me Job, conta-me tudo o que sabes! Não me omitas nada!
-         Senhor Ricardo, infelizmente não adiantará falar-lhe! O senhor precisará o ver e compreenderá. Pela manhã poderás ve-lo+ quando sai para as salinas.
Job desculpou-se e saiu a concluir suas tarefas.
Gabriel vagava pensativo na vila dos servos. Sentia-se saudoso do castelo e agora a presença do médico Ricardo avivara-lhe as lembranças. Sentia-se curioso a respeito de sua presença ali na propriedade. "Porque teria vindo?" Gabriel encostou-se em palmeira frondosa e olhou o céu negro; negra lhe era a vida sem o sorriso encantador de Brigith. Nunca a esquecera nos longos dias das salinas. Fitou a noite extremamente estrelada mas não conseguia imagina-la uma estrela. A  doutrina cristã  que o velho Manco lhe ensinara, sumira tal qual a fé que não mais sentia.
Voltou ao seu pequeno leito, feito com folhas ressecadas de palmeira, para tentar dormir. Mas as lembranças de dias outrora tão felizes em sua juventude livre e farta em emoções, deixavam-no angustiado, sendo ardilosamente substituídas por inúmeros ressentimentos e magoas de sua vida sofrida e solitária.
Na bonita manhã Gabriel colocou-se próximo aos demais servos para recomeçar o trabalho. A rotina lhes era a constante mestre e companheira sempre assídua. os hábitos eram repetidos continuamente tornando-se mecânicos. Nada se alterava na propriedade de Adredanha, nem mesmo o clima sempre árido , seco e quente. Mas naquela bela manhã, Luís soava a catraca ao lado do médico Ricardo, com certeza teriam novidades. A multidão de servos silenciou e Luís falou-lhes.
-         O médico Ricardo está na propriedade, obedecendo ordens de nosso senhor Lorde Orlando, para verificar-vos a aptidão física. Se algum de vós se sente mal, deverá me procurar, para que eu encaminhe a seus cuidados.
Luís olhou o medico, indagando-lhe se desejava mais alguma coisa. Ricardo fez-lhe um gesto negativo e o capataz dispensou os servos do cultivo e os servos do trato com os animais, ficando ali somente os servos das salinas.
-         Senhor Ricardo, devo seguir agora para as salinas...deseja acompanhar-nos?
Ricardo olhava os cinqüenta servos sem conseguir identificar entre eles o servo Gabriel . Falou:
-         Desejo lhe pedir algo Luís!
-         O que desejar senhor Ricardo!
-         Peça que os servos se apresentem um a um, para que possa verificar-lhes a forma física. Depois faremos o mesmo com os demais que já se foram para a lida.
Luís atendeu prontamente o seu pedido, ordenando:
-         Que se apresente um a um de vós ao médico Ricardo. Deverá dizer-lhe o nome e depois prosseguir para a lida nas salinas.
Em impressionante disciplina metódica, os servos foram se apresentando e Ricardo analisava-lhes o corpo e suas eventuais feridas.
-         Meu nome é Gabriel, senhor!
A voz saiu firme, forte e hostil. Ricardo olhou-o tentando mostrar-se indiferente, no entanto estava imensamente surpreso e agora compreendia porque  o amigo Job lhe dissera que precisaria vê-lo. Gabriel estava irreconhecível! Lembrou-se rapidamente do jovem que medicara por duas vezes com as longas crises febris; tão convulsivas. Era um jovem frágil, de pele extremamente fina e branca e de olhar ingênuo. Agora diante de si, estava um homem incrivelmente musculoso, com formas definidas e olhar assustador. Ricardo dispensou-o temendo demorar-se em sua analise e este imediatamente rumou a caminho das colinas. Quando o medico terminou a tarefa de exame superficial daqueles servos, agradeceu ao capataz e foi para a moradia. Ricardo sentou-se pensativo em seu aposento. Pegou um pergaminho e mergulhando a pena na tinta escura  escreveu:
                        "Senhor Lorde Orlando
              Revi o servo com assombro! Os castigos impostos
               transformaram-no num guerreiro forte .
               Temo pela segurança de sua propriedade.
               O porte físico é a de um nobre;
                a força aparente é a de seu mais forte servo;
                e o olhar do mais vil dos animais.
                            Preocupado aguardo ordens.
                                                             Seu fiel servo
                                                                               Ricardo"
Ricardo acabara de lacrar o pergaminho, quando Job bateu na porta pedindo-lhe licença para entrar. O médico prontamente abriu a porta.
-         Bom dia senhor Ricardo! Não deseja fazer a sua refeição matinal?
-         Senta-te Job, posteriormente irei alimentar-me! Porque ficastes nas tarefas da moradia?
-          Senhor Ricardo, o lorde deixou instruções com o capataz Luís, para que me protegesse e protegesse minha família.
-         Sabe Luís dos acontecimentos no castelo?
-         Não senhor Ricardo, mas o Lorde o deixou ciente que deveria nos proteger de Gabriel.
-         Job, não te fez perguntas o capataz?
-         O senhor Luís é um bom homem; é discreto e de inteira confiança do Lorde Orlando.
-         O que achas que o Lorde lhe falou de Gabriel?
-         Contou-me certa vez, quando pedi clemência para Gabriel, em função de seu estado doentio; que tinha ordens para não apiedar-se dele, impor-lhe trabalho e disciplina, independente de seu sofrimento...
-         Ficou doente e tivestes piedade? Pedistes clemência Job?
-         Sim senhor Ricardo...durante longos meses foi arrastado ao trabalho nas salinas com imensas queimaduras e feridas em seu corpo. Mal conseguia por-se de pé. Soube através de alguns sevos que me são amigos, que inúmeras vezes, nem conseguia trabalhar; mas era largado na areia, sob o sol quente, sem alimento ou água; quando o dia terminava novamente traziam-no arrastando-o no solo. Porem sobreviveu a tudo. O senhor já o viu?
-         Sim Job, o vi pela manhã e fiquei perplexo com o homem que encontrei.
-         Comentam os servos, que se exercita incessantemente o dia inteiro; não faz somente as tarefas que lhe são impostas como os outros companheiros. Empenha-se nelas com um esforço físico demasiado; perdoe-me a ousadia senhor Ricardo, mas comentam que age como um guerreiro...
-         Percebi isto também Job; estava manuscrevendo mensagem alertando o Lorde Orlando sobre isto quando entrastes.
Ricardo parou para lhe mostrar o pergaminho lacrado.
-         Job, e tua esposa, encontraste-a bem? E tua filhinha?
O servo olhou-o agradecido por se lembrar delas, falando-lhe humildemente:
-         Minha filha já é uma linda menina de sete anos e minha esposa espera novo filho!
-         Serás pai novamente Job; que alegria para ti! Devo vê-la e oferecer-lhe meus cuidados médicos. Que faz?
-         É uma das auxiliares da cozinha Senhor Ricardo. E a minha filha também já colabora!
-         Então vamos até lá, desejo conhece-las e aproveito para alimentar-me; já me sinto enfraquecido!
Ricardo acompanhou Job, esquecendo-se temporariamente do pergaminho em cima da escrivaninha. Job sentia-se feliz com a preocupação e os cuidados do medico para consigo e com sua família. Chegando á cozinha, na qual varias servas aprontavam a numerosa alimentação, Job aproximou-se de uma menina clara e de olhos amendoados, dizendo-lhe:
-         Vem no papai!
A menina aproximou-se abraçando-o carinhosamente.
-         Senhor Ricardo, esta é minha filhinha, Sara.
Ricardo sorriu-lhe afável:
-         Sara és uma linda menina!
Job, então chamou:
-         Linia, vem até aqui!
Uma jovem de cabelos cacheados, que estava sentada de costas, juntamente com outras servas, levantou-se virando-se para atender o seu chamado. Ricardo imediatamente sentiu-se fraquejar e sentou-se rapidamente numa cadeira que lhe estava próxima.
-         Compreendo o seu assombro Senhor Ricardo.
O médico Ricardo perplexo não conseguia retirar o olhar da jovem que parecia ficar extremamente constrangida. Job falou ao medico.
-         Senhor, sei que o senhor está impressionado porque minha esposa é incrivelmente      parecida com a senhorita Brigith; não lhe fosse a estatura mais baixa um pouco, e a idade de vinte anos poderíamos estar certos de ser ela mesma.
A semelhança era impressionante. O médico poderia afirmar com certeza naquele instante de que Linia era irmã de Brigith, sendo-lhe três anos aproximadamente mais nova, mas em semelhança que a identificaria facilmente como uma irmã gêmea. Sussurrou  com a voz tremula:
-         O Lorde a conhece?
-         Não senhor Ricardo. Linia era filha de um velho servo que tinha suas tarefas longe desta moradia. Quando seu pai morreu e como eu já me interessava em desposa-la o fiz prontamente. Linia tinha apenas dez anos e eu assumi o compromisso  de respeita-la até que completasse quinze anos. Assim o fiz e logo após concretizarmos o matrimonio, Linia ficou esperando nossa filha Sara. Quando viemos para a moradia, o Lorde já havia partido !
-         Job a menina Brigith nunca veio a Adredanha?
-          Não senhor Ricardo, não teve oportunidade de fazer a viagem; quando o Lorde ia traze-la para que conhecesse  o mar de Adredanha, o seu irmão Anderson adoeceu... o  resto o senhor sabe !
Ricardo  olhou Linia com respeito,  desculpando-se:
-         Perdoai-me Linia; surpreendi-me porque és muito parecida com a filha do Lorde..
Linia envaideceu-se, agradecendo.
-         Job me disse que esperas um filho?
A moça respondeu-lhe modestamente.
-         Sim senhor, mas ainda não tenho barriga; senti-me mal e a velha curandeira da vila, disse-me que esperava um menino!
-         Depois te examinarei para ver se esta' tudo bem contigo e com teu filho, se Job teu marido permitir!
Job aceitou a oferta médica e Linia afastou-se pedindo-lhes licença. Job apressou-se a servir a refeição ao médico!
Este se alimentou em silencio e Job rumou a sua lida no trato com a moradia de Lorde Orlando.
Ricardo após alimentar-se fechou-se em seu aposento para divagar. Intuitivamente rasgou o pergaminho que havia escrito e queimou-o
Deitou-se em seu leito. Em toda a sua  experiência médica, nunca vira seres tão semelhantes que não fossem irmãos... precisava encontrar uma explicação lógica para a incrível semelhança de Linia com Brigith. Poderiam ambas serem filhas do lorde Orlando mas geradas por mães diferentes possivelmente também muito parecidas na cor da pele, traços fisionômicos, cor de olhos... mas ainda assim, a semelhança era impressionante, sendo estas crianças geradas em ventres maternos tão distintos. Era mais um, dos inúmeros mistérios da criação, que o homem não tinha ainda condições de explicar!. Um eventual mistério do destino, tentando revelar o que oculto estava, com o claro objetivo de entrelaçar vidas.
Impressionado ficara também, em perceber que o Lorde  nunca vira aquela mocinha que poderia com certeza chamar de filha se o desejasse.
Temia estar fazendo deduções precipitadas, mas a lógica parecia ser uma só, não haveriam outras explicações .
Achava interessante também ninguém na propriedade de Adredanha, poder reconhecer tão incrível semelhança, a não ser  ele, Job e Gabriel... a conclusão assombrou-lhe os pensamentos." Como reagiria Gabriel se visse Linia?"..."Como agiria este com Job?"....O médico sentia enorme vontade de procurar Job. Encontrou-o lavando o piso do imenso salão nobre.
-         Job atrapalho-te?
-         Não senhor Ricardo, mas preciso prosseguir com a lida!
-         Porque o  Lorde Orlando te escolheu para cuidar de seu filho Anderson!
-         Veio um mensageiro do castelo, e  em mensagem a Luís, pedia que este  providenciasse um servo letrado, forte e jovem. Este deveria viajar prontamente para o seu  castelo, afim de tomar conta de seu filho enfermo ! Luís gostava muito de meu trabalho e sabia que  eu era exímio contador de estórias quando estávamos no repouso da lida dos campos. Escolheu-me e mandou-me para lá... Ainda lhe pedi que permitisse que eu levasse Linia e Sara, mas este não consentiu, dizendo que eu não teria  tempo para elas, cuidando do filho do Lorde que estava muito enfermo. Convenceu-me que seria bom para mim e que não seria por muito tempo. Comprometeu-se a  ajudar Linia a cuidar de Sara; e como me era grande amigo, resignei-me á ordem de meu senhor!
- Quando conhecestes Brigith, Job; não te assustastes?
-         Sim senhor Ricardo, também fiquei perplexo com a incrível semelhança  física.  Porem conclui que era mera coincidência. Fiquei amigo da senhorita Brigith e me sentia imensamente bem ao seu lado ; A sua semelhança com Linia auxiliava-me a não me sentir tão saudoso de Linia e Sara.
-         Não achas que podem ser irmãs?
-         Senhor Ricardo, nunca pensei  nisto, seria um enorme absurdo! Soube que a esposa do velho ancião, a mãe de Linia, morreu quando ela tinha sete anos! Nada mais sei!
-         Não tiveram outros filhos? A Linia não tem  irmãos?
-         Não senhor; soube pelos servos que os pais de Linia, não foram  abençoados com  filhos;  a filha Linia lhes  veio tardiamente quando o seu pai já estava velho. Dizia este, que Linia lhe era uma benção e que eu deveria cuidar dela com imenso carinho e respeito. Foi o que lhe prometi em seu leito de morte e assim tenho agido .
-         Sabes como era a mãe de Linia?
-         Dizem senhor que era uma serva clara e bonita; casando-se quando ainda era muito jovem.
-          Job, quantos anos viveram juntos?   
-         O senhor me deixa confuso com tantas perguntas. Creio que viveram uns vinte anos juntos.
Ricardo desculpou-se pelas perguntas e caminhou até os jardins da moradia. Sentou-se num banco e refletiu nas respostas de Job. Se o matrimonio dos pais de Linia durara vinte anos o medico concluiu que haviam se unido quando a mãe de Linia  tinha apenas  quatorze anos. Concluiu prontamente também, que se a mãe de Linia falecera com trinta e quatro anos esta já tinha idade suficiente a ser cuidada somente pelo pai. Na sua experiência de médico, estranhava que num matrimonio tão longo somente tão tardiamente ser abençoado com uma criança. Por todas as reflexões que fizera ao longo daquele dia, poderia afirmar com convicção que a mãe de Linia haveria se encontrado furtivamente com o Lorde.
 Ricardo estava intrigado com o destino; quantos Lordes não se ocultavam nos pátios dos servos submissos a escravidão de trabalhos e isentos de títulos de nobreza e suas vantagens .
Por sua vez Job , intrigava-se com o dialogo que tivera com o médico Ricardo. Lançada lhe fora a dúvida em suas constantes indagações. Seria realmente Sara, a sua filha, a neta de Lorde Orlando; seria sua esposa Linia  uma filha perdida do nobre; a incerteza inquietava-o Terminada a tarefa no salão voltou a cozinha onde encontrou sua esposa nos afazeres. Analisou-a enquanto esta trabalhava; realmente o senhor Ricardo poderia estar certo, a semelhança era  injustificável não fosse por esta razão.
Um arrepio frio lhe percorreu o corpo, se Gabriel a visse, em sua paixão doentia haveria de pensar que Brigith não morrera e que todos lhe haviam lhe ocultado isto.
Os servos não podem se aproximar dos enterros dos nobres; e o de Brigith não foi diferente. Lembrou-se que Gabriel permaneceu imóvel , encostado em uma árvore distante, enquanto o corpo de Brigith era sepultado.
Os pensamentos rápidos traziam-lhe angustia. Coincidentemente sua esposa esperava um filho e possuía a idade de Brigith quando esta morreu."Gabriel  enlouqueceria". Job sentiu ânsia de abraçar Linia e assim protege-la de seus pensamentos. Afastou-se e voltou a lida.
-         Precisamos conversar Job!
-         sim senhor Ricardo.
-         Acompanha-me até meus aposentos!
Job acompanhou-o apressado; em sua apreensão também sentia enorme vontade de conversar com o médico. entraram no pequeno aposento e Ricardo pediu a Job que se sentasse.
-         Job temos problemas a resolver, estou certo que devo resolve-los contigo.
-         Sim senhor. depois de suas perguntas despertei para as evidencias. Realmente Linia é filha de Lorde Orlando... apavoro-me em pensar que Gabriel a veja e que em sua paixão doentia pense que o enganamos; e que esta seja Brigith esperando o seu filho... o que faremos senhor?
Job estava aparentemente aflito gesticulando as maõs constantemente.
-         acalma-te Job , precisamos ficar tranqüilos sempre para pensarmos e agirmos com ponderação e sensatez; assim evitaremos possíveis erros.
Ricardo pôs-se a caminhar de um lado para o outro dizendo-lhe:
-         Rasguei o manuscrito que mandaria ao Lorde; escreverei no entanto outro; procura o mensageiro e pede-lhe que se apronte para a viagem antes do anoitecer.
-         Perdoai-me senhor Ricardo. O que escreverás?
-         Job tranqüiliza-te nada direi por agora de Linia; somente pedirei que venha com urgência para Adredanha.
Job tranqüilizou-se, confiante nas atitudes do médico e saiu para procurar o mensageiro. Ricardo pegou a pena, envolveu-lhe o bico na tinta e escreveu:
                            "Senhor Lorde Orlando
                               Problemas na propriedade de Adredanha.
                               Faz-se necessário a  sua presença!
                                Seu servo Ricardo."
Cuidadosamente lacrou o pergaminho e saiu do aposento carregando-o consigo.
Já o sol descia no horizonte, quando o mensageiro saiu rumo ao castelo de Lorde Orlando num galope ligeiro. Ricardo olhou-o sumindo na distancia, na esperança de que não tardasse e que breve o Lorde ali estaria.
Longos dias se passaram sem noticias .
O médico Ricardo passava os dias tratando de alguns servos que lhe pediam auxilio e depois ia para seu aposento refletir.
Linia entrara no sétimo mês de gestação e Ricardo preocupado freqüentemente observava; lembrava-se de Brigith e de seu filho tão precipitadamente ceifados da vida.
Naquela manha quando os servos se aprontavam para seguir para a lida, Luís o chamou dizendo-lhe:
-         Preciso que olhes o braço de um servo, parece-me que quebrou os ossos!
-         Diz-me onde encontra-lo Luís.
Luís apontou em meio aos servos das salinas, e Ricardo observou que se tratava de Gabriel. O medico chamou-o fazendo-lhe um gesto. Gabriel se aproximou amparando o braço direito que se encontrava contorcido, no entanto ele não demostrava qualquer expressão de dor. Gabriel olhou-o cumprimentando-o com um meneio de cabeça pois estava ciente de que o capataz o observava.
-         Como te feristes Gabriel?
Gabriel surpreendeu-se em como aquele medico, incumbido de olhar tantos servos, no castelo e naquela propriedade, conseguira se lembrar com tanta facilidade de seu nome. tentando não demostrar a surpresa que sentia, respondeu-lhe:
-         O tonel caiu sobre o meu braço ontem na lida nas salinas! Senti dores a noite inteira e não consigo movimenta-lo.
Ricardo examinou-lhe o braço atenciosamente enquanto Luís dispensava os demais servos para que prosseguissem para a lida. Ordenou que alguns auxiliares acompanhassem o grupo enquanto ficaria ali com aquele servo .
Gabriel mais uma vez se surpreendia; porque o capataz Luís não acompanhara os demais servos, ficando ali exclusivamente para vigia-lo, como se o considerasse um ser demasiadamente perigoso. Sentia pela primeira vez, em meio aqueles dois anos que ali estava naquela propriedade, que o capataz tinha ordens rígidas de vigia-lo.
Com seus vinte e seis anos de idade, como poderia ter sido tão ingênuo!
Percebera inúmeras vezes que os demais servos eram atendidos pelo medico e que o capataz não os ficara vigiando; caminhando estes sozinhos para a lida depois do atendimento.
Propositadamente havia deixado o tonel cair violentamente sobre o seu braço, pois somente assim teria a oportunidade de aproximar-se do medico e da moradia; conseguira o que tanto ambicionara;  agora no entanto os fatos que percebia na tão almejada aproximação lhe eram surpreendentes. Concluiu indignado que durante todo aquele tempo era vigiado rigorosamente e ingenuamente não o percebera.
Ricardo observou que Gabriel estava cabisbaixo e pensativo. A sua fisionomia séria  mostrava claramente estar indignado. Olhou para Luís e falou-lhe:
-         Quebrou o braço senhor Luís! Será necessário colocar algumas talas para firma-lo!
Luís ficou irritado, pois sabia que Gabriel não poderia voltar a lida com completa mobilidade e demoraria a se restabelecer. Indagou:
-         O que o senhor precisa?
O médico explicou-lhe que precisava de algumas talas de madeira do tamanho do ante braço de Gabriel; também boa quantidade de pano que podesse rasgar fazendo uma longa faixa. Luís prestativo saiu de perto para pegar o material solicitado pelo medico, deixando temporariamente Ricardo sozinho com Gabriel, defronte á moradia. O medico pediu a Gabriel que se sentasse e indagou-o:
-         Estás muito apreensivo, sentes dores?
Gabriel ainda que as sentisse respondeu mostrando superioridade:
-         Sou mais forte que a dor senhor Ricardo.
Ricardo estava também abaixado, tentando colocar os ossos do ante braço na posição adequada, quando Job saiu da moradia despreocupado; pensava que Gabriel já havia saído para a lida nas salinas. Este aproximou-se sorridente sem perceber quem o medico medicava:
-         Senhor Ricardo, sua refeição matinal está pronta!
Ricardo levantou-se num impulso momentâneo de sobressalto e Job empalideceu ao ver ali o servo Gabriel.
-         Irei tão logo termine de auxiliar este servo!
Ricardo ansiava afasta-lo rapidamente e Job compreendendo-o saiu apressado e ocultou-se na moradia.
Gabriel em sua perspicácia  percebera com objetividade o sobressaldo do medico e observara as reações do servo Job. Concluíra prontamente que Job se ocultara na moradia desde que ali chegara. Estava intrigado com tantos mistérios que repentinamente pareciam se descortinar diante de seus olhos. O medico Ricardo retornara a auxilia-lo com seu braço, mas parecia demasiadamente preocupado e tenso. Gabriel resumiu em sua mente paulatinamente, o capataz Luís o vigiara integralmente aqueles dois anos, tratando-o impiedosamente e com extrema crueldade que se diferenciava do tratamento com os demais servos; com os quais era tolerante e por vezes até misericordioso; com certeza cumprindo ordens de lorde Orlando ; Job certamente se escondia em tarefas na moradia , nunca o vira nas reuniões festivas dos servos, incrivelmente naquele longo tempo nunca se encontrara com ele; e o medico alem de se lembrar com extrema facilidade de quem era, se sobressaltara com a aproximação de Job  e agora ainda que tentasse disfarçar a tensão lhe estava descrita nos olhos e nos movimentos...Gabriel parecia decifrar naquele conjunto de circunstancias o enorme mistério; "com certeza Job contara ao médico o que sabia, este por sua vez teria contado ao lorde; e este ordenara a reclusão de Job e a vigília de Luís..."porem não conseguia compreender porque o lorde ciente de tudo não o matara ou enclausurara! As inúmeras indagações em sua mente faziam-no ficar demasiadamente confuso. Sentia-se inexplicavelmente atraiçoado; como se fosse uma fera cercada por todos os lados. Gabriel contorceu-se sentindo uma dor violenta em seu braço e despertou de seus pensamentos.
-         Perdoai-me Gabriel, mas precisava dar este esticão em teu braço, finalmente chegou na posição correta.
Gabriel meneou a cabeça mostrando haver compreendido, mantendo-se silencioso. Logo Luís chegou com o material pedido; parecia que se haviam passado longas horas, mas este retornara rapidamente em alguns minutos de ausência.
Ricardo finalmente havia conseguido imobilizar o braço de Gabriel. O olhou dizendo-lhe:
-         Podes ir Gabriel. Deverás voltar a procurar-me daqui a cinco dias para que eu veja a tua recuperação.
Olhou Luís e explicou-lhe:
-         Gabriel não poderá trabalhar com este braço assim.
Gabriel agradeceu-lhe novamente num meneio silencioso e afastou-se com Luís que também lhe agradeceu os cuidados com o servo e ambos rumaram para as salinas.
No caminho Luís deu instruções a Gabriel para que auxiliasse os servos das valas. Poderia pegar o sal  e ensaca-lo com o braço apto .
Gabriel pouco o ouvia. A mente se dispersava em pensamentos de raiva com sua ingenuidade, como não percebera os movimentos ocultos mas tão óbvios que o rodeavam. Sentia-se irado pela inocência que não mais possuía mas que lhe vedara os olhos. Saberia agora da necessidade de estar mais atento a tudo que ocorresse ao seu redor. Virou-se e imediatamente constatou o capataz Luís que o observando atentamente em semblante temeroso. Haviam chegado ás salinas e imediatamente dirigiu-se ás valas como lhe fora ordenado, e iniciou  a tarefa á qual fora incumbido.
Gabriel estava quase restabelecido do ferimento em seu braço, quando finalmente o
Lorde Orlando  chegou á propriedade de Adredanha.



Apressado e extremamente preocupado entrou na moradia e encontrou o servo Job lavando os imensos vitrais das janelas. Ordenou friamente:
-         Chamai-me o medico; estarei na biblioteca esperando-o!
O lorde apresentava o semblante cansado e Job que se assustara com sua entrada repentina apressou-se a chamar Ricardo que se encontrava em seu aposento.
-         Porque bates tão apreensivo Job?
-         Perdoai-me senhor, mas o lorde chegou e parece nervoso. Mandou-me chama-lo!
Ricardo apreensivo  rumou prontamente para atender a ordem. Job seguiu-o interrompendo-o aflito.
-         Senhor, peço-lhe que não fales sobre Linia!
O medico olhou-o ternamente explicando-se.
-         Perdoai-me Job, mas terei que comunicar tudo o que sei. Não te inquietes, tudo se resolverá!
Job inexplicavelmente não conseguia tranqüilizar-se. Sentia-se temeroso com uma enorme sensação de tristeza que prenuncia dias de amargura e agonia. Chegando na biblioteca daquela moradia, Ricardo entrou pedindo licença, e o lorde num aparente mau humor foi-lhe indagando rudemente.
-         Ricardo, o assunto deve ser demasiadamente sério para me obrigares a viagem tão longa!
-         Senhor Lorde, temos inúmeros problemas aqui e somente o senhor poderia resolve-los!
O medico então calmamente  colocou-lhe ciente dos temores que sentira ao rever Gabriel em seu novo corpo físico e em como procedia nas tarefas das salinas. O Lorde enfurecido interrompeu-o indignado.
-         Ricardo, te desesperastes porque Gabriel tornou-se um servo exemplar e cumpridor de suas obrigações?
-         Perdoai-me Senhor Lorde, mas creio que observando-o, o senhor compreenderá minha preocupação.
-         Nada fez de errado nestes dois anos?
-         Não senhor lorde, mas...
-         Fazes-me tu, viajar longos dias, para dizer-me que devo preocupar-me com um servo que o único erro que cometeu nesta propriedade, foi o de fortalecer-se e tornar-se um homem?
Ricardo sentia-se confuso com a arrogância do Lorde Orlando.
-         senhor Lorde, algo me diz que é perigoso, seus olhos brilham revolta e por isto lhe pedi que viesse!
O Lorde Orlando olhou-o desiludido, censurando-o :
-         Lamentável Ricardo; sempre te considerei um servo ponderado nas atitudes e por esta razão confiei-te a missão de vires a esta propriedade. Não consigo compreender a insensatez que tivestes em me trazeres até aqui...
O lorde enfurecia-se e extremamente exaltado prosseguiu:
-         Recebi a tua mensagem e preocupei-me em demasia; enormes prejuízos nas atividades desta propriedade surgiram-me na mente; Abdiquei de enorme compromisso em viagem á corte; viajei tenso e em angustia; e agora tu me dizes que é nada!
Ricardo aflito falou-lhe:
-         Senhor Lorde, perdoai-me novamente, posso ausentar-me rapidamente!
-         Que desejas fazer agora Ricardo, desejo explicações de tua atitude tão precipitada e imponderada!
-         Senhor Lorde concedei-me uma licença, prometo-lhe ser breve!
O Lorde Orlando consentiu contrariado levantando-se e caminhando impacientemente. Ricardo apressado saiu da biblioteca e breve retornou pedindo novamente licença ao nobre para entrar. Este concedeu-a voltando-se para novamente sentar-se na poltrona. Olhou para Ricardo e sentiu que enorme emoção lhe aflorava em lagrimas. As suas pernas estremeceram fragilidade. Sentando-se rapidamente balbuciou atônito quase sem voz:
-         Brigith !?
Ricardo encaminhou a jovem para mais próximo do lorde dizendo-lhe:
-         Não senhor lorde; esta é a serva Linia; a esposa do seu servo Job!
O lorde tentou conter as lagrimas, sentindo-se ridículo em sua nobreza, ainda que a emoção ainda se expandisse saudosa em sua memória. Ricardo falou-lhe vagarosamente:
-         Senhor Lorde, estou certo que me precipitei em que viesse a esta propriedade com tanta brevidade; mas não sabia como agir com tudo o que vi aqui...um servo que destroi a sua família se torna fisicamente um guerreiro; uma filha que surge sendo-lhe desconhecida...
Linia estremeceu escutando as palavras do medico e balbuciou perplexa:
-         Filha?
Ricardo fez-lhe um sinal carinhoso para que silenciasse. O lorde observava-a atentamente. Indagou curioso:
- Quem é a tua mãe Linia?
Linia olhou-o intrigada, mas rapidamente baixou o semblante em sinal de respeito e humildade perante o nobre, respondendo-lhe:
-         Minha mãe faleceu tem quase treze anos senhor!
-         Senta-se Linia e falai-me dela!
Linia obedecendo a ordem do lorde sentou-se desajeitada em função da barriga, que inúmeras vezes lhe trazia incômodos e contou constrangida:
-         Quando tinha sete anos senhor, minha mãe morreu!
O lorde impaciente em sua ansiedade suplicou:
-         Que fazia ela na propriedade? Qual o seu nome?
Linia se sentia coagida pelo lorde e começou a sentir-se mal, sem no entanto aparentar os incômodos e dores que sentia. Sentiasse temerosa pela autoridade do lorde.
-         Seu nome era Amancia e auxiliava na cozinha desta moradia quando ainda era jovem. Quando ficou me esperando passou para as tarefas da costura, no galpão perto do lago.
O lorde lembrou-se das ordens que dera ao capataz que as mulheres que engravidassem deveriam ser afastadas da moradia ou da lida em tarefas mais amenas, necessário lhe era""  preservar a vida saudável dos servos que lhe faziam falta e a de suas crias "... lembrou-se também que pedira a Luís que protegesse Job e sua família e por isto, com certeza aquela jovem ali ainda estava na moradia ainda que esperasse um filho...sentia-se confuso! Lembrara-se prontamente da serva Amancia; assemelhava-se a sua esposa Joane com seu porte esbelto, cabelos levemente ondulados, pele alva, olhos amendoados;  mas era a seus olhos imponentemente mais graciosa que sua esposa; o sorriso de Amancia era encantador em sua espontaneidade e constante alegria. Houve afeição imediatamente reciproca tão logo conhecera a serva e os encontros breves e ocasionais eram inevitáveis no amor que  ambos sentiam. Recordou-se ainda, que Amancia havia lhe falado de seu esposo, e da enorme diferença de idade entre ambos. Sim, recordava-se saudoso daquela jovem que tanto amara e estava convicto de que Linia era sua filha. Olhou-lhe o ventre exclamando para si "e o filho que esperava lhe seria um neto"...Sentia-se atordoado nas lembranças e no reencontro com um passado distante que o emocionava. O lorde sem saber o que dizer ao medico ou á jovem que olhava-o amedrontada, ordenou que saíssem da biblioteca. Ricardo obedeceu prontamente auxiliando Linia a levantar-se e sair da biblioteca.
Somente quando caminhavam no corredor, que Ricardo observou que Linia estava extremamente pálida e tremula.
-         Sentes-te mal Linia?
Linia olhou-o suplicante perdendo imediatamente os sentidos. O medico Ricardo amparou-a prontamente e cuidadosamente carregou-a no colo, atravessando o salão onde Job os esperava. Vendo a esposa adormecida no colo do medico desesperou-se:
-         O que houve senhor?
-         Ajudai-me Job, tua esposa não está bem; precisamos leva-la até os meus aposentos!
Rapidamente levaram-na deitando-a no leito. O medico examinou-a constatando que Linia estava com imensa hemorragia. Concluiu que precisava tirar-lhe o bebe para que podesse salvar-lhe a vida. Olhou Job que o olhava angustiado e falou-lhe com seriedade absoluta:
-         Job temos que tirar a criança, se não Linia morrerá, está perdendo muito sangue!
Job desesperou-se. Faltavam ainda dois meses para seu filho nascer. O medico implorou-lhe.
-         Rápido Job, me ajuda! Preciso de panos e água quente agora!
As pernas de Job não lhe obedeciam. Permaneceu imóvel em estado de choque. Ricardo percebendo que ele pouco poderia auxiliar, ajudou-o a sentar e correu até á copa pedindo ajuda a duas servas.
No aposento Job permanecia perplexo em nervosismo que o imobilizava. Ricardo despertou Linia com os sais e em violentas contrações e o auxilio de uma serva que lhe empurrava o ventre, finalmente o medico consigo pegar a criança. O bebe estava agora imóvel em seus braços. Ricardo tentou em vão reavivar o pequenino ser. Morrera em parto prematuro.
Enquanto Ricardo tentava salvar a vida de Linia, interrompendo-lhe  a hemorragia; Job permanecia em estado de choque "amava demais aquela mulher não poderia perde-la!".
Foram longas horas de auxilio medico ininterrupto e Linia fora salva; dormindo agora profundamente em exaustão. Enquanto as servas auxiliavam a limpa-la e a tirar-lhe as vestes e mantas sujas, Ricardo caminhou até Job e disse-lhe colocando-lhe a mão no ombro:
-         Linia ficará bem!
Somente então as lagrimas verteram nas faces do servo que olhava o pequenino vulto ainda próximo ao leito, envolto num pano.
-         Meu filho...
-         Sim Job, não resistiu! Era um lindo menino!
Ricardo amparou-o num forte abraço fraterno e então Job caminhou até o pequenino vulto e o aconchegou no colo em profundo pranto sentido.
O medico olhou-o encorajando-o:
-         Deus assim o quis Job; tens graças a Ele a tua esposa de volta...terão outros filhos com sua benção!
Job parecia inconformado apertando o pequenino em seus braços fortes, como se desejasse devolver-lhe a vida. Depois deixando a criancinha com o medico, caminhou até sua esposa Linia adormecida e afagando-lhe a face disse aos prantos:
-         Nosso filhinho era lindo!
Ricardo caminhou até Job consolando-o, enquanto as servas  levavam o bebe sem vida.
-         Deves agora te preocupares com Linia; precisará de tua força, de teu conforto e de teu amor!
Job concordou meneando a cabeça afirmativamente. A tristeza lhe era absoluta. Sentou-se numa cadeira próximo á esposa e ali ficou tentando-se conter no pranto.
- Senhor Ricardo, eu amo esta jovem; sempre amei; desde que era apenas uma menina e cuidava dela como um pai! Sinto que é uma parte de mim e faria qualquer coisa nesta vida, para não vê-la triste!
Ricardo balbuciou:
- Estarás perto dela quando despertar, precisará desse imenso amor que demonstras com tanta força e sinceridade!
Ricardo afastou-se para lavar-se e enquanto as servas terminavam com a limpeza do seu aposento, caminhou determinado até á biblioteca. Encontrou o lorde ainda pensativo percebendo somente então nos vitrais, que já anoitecera.
-         Senhor lorde preciso falar-lhe!
O lorde ainda parecia ausente nos inúmeros pensamentos. Pensara a tarde inteira, se deveria ou não assumir aquela filha e se o fizesse em que providencias deveria tomar...se a esposa fosse viva ignoraria a filha bastarda Linia em respeito ao matrimonio; mas a sua esposa e sua filha haviam falecido; sentia-se muito só com seu filho Arthur e este logo casaria possivelmente distanciando-se do castelo e indo morar em outra propriedade; a sua vida se tornara fria e sem objetivos; concluíra que não se importava com as convenções sociais da corte  e assumiria a filha Linia; com certeza Arthur compreenderia. Os problemas seriam inúmeros, estava ciente, mas naquele momento o lorde somente conseguia visualizar a alegria retornando ao castelo; ter a sua filha de volta, e um netinho correndo nos jardins; lembrou-se repentinamente que o servo Job falara de uma filha; que idade teria, gostaria de ver sua neta! O lorde Orlando olhou para Ricardo que o aguardava paciente.
-         Senta-te Ricardo!
O medico sentou-se observando que o nobre havia se acalmado e ainda que se mostrasse cansado e preocupado, parecia sereno.
-         Senhor Lorde, Linia passou mal e perdeu a criança que esperava!
O lorde levantou-se extremamente preocupado.
-         Onde está minha filha? Está bem?
Ricardo olhou-o perplexo com a sua reação de preocupação para com aquela que até tão pouco desconhecia como filha.
-         Senhor Lorde, está em meus aposentos e repousa após intensa hemorragia! Com o repouso necessário e alimentação substanciosa ficará boa.
O lorde ordenou emocionado.
-         Desejo vê-la agora!
Ricardo estava impressionado com o Lorde Orlando. Sempre fora frio e indiferente; estranhava aquele nobre tão superior reconhecer a filha bastarda que lhe era Linia e de preocupar-se com ela.
Desde que o conhecera sempre o vira zelando somente pelos interesses lucrativos de suas propriedades e pela proteção de seus familiares, o resto não lhe tinha qualquer valor. Era um lorde friamente superior preocupado sempre consigo; a nobreza era-lhe inexistente em valores para com os outros! Ricardo acompanhou silencioso o lorde até o seu simples aposento. Job imediatamente assustou-se com a presença daquele senhor ali e afastando-se do leito reverenciou-o .
O lorde caminhou ao leito e acariciou as ondas cacheadas dos cabelos de Linia. Recordou-se saudoso que o mesmo gesto apaixonado também fazia em sua mãe Amancia.
Observou preocupado , a face extremamente pálida de Linia, e percebeu que esta despertava. Falou-lhe emocionado:
-         És minha filha Linia e serás tratada de hoje em diante como a filha de um lorde. Sentes-te bem?
Linia sentindo-se imensamente fraca e confusa com aquela situação, olhou ao redor procurando Job. O servo sentindo-lhe a angustia falou-lhe tentando tranquiliza-la sem poder se aproximar:
- Estou aqui querida Linia, fica tranqüila!
 O lorde afastando-se do leito ordenou ao medico que imediatamente transferissem a sua filha para o melhor aposento da moradia e que este deveria cuidar exclusivamente dela até que se recuperasse completamente. O medico Ricardo, o servo Job, e uma serva que ali estava presente, sentiam-se perplexos com as palavras do lorde mas obedeceram-lhe imediatamente as ordens. Linia foi transferida para um imenso aposento requintado e luxuoso.
Iniciava-se uma nova vida para Linia.
Mostrasse inconformada com a perda do filho, mas encantava-se com o aposento luxuoso em que se encontrava. Vislumbrava extasiada o leito grande e macio; as mantas alvas e sedosas; os cortinados cobrindo os belíssimos vitrais coloridos das janelas. Á sua direita uma vasta cômoda em madeira generosamente trabalhada sustentava um imenso espelho de cristal. Tapetes coloridos revestiam o chão numa beleza radiante em ramagens multicoloridas. Esfregava os olhos julgando ás vezes que apenas estava  sonhando e que despertaria de seu sonho tão magnifico; mas a paisagem do aposento se mantinha silenciosa e serena ao seu redor.
Lembrou-se do quartinho árido  em que dormia com Job e Sara; não possuía mobiliário ou requintes; o leito era macio mas improvisado com algumas mantas que Job conseguira em trabalho primoroso; alongando-se no piso  frio. Assim  sua filha Sara também podia dormir mais comodamente. Banhavam-se rapidamente num tonel que seu marido conseguira com o capataz  Luís, que lhes era amigo. E num pequenino cômodo adjacente faziam as necessidades fisiológicas.
Recordando-se em passado mais longínquo vislumbrou-se numa casinha da vila dos servos que não diferenciava muito das acomodações dos servos na imponente  moradia. A pobreza era aparente e a simplicidade era reinante e absoluta.
Linia nos seus vinte anos de juventude sentia-se renascer para uma nova vida e sentia-se demasiadamente bem com a abundância repentina.
Lembrou-se de sua mãe, sempre sorridente e feliz, ainda que a vida lhe fosse penosa ao lado do seu pai. O velho, exausto da lida era áspero e grosseiro. No seio do seu lar a sua mãe era a mais submissa das servas ao seu próprio marido, que inúmeras vezes a agredia por mero prazer de vê-la entristecer-se. Mas logo sua mãe superava as dores da convivência, e mostrava-se reluzente em felicidade a tudo e a todos... até que um dia seu pai agredindo-a fez com que caísse e sua cabeça bateu violentamente na parede de pedra da pequena moradia e ela nunca mais voltou a ser a mesma; os movimentos lhe foram sendo tirados gradativamente até que faleceu; Seu pai contara a todos que era uma febre e ninguém ousava se aproximar; somente Linia, que  lhe levava as refeições e lhe amparava em todos os cuidados.
Desde os sete anos a vida não lhe fora fácil ou harmônica. A sua infância anteriormente a esta idade eram contínuos dias de convivência dolorosa  com o sofrimento de sua mãe e com as agressões que lhe eram impostas. Após os sete anos de idade o pai voltara a violência contra si , maltratando-a  e também agredindo-a. Relembrava revoltada que o velho nunca lhe fora um bom pai.
Veio-lhe a paz  quando seu pai faleceu, tinha então dez anos e Job prontamente a desposou.
Job sempre fora um bom marido, respeitou-a calorosamente até á sua formação  adulta, tratando-a como uma filha;  quando se tornou mulher, no entanto, se viu obrigada a concretizar o matrimonio lhe sendo a esposa . Sentia que Job a amava em plenitude, mas nada sentia pelo marido, era-lhe mera obrigação de esposa.  Sentia-se agradecida e desejaria viver com ele somente como um irmão; Constrangia-se com a imposta convivência matrimonial.
Prontamente ficou grávida de sua filha Sara, e dois anos após Job viajava obedecendo ordens,  para o castelo. Aí sim, a vida lhe era plena. trabalhando na costura e cuidando da filha. Sentia-se livre do pai violento; Sentia-se livre do marido que a sufocava;  com um amor asfixiante que não sentia .  A incomodava. Finalmente sentira a liberdade e sentia-se feliz; mas seu marido Job retornou após longo período ausente, e em  seu retorno vieram-lhe as obrigações matrimoniais tão difíceis e tão penosas .
Mas agora Linia estava ali,  o Lorde afirmava ser seu pai; e ainda que não  sentisse qualquer afinidade com este, aproveitaria a oportunidade que a vida lhe ofertava.
Nas amargas lembranças a noite foi-se adiantando e já era tarde  quando lembrou-se da ausência de sua filha Sara e  de seu esposo Job... "com certeza, estariam no pequenino quartinho, frio e úmido?!" pensou indiferente. Isto não lhe importava  agora. Vislumbrou o candelabro acima de seus olhos, em pingentes cristalinos iluminados pela chama das velas quase extinta e dormiu!
-         Dormistes bem minha filha?
Linia abriu os olhos ainda sonolenta e percebeu que o Lorde estava sentado em uma poltrona  próximo a si. O  olhar era terno e carinhoso; no  entanto parecia demasiadamente triste. Linia tentou levantar-se mas a cabeça lhe parecia extremamente   e deitou-se  novamente sentindo-se contrariada com o incomodo:
-         Deves repousar para te fortaleceres minha filha; sofrestes muito!
Somente ela sabia o quanto sofrera em sua vida, mas manteve-se silenciosa.
-         Compreendestes quando eu disse ser teu pai ?
Linia meneou a cabeça em negativa, olhando-o
- Amei muito a tua mãe Amancia e em determinada época de nosso passado vivemos intenso romance ... Contou-me da vida difícil que levava com seu velho esposo... mas estava sempre sorridente e feliz; ela era encantadora e linda; Trouxe imensa alegria a meus dias, e auxiliou-me a levar o meu matrimonio tão repleto de convenções... mas sou um nobre e tinha esposa e filhos pequenos a respeitar. Tinha responsabilidades e não podia simplesmente largar tudo, pelo sentimento que lhe tinha...
O Lorde  sobrecarregou mais ainda o semblante de tristeza, e continuou:
-         Não tenho qualquer dúvida de que sejas minha filha; e desejo reparar a ausência deste pai durante estes teus vinte anos, e honrar a memória daquela jovem que só me traz doces e felizes lembranças...desconhecia por completo a tua existência?
Linia estava atordoada com as revelações que o Lorde lhe fazia com integra espontaneidade. No dia anterior lhe era a serva submissa; agora o Lorde lhe acariciava  e pedia compreensão. Olhou-o carinhosamente e balbuciou:
-         Senhor Lorde, agradeço-lhe os cuidados e a preocupação que demonstra para comigo, mas...
O Lorde interrompeu-a acariciando-lhe os cabelos:
-         Nunca mais me chames de senhor Lorde, me chamarás de pai!
Linia insistiu com dificuldade:
-         Senhor meu pai, onde esta Sara? E Job meu marido?
Lorde compreendeu que esquecera-se que sua filha Linia era casada e tinha uma filha, e sentiu-se confuso.
- Era muito tarde quando viestes para teus aposentos e esqueci-me deles... desejas vê-los?
Linia em verdade não sentira a falta do marido e nem mesmo da filha; desejava ser livre e desfrutar sozinha a nova vida que se descortinava para ela.
- Estou  tão cansada senhor meu pai!
O Lorde prontificou-se:
-         Direi a todos que não te sentes bem e precisas repousar; colocarei imediatamente uma serva como tua ama ; ficara á tua disposição e o médico Ricardo prontamente virá ver-te... está bem assim?
Linia agradeceu-lhe meneando a cabeça afirmativamente fingindo imenso cansaço.
-         Agora  te deixarei repousando filha!
O Lorde levantou-se beijando-lhe a mão carinhosamente e retirou-se do aposento. Descia a imensa escadaria para ir se alimentar quando Job o interrompeu humildemente e apreensivo:
-         Senhor Lorde Orlando, perdoai-me dirigir-lhe a conversação, mas estou deveras apreensivo com minha esposa Linia , gostaria imensamente de vê-la!
O Lorde olhou-o complacente; dizendo-lhe:
-         Estive com ela agora  Job, e ainda sente-se imensamente cansada, muito sofreu, deves compreender! Deixai-a ao repouso, mais tarde irás vê-la!
Job compreendeu o Lorde e ainda que  ansiasse em demasia  ver a sua querida esposa, agradeceu-lhe reverenciando-o e retirando-se.
O Lorde caminhou para fazer a sua refeição e posteriormente saiu para ver os servos saindo para a lida. Pediu que providenciassem uma montaria e acompanhou os servos  que partiam para as salinas. Astuto e vivaz, percebeu rapidamente, que  Gabriel caminhava em meio aos outros, com o braço direito imobilizado em talas; chamou Luís que se pôs a  caminhar ao lado de sua montaria:
-         Que aconteceu com o servo Gabriel?
-         Senhor Lorde , atrapalhou-se na lida e quebrou os ossos do braço!
O Lorde persistia em olhar Gabriel:
-         Ficou forte o rapaz, não Luís?
O capataz tentava acompanha-lo, ofegante;   a montaria era mais veloz:
-         Sim senhor; fiquei muito surpreendido com o seu fortalecimento; estava disposto a avisa-lo de meus receios, mas o senhor Lorde aqui veio a tempo...
O Lorde Orlando olhou-o intrigado, a apreensão parecia a mesma do médico Ricardo.
-         Porque receias o fortalecimento do servo Gabriel , Luís?
Finalmente  chegavam as salinas e o Lorde Orlando apeou da montaria, colocando-se ao seu lado, aguardando a resposta do capataz.
-         Senhor Lorde, nada fez Gabriel de errado nestes dois anos que aqui esteve; mas o comportamento é estranho e superior, é altivo e imponente;  os olhos são frios e cruéis;  não posso  acusa-lo de nenhum ato prejudicial á sua propriedade, mas sinto-o o mais vil de seus servos!
Era-lhe surpreendente a narração de Luís a respeito de Gabriel. O Lorde indagou-lhe:
-         Que achas  que seria capaz de fazer? Fugir?
 Luís ficou pensativo e respondeu-lhe:
-         Se desejava fugir senhor Lorde, o teria feito!
-         Que me dizes Luís?
-         Digo-lhe senhor, que Gabriel não possui amigos ou mulheres; passa diversas noites de repouso a vaguear pelos arredores da vila dos servos...o sei porque inúmeras vezes, segui-o atentamente ;  estou ciente  de que nunca fui visto por  Gabriel. Certa vez chegou perto do grande rio... forte do jeito que é o subiria sem problemas! Sempre observando-lhe  e temendo-lhe uma fuga sei que lá voltou diversas vezes; se desejasse fugir  o teria feito!
-         Que achas Luís, que seria capaz de fazer?
 O capataz sentiu-se temeroso de revelar-lhe suas suspeitas, mas o fez:
-         Senhor Lorde, são meras suspeitas de um modesto capataz; não sei que males fez no seu castelo, mas diria-lhe que os seu olhos planejam vingança e para isto se prepara fisicamente!
As palavras de Luís eram fortes, e Lorde Orlando silenciou para analisa-las, observando ao longe o servo Gabriel esforçando-se na lida.
Após muito examinar e refletir o Lorde encaminhou-se para a moradia.
Job percebeu-o entrar e fazendo-lhe breve reverencia disse-lhe:
-         Senhor Lorde, peço-lhe permissão para ver minha esposa e levar-lhe a refeição; gostaria imensamente de  levar nossa filha Sara para vê-la também, insiste angustiada em vê-la!
O Lorde observou-o atentamente; nada possuía  do corpo atlético da nobreza; era forte e robusto , mas possuía traços de mero camponês. Faltavam-lhe os traços nobres de uma raça superior; longe estava de lhe ser o genro desejado!
-         Traga-me  a menina desejo conhece-la!
Job obedeceu a ordem prontamente, retornando breve com a menina sorridente.
O Lorde olhou-a carinhosamente; a  pele era rosadamente clara; o semblante delicado em traços finos, destacavam a nobreza de sua família. Parecia-se demasiadamente com sua mãe e poucos traços tinha da rudeza do seu pai. A estatura  lhe era boa  para a idade em porte elegante e andar sutil. Olhava-o intrigada e balbuciou:
-         Senhor Lorde meu nome é Sara!
O lorde perplexo com sua iniciativa o que mostrava ser expontânea e demasiadamente inteligente respondeu-lhe ao cumprimento.
-         Sara meu nome é Orlando e sou seu avô; chegue  até aqui e me dê um abraço.
A menina olhou Job meio encabulada; e Job fez-lhe um gesto para que se aproximasse do Lorde. A menina aproximou-se do nobre, a idade já lhe era aparente nos cabelos e na barba que já se esbranquiçavam.  A fisionomia era séria e triste. O Lorde abraçou-a com força, sentindo-se saudoso da família  que perdera. Lágrimas sutis vieram-lhe aos olhos e tentou disfarça-las, dizendo rapidamente:
-         Vai ver tua mãe, deves estar com saudades!
A menina sorriu-lhe agradecendo. Job também reverenciou-lhe e ambos afastaram-se, subindo a escadaria.
Job bateu na pesada porta de madeira rústica , pedindo licença para entrar. Uma serva a abriu e Job entrou com Sara, naquele aposento que tantas vezes arrumara com esmero e dedicação. Caminhou ao leito preocupado e radiante:
-         Minha querida , como estás?
Job beijou Linia com imenso carinho e ternura. O amor que ele sentia, aflorava nas faces morenas que se rosavam. Era aparente e inegável o sentimento que se expandia em cada gesto ou expressão.
Linia olhou-o friamente e depois olhou a filha que se encantava com os adornos do aposento.
-         Vem até aqui filhinha!
Sara se aproximou saudosa da mãe, dando-lhe um beijo meigo. Job insistiu mostrando demasiada preocupação:
-         Estás bem querida Linia?
Linia olhou o imenso lustre de pingentes  cristalinos, dizendo-lhe:
-         Perdi nosso filho Job!
A voz lhe era seca e sem  emotividade. Job acariciou-lhe os cabelos, aproximando-se:
-         Deus assim quis minha querida, somos muito jovens, temos uma vida pela frente; sinto imensa vontade de estar próximo a ti... como será nossa vida agora?
Linia fitou-o silenciosa e depois olhou a filha que novamente  distraia-se com as finas rendas das cobertas.
-         O Lorde Orlando é meu pai!!!
A exclamação era-lhe de entusiasmo , Linia prosseguiu:
-         Não compreendo muitas coisas, mas disse-me ele; que não tem dúvidas que sou sua filha e deseja que eu me comporte como uma nobre!
Job olhou-a apreensivo; dizendo:
-         Disse-te o senhor Lorde como ficará a nossa vida? És minha esposa! Sara sente tua  falta!
Linia  olhou-o indiferente:
-         Sentia-me mal nada falamos sobre isto!
Job novamente acariciou-a dando-lhe terno beijo em suas mãos:
-         Diz-lhe querida, que sentes nossa falta; desejo ficar próximo a ti! Falarei com o médico Ricardo também, sinto dúvidas de como proceder com esta nova situação.
Linia concordou meneando a cabeça e mostrando imenso cansaço. Job prontamente percebendo que precisava repousar antecipou-se em imenso compreensão e respeito que lhe tinha.
-         Linia minha querida, agora irei para a lida, mais tarde virei ver-te! A serva te dará a refeição que fiz com amor.
Job despediu-se novamente beijando-lhe carinhosamente  a face. Sara também aproximou-se abraçando-lhe fortemente:
-         Posso ficar contigo maezinha?
Linia olhou-a dizendo-lhe:
-         Minha filha preciso repousar , ainda estou doente!
Sara olhou-a tristonha despedindo-se.
Quando os dois se retiraram do aposento, novamente Linia pôs-se a admirar a decoração, enquanto a serva lhe auxiliava a alimentar-se.
Quando Job chegou ao salão principal, percebeu que o Lorde não mais estava ali. Pediu a Sara que fosse para a copa, e procurou  o médico Ricardo nos seus  aposentos. Pedindo-lhe permissão para entrar Job encaminhou-se ao seu interior:
-         Perdoai-me senhor Ricardo, mas preciso de seus conselhos, estou imensamente angustiado!
O médico olhou-o compreensivamente, dizendo-lhe para se  sentar:
-         O que se passa contigo amigo Job?
Job sentou-se olhando-o apreensivo:
-         Não compreendo senhor  , como proceder em situação como esta? Pela manha coube-me a tarefa de enterrar meu pequeno filho em imenso sofrimento... agora tenho que pedir permissão ao Lorde para ver a minha esposa... o que faço? Tudo parece ter mudado em nossas vidas !
O médico olhou-o piedosamente e agindo como um pai disse-lhe:
-         Job, terás que te acalmar, a situação é nova para todos e ainda há inúmeras providencias a concluir por parte do Lorde. Não temas! Pela tarde falarei com ele, mas deve acalmar-te e ir para a lida; deverás pensar que Linia está em repouso e não seria apropriado estares a  seu lado constantemente!
Job, sentindo-se mais tranqüilo disse-lhe:
-         O senhor falará com o Lorde a respeito de minha esposa e de minha filha?
O médico Ricardo afirmou-lhe que sim, e Job saiu tranqüilo. Ricardo parou para refletir em toda aquela situação; e posteriormente resolveu ir ver  o estado de saúde de Linia.
O sol ainda brilhava no horizonte do majestoso mar de Adredanha quando Gabriel retornou pensativo á vila dos servos. Após banhar-se e pegar a quente refeição noturna sentou-se próximo á sua casinha para alimentar-se. O capataz Luís aproximou-se dizendo-lhe rudemente.
-         O Senhor Lorde deseja ver-te!
Gabriel sentiu um frio arrepio de receio vasculhar-lhe cada canto de seu forte corpo. Uma intuição em seu interior lhe dizia que teria problemas. O capataz continuou:
-         Largai tudo e me acompanha, deseja ver-te agora na biblioteca.
Gabriel levantou-se para acompanha-lo. Os pensamentos eram-lhe aflitos e temerosos mas ordenados. Concluíra naqueles últimos dias, que realmente Job havia alertado o medico Ricardo sobre o terrível engano com o chá que matara Brigith. Ciente também estava que o capataz Luís tinha conhecimento do mesmo e pudera observar pela manhã a maneira minuciosa com que o lorde o analisava na lida. O braço ainda  se encontrava preso nas talas, mas pelo tempo que estava imobilizado sentia que já estava bom. Angustiou-se ciente de que o Lorde o julgaria e o condenaria pela morte de sua filha. Sentia-se um animal acuado na mira de vários caçadores. O céu ainda alaranjado o fez lembrar de Brigith e do amor que ainda lhe era intenso e saudoso no seu peito. Se ela estivesse ali com certeza o defenderia do julgamento errado de seu pai; como provaria ao Lorde Orlando que o culpado da morte de Brigith era Job e não ele; como lhe explicaria que o sofrimento lhe veio duplamente com a morte de sua amada e de seu filho. A brisa fresca soprou-lhe a face dando-lhe ingênua esperança...se angustiava demasiadamente sem fundamento, com certeza o lorde o chamava simplesmente para anunciar o seu retorno ao castelo. Sentiu-se momentaneamente entusiasmado. O capataz Luís interrompeu-lhe os pensamentos fazendo-o entrar na moradia.
Pela primeira vez Gabriel entrava na moradia de Adredanha. Seus olhos rapidamente vasculharam o ambiente, os salões, a escadaria, a entrada para a copa e cozinha... avistou o servo Job cuidando com esmero do jardim central e percebeu que este prontamente o viu, mostrando aparente perplexidade . Atravessando uma enorme sala de estar encontraram-se com o medico Ricardo que também olhou a presença de Gabriel com surpresa aparente. Gabriel concluíra que ambos não tinham conhecimento de que o Lorde o chamara. O capataz bateu na porta da biblioteca e o Lorde ordenou que entrassem:
-         Luís, deixai Gabriel aqui e sai!
A voz de Lorde Orlando era grossa e fria. Sério lhe era também o semblante e o olhar era fixamente hostil
Luís saiu da biblioteca fechando a porta e manteve-se em guarda nesta. O medico Ricardo observou á distancia aquele servo com a mão propositadamente posta sobre o imenso facão na cintura. Rapidamente aproximou-se de Job indagando-lhe em tom baixo e preocupado:
-         Porque o Lorde mandou chamar Gabriel, Job?
Job olhou-o também aflito.
-         Não sei senhor Ricardo, também estou surpreso e preocupado!
O médico sem mais nada lhe dizer afastou-se inquieto, mas ali também permaneceu para poder verificar os acontecimentos.
O Lorde estava frente a frente com Gabriel. Olhou-o demoradamente o que o deixou constrangido. Ordenou-lhe que se sentasse e Gabriel temerosamente obedeceu. Estavam ambos sentados. Gabriel mantinha-se de cabeça baixa enquanto o Lorde estrangulava em seu interior inúmeros sentimentos antagônicos. Falou ferozmente:
-         Assassino!
Gabriel permaneceu imóvel. O grito de Lorde Orlando parecia haver o esfaqueado; era-lhe o julgamento pensou.
-         Assassino frio e cruel! Matastes meus filhos! Matastes meus amigos! Matastes minha esposa! Desgraçastes a minha vida acabando com a minha família!
O Lorde não conseguia conter-se na fúria tanto tempo represada dentro de si, mas mantinha-se sentado olhando fixamente para Gabriel. Este se sentia confuso com tantas acusações. Num impulso balbuciou:
-         Senhor Lorde, o que diz?
As palavras expressas em profunda ingenuidade e inocência por Gabriel acentuaram a ira do nobre, esmurrando a mesa que os separava, com extrema violência.
-         És sinico e cruel; és vil e medíocre; Ainda que sejas nobre és a mais desprezível criatura!
As palavras do lorde afloravam em emoções sem qualquer controle; Gabriel não compreendia; não era um nobre e não matara como falara, mas achou mais prudente ficar quieto e ouvi-lo em sua ira.
- Minha filhinha, minha linda filhinha, que fizestes com ela? Disseram que a amavas; como tiras a vida, a felicidade, à família de quem amas? E meu filho, o meu primogênito, destruíste-lhe a vida por duas vezes? Acabastes com o lar de meus amigos, matando-lhe o único herdeiro? E me dizes que nada sabes? Ingênuo demais fostes Gabriel, em achar que tais crimes não teriam condenação! Não te percebias que eras observado, porque desgraçastes tantos? Porque destruístes tantas vidas?
A fúria parecia se amenizar nas palavras que eram expelidas em raiva e incompreensão por parte do lorde. Gabriel sentia-se tremulo, mas tentava manter-se imóvel. Sentia que lhe era o fim; o lorde estava ciente de tudo que fizera por amor, mas nunca compreenderia. Com um golpe mortal e em impensado impulso de ódio lhe tiraria a vida. Desejava poder lhe explicar, mas como o fazes se o lorde não parava de lhe fazer acusações em maioria irreais...
-         Não tens qualquer valor Gabriel, deveria esquartejaste em mil pedaços, fazendo-te sentir a dor que sinto na perda de tantos entes que me eram queridos; deveria fazer-te agonizar tal qual fizestes com Henri II; privar-te de movimentos e asfixiar-te tal qual fizestes com meu filho Anderson; envenenar-te como fizestes com minha doce Brigith; condenar-te á agonia e sofrimento tal qual; fizestes com minha esposa Joane... Deveria retribuir todo mal que causastes... deves estar te perguntando, porque não o fiz antes; infelizmente tens o sangue de minha família; não posso matar fria e covardemente o irmão de minha esposa... Como te sentes Gabriel ao saber que eras o tio dos meus filhos aos quais tirastes a vida? Como te sentes em saber que matastes a irmã, que te protegia sempre á distancia e ocultava teus inúmeros perdoando-te?
Gabriel estava perplexo; sentiu-se invadido de repentina emoção e lagrimas se dispersavam tremulamente roliças em suas faces involuntariamente.
- Não finjas emoção Gabriel, isto me repugna! Pessoas medíocres tal qual tu não sentem dor! Não sofrem! Mas vivem para causar dor e provocar sofrimento.
Após o imenso desabafo repleto de emoção, lorde Orlando sentia-se exausto, baixou a cabeça e exclamou:
-         O que faço contigo Gabriel?
Gabriel, contendo-se na emoção que também sentia, encorajou-se lhe dizendo humildemente:
-         Senhor Lorde, eu a amo ainda. Eu amo sua filha Brigith! Sofro a angustia de não te-la ao meu lado; sinto imensa felicidade pelo meu filho que nunca vou conhecer, foi uma seqüência de erros e enganos... Não desejava matar Henri II, desejava feri-lo para que não houvesse noivado e eu tivesse tempo a conversar com Brigith sobre nosso amor; Não desejava ferir seu filho Anderson, precisava retardar vossa viagem, eu precisava falar com ela sobre nosso futuro; Não desejava matar seu filho, o chá que lhe mandei somente iria fazê-lo repousar, mas em Brigith o chá foi mortal porque estava esperando um filho; não era um chá letal como pensam todos... não intencionava angustiar sua esposa e ainda que não compreenda direito, minha irmã...digo-lhe senhor lorde que o destino tramou infamemente sobre mim fazendo-me a mais infeliz das criaturas por tantas conseqüências penosas...creia senhor, sou pessoa boa e o único erro que cometi, foi amar extremamente Brigith...
O Lorde interrompeu-o indignado dando violento berro autoritário:
- Luís venha aqui agora!
O capataz rapidamente entrou.
-         Levai Gabriel para a masmorra perto do lago!
Gabriel olhou-o suplicante.
-         Senhor eu nada fiz, o destino tramou contra todos nós!
Lorde Orlando enfureceu-se esbravejando:
-         Levai-o Luís! Levai-o daqui antes que eu mesmo não me contenha e o mate!
O capataz Luís arrastou Gabriel para fora da moradia, diante dos olhares de Job e Ricardo. Gabriel gritou-lhes:
-         Vocês julgaram errado... vocês concluíram errado...eu não sou o culpado, não sou...eu sou inocente...eu só a amava !
Luís deu-lhe uma coronhada para que se calasse e o levou rumo à masmorra.
Na agora silenciosa moradia de Adredanha, os gritos de Gabriel ainda pareciam ecoar.
Já anoitecera. Gabriel ainda transtornado recordou-se que avistara a masmorra certa vez em seus passeios noturnos. Era um conjunto arquitetónico sem grande grandiosidade ou imponência. Seis ou sete janelas gradeadas delineavam-se num piso superior.
Luís caminhava serio com o imenso facão fincando-lhe as costas; Gabriel olhou o seu braço imóvel nas talas; a noite escura o auxiliaria a fugir e na densa folhagem próxima ao rio facilmente se ocultaria. Atravessaram a vila dos servos sob os olhares curiosos destes. Luís prontamente chamou dois auxiliares para o acompanharem levando aquele servo até á masmorra; prontamente estes lhe atenderam a ordem portando também seus facões.
Gabriel não compreendia como aquele lorde envolvido em tanta emoção e fúria, fora tão ingênuo em pedir a um mero capataz para prendê-lo; porque não o ordenara a seus guerreiros. O capataz Luís era astuto e perspicaz precavera-se em pedir auxilio a dois outros servos, mas estes não seriam suficientes a dete-lo.
Nada mais tinha a temer; quando se aproximavam de estreita passagem próximo ao rio, Gabriel que caminhava na frente pôs-se a correr velozmente entrando na densa vegetação, sendo perseguido pelos servos que lhe faziam a guarda. Os pés lhe eram velozes na força que adquirira e ainda que estivesse descalço os obstáculos eram tranqüilamente transpostos pelos pés duros e calejados pela árdua lida. Luís o perseguia bem próximo ordenando-lhe que parasse e que não teria para onde fugir. Mas Gabriel não desejava ouvi-lo em fuga desesperada.
Ciente estava que ao entrar naquela masmorra de lá nunca mais sairia. O braço ainda imobilizado nas talas lhe dificultava o equilíbrio, mas persistiu em desesperada fuga.
Bem em meio á mata densa, Gabriel um pouco adiante do capataz e dos outros, ocultou-se em grandes rochedos e contendo a respiração extremamente ofegante aguardou a aproximação de Luís. Assim que este alcançou a posição onde estava Gabriel pulou em seu dorso. A luta foi violenta e rápida. De posse agora do facão Gabriel apunhalou-o ferozmente fazendo corte profundo em sua nuca. Luís ficou imóvel perdendo os sentidos.
Gabriel novamente continuou a fuga porque os outros dois servos se aproximavam. Um dos servos colocou-se a auxiliar o capataz, levando-o imediatamente para a moradia, enquanto o outro continuou perseguindo Gabriel que corria desesperado.
Gabriel precisava pensar rápido, sentia que se perdera e não tinha mais certeza de onde estava o leito do rio; poderia estar correndo em círculos; teria que parar o servo que ainda o seguia para depois fugir tranqüilamente. Quanto mais entravam na mata, mais escuro ficava somente o barulho dos pés na folhagem identificariam sua posição. Com imensa dificuldade, mas com a enorme força de seu braço esquerdo, conseguiu subir numa frondosa arvore.
Tentou conter a respiração ofegante e descontrolada, para não ser localizado pelo servo que ainda o perseguia. Este se aproximou de onde estava, tentando rastea-lo na folhagem quebrada, uma vez que somente havia agora o barulho silvestre.
Gabriel precisaria dete-lo, pois logo este rastearia onde estava. Esperou que se afastasse um pouco e desceu da arvore vagarosamente, seguindo-o passo a passo. Logo se aproximou golpeando-o no dorso com o facão de Luís, o servo caiu ao solo contorcendo-se de dor. Gabriel firmou um dos facões na cintura com um pequeno cipó e o outro facão portou em sua mão esquerda.
Precisava continuar a fuga, sabia que breve lorde Orlando mandaria os guerreiros á sua procura. Precisava saber onde estava o rio, pois somente assim saberia a direção da fuga subindo este.
Ficou imóvel aguçando a audição e não muito distante escutou barulho de água. Correu então nesta direção e logo o localizou.
Sabia que o rio descia até o mar e que deveria subir em sentido oposto.
Decidiu tirar as talas finalmente de seu braço e ainda que lhe fosse difícil ao inicio, logo conseguiria fazer movimentos com a mão, não usaria extrema força.
Gabriel começou a correr subindo o rio e ofegante decidiu parar e tomar um pouco de água. Repentinamente compreendeu que deixava um rastro na margem, com o seu cheiro e o seu pisar.
Prosseguiu em caminhada apressada margeando o rio e subindo-lhe o leito com os pés sob a água.
Estava exausto a caminhada já havia sido longa; não sabia onde aquele rio iria dar, mas decidiu continuar a fuga. Somente pararia para descansar pela manha.
Na moradia Lorde Orlando se preparava para dar boa noite a sua nova filha Linia, quando o servo deu-lhe a noticia da fuga de Gabriel e falou-lhe do ferimento de Luís.
Lorde Orlando imediatamente acionou os seis guerreiros que o acompanhavam nas viagens freqüentes, dizendo-lhes que lhe trouxessem o servo vivo ou morto.
Sentia-se profundamente ingênuo em permitir que ser tão vil, somente fosse levado á masmorra por Luís; como ousara ser tão desprecavido.
Sabia que Gabriel subiria o leito do rio, muitos servos o haviam feito em épocas anteriores.
Os guerreiros com certeza o pegariam, não houve somente um que escapasse; logo teria noticias, e isto o deixava tranqüilo.
Pediu ao médico Ricardo que fosse auxiliar o capataz e posteriormente rumou ao aposento de Linia para vê-la!
Ricardo aproximou-se de Luís que estava próximo a moradia, sangrando em demasia.
O médico pediu aos servos que o auxiliassem a levá-lo para o seu aposento e lá Ricardo observou-lhe o ferimento.
O corte era fundo, mas Luís se reabilitaria. Luís tentava desesperadamente falar com Ricardo, pois já recobrara os sentidos, mas o médico conteve-o dizendo-lhe que se continuasse se esforçando para falar mais o ferimento sangraria.
Então o capataz serenou e Ricardo pôs-se a medicá-lo.
Percebeu quando Job se aproximou assustado dizendo-lhe temeroso:
-         Ele vai nos matar! Vai nos matar a todos...
Ricardo interrompeu-o pedindo-lhe calma e dizendo-lhe que precisava cuidar de Luís e depois conversariam.
Job então se afastou pensativo.
Gabriel percebeu que a noite clareava.
Os pés estavam demasiadamente feridos e cortados pelas pedras e areia da margem do rio pela qual caminhara apressado noite a dentro.
Breve estaria amanhecendo; a paisagem não se modificara; muita vegetação e o rio na mesma dimensão.
O suor lhe varria a face e freqüentemente umedecia com água fria.
O cansaço era imenso e parou para refletir.
Sabia que os guerreiros com certeza também subiam a margem do rio; precisava pensar.
Gabriel decidiu prosseguir e quando se aproximava o calor com o sol que se erguia em majestade e a claridade que descobria tudo e todas as coisas, Gabriel avistou uma imensa cachoeira.
Alegrou-se com a possibilidade de ali conseguir um refugio para repouso.
Vasculhou as pedras de diversos ângulos e percebeu que próximo a uma imensa pedra onde descia água em abundância havia uma abertura.
Aproximou-se e percebeu então uma enorme gruta que se ocultava sob a água.
O refugio seria perfeito por alguns dias.
Gabriel recolheu alguma folhagem para fazer um leito; ciente estava que não poderia fazer fogo, pois este geraria fumaça. Procurou ainda algumas frutas e verduras silvestres que pudesse comer e também as levou para a gruta em abundância.
Lá finalmente deitou-se e adormeceu.
Gabriel acordou com o barulho dos guerreiros que se aproximavam da cachoeira.
Poderia observá-los sob a água, sem ser visto. Visualizou que eram seis e suas fisionomias demonstravam imenso cansaço.
Concluiu que o seguiram noite a dentro sem interrupções.
Olhavam atentos em todas as direções e Gabriel percebeu que analisavam o rastro de seus pés na folhagem quando procurava alimento.
Gabriel sentiu-se temeroso ouvindo um deles falar:
-         Aqui o servo parou para comer; deve ter prosseguido...
Mas Gabriel tranqüilizou-se quando outro continuou:
-         Alimentou-se e continuou subindo o rio, caminhando na água; logo o encontraremos, estamos próximos; as pegadas são bem frescas; e o abismo na frente não dá continuidade e este não sabe disto; terá que retornar...
E os seis riram tentando espantar o cansaço.
Gabriel analisou-lhe as palavras; havia um abismo depois da cachoeira; com certeza esta se originava de um imenso lago... Concluiu que fizera bem em se ocultar ali, jamais o encontrariam.
Ficou observando-os se distanciarem, e quando o sol já ia alto, viu-os retornando frustrados.
A fuga tinha sido um êxito!
Voltavam inconsoláveis á moradia de Adredanha.
Gabriel suspirou aliviado e novamente adormeceu.
Já anoitecera na moradia de Adredanha quando os guerreiros adentraram procurando Lorde Orlando.
Este lhes recebeu na biblioteca, em intensa expectativa:
-         Então o trouxeram? Onde está? O trouxeram vivo ou morto?
Os guerreiros olharam-se entre si, em conivência e cumplicidade. Adiantou-se um deles:
-         Senhor Lorde Orlando o encontramos próximo ao abismo, mas este em completa covardia atirou-se para a morte nas profundezas dos rochedos...
O Lorde irou-se com a noticia pedindo-lhes detalhes. Os guerreiros disseram-lhe então pausadamente que haviam encontrado Gabriel próximo a uma árvore no final da cachoeira. Este quando os viu, correu na direção do abismo e percebendo que estava sem saída, atirou-se em desespero para a morte.
Lorde Orlando baixou a cabeça inconformado e dispensou os guerreiros.
Sabia que não havia maneiras de resgatar um corpo no imenso abismo que finalizava em pontudos rochedos; e então se conformou com a morte de Gabriel, noticiando-a a todos.
Os guerreiros o fizeram porque não poderiam admitir um fracasso ao Lorde, este perderia a confiança em seus serviços. Estavam certos de que o servo fugitivo estaria bem longe do Lorde e de suas propriedades e que jamais ali voltaria para revelar ao Lorde a imensa mentira!
A rotina voltou ao normal na propriedade de Lorde Orlando.
Linia se restabeleceu por completo e agora caminhava imponente na sua propriedade. A altivez lhe salientava os traços fisionômicos e as roupas imponentes a faziam superior a seu marido e filha; com quem encontrara raramente para diálogos. Lorde Orlando percebeu-lhe a distancia e chamou-a para conversar na biblioteca:
-         Sentai-te Linia minha filha
Linia sentou-se confortalvelmente olhando-o enternecida:
-         Que desejas senhor meu pai?
-         Andei observando-te! Fazem quinze dias que perdestes teu filho e há quatro dias passeias por toda a propriedade...
-         Sim senhor meu pai sinto-me melhor!
O Lorde olhou-a pensativo dizendo-lhe:
-         Não sentes falta de Job teu marido, e de tua filha Sara? Nunca me pedis-te para deixá-los perto de ti? Pouco te vejo procura-los para conversar; são sempre estes que te procuram...
Linia estremeceu compreendendo o muito que o Lorde a havia observado. O Lorde olhou-a carinhosamente:
-         Nada temas minha filha, desejo ver-te bem.
Linia encheu-se de coragem e disse-lhe:
-         Não gosto de meu marido senhor meu pai!
-         Não compreendo filha, casaste-te com ele; ao servos nada é imposto e Job é extremamente afetuoso para contigo!
Linia forçou roliças lágrimas dizendo-lhe em soluços o que passara em sua vida com o seu pai e depois com o seu marido. O Lorde comoveu-se com a história da filha. Desejava ter-lhe evitado tanto sofrimento. Segurou-lhe a mão:
-         Não desejas mais Job como marido?
Linia olhou-o intrigada.
-         Posso fazer isto senhor meu pai?
-         És minha filha e desejo ver-te feliz; aos nobres tudo é possível. Poderás terminar com este casamento e com o tempo conseguirei um bom esposo de família nobre para ti. Desejas?
Linia arregalou os olhos pensando num marido nobre e elegante; sim desejava isto e o afirmou prontamente:
-         Gostaria imensamente de começar vida nova longe de Adredanha, com o senhor meu pai!
-         E tua filha Sara?
Indagou-lhe o Lorde sempre atento as suas reações. Linia baixou a cabeça:
-         Como lhe contei também não desejava uma filha. Sou muito jovem senhor. Job poderá ficar com ela!
O Lorde compreendia o sofrimento de Linia, mas a achava extremamente fria e indiferente, qualidades essenciais a um bom nobre.
- Não sentirás a sua falta?
-         Senhor Lorde, se o senhor é realmente meu pai, e deseja me fazer feliz, me ofereça uma vida nova! O senhor pediu-me sinceridade, estou sendo senhor.
O Lorde estava impressionado com tudo que sua filha lhe falava e sentia-se orgulhoso ao perceber que a personalidade lhe era forte e determinada; pediu-lhe então que o deixasse só; precisaria refletir em tudo.              
Na bela manhã seguinte o Lorde despertou convicto a realizar o desejo de sua filha Linia. Partiriam em três dias para a propriedade do castelo e Linia começaria uma vida nova ao seu lado. Inúmeras providencias, no entanto, ainda precisavam ser tomadas. O conhecimento da morte de Gabriel o aliviava e acreditava que Deus havia feito a justiça.
Procurou o médico Ricardo, após alimentar-se, para ter noticias do capataz Luís. Encontrou-o no aposento cuidando dos ferimentos de seu servo. Este lhe informou que em alguns dias de repouso o capataz estaria bem. No entanto um dos servos ferido havia falecido de madrugada, não resistindo na intensa hemorragia.
Feliz pela melhora do capataz que lhe era extremamente útil e ignorando a perda do outro saiu a procurar o servo Job. Encontrou-o na lida e ordenou-lhe imediatamente que o acompanhasse ao aposento de Linia.
Job surpreendeu-se com a ordem do Lorde, porém acompanhou-o humildemente com a imensa esperança de que sua rotina matrimonial voltasse à normalidade. Sentia enorme saudade da companhia de sua querida Linia e da convivência feliz desta com sua filha.
Ambos entraram no aposento e esta se assustou percebendo que o Lorde estava em companhia de seu marido. Linia estava vestida elegantemente, num vestido de seda azul que fôra feito especialmente para si. Nos longos cabelos cacheados uma linda fita realçava-lhe o encanto e a beleza. Sorriu forçosamente cumprimentando-os e o Lorde pediu que ela se sentasse e ordenou a Job que também o fizesse.
No aposento havia pequenos divãs que se encontravam em prazerosa salinha de estar. Desta se visualizava a imensa janela avarandada da qual se via a copa de longas palmeiras sacudindo-se com a brisa que provinha do oceano.
O Lorde olhou-os pensativo e depois falou a Job:
-         Meu rapaz trouxe-te aqui para que possamos definir a situação de vosso matrimonio...
Job alegrou-se intimamente, não ocultando a satisfação que sentia em seu semblante. O Lorde prosseguiu:
-         Disse-me minha filha Linia, que deseja acompanhar-me em viagem definitiva para o castelo...
Job sentiu-se perplexo. Como sua querida esposa Linia decidira tal coisa sem falar consigo. Sempre afirmara gostar de Adredanha. Olhou-a suplicante e ela baixou o semblante fazendo-se constrangida. O Lorde pigarreou e continuou com tom sério e agudo.
-         Disse-me ela ainda que deseja ir só e esquecer definitivamente sua vida de casada contigo Job.
Job levantou-se impulsivamente. Os seus olhos não mais transpareciam alegria e serenidade. Faiscavam incompreensão e muito sofrimento e dor. Olhou para Linia atônito com suas infinitas indagações de amor, carinho e extrema afeição. Em atitude ainda impulsiva, ajoelhou-se á seus pés, dizendo-lhe:
-         Não creio no que ouço querida; o senhor Lorde não deve ter compreendido o que realmente desejas. És muito importante para mim; amo-te imensamente; como poderei viver sem ti? Como nossa filha também viverá?
O Lorde interrompeu-o grosseiramente, ordenando-lhe que se sentasse e tentasse se controlar. Job voltou a sentar-se, obedecendo à ordem. O semblante de Linia o assustara apresentando imensa indiferença e frieza. A situação era imensamente constrangedora. O Lorde olhou carinhosamente a filha dizendo-lhe ternamente:
-         Querida, é importante que expresses teu desejo e a tua vontade a Job, para que este compreenda!
Linia olhou o Lorde contrariada com a situação que este lhe impunha. Falou firme:
-         Desejo partir com o senhor meu pai. Desejo esquecer-te e esquecer nossa filha. Não lhes tenho sentimento maior de afeto. Desejo começar vida nova!
Novamente Job não se conteve e levantou-se em sua direção colocando-se aos seus pés humildemente e já em prantos rogou-lhe em soluços:
-         Não compreendo querida... O que te fiz... O que te faltou... Porque desejas tanto nos deixar... Porque dizes não nos teres afeto...
Desta vez o Lorde apenas o observou sem interromper. Linia levantou-se se sentindo incomodada com o marido aos prantos e suplicante aos seus pés. Caminhou até a imensa janela e falou-lhe de sua vida. Falou-lhe ainda do sentimento que não lhe tinha e da imposição num relacionamento no qual era infeliz; disse-lhe que não desejava ter uma filha que lhe tirou a liberdade tão cedo em sua vida. Job permanecia ajoelhado. Perplexo mantinha-se imóvel. Não conseguia compreender ou aceitar tudo o que Linia narrava em tom de mágoa e revolta. Sempre lhe fora um bom marido, o companheiro que a compreendia e respeitava; afetuoso e carinhoso. Nunca a obrigara a nada e nunca lhe havia imposto o que não desejasse. Linia jamais havia mostrado insatisfação ou infelicidade com a união ou a convivência; pelo contrario parecia feliz e realizada. Desconhecia completamente aquela Linia que ali estava ferindo-o, com palavras tão frias e cruéis; tão injustificáveis na vida que lhe ofertara sempre com muito amor. Linia parara de falar e o silencio somente era interrompido pelo soluçar sofrido e angustiado de Job. O amor que sentia por Linia estrangulava-lhe o peito sentindo-se asfixiar. O Lorde interrompeu o silencio:
-         Como nobre que sou e em meus títulos de nobreza, dissolvo esta união e declaro que Linia está livre do compromisso assumido com Job. Partiremos em três dias para o castelo e minha querida filha começará uma vida nova. Futuramente casar-se-á com um nobre. Ordeno-te servo Job que a esqueças e quando partirmos dirás a Sara que a sua mãe morreu. Se te comportares obedientemente de acordo com a vontade expressa de minha filha, estarás livre para percorrer outro reinos se assim o desejares; No entanto se contrariares minhas ordens serás julgado e condenado. Compreendestes tudo servo?
Job levantou-se com imensa dificuldade. Estava em pleno estado de choque. As pernas estavam-lhe trêmulas e o semblante apático. Falou mecanicamente:
-         Peço permissão para me retirar senhor Lorde Orlando!
O Lorde olhou-o insistindo friamente:
-         Compreendestes tudo servo Job?
Job permanecendo cabisbaixo sussurrou dor:
-         Sim senhor Lorde tudo compreendi.
O Lorde autorizou a sua saída e Job caminhou até a porta. Antes de sair, no entanto, olhou Linia que permanecia indiferente á sua extrema dor e imponente estava olhando o novo horizonte que se descortinava para si, através daquela grande janela, que se abria cedendo-lhe plena liberdade.
Job desceu a escadaria. Roliças lágrimas banhavam-lhe as faces morenas. Caminhou cambaleante e sem rumo. A imensa dor em seu peito, o asfixiasse cada vez mais, mas Job a ignorava em sua perplexidade com tudo que lhe fora dito por aquela a quem tanto amava e dedicara-lhe a vida. Saiu da moradia e andou. Longa foi à caminhada em imenso sofrimento até que visualizou o imenso mar de Adredanha. Não poderia suportar ver a mulher a quem tanto confiara, respeitara e amara partindo para uma vida nova; não suportaria a imensa dor de não mais te-la; não agüentaria ficar-lhe indiferente; as suas palavras mantinham-se cruéis, frias e injustificáveis em sua mente. A dor não lhe era somente cada vez maior no peito, mas doíam-lhe profundamente os sentimentos mais sinceros e os valores que cristãos que sempre exemplificara em sua vida. Silencioso olhou o mar. As testemunhas somente lhe eram as lágrimas; Cruel e voraz era a incompreensão que lhe asfixiava cada vez mais, destruindo-lhe a alegria e a força vital de seu coração.

O seu corpo não suportando o terrível impacto de sentimentos tão dolorosos caiu sem vida sobre a areia fina.

                          

                             Sara ficara órfã de pai; e agora era deserdada pela própria mãe, que partia para sua nova vida, com lorde Orlando. Era-lhe indiferente o futuro da sua filha ainda que soubesse que deixava só aquela criança, após o falecimento do seu pai Job.
Ricardo acolheu Sara num forte abraço e a afagou carinhosamente, tentando atenuar-lhe o imenso sentimento de perda, que deslizava sutil, em lagrimas silenciosas, sobre suas faces infantis. Sua mãe já sumira na distancia de uma estrada poeirenta. Ricardo abaixou-se a olhando ternamente e disse-lhe:
-         Querida Sara, és apenas uma menina, mas sei que és esperta e tudo compreendes; por isto nada te ocultarei; ainda que sofras sempre saberás a verdade!
Sara com seus oito anos de idade, escutava-lhe atentamente:
- Sabes que teu pai Job faleceu; no entanto não sabes que o seu coração parou de bater repentinamente, porque não suportou o imenso sofrimento que lhe causou Linia; decidindo abandonar-vos... Compreendes o que te digo?  
Sara, inexplicavelmente mantinha-se serena. As lagrimas sutis e silenciosas não mais desciam sobre suas faces. O médico pensou momentaneamente que a menina não o ouvia, mas esta o olhou com extrema vivacidade e indagou:
-         O senhor vai cuidar de mim?
Ricardo abraçou-a novamente e Sara após lhe dar um meigo beijo pediu-lhe:
-         Senhor, nunca mais chorarei pela mãe que não me quis. Desejo lhe pedir um favor!
O médico olhou-a compreensivo, admirando-lhe a serenidade e a aparente resignação a uma situação que sabia lhe ser extremamente difícil, na perda de pais que lhe eram tão queridos.
-         O que desejas pedir-me Sara?
A menina pegou-lhe a mão para que se levantasse e pediu humildemente.
-         Leva-me á praia. Meu pai pede que lá vá!
O medico olhou-a surpreso, sentindo que Sara não havia compreendido.
-         Sara teu pai não está na praia, tem três dias que seu corpo foi sepultado!
Sara olhou-o fixamente segura do que dizia.
-         Meu pai estará me esperando na praia.
Ricardo profundamente perplexo com o que aquela menina afirmava com tanta convicção atendeu-lhe o pedido, e ambos caminharam até á praia silenciosos. Lá chegando, Sara afastou-se sorrindo. Parecia radiante como se dialogasse com alguém que ele mesmo não via. Chamou-a insistentemente e esta após algum tempo atendeu-lhe o chamado.
-         Com quem brincas Sara?
Sara olhou-o surpresa.
-         Senhor Ricardo, converso com meu pai!
As firmes palavras de Sara percorreram-lhe o corpo num arrepio frio.
-         Sara, quando as pessoas morrem não mais podemos vê-las ou conversar com elas!
-         Senhor Ricardo, eu não sou uma menina mentirosa! Digo-lhe que meu pai Job está aqui e conversa comigo. Posso vê-lo e neste momento está colocando a mão no seu ombro. Pede que lhe diga que agora compreende porque Anderson sempre dizia que um dia Brigith viria buscá-lo!
 Ricardo novamente arrepiou-se, Não sabia como Sara podia falar-lhe sobre algo que há muito tempo acontecera. Em sua lógica concluiu que Job lhe contara. Perspicaz desejando perceber até onde ia sua fantasia indagou:
-         Podes perguntar uma coisa a teu pai, já que ele está aqui?
Sara olhou pensativa como se avistasse alguém ao seu lado e balbuciou respondendo-lhe o que ainda não perguntara.
-         Meu pai diz para tomares cuidado, porque realmente Gabriel não morreu. Está escondido numa cachoeira próximo daqui. Meu pai diz que ficará por perto para ajudar-nos e que posso falar com ele sempre que precisar.
O medico Ricardo não podia crer no que ouvia. Estava certo de que a menina não conversava com seu pai, mas sem duvida teria um poder oculto de ler-lhe o pensamento e em sua fantasia havia respondido sem qualquer lógica á pergunta que formulara mentalmente sobre a morte do servo Gabriel. Resolveu novamente testar-lhe a capacidade oculta e misteriosa.
-         Posso perguntar mais uma coisa a teu pai?
Sara disse-lhe que sim, mas desta vez esperou-lhe a indagação.
-         Pergunta-lhe como morreu a menina Brigith e o menino Anderson.
O médico estava plenamente ciente de que Sara não saberia responder-lhe. Pelo muito que conhecia Job, sabia que este jamais lhe contaria crimes tão bárbaros. O silencio se fez por alguns instantes e somente então Sara olhou-o dizendo:
-         Meu pai contou-me agora, que a menina Brigith foi morta por Gabriel, que lhe fez um chá venenoso pensando que se destinava a seu irmão Anderson; inconformado com a morte da mulher que amava e desejando vingança asfixiou covardemente com um travesseiro o jovem Anderson!
O medico sobressaltou-se. Ali acontecia algo que não conseguia compreender. Como aquela menina podia adivinhar os seus pensamentos e visualizar o passado com tanta facilidade. Porem Sara agia com imensa naturalidade e espontaneidade; caminhava agora na areia como se acompanhasse alguém; Ricardo tinha uma incrível e absurda sensação de que realmente ela não estava só. Em sua reliogidade seria uma heresia ousar questionar os princípios da vida e da morte. Sentiu-se temeroso; "seria Sara uma bruxa com estranhos poderes"; ouvira falar de algumas quando era jovem e estudava na corte. E se fosse como a protegeria do julgamento cruel por assim o ser! Teria que a fazer compreender e silenciar seus estranhos poderes. Ricardo olhou temeroso para o imenso oceano, sentia-se demasiadamente confuso com tantos mistérios; olhou o lindo céu claro e orou fervorosamente. A menina aproximou-se sorridente interrompendo-o:
- Podemos ir embora, senhor Ricardo!
Sara parecia iluminada em imensa tranqüilidade de alegria aparente no brilho de seus olhos. Perguntou receoso:
-         Ele foi embora?
-         Sim senhor Ricardo, precisava ir!
-         Disse-te algo mais?
-         Sim senhor, quando precisarmos é só chamar e ele virá auxiliar-nos!
Ricardo apertou-lhe a mão desejando protege-la daquilo que não compreendia. Teria muito a refletir em sua extrema sensatez. Retornou com Sara á moradia onde após alimentá-la levou-a a um aposento próximo ao seu, onde passaria a dormir.
Em seu aposento sentou-se em sua escrivaninha rústica, e pensativo colocou-se a fazer anotações em um pergaminho.


                           A noite invadia Adredanha em grandiosidade. A imensa lua surgia clara iluminando a escuridão. Infinitas estrelas coloriam o céu negro aumentando-lhe a beleza. A folhagem sacudia-se rebelde ao vento nas frondosas arvores.
"É hora de voltar!" Gabriel murmurou para si mesmo. Estava oculto na cachoeira já tinha muitos dias, precisava retornar. Aproximar-se-ia cuidadosamente da moradia e somente assim poderia observar o que estava ocorrendo. Olhou a noite tranqüila ao seu redor, negro lhe era o coração na ânsia de vingança.

                                                  









































                           Linia avistou extasiada um imenso castelo. Estavam finalmente chegando. Sentia-se exausta pela viagem, mas extremamente eufórica com sua nova vida sendo uma nobre. Aproximaram-se das grandes muralhas e o Lorde veio auxiliá-la a sair de sua carruagem. Linia deu-lhe a mão carinhosamente dizendo-lhe:
-         Como tudo é lindo senhor meu pai!
O lorde sentiu-se feliz com o entusiasmo da filha, mas repentinamente sentiu-se temeroso com a presença de seu filho Arthur, que olhava Linia atônito. Balbuciou:
-         Senhor meu pai, esta jovem é surpreendentemente parecida com minha irmã Brigith! Como pode ser isto?
O jovem olhava Linia incessantemente analisando-a. Sentia-se surpreso com a semelhança e a sua presença aflorara a enorme saudade que sentia de Brigith. O Lorde cumprimentando-o com forte abraço pediu-lhe:
-         Entremos meu filho Arthur; temos muito a conversar!
Lorde Orlando pegou a mão de Linia conduzindo-a a entrar no castelo; enquanto Arthur acompanhava-os ainda curioso com aquela presença tão surpreendente. Os servos do castelo também a olhavam incógnitos. Lana escutando o murmúrio aproximou-se do salão principal para ver o que ali acontecia. Avistando aquela jovem que entrava ao lado do lorde Orlando e de Arthur sentiu-se mal perdendo os sentidos. Lorde Orlando olhou uma das servas e ordenou-lhe que acompanhasse sua filha Brigith até o seu aposento. Esta o olhou perplexa, mas prontamente obedeceu-lhe.
Arthur não conseguiu compreender o que o seu pai ordenara á serva; sentindo-se indignado acompanhou-o até á biblioteca. Lorde Orlando tranqüilamente e com extrema satisfação contou-lhe como encontrara a filha. Falou-lhe que após longo dialogo com esta, haviam entrado num acordo, e que sua identidade passaria a ser a de sua filha Brigith. Explicou a Arthur, que somente os servos tinham conhecimento do falecimento de sua irmã Brigith e que ninguém na corte ou nos arredores da propriedade sabia de sua repentina morte. Breve poderia negociaria um noivado e com este atrairia a si novas propriedades e riqueza. Arthur sentia enorme repulsa na longa narração eufórica de seu pai. Quando este terminou, levantou-se e exclamou sua completa indignação.
-         Senhor meu pai, isto é um completo absurdo!
O lorde enfurecendo-se com a atitude intempestuosa do filho afirmou decidido.
- A partir de hoje é minha filha e tua irmã Brigith que aqui está queiras tu ou não!
O jovem não se intimidou mostrando-se arrogante.
-         Estás completamente louco senhor meu pai. Minha irmã Brigith morreu! Os servos sabem disto!
-         Não ousará nenhum deles contrariar-me! É minha filha Brigith! É a tua irmã Brigith! Não poderás tu, também contrariar-me!
Arthur extremamente nervoso e indignado; mas completamente sem argumentos diante da absoluta autoridade de seu pai, pediu-lhe licença para se retirar. O lorde consentiu prontamente, sentia que o filho compreenderia a sua decisão. Quando este já saia o velho pai falou-lhe ainda:
-         Gostarás dela Arthur... é inteligente e elegante...tem porte e altivez... E digna de uma personalidade impressionante...
O filho Arthur nada mais lhe disse saindo apressado.
O sol já ia alto quando lorde Orlando reuniu os servos sob o comando do capataz Philip, e comunicou-lhes em ordem expressa.
-         Trouxe minha filha Brigith de volta a esta propriedade; que nenhum de vós ouse questionar ou dialogar sobre isto. Philip terá ordens expressas de exterminar qualquer um de vós que se atreva a contrariar esta minha ordem. Deverão tratar à senhorita Brigith com cordialidade e respeito.
Os servos humildemente também silenciaram sua enorme perplexidade e indignação e sendo dispensados seguiram para as suas tarefas. O lorde olhou Lana que ali também estava e ordenou-lhe:
-         Sempre fostes à ama de minha filha Brigith, ordeno-te que cumpras com tuas tarefas!
Lana estremeceu com a ordem e com a extrema loucura daquele seu senhor, mas não ousaria jamais contesta-lo; nenhum dos servos o faria. Naquela propriedade tinham proteção, alimento e vida enquanto fossem úteis e dóceis á nobreza. Encaminhou-se obedientemente ao aposento de Brigith. Encontrou aquela jovem encostada no cortinado de renda. Com certeza observara e ouvira o que o Lorde havia imposto a seus servos. Lana falou-lhe humildemente:
-         Boa tarde senhorita, meu nome é Lana e sou sua ama; em que posso servir-lhe?
Linia olhou-a minuciosamente e com extrema superioridade falou rude.
-         Deves tratar-me por Senhorita Brigith, não compreendestes meu pai!
Lana agora identificava a imensa diferença entre a jovem que estava diante de si e a sua querida Brigith. Os traços eram-lhes idênticos, mas o caráter era completamente divergente. O seu olhar era frio e cruel. Lana pediu perdão a Deus em pensamento e balbuciou:
-         Perdoai-me senhorita Brigith; posso ajudá-la?
Linia olhou-a sentindo-se ainda insatisfeita com a ama.
-         Desejo tomar um banho já; estou coberta de poeira!
Lana preparava-se para sair a providenciar a água quente dizendo-lhe:
-         Com sua licença senhorita, providenciarei já!
Linia olhou-a enfurecida:
-         Chamo-me Brigith!
Lana novamente olhou-a servil e humilde.
-         Perdoai-me senhorita Brigith; concedei que me retire para lhe preparar o banho.
Linia consentiu em olhar frívolo e colocou-se a analisar o aposento e a riqueza dos adornos. Vasculhou o armário frondoso e ali encontrou inúmeros vestidos e vestes em tecidos finos e lindas sedas.
     Estava eufórica com tantas belezas.
Arthur observara do imenso salão as ordens de seu pai, e sentia-se temeroso com a sua extrema loucura em desejar substituir irmã tão querida que falecera.
Se houvesse trazido à bastarda e assumi-la como filha, estaria no seu inteiro direito de pai, mas repo-la na posição de outrem... Só poderia estar louco.
E quem seria esta que aceitara tamanho absurdo, qual seria a identidade que tanto desejava ocultar.
Arthur sabia que precisaria fazer algo, mas o que??? Resolveu sair e cavalgar para tranqüilizar-se um pouco.
Estava ciente que na ceia se encontrariam os três e teria que se comportar.
Linia observou quando Arthur afastou-se do castelo num cavalo branco subindo as colinas. Observava ainda como aquela paisagem era diferente de Adredanha; imensa colina adornando o horizonte de verde intenso que se encontrava com um céu extremamente azul.
Um lindo rio passeava tranqüilo defronte ao castelo.
Sentia-se bem e extremamente feliz.
À tarde para Linia passou breve no castelo de Lorde Orlando. Experimentou os inúmeros vestidos de Brigith desfilando-os um a um e pedindo a paciente Lana para fazer um e outro acerto.
Sentia-se extasiada com a sua nova vida de nobreza. Um requintado chá lhe fora servido no aposento e sentia-se extremamente preparada para a ceia onde conheceria o irmão Arthur.
Achou-o demasiadamente esnobe, mas incrivelmente bonito forte e elegante; estava ciente de que se entenderiam bem.
Não tardou muito a um serviçal vir chamá-la a pedido de Lorde Orlando.
Linia vagarosamente preparou-se com extremo requinte e astúcia. Lana a penteara com esmero e os longos cabelos cacheados pareciam luzir de tanto brilho.
Um bonito vestido de Brigith em seda alva era realçado com enorme fita azulada.
Olhou-se no espelho maravilhada, lembrando-se contrariada das vestes sutis da serviçal que era e que eram bem inferiores ás vestes de sua ama.
Olhou-a com desprezo e saiu do aposento descendo a imensa escadaria.
Encontrou o Lorde no imenso salão próximo á lareira, mas Arthur ainda não se encontrava ali.
O Lorde vendo-a levantou-se patético em felicidade.
-         Brigith, como estás linda minha filha!
Linia fez breve meneio de humildade reverenciando-o e o Lorde constrangido com sua atitude disse:
-         Não deves fazer isto Brigith, cumprimentai-me somente com um sorriso; devo eu como teu pai pegar-te a mão e encaminhar-te para que sentes...
Linia sentou-se numa confortável poltrona de fronte a grande arpa. Olhou-a com admiração e o Lorde percebendo-o explicou-lhe:
-         Deveras aprender a tocá-la. No castelo temos alguns músicos que te ensinarão.
Linia sorriu agradecendo.
Arthur entrou no salão com muita seriedade e com o andar pesado sobre a nobre madeira que forrava o piso, em tons divinos e esmeradamente encerados.
-         Boa noite senhor meu pai!
Cumprimentou Arthur encaminhando-se para sentar-se próximo ao Lorde. Este lhe indagou perplexo:
-         Não cumprimentarás tua irmã, Arthur?
Arthur em tom de arrogância olhou-a e depois olhou seu pai perguntando-lhe:
-         Senhor meu pai, perdoai-me a indelicadeza, mas como poderei fazê-lo se nem mesmo sei seu nome?
O Lorde o olhou enfurecido, levantou-se e aproximando-se de Arthur advertiu-o:
-         Não te atrevas rapaz a criar-me problemas, deixai de ser insolente e cumprimentai agora tua irmã!
Arthur levantou-se e caminhou até Linia. Ironicamente cumprimentou-a:
-         Boa noite senhorita; poderias dizer-me qual o teu nome?
Linia olhou-o corando. Lorde Orlando definitivamente se enfurecera:
-         Arthur ordeno-te que subas agora para os teu aposento e de lá não saias.
Arthur indignado desafiou-o:
-         Trocas-me por uma bastarda senhor meu pai? Denegristes a memória de minha querida irmã Brigith e de minha doce mãe Joane! Porque me expulsais de teu convívio? Meramente porque indago como se chama?
O Lorde nervoso com a audácia do filho que o desafiava estava prestes a tomar uma atitude mais drástica quando Arthur por si mesmo retirou-se apressado para o seu aposento. Lorde Orlando desculpou-se carinhosamente:
-         Lamento minha filha Brigith esta situação demasiadamente constrangedora... Entenderei-me com Arthur posteriormente. Vamos cear?
Linia sentia-se vitoriosa e feliz. Aparentava propositadamente ao Lorde doçura, humildade e meiguice. Pegou na mão do Lorde e acompanhou-o na ceia.

                                                








































                 Na propriedade de Adredanha a rotina voltara à tranqüilidade. Luís o capataz se restabelecera por completo, retornando a lida.
Ricardo pegou a pequena Sara que aprendia a ler e a escrever em seu aposento e levou-a para cear consigo. Freqüentemente percebia-a ausente questionava-se se ela estaria conversando com seu pai; o pensamento sempre lhe fazia sentir fortes arrepios de incompreensão. Desde o acontecimento na praia nunca mais lhe indagara sobre isto ainda que enorme vontade tivesse de fazê-lo. Tão logo a mãe partira Ricardo a tratara como uma filha; cuidando de seu bem estar e de sua doutrinação. Era-lhe o amigo e o protetor. Em pouquíssimo tempo havia se afeiçoado em demasia a pequena Sara e estava ciente de que faria qualquer coisa para protegê-la. Era-lhe a filha que nunca havia tido. Após a ceia, Ricardo a acompanhou por breve passeio na noite, nos arredores da moradia. Nesses passeios o medico ensinava-lhe as teorias das estrelas e dos planetas de que era conhecedor; falava-lhe das transformações climáticas; nunca parava de lhe ensinar.
Derrepente Sara interrompeu-lhe dizendo baixo:
-         Ele nos observa!
Ricardo olhou-a intrigado, indagando-lhe:
-         Quem nos observa Sara?
-         Meu pai me diz que ele nos observa!
Ricardo sentia enorme vontade de indagá-la sobre este assunto tão incompreensível á sua mente, mas naquele momento o assustava:
-         Quem nos observa?
Sara cochichou baixinho para que somente ele ouvisse:
-         Gabriel está aqui e nos observa!
O medico olhou rapidamente ao redor; haviam se afastado um pouco da vila dos servos, mas ainda podia avistar a nobre moradia de Adredanha. Ricardo abaixou-se e indagou-lhe baixo:
-         Onde está?
Sara fez breve silencio e então balbuciou:
-         Olha na direção do lago, perceberás que próximo á grande palmeira, a vegetação se sacode ocasionalmente; assim disse meu pai Job.
Ricardo cada vez mais intrigado levantou-se o observou na direção indicada. Logo localizou uma grande palmeira e sob esta ocasionalmente uma moita se sacudia sutilmente. Pegou na mão de Sara dizendo-lhe:
-         Vamos voltar querida, precisamos repousar!
Sara o acompanhou sem fazer-lhe perguntas, quando chegaram ao aposento de Ricardo, este lhe disse:
-         Entra um pouco para conversarmos Sara!
Sara entrou e sentou-se sem cerimonias na cama de seu tutor. O medico puxou uma cadeira que lhe estava próxima e também se sentou.
-         Preciso compreender o que acontece contigo; conta-me tudo Sara!
Sara contou-lhe que ás vezes seu pai vinha falar com ela, e lhe dar conselhos em como se comportar. Outras vezes a chamava a atenção de quanto o medico estava sendo bom para consigo e para respeitá-lo e auxilia-lo. Ricardo interrompeu-a:
-         Job está aqui agora?
Sara afirmou imediatamente que sim, sorrindo-lhe com naturalidade.
-         Pergunta a teu pai, o que Gabriel deseja?
Sara olhou a escrivaninha um pouco afastada e depois olhou o medico um pouco temerosa:
-         Ele disse "Vingança"!
Ricardo olhou-a sobressaltado; mas tentou não transparecer os temores que sentia:
-         Pergunta-lhe o que devo fazer?
Novamente Sara focou a escrivaninha e disse-lhe:
-         Mandou a gente fugir, ele quer te matar!
Sara parecia não inquietar-se com o dialogo.
-         Você está cansada Sara?
-         Não senhor Ricardo, o senhor gostaria de falar mais com meu pai?
Ricardo tinha inúmeras indagações a fazer, mas sentia-se constrangido com a sua curiosidade. Sara então lhe disse:
-         Meu pai diz que te é imensamente grato por tudo o que o senhor faz por mim, e deseja nos proteger... mas aonde está só pode falar comigo e mais nada. Pede que o senhor acredite! Diz que Gabriel vigia a moradia já tem muitos dias; está armado de arco e flechas; pede que você alerte Luís.
Ricardo observava-a atencioso e sentia-se confuso. Como falaria a Luís que Gabriel estava vivo e prestes a um ataque. Sara novamente interrompeu-lhe os pensamentos, dizendo-lhe:
-         Pede que o senhor, de manhã bem cedo vá com o capataz Luís, aquele local lá fora, poderá mostrar-lhe evidencias.
Ricardo concordou ainda que perplexo com o que acontecia e então pediu a Sara que fosse dormir; precisaria refletir e ansiava que o dia não tardasse a clarear. Ricardo levantou-se cedo aguçado pela curiosidade e pelo receio na veracidade das palavras de sua enteada Sara.
Caminhou á copa a fim de procurar o capataz Luís e não tardou o encontrou pronto a convocar os servos para a lida. Aproximou-se sereno:
-         Bom dia Luís!
Luís olhou-o satisfeito, havia o medico Ricardo conquistado inúmeros méritos em salvar-lhe a vida. A enorme cicatriz na nuca era-lhe o testemunho todas as manhãs.
-         Como vai senhor, Ricardo?
Ricardo olhou-o apreensivo, sem saber como expor o que haveria a ser feito.
-         Preciso de sua colaboração Luís!
Luís olhou-o prestativo, colocando-se á inteira disposição. Ricardo pediu que Luís o acompanhasse. Caminharam na direção da grande palmeira, onde o medico Ricardo havia visto a vegetação sacudindo-se irregularmente. Lá chegando colocou-se a rastear sinais no solo.
-         O que procurais senhor Ricardo?
Indagou-lhe Luís intrigado. Ricardo respondeu-lhe distraidamente continuando a tarefa:
-         Auxiliai-me a procurar o rastro!
Luís olhou-o confuso.
-         Rastro de que senhor Ricardo, não compreendo. Explicai-me!
Ricardo levantou-se e balbuciou:
-         Confias em mim?
O capataz olhou-o fixamente afirmando-lhe:
-         Sem qualquer duvida senhor!
Ricardo permaneceu balbuciando em tom de seriedade:
-         Não me indagues nada e crê no que te digo, sei que Gabriel está vivo e os guerreiros ocultaram isto de lorde Orlando para não perderem os méritos; freqüentemente ronda a moradia observando-nos e está armado de arco e flechas... ontem esteve aqui e percebi-lhe o vulto sob esta vegetação...deves auxiliar-me a procurar vestígios do que te afirmo!
Prontamente o capataz, atônito com tudo o que o medico lhe dissera, colocou-se também a rastear os vestígios. Não tardaram a constatar pegadas que provavam que alguém ali havia estado á noite. Ricardo novamente lhe fez um sinal para que o acompanhasse e rumaram para a moradia. Lá os servos estavam prontos, aguardando para irem para a lida. Luís os dispensou pedindo a alguns auxiliares que os acompanhassem; que iria posteriormente. Olhou Ricardo então e disse-lhe:
-         Se tudo o que me dizes é verdade, e não tenho como contesta-lo, porque creio em sua seriedade; porque Gabriel não fugiu para a aldeia mais próxima... Que deseja aqui?
O medico olhou-o pedindo que se sentasse na escadaria da moradia e contou-lhe tudo, desde o ataque a Henri II até a morte de Job e a fuga de Linia em busca de ambição. Luís estava aparentemente perplexo com tantos acontecimentos terríveis provenientes de uma única pessoa. Compreendia que o lorde não ousara ir contra as leis morais, matando um consaguineo, ainda que este houvesse exterminado quase toda a sua família. Mas não conseguia compreender porque o deixara livre durante tanto tempo. Havia suspeitado pelo semblante do lorde que Gabriel lhe criara inúmeros problemas e por isto o disciplinava sem misericórdia na lida. Porem se soubesse de tudo isto antes, com certeza não o teria deixado vivo. Ricardo continuou interrompendo-lhe os pensamentos:
-         Não fugiu porque anseia vingança pela morte de sua amada... creio que alimenta ódio contra Philip, o capataz do castelo que o expulsou da propriedade; contra mim e Job que alertamos ao lorde sobre os acontecimentos; contra você Luís porque o castigastes e o fizestes sofrer; contra o lorde que o privou da nobreza tratando-o como um mero servo...
Ricardo deu uma pausa e estremeceu:
-         ...se puder nos matará a todos!
O silencio se fez repentinamente e ambos colocaram-se a refletir em tudo o que haviam conversado, Ricardo sentia certo temor em estar se precipitando sobre a conversa com Sara; mas concluiu que seria melhor prevenir-se.
Derrepente Luís olhou-o dizendo-lhe serio:
-         Tentou tirar-me a vida uma vez; não o fará novamente! Juntarei cem servos de minha inteira confiança e vasculharei cada pedacinho desta propriedade... se aqui estiver com certeza digo-lhe o encontrarei; o farei pela manhã.
Ricardo surpreendentemente sentiu-se seguro e protegido. O capataz então se desculpando afastou-se lhe dizendo que tinha inúmeras providencias a tomar. O medico também se despediu agradecido pela confiança e foi procurar Sara.

                                                      









                              No castelo o lorde despertara nervoso aquela manhã, após a conversa que tivera com seu filho na noite anterior.
Haviam discutido e Arthur não concordara com as atitudes de seu pai. Pedira-lhe que o autorizasse a viajar á corte. Lorde Orlando não desejando incidentes maiores com ele, havia permitido a viagem do filho, em discussão aflorada. Mas agora se sentia nervoso e infeliz com a viagem do filho que tanto o auxiliava na propriedade.
A idade já era sentida no corpo e o cansaço apresentava-se em sua fisionomia. Estava certo de que precisaria providenciar um nobre rico para desposar a sua filha, agora Brigith.
Colocou-se a refletir a qual de seus amigos poderia propor o matrimonio.
Repentinamente lembrou-se de um Lorde que possuía três filhos em idade de assumir compromisso; pegou um pergaminho e escreveu-lhe o seu interesse em unir os seus títulos aos deles. Chamou um mensageiro e selando a mensagem em lacre vermelho, entregou-lhe dizendo-lhe o destino.
 Arthur quando o sol já alto ia à propriedade, despediu-se friamente de seu pai e montou em seu cavalo. O acompanhariam na viagem quatro guerreiros.
Arthur estava decidido a ir para a propriedade de Adredanha e não para a corte como dissera a seu pai.
Desejava ardentemente conhecer o passado da impostora que ousara assumir a identidade de sua irmã Brigith e de descobrir-lhe algum segredo que pudesse impedir os devaneios do velho Lorde
Faria a viagem num trote apressado e com pequenas pausas. Em três ou quatro dias lá estaria pensou confiante olhando firmemente o caminho pelo qual prosseguia.
Linia visualizava tudo da janela de seu aposento; sentia-se feliz com a partida de seu irmão que desejava expo-la sempre ao ridículo. Teria tempo a conquistar com excesso de mimos, a predileção de seu pai. Lana entrou no aposento reverenciando-a em humildade:
-         Senhorita Brigith, o senhor Lorde deseja vê-la!
Linia sorriu satisfeita... Teria o Lorde só para si.
Os dias passaram-se. Linia já entoava lindas melodias nas cordas delicadas da harpa e o Lorde sentia-se imensamente satisfeito com sua dedicação. Também tinha aulas de equitação e dança. O Lorde todos os dias lhe ensinava etiqueta.
Já agia e se comportava elegantemente como uma nobre! O aprendizado lhe era imensamente prazeroso.
  O mensageiro entrou no salão, onde estavam repousando em tarde demasiadamente quente, trazendo uma mensagem ao lorde. O lorde prontamente dispensou-o e após romper o lacre do pergaminho leu-o.
Levantou-se e falou eufórico a Linia que o observava curiosa.
-         Querida filha Brigith, devemos felicitar-nos!
-          Qual o motivo de tanta alegria senhor meu pai?
-         O conde aceitou o compromisso de matrimonio com um de seus filhos; breve haverá a festa de noivado, oficializando o seu enlace com lorde Pierre!
Linia mostrou-se enormemente apreensiva; lorde Orlando percebendo-o aproximou-se sentando próximo a ela e tentou tranqüilizai-la.
-         Nada temas querida Brigith; é uma das maiores fortunas da corte; e o noivado unirá nossos títulos e consequentemente nosso poder será bem maior. Deves sentir-te feliz!
Linia, no entanto mantinha-se silenciosa. Temia que aquele lorde em matrimonio percebesse que fora enganado. O lorde pareceu lhe compreender a aflição falando-lhe:
-         És inteligente demais Brigith; poderás facilmente ludibriar quem desejes; saberás como agir!
Linia compreendeu imediatamente no que o seu pai a instruía e sentiu-se mais calma.
-         Felicito-me contigo senhor meu pai... breve serei a esposa de Lorde Pierre!


                                                        







































                            Arthur chegou á propriedade de Adredanha quando já anoitecera. O medico Ricardo surpreendeu-se ao vê-lo e aproximou-se prestativo:
-         Senhor Arthur, fez uma boa viagem?
Arthur olhou-o expressando imenso cansaço. Entrou na moradia sem as cerimonias habituais. Sentou-se prazerosamente numa poltrona macia e falou suspirando alivio.
-         Ricardo pensei que viajaria somente quatro dias, mas a viagem se tornou imensamente exaustiva em longos e intermináveis sete dias a galope; esta propriedade é demasiadamente longe de nosso castelo. Parece que aqui não venho á muito tempo; mas não faz muito passei longa temporada aqui com o senhor meu pai.
Deu uma breve pausa lembrando-se do falecimento de sua mãe de seus irmão quando estava ali em Adredanha com seu pai, e melancólico prosseguiu.
-         Tenho tantas lembranças boas que vivi nesta propriedade, quando ainda era um menino e divertia-me com Anderson meu irmão... mas a maturidade faz-me observar detalhes que antes não percebia!
Ricardo, que permanecia de pé, disse-lhe gentilmente:
-         O senhor deve estar com muita fome; deseja que lhe seja servida a refeição agora?
-         Não Ricardo, tomarei um bom banho que me renovará o animo! Depois me alimentarei!
O medico meneou a cabeça humildemente em entendimento, e o jovem pediu-lhe:
-         Fique aqui e me aguarde Ricardo; faremos a ceia juntos; és meu convidado.
Arthur subiu apressado para o seu aposento para banhar-se.  Ricardo encaminhou-se á copa avisando a chegada do nobre e pedindo providencias para a sua refeição. Depois procurou o capataz Luís, encontrando-o nos fundos da moradia onde existia um enorme pátio. Falou-lhe com extrema seriedade:
-         Soubestes que o filho do lorde chegou á propriedade?
-         Sim senhor Ricardo, encontrei-me com seus guerreiros.
Ricardo olhou-o apresentando ainda maior seriedade dizendo-lhe apreensivo:
-         Como foram as buscas hoje?
Luís mostrava-se aparentemente desapontado. Meneou a cabeça em desapontada negativa.
-         Estivemos novamente nas proximidades da cachoeira, mas não o encontramos! Surpreendo-me que nestes seis de procura incessante, não tenhamos conseguido visualizar qualquer vestígio do local onde se oculta; nenhuma fogueira; nenhum leito improvisado...
Luís parou repentinamente e indagou-lhe:
-         Como estão os servos?
Ricardo olhou-o entristecido:
-         Recuperam-se dos ferimentos, porem estou certo de que perderemos dois bons companheiros; tudo que podia fiz por eles, agora somente Deus poderá salva-los!
O capataz com o semblante melancólico sentindo-se demasiadamente impotente sussurrou:
-         Como pode um só homem causar tanta desgraça e tanta dor!
Dando um suspiro de revolta olhou Ricardo falando-lhe.
-         Precisamos informar ao filho do lorde o que ocorre aqui!
Ricardo pediu ao capataz Luís que o deixasse informar-lhe, pois este o havia convidado para a ceia, e seria excelente oportunidade de contar-lhe tudo o que ali acontecia. Luís sentindo-se aliviado prontamente consentiu.
O médico aguardou pacientemente que Arthur descesse ao salão de refeições e quando este o fez ambos se alimentaram silenciosamente. Finda a ceia, Arthur pediu-lhe que o acompanhasse até á biblioteca, onde poderiam conversar com maior privacidade. O banho parecia o ter rejuvenescido. O jovem altivo não mais apresentava o semblante exausto. A beleza e a vivacidade realçavam-lhe os traços tão peculiares que o assemelhavam a sua mãe Joane.
Após sentarem-se comodamente Arthur falou-lhe:
-         Confio amplamente em ti Ricardo e preciso de teu auxilio!
As palavras lhe eram humildes e dóceis e surgiam como uma suplica e não como as costumeiras ordens superiormente rudes de seu pai. Arthur prosseguiu:
-         Sinto que a idade afeta a razão do senhor meu pai; praticamente expulsou-me do castelo por causa de uma senhorita que diz ser sua filha e é incrivelmente parecida com a minha doce irmã Brigith...
Suspirou imensamente entristecido e continuou falando modestamente.
-         E o pior Ricardo, é que anulou completamente a identidade desta e a assumiu diante de todos no castelo, como Brigith. Advertiu os servos que nunca o contestassem se não lhes seria a morte; vê na impostora a filha que todos sabemos que morreu... Sinto-me exausto, mas vim procurando respostas para este enorme absurdo, e preciso as ter hoje ainda, se possível for!
Arthur deixou-se afundar na poltrona com uma expressão imensamente suplicante. Ricardo olhou-o com seriedade e encorajou-se a dizer-lhe.
-         Tenho inúmeros acontecimentos a narrar-te; sei que és jovem demais e não possuis a experiência tão necessária, a compreendê-los sensatamente com a frieza de quem já muito viveu; mas sinto que preciso te informar o muito que desconheces senhor Arthur, ainda que muito te emociones com tudo!
O nobre ergueu-se da poltrona e caminhou decidido em sua direção.
-         Contai-me Ricardo, eu lhe peço!
Arthur não conseguiu conter a emoção; lagrimas febris lhe desceram as faces á medida que o medico lhe contava pausadamente tudo o que ocorrera no castelo e tudo o que acontecera em Adredanha. A cruel narrativa dos assassinatos de seus irmãos lhe era extremamente dolorosa. Ricardo prosseguia sem pausas temendo compadecer-se daquele jovem e excluir-lhe a verdade, que ainda que o magoasse lhe era extremamente importante. Quando este terminou a longa narrativa, Arthur encontrava-se imobilizado por sentimentos de muita dor.
-         Infelizmente Senhor Arthur, ainda não acabei de contar tudo... descobrimos que os guerreiros de teu pai o ludibriaram em mentira inconseqüente; Gabriel está vivo! Luís o capataz desta propriedade, reuniu cem homens para fazer continua busca em toda a propriedade, mas nestes intermináveis dias, ainda que se dividam em grupos e rumem por toda a extensão da densa vegetação, até os limites no abismo, não o encontraram! Com certeza o esconderijo lhe é perfeitamente seguro e neste permanece oculto durante o dia; no entanto quando anoitece aparece para nos atormentar...
Arthur, contendo-se na emoção, interrompeu-o:
-         Como sabes que está vivo?
-         Feriu sete servos da propriedade; sempre o faz quando anoitece. As flechas provêm de algum lugar da densa vegetação e os atingem quando estes estão em repouso nas proximidades de seus lares... Gabriel tem nos provoca incessantemente com seus ataques covardes e repentinos. Os servos estão amedrontados; ocultam-se nas pequenas casinhas e só têm saído quando o dia clareia. Quando vi o senhor se aproximando da moradia ao anoitecer, temi por sua segurança, mas creio que não o atacou porque deseja saber o que veio fazer aqui... com certeza observa-nos!
-         Onde se abriga?
Indagou-lhe atônito Arthur, aparentemente já refeito das emoções dolorosas.
-         Somente lhe tenho uma resposta senhor, talvez em alguma gruta imperceptível aos olhos dos servos que o rasteiam... os rochedos nesta propriedade são inúmeros próximo ao abismo, como vasculhar cada buraco?
Arthur andava incessantemente de um lado para o outro na biblioteca. Aproximou-se da grande janela dizendo:
-         Observa-nos agora?
O medico prontamente respondeu-lhe:
-         Com certeza senhor Arthur!
Arthur visualizou a noite escura e disse sarcasticamente em tom de autoridade:
-         Fogo... muito fogo! Não existem plantações deste lado da propriedade, somente densa vegetação até á grande cachoeira e posterior lago e abismo; a vegetação está extremamente seca pela falta de chuvas e o vento sopra favoravelmente na direção desta colina... queimaremos tudo! Não terá mais onde se ocultar para nos atacar!
O medico sentia-se surpreso com a extrema astucia de Arthur.
-         Venha comigo Ricardo, preciso falar imediatamente com o capataz Luís.
Ambos caminharam até os fundos do castelo, onde Luís aguardava que o medico o procurasse após a conversa com o filho do lorde. Arthur falou-lhe com a autoridade necessária a um bom coordenador:
-         Luís, providenciais imediatamente cinqüenta tochas e cinqüenta servos!
Ainda que não compreendesse as intenções do jovem nobre, prontamente o capataz lhe saiu apressado a atender-lhe a ordem. A noite já ia demasiadamente alta quando as tochas foram acesas; enorme clarão se faz na noite escura. Os servos sob a orientação de Arthur se dispersaram ao longo da vegetação, que fazia fronteira com a vila dos servos e findava no abismo após a grande cachoeira e numa única ordem o fogo foi ateado á mata de Adredanha.
Facilmente o fogo se propagou, em linha horizontal contrária á direção do mar, subindo a colina; rumo á cachoeira!

                                                    











                                 Gabriel preparava-se para repousar em sua gruta, tão bem resguardada sob as fortes águas da imponente cachoeira. Acostumara-se a fazer as longas caminhadas até á moradia para observar; e ainda que fossem longas horas em caminho árduo não mais se sentia exausto; era-lhe mero exercício e os músculos de seu corpo haviam se acostumado também á tarefa. Reconhecera prontamente o filho do Lorde Orlando quando este chegara á propriedade e sentia-se intrigado com o que Arthur ali viera fazer. Conseguira ainda ver o medico Ricardo recepcionando-o e visualizara através do imenso vitral da biblioteca, o muito que conversavam. Decidira em função da longa conversa que não podia ouvir retornar para repousar mais cedo. Estava certo de que lorde Orlando partira para o seu castelo já tinha longos dias, pois nunca mais o vira na propriedade. Escondido na vegetação ouvira os rumores dos servos a respeito da súbita morte de Job. Participava continuamente, ainda que oculto da vida daquela propriedade.
As sete flechas que atirara nos servos eram um mero alerta para não o julgassem ingênuo, e para que ficassem cientes de que não o pegariam com tanta facilidade como estavam pensando, naquelas incessantes buscas que sempre visualizava nas proximidades da cachoeira.
Esteve certa vez prestes a alvejar o capataz Luís, quando este se aproximou da cachoeira, mas não o fez por temer seu esconderijo ser descoberto; se frustava em não o ter matado no dia da fuga, mal lhe fizera!
Esperava momento propicio também a alvejar o médico Ricardo que o traíra em conclusões precipitadas, mas não houvera oportunidade a fazê-lo.
Depois que feriu um dos serviçais, todos tomaram cautela evitando sair das moradias ao anoitecer ou encontrando-se nos fundos destas onde não poderia visualizar. O que não o impossibilitara de ferir os outros seis servo.
Não faltariam oportunidades a concretizar os seus anseios de vingança. E assim que o conseguisse rumaria para o castelo, a fim de se vingar do velho lorde e de Philip seu capataz asqueroso.
Repentinamente lembrou-se de Arthur, se o exterminasse também, poderia assumir a propriedade que lhe era de direito, como nobre que era irmão de Joane; pensaria nisto pela manha; já era demasiadamente tarde e o cansaço se apoderava de seu corpo.
Gabriel deitou-se a dormir, quando escutou um imenso barulho na mata. Aproximou-se vagarosamente da fenda e assustou-se em demasia com o que visualizou.
Um imenso clarão cobria a propriedade de Adredanha, fazendo-lhe dia. O forte cheiro de fumaça e de madeira queimando emanava em sua direção. Não se sentiu temeroso por se encontrar em segurança, mas não tardou o cenário que visualizava era medonho.
  Um mar de fogo caminhava em sua direção. O calor era insuportável ainda que a água da cachoeira refrescasse o ambiente; e evitava que a fumaça ali entrasse. Inúmeros animais refugiavam-se nas pedras, outros, no entanto ali onde estava também procuravam abrigo e Gabriel de imediato pegou o facão para matar algumas cobras que o ameaçavam a segurança.
O imenso incêndio durou o resto da noite e pela manha Gabriel ainda poderia verificar alguns focos de chamas ardentes que queimavam a madeira robusta de árvores anteriormente frondosas.
O cenário que se descortinava era de uma paisagem morta em negro e cinza.
Poderia ver agora ao longe a vila dos serviçais e a moradia de Adredanha. E ainda que bem distante estivesse, estava ciente que a gruta não lhe era mais local apropriado a ficar.
Gabriel recolheu o arco e as flechas e saiu decidido a alcançar o castelo de Lorde Orlando.

                                                










































                       Arthur acordara cedo disposto a procurar Gabriel.  Após terminar a refeição matinal chamou Luís e pediu-lhe que o acompanhasse.
-         Posso ir também senhor Arthur?
Indagou o médico Ricardo aproximando-se. Arthur cumprimento-o autorizando-o a fazê-lo.
Os três visualizaram o resultado do incêndio com assombro. A devastação havia sido terrível; poucas árvores haviam permanecido em pé. Agora da moradia poderiam avistar a imponente cachoeira á distancia sem os obstáculos que antes a ocultava.
Arthur falou ao capataz:
-         Mande alguns serviçais limpar toda a área queimada; depois deverão ará-la e planta-la... Que não se deixe mais que a mata cresça!
Luís concordou e imediatamente foi dispensar os servos para a lida e escolher uns para esta tarefa.
Novamente o capataz retornou á companhia de Arthur e Ricardo. Os três caminharam rumo á cachoeira; chegando lá Arthur disse-lhes:
-         Conheço aqui um lugar, onde costumava brincar que poucos conhecem... Se não estiver errado o encontraremos aqui!
Luís imediatamente pegou o facão e caminhou na frente de Arthur.
-         Perdoai-me a ousadia senhor Arthur, mas se aqui estiver poderá; irei à frente se me indicar o caminho!
Arthur apontou-lhe a fenda escura sob as águas, dizendo:
-         Caminha-se com cautela por estes rochedos até alcançar a fenda... Molhamos-nos bastante, mas se surpreenderão com o imenso salão que ali existe oculto!
Ricardo cada vez mais se surpreendia com a astúcia do nobre Arthur. Caminharam facilmente os rochedos alcançando a fenda e surpreendentemente ali estava ele, um imenso salão de pedra.. Observaram assombrados, que Gabriel sempre estivera ali. Um bom leito de palha trabalhada; a fogueira ainda quente; pedaços de madeira e indícios de sua fabricação de flechas. Arthur concluiu rapidamente:
-         Foi embora!
-         Como o sabes senhor Arthur?
-         Simples Ricardo carregou tudo consigo! Olhe através da fenda, não teria mais onde ocultar-se. Podemos observar a moradia daqui, igualmente poderia ser visto de lá! Pergunto-te agora eu, pelo muito que o conheces, para onde irá?
Ricardo pensou um pouco e após alguns instantes falou-lhe:
-         Se Gabriel deseja vingar-se e não pôde concretizar sua vingança aqui, com certeza irá para o castelo!
O capataz Luís olhou-o interrompendo-o:
-         Mas como chegará lá se Gabriel não possui meios ou recursos para isto?
Arthur respondeu-lhe:
-         Começo a compreender Gabriel e respondo-te que não vacilará em matar para conseguir os meios e ainda que não os conseguisse asseguro-te Luís, que caminhando determinado, com a força que dizem possuir, em trinta dias lá chegaria!
Os três entreolharam-se assombrados. Voltaram á moradia e uma menina correu feliz em direção ao médico Ricardo, abraçando-o afetuosamente. Arthur curioso olhou-a fixamente indagando:
-         Ricardo, esta menina é Sara?
Ricardo respondeu-lhe entristecido:
-         Sim senhor Arthur, é a linda filha de Linia!
O nobre abaixou-se para cumprimentá-la:
-         És muito bonita Sara! Sabes que sou teu tio, e tu és minha sobrinha?
A menina corou meneando levemente em negativa.
-         Pois afirmo que sou teu tio e eu também te protegerei
Sara olhou Ricardo e sorrindo deu-lhe a mão; depois olhou Arthur e também lhe estendeu a mão. Arthur a pegou carinhosamente e os três de mãos dadas entraram na moradia.
O médico pediu a Sara que fosse para o seu aposento estudar e acompanhou o nobre Arthur até a biblioteca. Arthur disse-lhe determinado:
-         Viajaremos para o castelo pela manha Ricardo!
Ricardo olhou-o apreensivo.
-         Com teu regresso sabes que irás afrontar teu pai, que pensa teres ido para a corte. Sabes que sara precisa ficar distante de Linia!
Arthur explicou-se:
- Terei onde oculta-la. O senhor meu pai não saberá de sua presença!
-         E quanto a mim, como explicarás minha presença?
Arthur pegou a imensa espada que portava na cintura e disse-lhe:
-         Simples meu bom Ricardo, cuidarás de mim!
Dizendo isto, o jovem nobre, num gesto de coragem, fez profundo corte no seu braço esquerdo.
O médico Ricardo perplexo com sua coragem e valentia, perguntou-lhe:
-         Senhor Arthur porque fizestes isto? Porque te feristes?
O jovem sorriu e falou-lhe com naturalidade;
-         Agora, preciso de um bom médico que me acompanhe. Realmente o senhor meu pensa que viajei para a corte; direi-lhe que me feri no caminho, num ataque de salteadores e vim a Adredanha para que me auxiliasses.
Ricardo assustado com o imenso sangramento pediu-lhe licença para que se ausentasse a fim de procurar um torniquete e pegar algumas ataduras. Arthur consentiu e o médico saiu apressado. Logo retornou com o material e Arthur prosseguiu, enquanto o médico o auxiliava no ferimento.
-         Direi ao senhor meu pai, que quando fui atacado, estava próximo á aldeia de Corville, assim não achará estranho que tenha rumado para cá...
O médico interrompeu-o:
-         Porque desejas que eu vá contigo senhor Arthur/
Arthur o fitou amigavelmente:
-         Minha nobre mãe confiou em ti meu bom Ricardo; meu pai também assim o fez; porque eu não o faria? Serás meu confidente, meu amigo e meu mentor. Prometo-te que minha espada te protegerá, assim como protegerá também minha sobrinha Sara; que por sua candura e meiguice, percebi que nada tem dos olhos vis de sua mãe Linia.
O médico Ricardo, terminara de enfaixar o braço daquele nobre que ainda era um menino, mas que agia como um homem.
-         Estás de acordo Ricardo?
O médico olhou-o com admiração e falou-lhe:
-         Senhor lhe acompanharei á viagem ao castelo; mas como ficarão os servos feridos sem o meu auxilio médico?
-         Ricardo, pelo que me dissestes tudo o que podias fazer por eles já o fizestes!
O médico concordou pedindo-lhe licença para se retirar a tomar algumas providencias.
Arthur sozinho olhou a sua espada, que ainda permanecia em sua mão direita e erguendo-a com segurança murmurou firmemente:
-         Honrarei o nome de minha mãe Joane; o nome de meu irmão Anderson e o nome de minha doce irmã Brigith.
Baixou novamente a espada, e após limpa-la guardou-a. Sentou-se então para pensar
Em tudo o que o médico Ricardo lhe contara, e não tivera tempo para refletir.










































                                 Gabriel caminhou paralelamente ao abismo por longos dias, até que avistou uma grande aldeia. A túnica que vestia estava extremamente suja e decidiu lava-la num córrego ali próximo. Quando se encontrava nu, prestes a lavá-la, ocorreu-lhe uma idéia. Ocultou o arco, as flechas e a túnica na vegetação. Com o auxilio de um dos facões barbeou-se cuidadosamente; e depois também os ocultou.
Com o porte elegante e asseado rumou á aldeia, completamente despido. Aproximou-se de uma das casas, fingindo-se cambaleante e exausto. Não tardou para que alguns moradores o vissem e corressem a socorrê-lo e cobri-lo.
Um velho ancião o levou á sua casa, e Gabriel fingiu perder a consciência velho senhor murmurou para si mesmo “- Pobre rapaz devem ter sido salteadores, percebo pelos traços que é um nobre; porque andaria só por estas estradas. Seus pés estão demasiadamente feridos; muito deve ter andado este infeliz."
Passadas algumas horas, atento a todos os movimentos, Gabriel fingiu recuperar a consciência. O velho ancião que estava vigilante aproximou-se:
-         Como te sentes rapaz?
Gabriel olhou-o fingindo zonzo e ainda sonolento.
-         Deves estar com fome, enquanto dormias fiz uma forte sopa!
O ancião afastou-se para pegar a sopa e depois o auxiliando a se alimentar indagou:
-         Como te chamas rapaz?
Gabriel astutamente respondeu:
-         Chamo-me Lorde Henri II, senhor...
O ancião novamente o indagou:
-         Foram salteadores na estrada que te deixaram só e despido?
Gabriel novamente fingiu-se fraco e imensamente esfomeado.
-         Sim senhor, mataram os dois guerreiros que trazia comigo e levaram-me a carruagem e os pertences, deixando-me na estrada á própria sorte.
O ancião sentia enorme pena de Gabriel e levantou-se para pegar outro prato de sopa. E Gabriel novamente a tomou esfomeado, ainda que fome não sentisse.
-         Preciso voltar á minha propriedade senhor, poderás ajudar-me?
O ancião o observou novamente e disse-lhe:
-         A única coisa que posso emprestar-te é um cavalo veloz... tentarei também conseguir uma veste para ti...a tua propriedade é distante?
Gabriel olhou-o agradecido dizendo-lhe:
-         Três dias de viagem senhor!
-         Estás perto de casa então, não precisarás de dinheiro; somente alguns mantimentos.
Gabriel concordou humildemente com a cabeça e o velho novamente analisou-o.
-         Onde queimastes a pele assim?
Gabriel estremeceu, mas disse-lhe firmemente:
-         Gosto muito de banhar-me diariamente nos rios de minha propriedade. O sol queimou-me a pele com o tempo!
-         És um guerreiro não é Henri II? Vejo em teus enormes músculos.
-         Sim senhor, treino-me constantemente nas artes da guerra, mas os salteadores nos atacaram á noite e não estava armado.
-         Compreendo rapaz, não te exaltes mais, irei providenciar o cavalo e as vestes! Desejas partir ainda hoje?
Gabriel sentisse feliz pelo êxito:
-         Sim senhor, agradeço-lhe em demasia o auxilio, e lhe recompensarei tão logo retorne a minha propriedade, um guerreiro lhe trará o cavalo e algumas moedas de ouro.
O velho sorriu satisfeito e saiu a providenciar o que o seu ilustre hospede precisava. Gabriel levantou-se e banhou-se. Quando o velho retornou lhe trouxe uma veste fina, elegante e requintada. Digna de um lorde.
-         Consegui emprestada com um amigo meu que costura para a nobreza. Sei que a devolverás breve.
Gabriel a vestiu, e sentiu-se elegantemente imponente. Pela primeira vez em sua vida, a pele lhe era tocada por tecidos tão finos e tão sedosos.
-         És um bonito lorde!
Exclamou-lhe o ancião dando-lhe uma sacola com mantimentos. Gabriel agradeceu-lhe imensamente a bondade e saiu da pequena casa. Sob o olhar de alguns outros moradores, admirados com sua altivez e imponência montou no cavalo e galopou ligeiro. Acenando agradecido ao velho que o auxiliara. Retornou ao local onde deixara o arco, flechas e facões e pegou-os. Olhou a túnica e desprezou-a, partindo ligeiro rumo ao castelo de Lorde Orlando..

                                                      































                   Aproximavam-se do castelo e Arthur explicou a Ricardo que o acompanhava em montaria próxima:
-         Deixaremos Sara com uma senhora minha amiga, que reside aqui perto! Poderás vir vê-la todos os dias se assim desejares!
Ricardo concordou e cavalgaram até uma pequena casinha branca que ficava próxima a um rio de águas muito claras. O medico observou uma pequena plantação de hortaliças cuidada com muito esmero e algumas galinhas que passeavam livremente próximo a esta. Arthur ao aproximarem-se fez sinal ao servo que os acompanhava, numa modesta carroça, com as bagagens e a menina Sara, para que parasse. O nobre apeou da montaria e o medico a seu exemplo também o fez. E caminhando em direção á pequena casinha branca, chamou gentilmente:
-         Carol estás em casa?
A porta se entreabriu e uma senhora de longos cabelos brancos, mas ainda jovem sorriu-lhe serena e radiante.
-         Meu menino Arthur, que bom ver-te; viajastes bem?
Arthur caminhou em sua direção e abraçaram-se carinhosamente. Ricardo imediatamente percebeu que existia entre eles enorme afinidade.
-         Carol, desejo apresentar-lhe um grande amigo!
Arthur caminhou então, de mãos dadas com aquela bonita senhora, em direção ao medico.
-         Este é meu amigo Ricardo, medico de nossa família á muitos anos!
Carol cumprimentou-o gentilmente e observando a carroça visualizou o servo e a menina, indagando-lhes surpresa:
-         E esta linda menina?
Arthur ajudou Sara a descer da carroça e apresentou-a a Carol:
-         Esta é Sara a minha sobrinha e protegida!
A senhora olhou-a perplexa, mas nada lhe indagou.
-         Carol preciso que fiques com ela e a protejas por alguns dias...
Carol novamente sorriu-lhe em brandura, parecia irradiar enorme paz que reluzia em seus olhos imensamente claros em tons esverdeados. Balbuciou:
-         Será um imenso prazer ter a sua companhia1
Arthur então se desculpou pela brevidade, mas precisavam chegar ao castelo antes do anoitecer e prometeu-lhe que as visitaria pela manhã. Estavam a três horas de viagem do castelo de lorde Orlando e não tardaria a escurecer.
Carol compreendendo-lhe a pressa pegou na mão de Sara carinhosamente e levou-a para dentro da moradia despedindo-se.
O medico Ricardo acompanhou-as, levando alguns pertences de Sara; poucos livros e seus pergaminhos de ensino.
Quando entrou no ambiente do modesto lar, surpreendeu-se com a harmonia que este emanava. Modestamente mobiliado e humilde, mas rico em claridade e paz.
Despediram-se e Arthur e Ricardo montaram novamente e seguiram viagem silenciosamente. Somente o ranger das rodas da carroça que os seguia, cortava o silencio. Como estavam próximos ao termino da viagem cavalgavam lentamente, cansados da longa viagem. Derrepente Arthur disse ao medico:
-         Por teu silencio, percebo que te surpreendestes com Carol minha amiga!
Ricardo não conseguia ocultar o quanto se impressionara com aquela senhora de traços finos, pele delicada, e sorriso encantador. Nunca se interessara desta maneira por nenhuma mulher. Carol havia tocado um profundo sentimento.
-         Não posso negar-lhe senhor Arthur, estou imensamente impressionado com esta senhora que acabei de conhecer... como nunca a vi? De que vive? De onde veio?
Arthur gargalhou radiante, com o entusiasmo do medico e isso fez com que Ricardo ficasse constrangido.
-         Não te retraias meu bom amigo; ainda sou apenas um rapaz, e desperto somente agora para os impulsos amorosos que o meu coração possui; estou achando magnifico o seu interesse por minha amiga! Contarei a estória de Carol!
Arthur contou que quando o velho Manco morrera, e estando Anderson enfermo, sua mãe Joane o chamou, dizendo-lhe que precisava de sua ajuda.
Explicou-lhe que encontraria uma senhora, morando próximo a um rio claro, a três horas da propriedade; pediu-lhe que enquanto esta senhora vivesse, ele deveria levar-lhe os suprimentos necessários á sua subexistencia, todas as semanas.
Ricardo falou-lhe admirado:
-         Eras um menino, senhor Arthur!
Arthur entristecera-se com as doces lembranças de sua mãe e respondeu-lhe melancólico.
-         Não tão menino senhor Ricardo! Sem fazer perguntas a minha mãe, cavalguei com as orientações que me dera quanto á localização da sua moradia. Fácil encontrei Carol. A primeira vez que aqui vim, me senti tão bem que não deixei de vê-la uma semana que fosse. Por vezes, diariamente aqui vinha conversar com uma grande amiga que ganhara.
O nobre deu uma pausa silenciosa e depois prosseguiu:
-         Você está ciente Ricardo, do ambiente infeliz que se tornou o castelo! Minha mãe vivia reclusa em seu aposento; Anderson e Brigith sempre retidos no castelo; depois as mortes...
As feições de Arthur, mais se fechavam em tristeza, mas prosseguiu:
-         Distraia-me nas artes da guerra, mas o que gostava mesmo era de cavalgar! Quando me sentia só, vinha ver Carol que sempre me recebia com o mesmo carinho e amor.
Ricardo mais se intrigava, e Arthur parecia desejar auxilia-lo.
-         Senhor Ricardo, disse-me Carol que o velho Manco a salvara; construiu-lhe a casa e nunca deixou que nada lhe faltasse... falou-me ainda que caiu no rio quando lavava algumas vestes e este a arrastou por alguma distancia; com a grande quantidade de água que engolira, perdeu os sentidos;  quando despertou no entanto, lembra-se agradecida, que o velho Manco estava ao seu lado, na margem do rio, aquecendo-a e protegendo-a... Nada mais me contou!
Ricardo unia apressadamente os pensamentos. Exclamou para si mesmo surpreso "Não seria possível! Seria o destino ardiloso demais!" Mas as coincidências eram muitas e o medico as juntava concluindo uma só lógica. “Pensava:” Manco poderia ter ouvido rumores de que matariam a mãe de Gabriel no rio, e decidiu salva-la; talvez Joane o houvesse alertado; e o auxiliado com os recursos necessários á construção da moradia... somente isso explicaria Carol viver tão só e tão reclusa, sendo tão meiga e ainda tão bonita apesar da idade."
O medico extremamente curioso, encorajou-se e indagou a Arthur:
-         Porque nunca se casou? É viuva?
Arthur interrompeu os seus pensamentos tristes, em relação á família que perdera, para lhe dar atenção.
-         Realmente te interessastes em demasia por Carol, Ricardo! Nunca a vi com ninguém e percebo que sempre viveu só, ainda que não compreenda por que!
Lembrando-se repentinamente de algo, falou ao medico.
-         Certa vez , no entanto, olhou-me pensativamente melancólica e balbuciou: "será que meu filho é tão bom qual tu o és?”... Mas rapidamente modificou-se e novamente a vi feliz e radiante como sempre! Sempre a respeitei não fazendo qualquer pergunta, temia perder a amiga!
Arthur interrompeu suas lembranças; olhou Ricardo sorridente, e consolou-o amigavelmente.
-         Ricardo, com certeza amanhã veremos Carol novamente; poderás conhecê-la melhor!
Ambos silenciaram em seus pensamentos e continuaram a viagem tranqüilos.
Ricardo nada contara a Arthur, que a mãe de Gabriel fora morta por ordem de seu pai. Desejava poupa-lo de maior sofrimento.  Contara-lhe simplesmente que a sua mãe Joane, revelara que Gabriel, era seu irmão bastardo e consequentemente este lhe era seu tio.



































               Já anoitecera quando finalmente Arthur e Ricardo chegaram ao castelo. O nobre, já havia alertado ao servo, que os acompanhava na carroça, para que nada contasse a respeito de Sara e de sua amiga Carol.  Este havia lhe jurado fidelidade.
Arthur entrou no castelo sem cerimonias, pedindo a Ricardo que o aguardasse.
Os imensos salões estavam adornados e coloridos; preparava-se uma festa, concluiu Arthur. Encontrou seu pai na imensa sala de estar, escutando Linia que tocava uma linda melodia na harpa.
Lorde Orlando olhou-o imensamente surpreso com sua presença ali, havia o visto aproximar-se quando chegava, através do imenso vitral.
-         Boa noite senhor meu pai!
Propositadamente caminhou em direção de Linia e beijando-lhe a mão disse-lhe:
-         Como tens passado querida irmã Brigith?
Linia olhou-o assustada, sentia o tom irônico em sua voz, ainda que lorde Orlando não o houvesse percebido.
O lorde sentia-se feliz com a mudança de seu filho e com o seu retorno. Não mais conseguia administrar a propriedade, deixando inúmeras decisões a cargo do capataz Philip.
-         Voltastes breve meu filho? Onde te feristes?
Arthur sentou-se elegantemente numa poltrona e contou os problemas que tivera com os salteadores na estrada; explicou-lhe o motivo da ida a Adredanha e consequentemente porque trouxera o medico consigo.
O lorde escutou tudo atenciosamente, aceitando convicto a estória dramática que o filho lhe contava.
-         Onde estão os guerreiros, não vieram contigo por quê?
Arthur deixara-os em Adredanha para proteger a propriedade caso Gabriel mudasse de idéia e ali retornasse. Porem respondeu a seu pai:
-         Luís o capataz, estava demasiadamente preocupado com os bando de salteadores que andam pelas estradas; e achei que seria acertado deixa-los em Adredanha para proteger nossa propriedade!
O lorde ficou feliz com as decisões maduras de seu filho.
-         Fizestes bem, meu filho Arthur, ainda que tenhas te arriscado a viajar sozinho e ferido! Deves estar muito cansado, recolhe-te a teu aposento e banha-te para que possamos cear juntos.
Arthur agrediu Linia subtilmente, com um olhar discretamente acusatório, mas dizendo-lhe delicadamente, para que seu pai ouvisse:
-         Com licença minha irmã Brigith, retornarei breve!
Arthur também fez uma breve reverencia a seu pai e retirou-se.
Após falar com Ricardo que tudo dera certo e que poderia ir para seu aposento repousar, Arthur também foi aprontar-se para a ceia.
A ceia transcorreu em normalidade, sendo que Arthur sempre que tinha oportunidade mostrava claramente a Linia que a cortesia e a delicadeza para com ela era mera encenação a seu pai.
Após a ceia foram repousar um pouco no salão de festas e Arthur encorajou-se a indagar-lhes:
-         Teremos uma festa senhor meu pai? Vejo que tudo se embeleza para isto!
O lorde olhou-o vacilante, mas confiando na transformação de seu filho, disse-lhe radiante de felicidade.
-         Tua irmã Brigith receberá em breve o seu noivo! Concretizar-se-á seu matrimonio com lorde Pierre!
Arthur olhou Linia arrogante e falou-lhe com estrema ironia, sem que o seu pai lhe percebesse o tom:
-         Mas que felicidade Linia; o pai de Pierre é uma das maiores fortunas da corte; inúmeros títulos lhe virão!
Linia sorriu satisfeita concordando, mas estava extremamente contrariada com as atitudes de seu irmão. O jovem nobre conseguia ser extremamente sutil ao agredi-la.
Arthur voltou-se para seu pai e indagou-lhe novamente:
-         Quando será este noivado?
Lorde Orlando olhou-o pensativo e respondeu firme.
-         Recebi uma mensagem, tem dois dias, dizendo que a família se aprontava para fazer a longa viagem para cá, creio que chegarão a dez dias!
A noite seguiu divertida para o nobre Arthur, que encenava harmonia para seu pai, e atacava Linia com olhares e gestos.
A jovem imensamente insatisfeita e incomodada com aquela situação pediu licença ao seu pai, para se deitar e o lorde autorizou-a.
Arthur tão logo Linia afastou-se, também disse que precisava repousar da longa viagem.
Quando o jovem em seu aposento sentiu que o seu pai também se recolhera; colocou a espada na cintura e saiu rumo ao aposento de Linia, caminhando vagarosamente. Percebendo que a porta estava apenas encostada, sem lhe pedir licença, entrou rapidamente.  Antes que Linia tivesse oportunidade de gritar, Arthur tapou-lhe a boca com certa violência. E arrastando-a trancou a porta com a estaca de madeira, para evitar que ali alguém entrasse enquanto conversavam.
-         Irmazinha, agora nós vamos conversar! Mas primeiro precisas ficar bem boazinha!
Arthur pegou um lenço que se encontrava sobre a cômoda e imobilizou-lhe a boca; soltando-a posteriormente. Ameaçando-a para que parasse de se agitar ou tentar fugir, Arthur tirou a espada da cintura, e a encostou no ventre de Linia.
-         Senta-te quietinha; já te disse que precisamos conversar!
Linia pressionada pela espada sentou-se na cama forçosamente contrariada.
-         Vou te chamar de Linia, porque não mereces usar o nome de minha irmã. Nem mesmo chegas a seus pés! És vil, ardilosa, mentirosa e fútil! És falsa e medíocre! Mundana e promiscua!
Linia o olhava enraivecida e completamente imobilizada, pela espada de Arthur que a ameaçava e pelo lenço que a emudecia.
-         Sei que és minha irmã, mas antes não fosses, porque te desprezo a conduta! Abandonastes a filha que te amava! Matastes o fiel marido que te idolatrava e que te respeitou a infância, auxiliando-te e protegendo-te... ambicionavas boas roupas, casa, dinheiro, títulos...és medíocre em demasia!
Arthur estava nervoso e pressionava a espada fortemente em seu ventre.
-         Poderia matar-te como se faz com um verme, que aos nossos olhos é repugnante e não tem qualquer valor... mas não o farei! Dou-te dez dias Linia... somente dez dias para que sumas das propriedades de minha família. Escutastes bem? Dez dias... Quando o teu noivinho chegar não estarás mais aqui! Comporta-te direito e não faz escândalo, porque antes que ouses faze-lo eu te corto a garganta.
Dizendo isto Arthur tirou-lhe o lenço da boca e Linia ameaçou dizer-lhe algo:
-         Eu disse comporta-te direito! Não desejo sequer ouvir a tua voz, me irrita!
Arthur saiu do aposento calmamente, e somente no corredor guardou a espada, novamente em sua cintura.
Linia assustada levantou-se tão logo Arthur afastou-se e rapidamente recolocou a tranca na porta, fechando-a. Sentisse temerosa de que seu irmão resolvesse voltar.
A ira contida em seu peito aflorava nas faces extremamente rosadas em fúria. Sentisse enormemente agredida com suas inúmeras blasfêmias de Arthur.
Linia tentou acalmar-se se sentando no leito. Precisava pensar numa solução. Não poderia dizer ao lorde que Arthur estivera no seu aposento. Não acreditaria! Ele havia sido tão sutil e tinha agido propositadamente com um comportamento tão dócil desde que chegara! Mas precisava imediatamente arrumar uma solução para afastá-lo. Não iria perder a sua situação de nobreza; o conforto o luxo e a fartura. Não iria perder a oportunidade que a vida lhe ofertara... não por um mancebo que lhe ameaçava a vida. Precisava arrumar um aliado... mas quem? Tardiamente naquela noite Linia finalmente conseguiu dormir.
Arthur acordou cedo, numa bela manhã no castelo de Lorde Orlando, decidido há cavalgar um pouco pela propriedade. Cavalgou veloz pelas colinas, pastagens e lago. O céu estava incrivelmente límpido e o ar imensamente fresco. Sentia-se recuperado das viagens que fizera. Após longo passeio retornou veloz ao castelo e apeando da montaria, visitou as sepulturas de seus queridos familiares. Sentiu-se demasiadamente emocionado nas ternas lembranças e na imensa saudade que sentia de todos. Olhou para o castelo e amargurou-se com os inúmeros problemas que ainda lhe viriam. Caminhou pensativo entrando na moradia e prontamente encontrou o seu pai que o aguardava.
-         Bela manhã, não é meu filho?
-         Sim senhor meu pai; aproveitei e fui cavalgar um pouco para ver como estava a propriedade!
-         Sinto-me cansado Arthur, muitas decisões tenho deixado á responsabilidade do capataz Philip... tens que  assumi-las imediatamente!
-         Com imenso prazer senhor meu pai!
-         Aguardava-te para fazermos a refeição matinal juntos.
Arthur olhou ao redor e não vendo Linia, indagou a seu pai, mostrando-se aparentemente saudoso.
- Minha doce irmã Brigith não descerá para alimentar-se em nossa companhia?
O lorde perspicaz analisava satisfeito o interesse do filho pela irmã e concluindo que este lhe acatara plenamente as determinações, ainda que soubesse que lhe era uma irmã bastarda, comportava-se adequadamente como lhe ordenara. Imediatamente pediu a uma serva que chamasse Linia, instruindo-a que a alertasse que a aguardavam no salão de refeições.
Arthur, embora indignado com toda aquela situação, divertia-se interiormente. Desejava ver o semblante de Linia após as ameaças que lhe fizera. Não tardou esta se aproximou do salão, Estava profundamente abatida, "com certeza não dormira" pensou Arthur, sentindo-se radiante, por lhe haver feito compreender o quanto sua presença ali era desprezível.
-         Desculpai-me senhor meu pai! Atrasei-me um pouco!
Arthur desafiou-a com um olhar de advertência. Levantou-se a reverenciando amigavelmente.
-         Bom dia minha irmã Brigith! Pareces-me abatida esta manhã; sentes-te mal?
O lorde não se continha com a imensa alegria que sentia em ver ser filho tão submisso a seus caprichos; mostrando-se extremamente carinhoso com Linia. A jovem sentia-se enfurecida com a atitude de Arthur, no entanto respondeu-lhe sorridente:
-         Bom dia meu irmão Arthur; não estou indisposta, sinto-me imensamente bem!
-         Então minha irmã, não recusarás cavalgar comigo nesta bela manhã; o dia está tão agradável!
Linia olhou-o contrariada com as provocações. O lorde percebendo seu semblante indeciso falou-lhe gentilmente.
-         Cavalgarás com Arthur, logo após a refeição matinal; está sendo tão gentil contigo!
Linia sentou-se e alimentou-se irada, pensava atônita Como era possível que lorde Orlando não percebia os ataques sutis de seu irmão...
Depois da refeição Artur se retirou a providenciar a montaria para Linia, e logo os dois se distanciavam nas colinas indo rumo ao lago. Ricardo os observava atentamente, pelo muito que já conhecia o jovem Arthur, estava ciente que este não faria um passeio com Linia se não fosse para provocá-la. O medico recordou-se de Carol, que tanto o impressionara e de Sara a quem tinha extrema afeição e prontamente decidiu também cavalgar para ir visita-las.
Arthur e Linia cavalgaram silenciosos. No lago a jovem apeou da montaria e caminhou pensativa e preocupada com as verdadeiras intenções de seu irmão, naquele passeio. No entanto Arthur nada fez ou lhe disse; o convite para o passeio fora mera encenação para ludibriar seu pai. Retornaram ao castelo após longa hora silenciosos e pensativos e o lorde os aguardava atento defronte á imponente moradia.  Arthur falou-lhe eufórico:
-         Um passeio maravilhoso senhor meu pai; Cada dia me impressiono mais com minha irmã; Brigith é encantadora!
Olhando Linia com proposital admiração profunda, continuou com a divertida encenação.
-         O senhor meu pai acredita que dialogamos sem cessar neste prazeroso passeio? Estamos nos dando extremamente bem!
Lorde Orlando sorriu-lhe agradecido, enquanto Linia apeava da montaria e seguia para o seu aposento, se desculpando, pois sentia uma ligeira indisposição.
Arthur estando a sós com seu pai aproveitou para conscientizar-se do funcionamento das propriedades e tomar conhecimento de alguns problemas nestas existentes.  Passava-lhe lorde Orlando o poder para tudo administrar em seu lugar.















                               O sol ainda não se erguera por completo, quando Ricardo chegou á casa de Carol. Avistou-as conversando animadamente, próximo a um rio que corria beirando a pequenina moradia. Apeou da montaria e caminhou sorrindo na direção delas.
Carol também sorria feliz pela visita e Sara prontamente correu na direção do medico abraçando-o saudosa.
Ricardo com a voz embargada de emoção, pelo extremo afeto e carinho daquela menina, que já lhe era uma filha, murmurou:
-         Senti saudades Sara!
A menina olhou-o ternamente, ainda o abraçando.
- Ricardo, também senti muita falta do senhor!
Ricardo olhou então para Carol e sorriu-lhe agradavelmente.
-         Bom dia Carol!
A senhora cumprimentou-o com grandiosa humildade, dizendo-lhe que surpreendentemente em apenas uma noite, muito já se afeiçoara a Sara.
Ricardo então, aproveitando-se da breve ausência de Sara, que fora á moradia pegar alguns trabalhos de estudo para lhe mostrar; encorajou-se no enorme sentimento que se expandia no seu peito, e falou-lhe:
-         Perdoai-me a ousadia Carol, porem não vim somente visitar Sara; impressionado fiquei contigo e desejaria conhecer-te melhor!
Carol sentiu-se constrangida com a objetividade e a sinceridade tão expontânea do medico e sem saber o que lhe responder sorriu-lhe agradecida.
A tarde passou rápida e agradável. Após simples, mas deliciosa refeição Sara saíra da moradia para colher algumas flores próximo ao rio e Ricardo tivera a oportunidade de conversar longamente com Carol a sós. Já o sol descia no horizonte quando Ricardo percebeu o quanto se fizera tarde. Despedindo-se de ambas prometeu-lhes voltar no dia seguinte pela manhã e cavalgou apressadamente em retorno ao castelo.
No caminho de regresso pensou em Carol e na imensa afinidade que sentia por ela. Não lhe fizera indagações; falara-lhe um pouco de Sara e de Arthur; e dialogaram longamente sobre diversos assuntos rotineiros como clima, cultivo e vegetação.
Sentia-se incrivelmente bem e feliz ainda que não houvesse se esquecido dos inúmeros problemas ainda a serem enfrentados.
















Quando chegou ao castelo, encontrou o jovem Arthur esperando-o.
-         Pelo teu semblante radiante sei aonde fostes, sem que me fales Ricardo!
-         Fui visitar Sara senhor Arthur.
-         Não consegues ocultar o que sentes meu bom amigo Ricardo. O brilho está em teus olhos; não fostes somente visitar Sara; fostes visitar minha amiga Carol!
Ricardo sorriu-lhe constrangido.
-         Senhor Arthur, não posso negar-lhe que estou perplexo com o que sinto por Carol; nunca senti qualquer coisa parecida antes; é tão intenso!
Arthur abraçou-o amigavelmente.
-         Estás apaixonado Ricardo!
Repentinamente o jovem Arthur lembrou-se que demonstravam demasiada amizade em frente ao castelo e não seria benéfico que o lorde o visse dialogando em extrema intimidade com aquele servo. Falou receoso:
-         Precipitamos-nos amigo, em agirmos com tanta naturalidade em frente ao castelo. Se meu pai tiver nos vistos assim juntos; não compreenderá nossa proximidade!
Arthur deu uma pausa, olhando ao redor preocupado e continuou.
-         Como se faz necessário limpar o ferimento de meu braço, melhor dialogarmos em meu aposento.
O ferimento fora tratado tão logo amanhecera não haveria necessidade de fazê-lo novamente; mas Arthur sentia enorme necessidade de dialogar com Ricardo.
O medico imediatamente compreendendo os temores do jovem nobre, rumou até á copa para pegar um pouco de água quente e algumas faixas e depois acompanhou Arthur até o seu aposento, onde poderiam conversar tranqüilamente sem receios.

                                             
























                          Gabriel cavalgara continuamente. Somente havia dado breves pausas para repouso sempre ao anoitecer. Sentia-se, no entanto imensamente enfraquecido e resolveu apear da montaria próximo a uma pequena aldeia.
Estava ciente de que ainda lhe faltavam aproximadamente quatro dias para chegar á propriedade de Lorde Orlando e os alimentos que o velho ancião lhe fornecera já tinham acabado á alguns dias.
Sentia fome, pois aqueles dias se limitara a comer frutas silvestres. Ainda que pudesse tranqüilamente se embrenhar na mata densa para caçar; optara em não o fazer; Teria que cozinhar o alimento e não desejava perder tempo ou chamar a atenção, de possíveis moradores, com a conseqüente fumaça. As terras distantes da propriedade de Lorde Orlando lhe eram desconhecidas.
Já escurecera e sentia-se exausto.
Caminhou lentamente, segurando o cavalo que o acompanhava ofegante, até se aproximar de um conjunto de casas. Nestas se comemorava uma festa típica, com muita musica e dança.
Os moradores percebendo-lhe a presença silenciaram e os homens da aldeia se agruparam para receber-lhe considerando-o um intruso. Um dos homens, que deveria ser o líder da aldeia, aproximou-se de Gabriel e indagou-lhe com seriedade extrema.
-         Quem és tu? De onde vens e o que desejas em nossa aldeia?
O tom de voz lhe era hostil. Gabriel fazendo-lhe um cordial cumprimento falou.
-         Meu nome é Gabriel, venho da corte em viagem contínua. Sinto-me cansado e preciso de um leito onde possa repousar um pouco!
O homem analisou-o atentamente.
-         Te vestes como um lorde...
Gabriel envaideceu-se o interrompendo.
-         Sim senhor, venho das terras de meu pai para visitar um grande amigo; faltam-me, no entanto ainda dois longos dias de viagem.
O homem extremamente intrigado indagou-lhe:
-         Porque viajas só? Onde estão os guerreiros que te acompanham?
O líder daquela aldeia olhava-o, com uma vivacidade impressionante e por um instante Gabriel receou ter entrado naquelas terras, onde era visto como um estranho intruso. Balançou a cabeça humildemente, mostrando-lhe o arco na montaria enquanto dizia.
-         Gosto de viajar só e sinto-me seguro!
-         Os lordes são bons guerreiros com as espadas, dizes-me tu que és um lorde arqueiro? Que ferramenta mais rústica, posso observá-la?
Sem aguardar resposta e sentindo a proteção dos demais homens da aldeia, o líder se aproximou do cavalo sem receios e observou atentamente o arco e as flechas.
Para enorme perplexidade de Gabriel o homem exclamou:
-         És um salteador! Observo no arco e nas flechas que os mesmos são feitos por tuas próprias mãos que percebo serem muito ásperas e rudes; o teu corpo atlético demonstra servidão, e o cavalo no qual viajas não é de uma raça pura; Quanto ao traje onde o roubastes?
Gabriel sabia que precisava sair da aldeia imediatamente antes que os demais homens, que ainda se mantinham em distancia significativa, mas já de posse de suas armas de defesa, o rendessem.
O cavalo lhe estava próximo. Com extrema agilidade alcançou a montaria, cavalgando velozmente para fora da aldeia. Os homens da aldeia, no entanto já o perseguiam em trotar ligeiro. Conseguiu esconder-se na densa vegetação e sem sair da montaria, segurou o arco e lhe colocou uma flecha. Não tardou a que os homens alcançassem a sua mira, e Gabriel então foi facilmente atingindo-os com flechas rápidas e certeiras. Quando havia criado tumulto suficiente, Gabriel finalmente conseguiu fugir em segurança.
O cansaço havia aumentado demasiadamente e a fome era-lhe cada vez mais acentuada. Não poderia parar para repousar ou procurar alimento, enquanto não se distanciasse significativamente daquelas terras.
Cavalgou continuamente aquela noite, até o dia clarear e somente então parou para repousar próximo a um rio.
Quando despertou percebeu que o sol já ia alto; banhou-se tranqüilamente e depois vasculhou a vegetação procurando algum alimento. Optou mais uma vez em não caçar; acender uma fogueira seria muito perigoso. Sentindo-se impossibilitado de caçar alimento mais nutritivo, limitou-se novamente a colher algumas frutas que comeu voraz.  Estas eram insuficientes a nutrir o corpo robusto que possuía porem determinado a alcançar brevemente o castelo, resolveu prosseguir viagem.
O repouso o descansara plenamente, mas o seu corpo mal alimentado reclamava em enfraquecimento excessivo.

                                                




























                    No castelo o dia passava rápido e em tranqüilidade. Na longa conversa da noite anterior, Arthur havia indagado ao medico Ricardo, onde Gabriel se ocultaria ao chegar á propriedade. O medico o havia alertado sobre a gruta próxima ao lago e sobre o armamento que ali se ocultava.
Temerosos de que lorde Orlando não houvesse tomado providencias a respeito, tinham combinado cavalgar até lá no dia imediato.
Arthur finalizara suas obrigações na propriedade e agora se encontrava com Ricardo sem que ninguém os visse juntos, para irem ao lago.
-         Ricardo compreendo agora que a serva Lana, nos será importante aliada. Recebi teu recado e foi prudente pedires para nos encontrarmos aqui; não seria bom que nos vissem cavalgando juntos; devemos ser breves para que não sintam nossa falta!
O medico pensativo meneou a cabeça concordando.
-         Estás silencioso demais Ricardo... o que houve? Fostes ver Carol?
O médico serio e demasiadamente preocupado falou-lhe.
-         Não senhor Arthur! Tão logo amanheceu Philip me procurou, para que eu auxiliasse alguns servos doentes!
Arthur deu um expontâneo sorriso.
-         Compreendo agora a sua seriedade; não teve o meu amigo o tempo necessário para visitar nossa amiga Carol e tua enteada Sara!
O medico censurou-lhe.
-         Não brinques senhor Arthur; temo por sua segurança!
O jovem nobre sentindo que algo existia de muita gravidade puxou os arreios do cavalo para pará-lo e olhou fixamente para o medico que também havia parado de cavalgar.
-         Ricardo estás intranqüilo porque Gabriel se aproxima?
O semblante do medico fechou-se mais ainda, dizendo-lhe:
-         Não senhor Arthur; Gabriel poderá matar somente alguns de nós; a grande moléstia poderá matar a todos nós!
Arthur apeou da montaria assustado.
-         De que falas Ricardo!
O medico também apeando da montaria voltou-se para Arthur explicando-lhe.
-         Como lhe disse senhor, fui ao pavilhão dos servos, que fica próximo á área de cultivo; Philip estava extremamente preocupado com alguns servos adoentados... Chegando lá, fiquei perplexo ao constatar que adultos, velhos e crianças estão com a mesma enfermidade; os contei em trinta!
O jovem Arthur compreendia o que Ricardo lhe dizia e indignou-se.
-         Porque o capataz nada alertou sobre isto ao senhor meu pai?
-         Disse-me Philip que o alertou sobre o problema com os servos; mas que lorde Orlando ordenou-lhe que tomasse providencias sozinho e não mais o incomodasse com isso. Quando Philip nos viu chegando de Adredanha, sentiu-se aliviado mas somente conseguiu falar comigo hoje, porque como sabes ontem passei longo tempo ausente na casa de Carol...
Arthur caminhava agora inquieto de um lado para o outro.
-         O que sentem os enfermos, Ricardo?
O medico explicou-lhe que a enfermidade apresentava febre hostil e ininterrupta; ocasionando incontrolavel problema  fecal e violentas crises de vomito que impossibilitavam aos enfermos se alimentarem; enfraquecendo-os e desidratando-os numa velocidade impressionante.
Arthur colocou a mão na cabeça desorientado.
-         Uma febre! Uma febre que se alastra! A peste, não é Ricardo?
O medico afirmou-lhe que sim, contando-lhe, que segundo o capataz Philip, tudo começara, com um mensageiro que chegara ao castelo, trazendo a confirmação do noivado de Linia. No dia seguinte, este servo que viera da corte, já ardia na febre agonizante. Imediatamente os demais servos foram adoecendo.  Arthur novamente o indagou assustado:
-         Já isolastes os servos doentes?
-         Precisava falar contigo senhor Arthur! É necessário providenciar um outro pavilhão para abrigar os doentes!
-         Retornaremos prontamente ao castelo Ricardo; Lá poderemos providenciar que se construa imediatamente  um outro abrigo.
Os dois cavalgaram apressadamente rumo ao castelo. Aproximando-se do capataz, Arthur pediu-lhe que se construísse com enorme rapidez um abrigo fechado próximo ao rio.
-         Philip, precisamos deste abrigo pronto ao amanhecer! Chame todos os servos se necessário for. Corte toda a madeira nobre desta propriedade, se for necessário. Por nossa vida te peço toda esta urgência!
Philip imediatamente compreendeu o desespero daquele nobre; Era a peste que matava a todos sem distinção. Assustado seguiu a atender prontamente suas determinações. Não receava executa-las, sem falar primeiro com o lorde Orlando, estava ciente de que também estava agindo para salvar sua própria vida.
O desespero e o empenho se associaram, numa só determinação entre todos os servos, que trabalharam arduamente, naquele final de tarde e durante toda a noite. Ao amanhecer, sob os olhares sempre vigilantes do nobre jovem Arthur e do medico Ricardo, um grande abrigo, próximo ao rio, fora erguido.
Estavam todos demasiadamente cansados pelo contínuo trabalho e pela interminável noite de vigília.  A preocupação no entanto, impunha-lhes que o trabalho não cessasse,  naquele novo dia, que clareava intenso em aflições.
Ricardo olhou o nobre, falando-lhe amargurado.
-         Nobre Arthur, começarei imediatamente a transferir os servos doentes para este abrigo que foi construído!
-         Não temes tu a peste amigo Ricardo? Poderei ordenar que os servos o façam e que cuidem eles mesmos dos doentes!
Ricardo olhou-o agradecido, sentia que a preocupação daquele jovem, demostrava a grande amizade e afeto que já lhe tinha, e que era plenamente reciproca em si; respondeu-lhe humildemente.
-         Senhor Arthur, este é o meu trabalho e o farei com imenso amor e dedicação; não temo ficar doente!
Fez uma longa pausa pensativo e depois prosseguiu:
-         No entanto, peço-lhe que designe três servos para auxiliar-me, sinto que precisarei de auxilio! É importante, que somente nós quatro, tenhamos contato contínuo com os doentes. E nenhum de nós se ausentará do abrigo...agindo assim tentaremos evitar que a peste se propague!
O nobre olhou-o sentindo enorme admiração.
-         Providenciarei os servos que me pedes; Pedirei ainda a Philip que providencie limpeza rigorosa  no pavilhão onde os doentes se encontram tão logo os transfiras para o outro abrigo!
O jovem nobre, tentando lembrar-se de alguma providencia que houvesse sido esquecida, falou ainda:
-         Ricardo, preocupo-me com  Carol e Sara!
Ricardo olhou-o também apreensivo :
- Seria prudente que lá fosses Senhor Arthur e as advertisses que por inúmeros problemas no castelo, não poderemos visita-las por longo tempo...
Arthur interrompeu-o, para dar seqüência ao que dizia.
-         Farei melhor Ricardo; enviarei-lhes uma mensagem com enorme quantidade de alimentos; mas não comentarei sobre a peste para que não se preocupem em demasia!
-         Pensastes certo Senhor Arthur; de que adiantaria preocupa-las com nossos problemas; lá estarão em proteção longe do possível contagio!
Arthur perguntou então ao medico se este poderia sugerir-lhe um servo que podesse levar-lhes a mensagem e que fosse prestativo e extremamente fiel para ficar a seus serviços. Teria que ser um ainda, que não tivesse tido qualquer contagio com os doentes. O medico prontamente lhe aconselhou o servo Silvio, pois este raramente se afastava do celeiro.
O nobre Arthur afastou-se por breves instantes para escrever a mensagem a Carol:
                             "Querida Carol
                                   enormes problemas no castelo!
                                   Mando-te mantimentos em abundância porque teremos
                                   dificuldade em visitar-te por longo tempo!
                                   Dou ordens ao servo Silvio para que fique a teu serviço.
                                   Quando pudermos apareceremos.
                                    Minha eterna gratidão
                                                       Arthur"
Retornou tão logo a escreveu e entregando o pergaminho ao servo Silvio, que já providenciara os suprimentos e os arrumava na carroça, falou-lhe:
-         Silvio, peço-te que nada lhes digas a respeito da peste; não desejo preocupa-las!
O servo prestativo, jurou-lhe fidelidade e após guardar habilmente a mensagem em suas vestes,  partiu veloz na direção que lhe fora indicada pelo medico.
Arthur e Ricardo sentiam-se aliviados vendo-o distanciar-se. Sentiam que elas estariam a salvo da peste.
Ricardo olhou então o jovem nobre, despedindo-se deste:
-         Nobre Arthur, somente nos veremos finda a peste. Deves pedir a Philip que encaminhe todos os doentes para o abrigo onde estarei pronto a auxilia-los como puder. Oremos para que a peste se restrinja aos trinta!
O medico deu uma pausa e sorrindo forçosamente, continuou:
-         Se Gabriel aparecer, terás que cuidar dele sozinho!
Arthur também sorriu aflito mas tentando mostrar-se confiante.
-         Amigo Ricardo eu o admiro muito!
Ricardo deu-lhe um abraço fraternal sem mais nada dizer-lhe, e afastou-se para transferir os doentes para o novo abrigo.
Arthur após ver o medico distanciar-se, caminhou pensativo e demasiadamente preocupado para o interior daquelas muralhas de seu castelo.
Encontrou o seu pai com o semblante contrariado e demasiadamente nervoso:
-         Meu filho deves-me explicações!
Arthur não compreendendo-lhe a fúria, olhou-o sentindo-se exausto.
- Tão logo despertei, ouvi rumores de que  mandastes construir um outro abrigo próximo ao rio; porque o fizestes?
O jovem caminhou até o salão e sentou-se próximo a Linia dizendo-lhe em obrigatoriedade.
-         Como te sentes minha irmã Brigith?
Depois olhou o lorde que o acompanhara, também sentando-se, diante de si e indagou-lhe:
-         O senhor meu pai estava ciente de que haviam doentes na propriedade?
-         Lógico que sim Arthur; sempre temos servos doentes. São fracos e adoecem constantemente trazendo enorme prejuízo ás lavouras! Porque julgas que deveria me preocupar em demasia com eles?
Arthur controlou-se na indignação que sentia ás palavras de seu pai. Falou-lhe  calmamente mas com a voz embargada em revolta, tornando-a rouca.
-         Senhor meu pai, são trinta servos que estão doentes!
-         Estava ciente disto Arthur e ordenei a Philip que os liberasse das tarefas.
-         O senhor não compreende a gravidade desta moléstia? A nossa propriedade é invadida por uma terrível febre. Uma peste senhor meu pai!
Linia estremeceu com palavras tensas e temerosas de Arthur porem o lorde Orlando mantinha-se extremamente calmo  exclamando friamente e com imensa altivez.
-         São meros servos meu filho!
Arthur não conseguiu mais se controlar na profunda indignação que sentia, levantou-se falando-lhe ferozmente.
-         A peste não tem fronteiras senhor meu pai; não escolhe classes, títulos ou poder econômico... a peste  chega a todos!
O lorde também enfurecido com a arrogância de seu filho, levantou-se e caminhou na direção dele. Em completa superioridade, disse-lhe com naturalidade.
-         Somos fortes meu filho. Não somos iguais a esses meros servos, temos sangue nobre! A peste é somente para essa raça inferior, nunca atingirá a nobreza!  Ordenei ao capataz que me desse explicações do que fazias e ele contou-me que destruístes grande parte de nossa madeira nobre, e fatigastes nossos servos por noite inteira, o que os impossibilitará de serem completamente produtivos em suas tarefas no cultivo!
Arthur olhou completamente perplexo, para aquele velho senhor que estava irreconhecível. O jovem não mais sentia-se indignado, no seu  peito  crescia enorme piedade pelo senhor seu pai e pelos seus valores tão deturpados que só agora ele percebia..
Sentindo-se imensamente preocupado com a peste e com as inúmeras providencias ainda a serem tomadas, não poderia perderia tempo a argumentar com aquele nobre imponente e insensato. Falou-lhe submisso.
- Perdoai-me senhor meu pai pelo que fiz, desesperei-me! O senhor tem completa razão...precipitei-me! Somos uma raça superior e estamos livres de adoecer! Peço-lhe licença para me retirar, senhor meu pai!
Arthur não esperou que o pai lhe desse licença; afastou-se imediatamente saindo novamente do castelo. Precisava orientar Philip em como deveria agir com os servos. Pediu-lhe que os orientasse  sobre a peste e os seus sintomas e que todo aquele que se sentisse doente, deveria dirigir-se ao abrigo onde o medico Ricardo se encontrava para auxilia-los.
                  Os dias passaram em muita apreensão e inúmeros temores . Philip comunicava freqüentemente ao nobre Arthur, sobre novos casos de peste, até que o fiel capataz também adoeceu e se encaminhou ao abrigo.
Arthur assumia agora a árdua tarefa de administrar a propriedade. Ainda que narrasse constantemente a situação ao Lorde Orlando, este se mantinha despreocupado e ciente de que a peste não entraria no castelo.
No entanto, os servos que se mantinham fechados no interior daquelas muralhas, também começaram a adoecer.
Arthur desesperava-se controlando os números da doença. Em apenas cinco dias, setenta servos haviam adoecido e destes, quarenta e oito haviam morrido.
Sabia que o médico Ricardo mantinha-se em trabalho incessante, medicando e auxiliando como que lhe era possível.
Admirava-o cada vez mais. A sua persistência , dedicação e amor pareciam ser inesgotáveis. Mas o nobre jovem temia pela saúde daquele bom medico, ficando este, continuamente exposto ao contagio.
Naqueles longos dias, o jovem por vezes refletia nas frias e insensatas palavras de seu pai "... a nobreza estava  á salvo da peste "...
Naquela tarde quente, repentinamente a serva Lana surgiu, tirando-o de seus pensamentos. Correndo em sua direção,  disse-lhe:
-         Senhor Arthur, o senhor seu pai arde em febre e delira horrores!
Arthur apressou-se em ir ao castelo e encontrou o velho Lorde, se debatendo sobre o piso do imenso salão.
Linia olhava-o apavorada , encolhida numa poltrona distante; Vendo Arthur disse-lhe em voz tremula:
-         Nosso pai estava bem;  nós conversávamos quando tudo isto começou!
Arthur olhou-a indiferente, e lembrando-se das palavras frias de seu pai falou-lhe:
-         É a impiedosa peste, que também ataca a nobreza!
O jovem sem hesitações, e com o auxilio de um servo, amparou o seu pai para leva-lo para o abrigo dos doentes. Quando já se afastavam do castelo, escutou Linia gritando-lhe em censura:
-         Não creio meu irmão, que o levarás para junto de meros servos... ele é um Lorde!
Arthur voltou-se olhando-a com imensa frieza e  gritou-lhe irônico :
-         Desejas abriga-lo em teu aposento irmanzinha?
Linia silenciou, correndo para seus aposentos e decidida a não sair mais de lá, enquanto a peste não acabasse. Não poderia adoecer. Não agora que seu noivo Pierre estava prestes a chegar.
Arthur se aproximava pela primeira vez do abrigo dos doentes. O Lorde delirava em estado profundamente febril. O médico Ricardo, vendo que se aproximavam exclamou entristecido:
-         Senhor Arthur, o lorde também adoeceu!
O nobre e o servo entraram no abrigo sem receios, colocando o Lorde Orlando deitado no chão, sobre um dos leitos de feno, que eram improvisados  por Ricardo.
O jovem nobre olhou ao redor; vinte dois enfermos agonizavam ali com a febre alta. Olhou o médico  indagando-lhe amedrontado:
-         Mais alguma morte Ricardo?
O médico estava com uma aparência extremamente abatida. A barba crescera-lhe mostrando que pouco se preocupara consigo mesmo naqueles dias.
-         O capataz Philip acaba de falecer!
Arthur balançou a cabeça desolado; sentia-se impotente diante daquela moléstia e de suas conseqüências. O médico Ricardo levou-o para fora do abrigo, compreendia-lhe á aflição e a tristeza. Murmurou colocando-lhe a mão no ombro carinhosamente:
-         É a peste Arthur...não podemos evita-la e nem cura-la! Deus escolhe os seus filhos e os leva ou os deixa ficar!
Arthur perplexo com a sua serenidade e sentindo-se imensamente fraco, deixou que quentes lagrimas rolassem sobre suas faces, indagando-lhe suplicante:
-         Ricardo, quando isto acabará?
O médico, que ainda o amparava com a mão no ombro; olhou o céu imensamente azul e apontando-o disse confiante:
-         Nobre Arthur, deixai que Nosso Pai o decida!
 Arthur baixou a cabeça inconformado; Sentia enorme temor dentro de si. Tentando conter as suas lagrimas falou desesperado.
-         Vamos morrer todos!
Ricardo olhou-o piedosamente e resplandecendo uma imensa fé em seu Criador , o consolou:
-         Se assim for da vontade de Nosso Pai,  também estarei pronto a partir! No entanto nobre Arthur, enquanto Ele não expressar esta vontade, devemos continuar trabalhando. Deus Nosso Pai continua nos concedendo o corpo apto a cada manhã para que possamos prosseguir auxiliando, confortando, consolando e amparando os muitos que de nós precisam. Precisamos saber  dar-lhe graças por cada dia que nos é concedido de vida nobre Arthur.
Arthur escutou silencioso o consolo do medico, sentindo-se envergonhado por sua falta de fé; As palavras de Ricardo inexplicavelmente lhe transmitiam enorme paz e sentia uma força restauradora crescer dentro de si.
Olhou  para o seu pai enfermo no abrigo, despedindo-se antecipadamente dele num abraço interior; e agradecendo ao medico com um olhar seguiu para a sua árdua rotina dia
diária, administrando a propriedade e os seus moradores.

                                        



















                    Gabriel estava mais próximo do castelo e exultava de felicidade. Finalmente conseguira o que tanto ambicionava; após longos e  árduos dias de viagem, penosa e solitária; se alimentando somente de frutas silvestres
Estava decidido a procurar a gruta assim que chegasse a propriedade. Lá teria a fartura das plantações de Lorde Orlando e finalmente poderia caçar e cozinhar. Estaria seguro e em proteção e poderia ainda quando desejasse vigiar a vida no castelo.
Distraído em seus pensamentos, Derrepente sentiu uma forte vertigem e um arrepio frio  que lhe correu o corpo, porém ignorou a indisposição decidindo continuar cavalgando lentamente, pois o sol ainda ia alto e desejava chegar a propriedade de Lorde Orlando antes que escurecesse.



O sol declinava a sua majestade quando Carol pediu a Sara que a auxiliasse a recolher algumas hortaliças para fazer um caldo substancioso para a ceia. Silvio saíra cedo para pegar lenha e ainda não retornara." Com certeza se distraíra tentando caçar algo" pensou Carol. Gostara  daquele rapaz gentil e tão prestativo, que o nobre Arthur lhe enviara para auxilia-las. 
Sentia-se imensamente preocupada com a falta de noticias de seu menino Arthur ; concluindo que os problemas que desconhecia, ainda não tinham acabado.
Porem sentia-se bem na alegre companhia de Silvio e Sara.
Recolhiam tranqüilamente as hortaliças, ansiosas por escutar o barulho das rodas da carroça de Silvio que anunciariam a sua chegada.
O sol já se escondera, quando na pequena casinha, repentinamente escutaram o relinchar de um cavalo, e caminharam rapidamente a porta para receber Silvio e indagar-lhe porque demorara.
Num brilho ainda tênue do dia , Carol percebeu surpreendida , um cavalo solitário próximo á sua casa. Temerosa, prudentemente pediu a Sara que ali ficasse, enquanto caminhou na direção deste. Aproximou-se percebendo perplexa que um forte jovem estava deitado sobre seu dorso.
Carol puxou o cavalo para bem próximo da moradia e sabiamente o fez abaixar-se. Pediu a ajuda de Sara, e com extrema dificuldade tiraram o desconhecido da montaria.
A nobre senhora observou-o atentamente, sentindo uma enorme emoção, em seu interior, que não compreendia. Percebeu imediatamente que o desconhecido não era  um jovem, mas um homem forte e de traços finos. Trajava-se elegantemente ainda que a veste estivesse imensamente suja. Olhou para o cavalo,  ainda em seu dorso, havia um grande arco e um conjunto de flechas; A nobre senhora concluiu que deveria ser um caçador.
Carol preparava-se para arrasta-lo até o interior de sua casa, quando escutou a voz de Silvio acompanhada pelo leve ranger das rodas da carroça.
-         Carol... Sara... estou chegando!
Na noite já escura, somente o avistaram quando este se aproximou, caminhando em sua direção.
- Trouxe muita lenha e finalmente consegui caçar!
Ao aproximar-se Silvio surpreendeu-se vendo o homem imóvel no chão e indagou-lhes assustado:
-         Quem é ele?
Carol pediu-lhe que ajudasse a leva-lo para o interior da casa e assim prontamente Silvio a auxiliou.
No interior da casa,  com a claridade da lenha que queimava, Carol podia analisar se possuía algum ferimento.
Aparentemente não havia sido ferido, mas Carol percebeu o imenso Calor que emanava do seu corpo.
-         Está ardendo em febre! Ajudai-me Silvio! Sara vá até o rio e traga água fresca!
Enquanto Sara saiu a pegar a água, Silvio ajudou Carol a lhe tirar a veste e a banha-lo com a pouca água ainda existente no tonel. Realizada a difícil tarefa, o cobriram com uma manta alva e limpa.
Sara entrou apressada  trazendo a água fresca e então Carol pediu-lhe que molhasse um trapo e o colocasse na face do desconhecido para amenizar-lhe a temperatura. Assim Sara foi umedecendo o pano e colocando-o serenamente sobre o rosto daquele homem; enquanto Carol saiu da moradia acompanhada por Silvio que havia acendido uma tocha para clarear o caminho.
-         Aonde vai Senhora Carol?
Carol caminhava decidida até o cavalo de Gabriel e não lhe respondeu. Aproximando-se deste verificou os pertences ali existentes, somente o arco e as flechas; dois facões e uma pequena sacola com algumas frutas. Balbuciou espantada:
-         Nenhuma veste...nenhum dinheiro...
Silvio auxiliou-a a tirar o armamento do cavalo e Carol disse-lhe:
-         Querido Silvio, peço-te que escondas este material bem longe desta casa!
O rapaz rapidamente embrenhou-se na mata e demorou-se certo tempo a voltar.
-         Pronto senhora, tudo está bem guardado!
Carol pediu-lhe então que prendesse o cavalo, próximo á carroça e lembrou-se:
-         Dissestes que caçastes?
Silvio olhou-a vaidoso.
-         Sim senhora Carol, peguei uma grande lebre!
-         Que bom Silvio! Amanhã a refeição será forte e o viajante se alimentará melhor!
O rapaz feliz por agradar a senhora Carol, afastou-se a tratar do cavalo. Quando retornava á casa percebeu que o vento começava a soprar diferente e entrou dizendo-lhes:
-         Teremos tempestade!
Carol olhou-o apreensiva mas sempre com o mesmo semblante sereno e sorridente.
-         Como sabes Silvio?
Silvio olhou-as brincando:
-         O vento me disse senhora!
Ambos riram descontraidamente.  Sara olhou-os séria e  afirmou-lhes:
-         Serão inúmeras tempestades, senhora Carol! Peça a Silvio que traga toda a lenha para dentro e que solte os cavalos; para que possam se abrigar sozinhos!
Carol  surpreendida com a seriedade de Sara ao falar-lhes isto , e indagou-lhe:
-         Como sabes disto Sara?
A menina olhou-a demonstrando imensa paz e sinceridade e explicou-lhe:
-         Meu pai me disse!
Carol lembrou-se imediatamente, que o medico Ricardo havia contado a estória de Linia e Job, os seus pais. Por isto sabia que o seu pai havia falecido repentinamente num mal do coração.
Para não contraria-la, ainda que não acreditasse no que dizia,  pediu a Silvio que o fizesse. Quando Silvio terminou a tarefa de transferir a lenha da carroça para a casa já a noite ia alta. Banhou-se no rio e soltou os cavalos. Entrou na casa sorridente:
-         Terminei a tarefa senhora Carol; mas creio que o vento me contou uma mentira, nenhum sinal de tempestade. Agora a noite está bonita e demasiadamente serena.
Carol pediu a Silvio que se alimentasse e foi substituir Sara na tarefa de molhar a fronte do desconhecido, pedindo-lhe também.
-         Vai alimentar-te  Sara!
A menina afastou-se cedendo o lugar a Carol e foi servir-se também do caldo que ainda fervia na lenha. Olhou Silvio e sentando-se próximo deste disse-lhe:
-         O vento não mentiu...serão inúmeras tempestades!
Silvio olhou-a curioso por seu semblante sério; mas alimentou-se silencioso. Após se alimentarem Sara deitou-se em um leito improvisado no chão e assim também o fez Silvio.
Carol ficou mais algumas horas auxiliando o desconhecido e como este dormia sereno em sua cama, resolveu também dormir. Improvisou um leito para si e deitou-se pensativa.

                                                    






























Quase amanhecia quando Arthur foi despertado por um servo.
-         Senhor Arthur acordai!
O jovem nobre cambaleou sonolento, observando que ainda estava escuro. "Que teria acontecido!" pensou abrindo a porta assustado:
-         O que acontece?
O servo estava serio e apreensivo:
-         O medico Ricardo mandou chama-lo!
Arthur saiu do aposento rapidamente. Confiava no amigo Ricardo e sabia que não mandaria chama-lo se não estivesse acontecendo algo. Breve chegava ao abrigo dos doentes e encontrou Ricardo agoniado. O jovem prontificou-se em falar.
-         Não precisas dizer-me Ricardo...meu pai faleceu!
O medico Ricardo concordou com a cabeça, e Arthur deixou-se emocionar em pranto sentido. Ricardo colocou-lhe a mão no ombro tentando reconforta-lo e disse-lhe:
-         Senhor Arthur, temo que não tenhas tempo para a dor!
Arthur olhou-o secando as lagrimas e então Ricardo apontou-lhe o céu ainda enegrecido pela noite.
O nobre compreendeu o alerta do medico, percebendo que pelo horário que era, já devia estar claro!
Nuvens grotescas se acomodavam sobre a propriedade e um forte assobio se fazia ouvir bem ao longe. Exclamou:
-         Uma tempestade!
Ricardo então lhe disse que o abrigo não suportaria a fortes ventos. Arthur sem hesitação procurou os servos do castelo para que estes auxiliassem a levar os doentes para o interior deste. Cavalgou veloz alertando os servos da propriedade para que recolhessem animais e mantimentos e também para lá fossem. No interior do castelo; as muralhas os protegeriam.
No enorme pátio interno do castelo foram recolhidos os animais; no pavilhão interno dos servos, acomodaram-se os doentes. Os servos sadios apertavam-se em todos os cantos e corredores da imponente moradia.
Lorde Arthur falou-lhes:
-         Enterrarei meu pai lorde Orlando e virei para junto de todos vós!
Impressionantemente todos os servos o acompanharam, ainda que os ventos já se tornassem assustadores. Somente Linia não compareceu.
A cerimonia foi breve e fria, na forte chuva que começava a cair. O assobio aumentava e parecia cada vez mais próximo.
Todos já se encontravam no interior do castelo quando o vento chegou impiedoso arrancando tudo o que encontrava pela frente.
Ricardo que se encontrava no imenso salão com o lorde Arthur, visualizava tudo das janelas, que inúmeras vezes quebravam-se com a força terrível daquele vento. Arthur sentado em uma poltrona disse angustiado:
-         Preocupo-me com Carol e Sara!
O medico também temia pela segurança delas, mas confortou-o:
-         Deus as protegerá!
O lorde Arthur sentisse cada vez mais intrigado com a sua fé e balbuciou desanimado:
-         Primeiro a peste...agora uma tempestade nunca vista antes...
Ricardo aproximou-se dizendo-lhe:
-         Tenha fé senhor Arthur, creia que a tempestade veio para levar a peste para longe!
-         Ricardo, a peste está aqui no interior do castelo; enfermos estão agora junto a nós...
O medico olhou-o admirado:
-         Não crês no Criador? Não ficastes doente! Também não o fiquei! Tenha fé; precisas te-la! Agora tu és o lorde, o dono desta propriedade, o senhor destes servos. Confiam em ti! Acompanharam-te no sepultamento de teu pai, ainda que temessem os ventos...faz-te forte Lorde Arthur! Precisas sê-lo!
Então novamente o medico aproximou-se da janela para ver a tempestade, o vento rodava fazendo um enorme funil, que tragava tudo por onde passava. Não tardou a que o abrigo tão arduamente construído sumisse em seu interior. O medico orava para que aquele vento medonho não passasse em cima do castelo, os animais no pátio seriam carregados com certeza ou arremessados contra as muralhas.
O tempo passou, mas a constância da tempestade continuava ameaçador. Trovões assustadores estremeciam as muralhas enquanto inúmeros relâmpagos clareavam a escuridão. Pelo horário o sol já deveria ir alto, mas naquela propriedade o breu ainda fazia completa escuridão.
O medico sentiu-se animado. O forte vento que assobiava se fora, e este com certeza lhes era o mais perigoso.
Lorde Arthur encorajou-se e saiu a ver como estavam os servos. Os encontrou em todos os cantos do castelo, em silencio e recolhidos numa prece intima.
Foi até á cozinha do castelo e pediu que se fizesse refeição em abundância para todos.
                               
























                  O dia se mantinha-se em plena escuridão. Os fortes ventos haviam arrastado parte do telheiro, deixando a pequena casa descoberta em grande maioria e a chuva persistia em cair fortemente. Os ventos uivantes entravam ameaçadores e os três tentavam proteger-se com as mantas umedecidas. Sentiam imenso frio !
Podiam escutar o barulho estrondoso do rio que passava cada vez mais veloz próximo ao lar; assim como os trovões e os relâmpagos eram igualmente assustadores.
Carol tentava se manter serena mas a aflição lhe era inevitável. Pouco tinham conseguido dormir;  A tempestade os surpreendera, despertando-os num violento  assobio no qual assustadoramente uma parte do telhado foi facilmente arrancado por um forte golpe de vento. Rapidamente e ainda sonolentos haviam conseguido arrastar alguns moveis para a parte ainda coberta da casa e tinham tentado esconder  alguma lenha para que não se molhasse mas fora em vão.
Silvio e Sara estavam próximos a si, silenciosos e encolhidos, oravam fervorosamente. O desconhecido mantinha-se impressionantemente inconsciente.
Carol repentinamente lembrou-se do que Sara lhes dissera: "seriam inúmeras tempestades"...Se aquela menina estivesse certa, por algum mistério que não conseguia compreender, e se uma tempestade já havia feito tanto estrago; como suportariam as outras! Temerosa balbuciou tremula:
-         Sara, serão inúmeras tempestades?
A menina mantinha-se serena encolhida em sua manta ; porem disse-lhe:
- Sim senhora Carol... amanhã chegarão as tempestades de nevasca!
A nobre senhora, de cabelo grisalho, desejava não acreditar no que ouvia; mas sentia que devia faze-lo. Indagou-lhe novamente:
-         Sara, não poderemos ficar aqui! Sabes o que devemos  fazer ?
Sara olhou-a desconfiada e perguntou-lhe meigamente:
-         A senhora confia em mim? Acreditará no que lhe digo?
Carol olhou para Silvio e depois olhou para Sara ternamente. Não sabia o que lhe responder. A menina prosseguiu:
-         A casa não ficará impune á tempestade, o rio a carregará consigo!
Os olhos de Carol faiscavam o imenso temor que sentia com as suas palavras.
-         Meu pai Job, diz que nos levará a lugar seguro!
Carol rapidamente observou a casa completamente inundada pela água da chuva, olhou a lenha umedecida; visualizou a grande abertura no telhado, por onde os fortes ventos entravam assustadoramente...todos estavam gelados e sentiam fome;
Escutou o rio que mais e mais se aproximava; Pensou "Sara estava certa, precisavam sair dali, mas para onde?" Olhou a menina suplicante e esta falou-lhes confiante.
-          Poderão confiar em meu pai Job!
Carol e Silvio não hesitariam em seguir os seus conselhos misteriosos; sentiam confiança naquela menina meiga, e de olhar puro. Estavam certos de que ela seria incapaz de brincar, num momento terrível como aquele que viviam, ainda que não acreditassem na presença de seu pai ali .
Carol pensou preocupada: "Mas como transportar o desconhecido?". Sara parecendo adivinhar-lhe o pensamento, respondeu prontamente:
- Deixem-no; não merece viver!
A senhora olhou-a perplexa e não se contendo indagou-lhe indignada.
- Porque dizes isto Sara, o conheces?
A menina então encolheu os ombros, e com o semblante enternecido por haver sido repreendida, aproximou-se de Carol dizendo-lhe:
-         Não senhora Carol... mas a senhora o conhece !
Carol olhou o desconhecido analisando-o minuciosamente e depois de alguns instantes disse convicta.
-         Não o conheço este homem !  Nunca o vi!
Sara então abraçou-a fortemente sussurrando-lhe :
-         É  o filho que gerastes Carol...é teu filho Gabriel!
Carol novamente sentou-se completamente atordoada pela emoção. Somente o velho Manco e a nobre Joane sabiam disto!
O pranto desceu quente aquecendo-lhe a face fria.  Sara  abraçando-a ainda também comoveu-se em voz tremula:
-         Meu pai Job, não deseja deixa-la triste; mas  é o seu filho Gabriel que aqui está. Meu pai deseja contar-lhe uma pequena estória da sua vida.
Então Sara narrou a vida de Gabriel pausada e resumidamente, em todos os males que fizera. Carol estava completamente abalada com a narração da estória daquele desconhecido, que uma menina inexplicavelmente ciente de seu passado, dizia ser o seu filho. Sendo ainda abraçada por Sara, vinha-lhe uma sensação agradável e indescritível de paz que a reconfortava e a sua imensa dor lhe era de alguma forma amenizada.
Balbuciou ainda em pranto triste, sentindo-se imensamente confusa com tudo o que ali acontecia.
-         Porque diz teu pai Job, que ele não merece viver?
Sara silenciou demoradamente e respondeu-lhe:
-         Diz que ele fez  imenso mal a todos senhora Carol.
Carol olhou-a afetuosamente, afagando-lhe os cabelos enquanto as lagrimas ainda lhe rolavam nas faces. Balbuciou tremula olhando ao redor, como se desejasse ver  e dialogar diretamente com quem auxiliava Sara em tudo o que ela lhe dizia.
-         Se Deus, que é Nosso  Pai, ainda não o julgou e condenou; Se apesar de todas as suas imperfeições e erros o mantém vivo e apto, concedendo-lhe contínuos amanheceres; porque  deverei eu julga-lo e condena-lo ?
Sara respondeu-lhe, secando-lhe as lagrimas com suas maozinhas.
-         O meu pai  teme que ele nos faça mal;  só está aqui para nos proteger!
Carol lembrando-se do arco , das flechas e dos facões, disse novamente como se falasse com alguém que estava ali e que não podia perceber:
-         Não terá como nos fazer mal!
Silvio estava imensamente atônito com tudo o que ali acontecia. Ambas dialogavam com alguém que não mais existia;  Sara contara-lhe, que seu pai Job havia morrido. Mantinha-se perplexo e silencioso sem compreender corretamente o que estava acontecendo ali;  Recordava-se do servo Gabriel e uma das partes da estória que Sara ali narrara, ele conhecia; mas nada falou.






Nenhum comentário:

Postar um comentário