(Esta é uma obra mediunica; ainda não foi revisada em erros de gramatica ou ortografia; porem compartilho a sua essencia com muito amor no nobre obrar de Irmãos Espirituais)
GABRIEL
VI PARTE
Equipe Nosso Lar
medium maria
medium maria
..................................................................................................................
VI Parte - No Hemisfério da
Redenção
Porem a
musica parecia se tornar estridente. O murmúrio dos convidados no salão cada
vez mais alto. As luzes pareciam alterar suas tonalidades e intensidade.
Sentia-se confuso!
Percebia a mãe valsando feliz sempre olhando-o, mas
tinha uma grande sensação que tudo girava e rodopiava á sua volta em velocidade
incontrolável.
Podia ver o Lorde Ricardo conversando com o Lorde
Arthur, mas as suas fisionomias pareciam vir-lhe em relâmpagos; surgindo-lhe em
grotescas imagens, bem perto de seus olhos ou da sua mente.
Carol percebendo que algo errado acontecia com o seu
filho, pois este parecia sentir-se
tonto, aconselhou-o carinhosamente.
-
A emoção em demasia poderá fazer-te mal Gabriel...repousai um pouco!
Carol acompanhou-o para que se sentasse um pouco na
companhia de Paulo e afastou-se.
Gabriel olhou ao redor e tudo ainda se mantinha
girando ao seu redor. Sentia-se tonto e fechou os olhos.
No escuro de sua mente, surgia-lhe o passado que
havia temporariamente se apagado; "em Infinita Misericórdia Divina , preservando-lhe o progresso evolutivo
já conquistado em vidas regressas". Horrorizado com todas as cenas
que lhe vinham á mente, compreendeu-se criminoso e percebeu o quanto aquele
jovem , Lorde Arthur havia sido clemente em deixa-lo em liberdade.
Abriu os olhos e a musica voltou a se tornar uma
doce melodia. O murmúrio dos convidados era agora agradável. As luzes eram
amenas mas cintilantes em beleza.
Olhou para a sua mãe Carol que o olhava com
preocupação ; o lorde Arthur e Ricardo que dialogavam
despreocupadamente...falou tremulamente comovido.
-
Preciso de ar fresco, sinto-me mal!
Paulo imediatamente auxiliou-o a levantar-se e
caminharam até uma das imensas janelas abertas.
Gabriel respirou profundamente, sentindo o aroma
fresco dos campos que tão bem conhecia. Via a paisagem com os olhos astutos do
menino que corria feliz em sua túnica branca. Lembrou-se saudoso do velho
Manco, que o acolhera e criara com imenso amor e que sempre o abraçava
carinhoso, sempre sorrindo...Lembrou-se
da doce Brigith que lhe encantara o coração, com a sua enorme beleza e
doçura...Lembrou-se do apelo suplicante de seu tutor Manco, para que se
arrependesse de seus erros, pedindo perdão a Deus e tornando-se um homem bom...Lembrou-se do
amparo de Job recolhendo-o fraternalmente
no castelo, tratando-o como um bom irmão enquanto todos o repudiavam e
temiam, desejando
protege-lo...Lembrou-se da inexplicável piedade de Lorde Orlando concedendo-lhe
a grandiosa oportunidade de regenerar-se...Lembrou-se das palavras daquele
nobre tão menino ainda, concedendo-lhe a liberdade, apesar do enorme sofrimento
que lhe impusera...Recordou-se emocionado da promessa que acabara de fazer á
sua doce mãe!
Virando-se, encontrou-a no salão, e em olhar fixo,
reafirmou-lhe a promessa, de melhorar-se. Estava imensamente envergonhado e
arrependido da vida que levara e desejava ardentemente reconstrui-la. Seria um
homem bom e justo!
Caminhou emocionado na direção do lorde Arthur,
sendo seguido por Paulo, e disse-lhe emocionado:
-
Senhor lorde Arthur, preciso imensamente falar-lhe!
Lorde Arthur ainda que não compreendesse o semblante
amargurado de Gabriel acompanhou-o até o outro salão. E de lá seguiram para a
biblioteca, sempre acompanhados por Paulo.
Lá chegando, Gabriel ajoelhou-se defronte a Lorde
Arthur e em sincero pranto falou-lhe:
-
Perdoai-me senhor lorde Arthur...dançando com minha mãe Carol veio-me á
mente o passado vergonhoso que tive...creia-me que sinto-me imensamente
arrependido!
Lorde Arthur olhou-o incrédulo e pedindo-lhe que se
levantasse disse em seriedade:
-
Terás tempo para provares teu arrependimento e só então, terás a
plenitude de meu perdão!
Dizendo isto Arthur afastou-se e Gabriel após se
recompor retornou ao salão sentindo-se ainda profundamente envergonhado com as
tristes recordações; porem com uma enorme sensação de leveza por haver
reconhecido os inúmeros erros que cometera.
Fazendo-se promessas de vida digna, caminhou com
Paulo até o centro do salão, no qual novamente sentaram-se comodamente
visualizando tudo e todos.
Repentinamente
o semblante de Gabriel contorceu-se em agonia, não compreendia como, mas os
seus olhos estavam vendo a sua linda Brigith, elegantemente trajada, rodopiando
no salão com candura e infinita beleza.
Esfregou os olhos, ciente de que só poderia ser um delírio
do amor que ainda lhe sentia. Porem Brigith permanecia feliz e sorrindo no
salão.
Lembrou-se assustado, que ela se aproximara dele
chamando-o para dançar e que não a reconhecera. "Como poderia não ter
reconhecido o único e inesquecível amor
de sua vida?"...Estava confuso;
sentia-se enlouquecer perplexo, sem nada compreender..."Como poderia ser
Brigith? Fora ao seu sepultamento!"...
Seus olhos angustiados, procuraram os de sua
mãe suplicantes. Carol sentindo em seu
peito, que precisava auxiliar Gabriel, caminhou rapidamente até ele.
-
Que tens meu filho? Sentes te mal?
Carol pegou-lhe carinhosamente nas grandes mãos.
Estavam frias e tremulas.
-
Minha mãe, recordei-me do passado!
A nobre senhora, percebendo-lhe a agonia disse-lhe
serenamente:
-
Abrandai teu coração Gabriel...Lorde Arthur te oferta uma nova
oportunidade de reconstruíres uma vida nova! Esquecei o passado...traçai um
bonito futuro!
-
Não compreendes minha mãe...vejo Brigith, está ali !
Carol olhou para a jovem Linia. Fora informada por
seu companheiro e amigo Ricardo, que Linia era impressionantemente idêntica a
Brigith; Compreendendo a enorme confusão que se encontrava na mente de Gabriel , deixando-o aflito; explicou-lhe
calmamente.
-
Não meu filho; aquela jovem não é Brigith! Ela chama-se Linia!
Contar-te-ei tudo!
Carol então narrou-lhe rapidamente e resumidamente a
longa estória de Linia.
-
Compreendes agora Gabriel? Linia é imensamente parecida fisicamente com
a Brigith, no entanto é completamente diferente dela!
Advertiu-o carinhosamente, sentindo-se
demasiadamente preocupada.
-
Se desejas provar realmente teu arrependimento ficai longe de Linia!
Dizendo isto, a nobre senhora afastou-se.
A noite já ia muito alta e Gabriel sentia-se
exausto. Pedindo autorização ao lorde Arthur para que podesse ir repousar,
despediu-se de Carol e Ricardo desejando-lhes felicidades e recolheu-se ao
aposento, febril e confuso.
Já a noite findava quando Linia saiu do castelo rumo
á sua propriedade. Os demais convidados também tinham se recolhido aos seus
aposentos.
Ricardo e Carol
haviam saído da festa posteriormente á saída de Gabriel.
Lorde Arthur, olhou o imenso salão vazio, sendo
prontamente reorganizado pelos servos sempre prestativos.
Aquela noite seria lhe inesquecível por muito e
muito tempo.
Os sentimentos lhe eram os mais diversos.
Felicidade na união de seus melhores amigos;
Grandioso alento na doce companhia de Sara; Apreensão e receios por causa de
Gabriel; Tristeza profunda pela ausência de sua família; Decepção intensa em
relação a Linia sempre vulgar e fútil; Imenso orgulho pela alegria que dera a seus convidados e
pelos inúmeros elogios que recebera destes; E uma melancolia muito forte por
causa da viagem de Sara.
Nos dias
seguintes, os convidados foram viajando e o castelo ia novamente ficando vazio
e voltando á tranqüila rotina costumeira.
Sara desceu a longa escadaria, entristecida e
profundamente abatida, com a sua viagem,
para o educandário.
Havia sido informada no dia imediato á grande festa,
e inconformada não conseguia compreender os motivos, pelos quais Arthur, a distanciava do convívio com eles a quem
tanto amava, ou da propriedade na qual se sentia tão feliz.
Olhou o Lorde Arthur que cabisbaixo e aparentemente
entristecido, a aguardava no salão e indagou-lhe suplicante:
-
Porque me mandas embora Arthur? Ainda não consegui compreender!
O Lorde tentou conter-se no enorme sentimento que
lhe tinha. Desejava imensamente que não partisse; mas como faze-la entender que
era o melhor para ambos.
Ricardo e Carol que tinham escutado a sua indagação,
aproximaram-se e o humilde medico
colocando a sua mão fraternalmente calorosa sobre o ombro de Sara disse-lhe
carinhosamente:
-
Querida Sara, todos sentiremos muito a tua falta; quando voltares no
entanto a alegria será extrema...o tempo passará depressa!
Carol também tentando reconforta-la em sua imensa tristeza, falou-lhe:
-
Aprenderás muitas coisas que não podemos ensinar-te, verás então, que a
viagem era essencial em tua educação!
Arthur e Sara mantinham-se silenciosos e olhando-se.
A tristeza lhes era profunda. Nenhuma palavra a ser
dita, os faria sentir melhor ou evitaria
que os sentimentos profundos não lhes doesse.
O frei estava pronto para a viagem e Sara após
despedir-se de todos, caminhou para a carruagem tentando disfarçar as lagrimas
que desciam em suas faces rosadas.
Próximo á carruagem, no entanto, parou pensativa e
voltou correndo até Arthur. Abraçou-o fortemente e soluçando murmurou-lhe:
-
Arthur, preocupo-me convosco! O perigo não está mais em Gabriel; está em
Linia!
O jovem olhou-a fixamente tentando compreender a sua
advertência e secando com imenso amor as
lagrimas que desciam nas faces da jovem
faces, falou-lhe emocionado:
-
Vou te esperar Sara! Que Deus nos proteja!
Sara tentou sorrir-lhe e após entrar na carruagem,
esta rumou veloz com destino á corte.
Arthur silencioso, esperou imóvel que os viajantes
sumissem na estrada poeirenta. Triste sentia que uma parte do seu coração
partia para muito longe e por longo tempo.
Ricardo aproximou-se de lorde Arthur tentando
reconforta-lo ciente do amor que este tinha em relação a Sara.
Arthur fazendo-se de forte indagou-lhe:
-
Tivestes noticias de Gabriel, estes dias?
Ricardo apiedou-se de Arthur, percebendo que este,
desejava conversar para esquecer-se de seu sofrimento e assim evitando
emocionar-se.
Respondeu-lhe prontamente:
-
Silvio aqui tem vindo todos os dias ao entardecer, com a desculpa de
ver seus pais...contou-me que Gabriel passa os dias, dedicando-se á
propriedade. Contou-me ainda que as terras já foram aradas e semeadas. Que os
pastos foram cercados para os animais...sinto-me tranqüilo com as noticias que
ele tem me trazido!
-
Sabes Ricardo, alguma coisa a respeito do guerreiro Paulo? O servo
incumbido de vigia-lo!
-
Sim senhor Arthur. Contou-me que Gabriel, nomeou-o seu capataz e este
está sempre ao seu lado, como lhe é obrigação!
Arthur pensou silenciosamente e lhe disse.
-
Sabes o que Sara me disse quando me abraçou?
Ricardo arregalou os olhos intrigado.
-
Alertou-me que o perigo não está mais em Gabriel, mas em Linia! Porque
achas que me disse isto?
-
Não sei Lorde Arthur, mas pelas muitas estórias que já te contei a
respeito de suas misteriosas comunicações com o seu pai Job, e pelo que Carol
também nos contou a este respeito, aconselhar-te-ia que seria sensato levarmos
a sério o alerta...Bom seria vigiarmos Linia!
Arthur olhou-o seriamente e Ricardo comunicou-lhe:
-
Amanhã irei com Carol visitar a nossa propriedade e o seu filho
Gabriel...trarei noticias.
O nobre jovem olhou-o agradecido, e imensamente
entristecido pela longa ausência que o afastaria de Sara recolheu-se ao seu aposento. Sentia-se
cansado dos intensos dias de convívio social.
Linia olhou o
crepúsculo pensativa. Vagou pausadamente pela sua sala de estar, ricamente
decorada a mando de Arthur. Sentia-se imensamente só!
Conseguira administrar a propriedade com o auxilio
de um velho senhor, que naqueles longos sete meses, supervisionara o trabalho dos servos nas
plantações e o trato com os animais.
Os servos em temor a respeitavam , ainda que
inconformados com o seu afastamento do castelo e de seu jovem e nobre senhor,
se mantinham humildes e prestativos.
Somente Lana aparentava o enorme desgosto em se
manter cativa, sob seu domínio. Era fria e indiferente ainda que não faltasse
com suas tarefas rotineiras.
A moradia era confortável; da sala de estar, onde se
encontrava, poderia ir através de largo corredor para os quatro aposentos
espaçosos ou seguir para a sala de refeições e copa, agregadas a uma enorme
cozinha.
Tinha ainda uma pequena biblioteca próxima á sala de
estar , na qual o Lorde Arthur colocara inúmeras obras básicas para que se
instruísse.
De nada se esquecera seu irmão! Se preocupara em lhe
dar todo o conforto. Estava ciente de que alguns moveis e utensílios e certa
parte do enxoval tinha sido especialmente encomendados e trazidos da corte para a sua moradia; assim como a
bela harpa, que tanto lhe fazia companhia... mas o vazio lhe era grandiosos!
Passava as manhãs reclusa em seu aposento, e as
tardes excluída da vida, naquela sala de estar!
Poucas vezes saia a cavalgar; ainda que a sua
propriedade tivesse belíssimas localidades a serem visitadas; inclusive uma
bela e enorme cachoeira que desaguava num rio límpido e de grande proporção;
não sentia no entanto qualquer desejo em
fazer passeios!
Sentisse uma prisioneira em sua masmorra luxuosa.
Condenada por seu irmão á solidão , ao isolamento... um verdadeiro claustro
privado!
Jamais o perdoaria! Nunca se esquecera da noite em que invadira seu aposento para lhe
ameaçar a vida; A reunião na biblioteca
onde Sara teve maior valor a seus olhos do que ela; Quando a colocou para fora
do castelo, como se fosse um animal repugnante; Também a festa na qual foi
extremamente autoritário, impondo sua vontade!
Quinze dias haviam se passado desde o matrimonio
daqueles dois meros servos, mas aos quais, o irmão dera nobreza e glória;
"Lorde Ricardo Lamartine"...ironizou! " Duquesa Carol Vandak
Lamartine"...invejou-se! Não passavam de um medico do castelo e de uma serva isolada
deste...certamente por algum castigo imposto por seu pai Lorde
Orlando...haveria de descobri-lo!
Os servos apesar de respeita-la, mantinham-se fieis
ao Lorde Arthur e nada lhe contavam!
Uma idéia fixa se firmara em sua mente:
"Precisava arrumar um aliado, que a auxiliasse a destrui-los...mas quem
lhe auxiliaria".
Linia recordava-se da belíssima festa
freqüentemente...recordava-se dos galantes cavalheiros com os quais havia
dançado ou flertado...mas nenhum lhe aguçara tão profundo sentimento, como o
lorde Gabriel Vandak.
Sentia-se imensamente atraída por ele, e ainda que o
irmão Arthur a houvesse alertado, de que este era pobre e servil, nada se
alterara no intenso sentimento que pulsava forte em seu interior.
Se encantara
desde a primeira vez que o avistara. Não conseguia esquecer-se da
silhueta daquele forte homem, sendo levado para a masmorra..."Quantos
mistérios!"... somente naquela festa no entanto, conhecera-lhe o seu rosto, os seus traços e o
seu olhar firme e determinado.
Irritada com seus pensamentos e com a incessante
amargura de seu coração, concluiu que não mais seria uma serva das vontades e
imposições de seu irmão; Decidida, prontamente pediu a Lana que lhe
providenciasse um mensageiro. Pegou um pergaminho e com a pena, que mergulhava determinada no tinteiro,
escreveu:
"Lorde Gabriel
Vandak
Anseio em
conhece-lo melhor!
A duas horas ao
norte, encontrará a minha propriedade;
Venha visitar-me!
Duquesa Linia Corleanos"
O mensageiro tardiamente levou a mensagem á moradia
de Gabriel.
A
noite já se impunha majestosa quando Gabriel leu a mensagem enviada por Linia.
Manteve-se sentado num modesto diva, que Ricardo improvisara.
A moradia de
Ricardo e Carol era pequena e humilde, ainda que o lorde Arthur tivesse
oferecido todos os recursos, Ricardo se limitara a gastar o essencial.
O mobiliário era pouco e rústico; mas tudo era muito
cômodo e confortável.
A moradia se dividia em três aposentos, duas salas e
copa com cozinha agregadas. Quanto á propriedade era de terras extensas e
belíssimas colinas. Os verdes campos eram entrecortados por inúmeros e pequenos
riachos; que lhe facilitavam o cultivo.
Gabriel passara aqueles quinze dias trabalhando
incessantemente. O trabalho era árduo, tinha que arar, adubar, e semear grandes
áreas de terra; Desejava que Carol e Ricardo ao visitarem a propriedade se orgulhassem de seu empenho e trabalho.
Esforçava-se para não se recordar de seu passado
lastimável! Porem quando Gabriel não o
conseguia , mais se entregava a suas tarefas diárias, na ânsia ardente
de compensar o tempo perdido e o imenso mal que fizera.
Gabriel observou que Paulo o olhava curioso; parecia
desejar saber o teor da mensagem que recebera. Falou-lhe humilde.
-
Tua obrigação é vigiar-me e defender-me de fazer o mal... eu mesmo,
exigirei que o faças! Pois não mais desejo errar...esta mensagem, é da Duquesa
Linia; faço questão de que a leias!
O guerreiro Paulo aproximou-se pegando o manuscrito
e leu-o; depois o devolveu a Gabriel
dizendo-lhe:
-
É uma linda e atraente jovem! Está demasiadamente interessada ... na
festa, observei, que apesar das continuas
repreensões de Lorde Arthur, a Duquesa Linia, não conseguia tirar os
olhos de ti Gabriel! Irás visitá-la?
Gabriel
mostrando-se indiferente, exclamou com seriedade.
-
És o meu protetor, dizei-me o que devo fazer!
Paulo sentia-se confuso com aquela situação em que,
de guerreiro imposto por Arthur a vigia-lo como o mais vis dos criminosos, se
tornara o companheiro, o protetor, o
confidente e o amigo de Gabriel.
Mantinha-se no entanto, extremamente fiel ao Lorde
Arthur Corleanos; se para defender ou proteger a sua vida fosse necessário,
ferir ou matar Gabriel, o faria sem
hesitação; era o seu trabalho!
No entanto a tarefa diária de vigia-lo, não lhe
vinha sendo penosa como imaginara, mas agradável e prazerosa.
O guerreiro Paulo falou-lhe:
-
Deves tu decidir Gabriel; Se
desejares ir visita-la, nós iremos!
Gabriel compreendeu-lhe o alerta; não havia um só
lugar onde fosse que Paulo não estivesse bem próximo. Faziam as refeições
juntos, repousavam na cômoda sala fazendo-se companhia; dormiam no mesmo
aposento; cavalgavam juntos; banhava-se sob sua vigilância...era-lhe a sombra!
Nos primeiros dias, Gabriel falara-lhe brincando:"Não foi somente Ricardo e Carol que se casaram;
Arthur, arrumou-me um marido!"...no entanto, Paulo não gostara da
brincadeira e Gabriel nunca mais se atrevera a mencionar o incomodo de ter
sempre alguém a seu lado; por vezes até o esquecia.
Gabriel olhou a mensagem, relendo-a e depois rasgou
o manuscrito, murmurando:
-
Amanhã decidiremos!
E dizendo isto resolveu deitar-se pois o dia tinha
lhes sido exaustivo.
Ricardo se aproximava com Carol da propriedade que
lhes pertencia. Visualizaram campinas verdejantes amplamente aradas e semeadas;
eram enormes as áreas de plantio; mudas frutíferas sacudiam-se em outras áreas
ardilosamente delineadas.
Os cavalos existentes ali eram mantidos num enorme
pasto cercado caprichosamente por toras de madeira. Outros pastos também assim
adornados, aprisionavam outras criações.
Os poucos servos existentes ali com certeza tinham
trabalhado em exaustão para concretizar tudo aquilo em tão poucos dias,
concluíam.
Olharam-se felizes e orgulhosos com suas terras.
Aproximando-se da moradia Ricardo verificou, que
dois belos bancos de madeira rústica haviam sido improvisados, próximo á
entrada principal e que estes eram delicadamente cercados de jardins
perfumadissimos.
Apearam dos cavalos e um servo aproximou-se feliz e
prestativo . Silvio falou-lhes sorrindo:
-
Senhor Lorde Ricardo, seja bem vindo á sua propriedade...
Olhou a senhora e também cumprimentou-a:
-
Senhora Duquesa Carol, boa tarde!
Ricardo estava fascinado com a organização da
propriedade. Indagou:
-
Por onde anda Gabriel?
O servo prontamente respondeu-lhe;
-
Senhor Lorde Ricardo, o lorde Gabriel foi até ás colinas, acompanhado
pelos servos, para trazerem madeira.
Ricardo sorriu para Carol, sentia-se feliz e
recompensado com os conselhos que dera a Arthur para libertar Gabriel.
Carol orgulhosa, compreendia no entusiasmo de seu
marido, que muito devia ter trabalhado o seu filho. Ricardo convidou-a a entrar
na grande sala de estar, o maior cômodo da moradia. Olhou o diva que
improvisara e percebeu que Gabriel modificara a posição do mobiliário, tornando
o ambiente mais aconchegante.
Após mostrar a Carol os outros cômodos da moradia
esta resplandeceu serena felicidade:
-
É simples e aconchegante; se não fosse pelo nosso menino Arthur,
desejaria vir morar aqui prontamente...veja os canteiros repletos de lírios
brancos...as pedras do caminho por onde passar...está tudo tão bonito!
Ricardo abraçou-a dizendo-lhe:
-
Quando aqui estive pela ultima vez, á aproximadamente vinte dias atras,
ervas daninhas fronteavam a moradia...as pastagens eram meramente mata
natural...tanto se fez em tão pouco tempo! Desejas cavalgar?
Carol aceitou acompanha-lo e Ricardo a auxiliou
novamente a montar. Voltou-se para Silvio e indagou-lhe:
-
Em que direção eles foram pegar a madeira?
Silvio apontou-lhes a direção e Ricardo e Carol
rumaram para lá, continuamente deslumbrados com a propriedade que possuíam.
Não tardaram a avistar os dez servos de sua
propriedade, descendo as colinas com seus cavalos e perceberam que estes
arrastavam grandes toras de madeira.
Gabriel e Paulo também estavam com eles e seus
cavalos também arrastavam a madeira.
Gabriel vendo-os, alegrou-se e acenou-lhes sorrindo
ainda a uma longa distancia. Carol e Ricardo cavalgaram em sua direção e
alcançando-o o médico cumprimentou-o .
-
Estás bem Gabriel?
-
Sim senhor Ricardo; imenso prazer em vê-los aqui em vossa propriedade!
Gabriel apeou da montaria e caminhou até próximo ao
cavalo de sua mãe. Após auxilia-la a apear, beijou-lhe as mãos com amor.
-
Senhora minha mãe Carol, que alegria; senti tanto sua falta!
Carol sorriu-lhe dizendo-lhe.
-
Como estás meu filho?
-
Estou imensamente satisfeito trabalhando em vossas terras! Espero que
tenham gostado do pouco trabalho que fiz!
Gabriel olhando os servos que o aguardavam com as
toras atreladas em seus cavalos, desculpou-se:
-
Acompanharei os servos e depois irei para a moradia onde poderemos
conversar melhor; passamos a manhã, recolhendo madeira para construir um grande
celeiro, próximo ás pastagens, pois o mesmo breve nos fará falta!
Gabriel montou em seu cavalo e afastou-se com Paulo
e os demais servos!
O sol já descia de sua imponência, quando finalmente
os quatro se reuniram para alimentar-se. Gabriel entusiasmado contava-lhe as
inúmeras tarefas realizadas e as muitas que ainda pretendia realizar. O
guerreiro Paulo mantinha-se silencioso. Após a refeição tardia, caminharam até
á sala , na qual continuar a conversar. Gabriel recordando-se da mensagem de
Linia, indagou a Ricardo.
-
Senhor Lorde Ricardo, ontem, já tarde da noite, aqui chegou um
mensageiro da Duquesa Linia; convidava-me para visita-la! Que devo fazer?
Ricardo não conseguiu disfarçar a perplexidade que
sentia.
-
Dizia o motivo do convite Gabriel? Poderei ler o manuscrito?
Gabriel olhou silencioso para o medico e depois
falou-lhe constrangido.
-
Senhor Lorde perdoai-me, mas rasguei ontem o manuscrito; mas Paulo
também leu a mensagem!
O medico alertou-o que não mais rasgasse qualquer
mensagem; deveria guarda-las! Aconselhou-o .
- Gabriel,
deverás manter-te longe de Linia! Carol já te advertiu da conduta extremamente
ambiciosa desta tua sobrinha! Todos sabemos que é linda e atraente; e também
estamos cientes de que se interessou por ti; Porem Gabriel deverás ser
prudente, qualquer aproximação com a sua extrema ganância só poderá te trazer
problemas! Compreendes?
-
Sim senhor Ricardo, assim o farei !
Gabriel então convidou Ricardo para cavalgar com
ele; desejava mostrar-lhe onde planejava construir o celeiro, e o lorde aceitou
prontamente.
Carol decidiu não acompanha-los, ficando na moradia
para repousar um pouco, antes de retornarem ao castelo de Lorde Arthur.
A tarde já findava quando Gabriel e Ricardo chegaram
á moradia e após um breve lanche, decidiram retornar ao castelo.
-
Porque não dormem aqui? Teríamos mais tempo para conversar!
Ricardo explicou-lhe que o Lorde Arthur os aguardava
e se preocuparia se não regressassem , prometendo-lhe que retornariam á
propriedade na semana imediata e então ficariam alguns dias; Gabriel
sentindo-se feliz com a promessa despediu-se deles sorridente.
Os dias passaram com extrema
velocidade. Nas constantes atividades de lida com os campos e as criações,
Gabriel nem se dera conta de que haviam se passado três anos. Tinha tido êxito
no cultivo e as colheitas haviam sido fartas. Também as arvores frutíferas
começavam a dar doces frutos. Tr6es invernadas tinham passado sem grandes
prejuízos á propriedade.
Ocasionalmente o Lorde Ricardo o visitava orgulhoso
com a produtividade de suas terras. Afeiçoara-se a Gabriel e o considerava um
filho regenerado. Para si apagara-se as inúmeras imperfeições e erros que este
tinha cometido em sua vida passada.
Por vezes Carol o acompanhava e ali ficavam alguns
dias.
Paulo se tornara um autentico irmão para Gabriel.
Por vezes divertiam-se em reuniões festivas com os servos, porem Gabriel nunca
se afinizara com nenhuma jovem. Mantinha-se fiel ao breve amor que tivera com
Brigith e que mantinha docemente em suas lembranças.
Linia insistentemente convidava-o para Gabriel ir
visita-la. Por vezes as mensagens traziam aflitos apelos dizendo que precisava
de desesperado auxilio em sua propriedade. Gabriel pedia a alguns servos para
que lá fossem para averiguar os possíveis problemas e auxilia-la a resolve-los;
mas estes não tardavam a retornar dizendo-lhe que eram meras banalidades; meros
pretextos para levarem Gabriel até á sua propriedade. Gabriel deixou de se preocupar com os apelos
constantes de Linia , ignorando-os e somente assim as mensagens pararam de
chegar. Sentiu-se então mais aliviado!
Lorde Arthur
viajava constantemente. Viajou para a
propriedade de Adredanha com o intuito de negociar o sal; para as vilas
próximas ás propriedades, negociando o bom resultado dos cultivos; para a corte
atendendo a convites sociais;
O jovem nobre, estava em idade apropriada a assumir
compromisso matrimonial. Confidenciara ao seu amigo Ricardo, no entanto, que
nunca o faria por mera obrigação social ou interesse patrimonial; afirmando que
somente assumiria uma união se alguma jovem lhe despertasse intenso e
verdadeiro sentimento de afeição.
Ricardo sentia-se cada dia mais orgulhoso de poder
acompanhar aquele jovem que possuía
nobreza de caracter acima de todos os seus títulos ou riquezas.
Quando o nobre se afastava do castelo, em suas
viagens, Ricardo assumia a administração de tudo e ao retornar Arthur
demostrava grande felicidade em encontrar tudo bem e um lar em extrema paz na
companhia amiga de Carol e Ricardo.
Lana certa vez
conseguiu com imensa dificuldade, se ausentar da propriedade de Linia,
para ir ao castelo.
Contara preocupada a Ricardo, que a Duquesa Linia
havia recebido um pretendente rico, que ela conhecera em viagem a corte, em sua
propriedade.
Um senhor de porte elegante que desistiu prontamente
de lhe cortejar, tão logo tomou conhecimento de seu matrimonio anterior. Isto
aumentara-lhe a ira intima, tratando os servos com desrespeito e rispidez. Lana
advertiu o medico com o semblante serio:
"Por vezes caminha intranqüila pela moradia, amaldiçoando o irmão
Arthur e jurando vingança!"
Quando Ricardo contou o que soubera na rápida visita
da serva Lana ao castelo, ao Lorde Arthur, este preocupou-se em demasia. Vinha-lhe
á memória, na doce lembrança e enorme saudade de Sara, a quem ainda tinha
intenso sentimento, as palavras da despedida que o alertavam para ficar alerta em relação á sua
irmã.
Numa manhã extremamente chuvosa, Linia estava recostada próximo á harpa,
quando um servo aproximou-se dizendo-lhe.
-
Senhora Duquesa, um viajante deseja falar-lhe!
Linia imensamente intrigada pois há muito ninguém a
visitava, ordenou-lhe apressadamente:
-
Que esperas servo, mandai-o entrar!
A jovem ajeitava os cabelos cacheados quando um
forte cavalheiro entrou na sala, com um olhar serio e vestes poeirentas. Reverenciou-a
num meneio.
-
Senhora Duquesa Linia!
A duquesa olhou-o com fria indiferença indagando-lhe
com sua voz rude.
-
A que vens viajante e o que desejas nas minhas terras ?
O homem olhava-a fixamente, com uma certa altivez
que a incomodava.
-
Venho lhe oferecer o meu trabalho senhora duquesa!
A duquesa Linia caminhou até o vitral tentando fugir
de seu olhar fixo que a incomodava. Virou-se encorajando-se e novamente o
indagou.
-
Que sabes tu fazer ?
O viajante olhou para o servo que ainda estava na
sala mostrando-se incomodado e
aparentemente contrariado com a sua presença. Linia percebendo-o, considerou aquele homem altivo extremamente
atrevido, mas sentindo-se curiosa prontamente ordenou ao servo que ali estava
presente, que saísse imediatamente. Disse-lhe então perplexa com sua atitude:
-
Nada tens em humildade, para quem pede trabalho! Julgas-te superior?
Quem és tu afinal?
O viajante fez-lhe um longo meneio apresentando-se:
-
Meu nome é Antoan; trabalhei durante quatorze longos anos para Lorde
Orlando em seu castelo! Sempre lhe fui
fiel e servil! No entanto, quando o nosso senhor lorde faleceu, com a
terrível peste, o seu filho Lorde Arthur expulsou-me do castelo...
Linia interrompeu-o intrigada e temerosa.
-
Porque meu irmão Lorde Arthur te expulsou?
Antoan baixou a cabeça, tentando disfarçar um pouco
de sua aparente revolta, e continuou contando-lhe.
-
Certa vez omitimos uma informação ao senhor Lorde Orlando. Não o
fizemos por mal, temíamos que o nosso senhor perdesse a confiança em nossos
serviços!
A duquesa interrompeu-o irritada.
-
Pára...pára Antoan! Não estou entendendo nada do que dizes! Contai-me
tudo direito!
O guerreiro calmamente contou-lhe, que procuravam um
servo fugitivo que se ocultara na mata em Adredanha. Como
não o encontraram, e tendo ordens sérias
de prende-lo; concordaram em dizer ao lorde Orlando, que este havia morrido.
Linia perguntou-lhe:
-
Como Arthur ficou sabendo que era mentira?
Antoan foi rápido e direto:
-
Porque o servo apareceu vivo!
Indagou-lhe curiosa.
-
Quem era ele?
O guerreiro respondeu-lhe com imensa ira em sua voz
.
-
É hoje, o Lorde Gabriel Vandak!
Linia levantou-se fascinada com a estória que aquele
ainda jovem guerreiro lhe contava. A vida finalmente lhe ofertava um aliado. A
estória de Gabriel a interessava, pois o sentimento forte e terno que lhe
tinha, havia se transformado naqueles três anos em enorme despeito e revolta,
em função da enorme indiferença que Gabriel demonstrara á sua ânsia de vê-lo.
-
Sentai-te Antoan e contai-me tudo o que sabes sobre o Lorde Gabriel
Vandak!
O guerreiro sentou-se sem cerimonias e rapidamente
foi lhe contando a infância de Gabriel, a sua paixão por Brigith, as mortes
premeditadas que cometera; a viagem para Adredanha e o retorno ao castelo;
Linia estava impressionada com tudo o que ouvia. Pensou irônica: "Então o
prisioneiro criminoso virou um lorde." ..." porque seu irmão também
não o havia matado?"...
-
Como sabes de tudo isto Antoan?
-
Senhora duquesa Linia, eu sou um guerreiro e sabia de tudo o que
acontecia nas propriedades de meu senhor!...Por vezes ele mesmo nos informava,
pedindo-nos que aumentássemos a vigilância; outras vezes no entanto, observando
e escutando comentários!
-
Que fizestes Antoan, nestes anos ausente do castelo?
Antoan olhou-a vivamente:
-
Vaguei por ai senhora Duquesa, tentando esquecer a grandiosa injustiça!
Compreenda-me senhora, sempre fui fiel e servil e fui expulso do castelo,
enquanto o servo Gabriel foi hostil e criminoso, e foi acolhido em
nobreza!...Soube que a senhora vivia na propriedade sozinha e decidi lhe
oferecer meus préstimos!
Os olhos de ambos se cruzaram febrilmente; o
cavalheiro sujo mas elegante atraia-lhe o corpo carente da eterna solidão; e
Antoan também parecia sentir-se fascinado pela beleza da jovem Linia.
Os olhares eram cúmplices, nos sentimentos que os atraiam....mantiveram-se
silenciosos por alguns instantes!
Antoan deveria estar com seus trinta e cinco anos e
o porte atlético mostrava-lhe a força e a coragem.
-
Tens a arte de Gabriel Antoan?
Antoan mostrou não ter compreendido. Linia falou-lhe
então claramente:
-
És um bom arqueiro?
O viajante, sem compreender as suas intenções
disse-lhe:
-
Fui treinado até os vinte e um anos na corte inglesa, para ser um bom
guerreiro; sei manusear qualquer instrumento de guerra com precisão absoluta!
Linia olhou-o ardilosamente; os olhos faiscavam-lhe
vingança e paixão. Disse generosamente:
-
Concederei um aposento para ti; nele deverás banhar-te! Providenciarei
vestes limpas e perfumadas; Voltaremos a falar ao entardecer na ceia...serás
meu hospede Antoan; no entanto, antes jurai-me fidelidade!
O guerreiro sentindo-se imensamente satisfeito,
ajoelhou-se aos pés de Linia dizendo-lhe:
-
Juro-lhe extrema fidelidade, nobre Duquesa Linia Corleanos!
Linia então chamou Lana e lhe pediu que encaminhasse
o hospede ao aposento. Deveria lhe providenciar sais para seu banho e vestes
limpas e perfumadas.
Lana imediatamente reconheceu Antoan e estava ciente
de que Linia hospedava um guerreiro que saíra do castelo, ameaçando vingança ao
nobre Lorde Arthur...precisaria avisa-los no castelo, mas como poderia faze-lo
se Linia não permitia que se afastasse!
Encaminhou Antoan ao aposento, e depois de
providenciar-lhe a água quente, os sais, e as vestes, pôs-se a pensar aflita em
como avisar o nobre Ricardo.
Já escurecera quando finalmente Antoan surgiu na sala.
A pele bronzeada realçara-se com o banho; as vestes limpas traziam leve aroma
perfumado; os seus longos cabelos contornavam-lhe os ombros; e os seus olhos
sempre muito vivos aguçavam os desejos frustrados de Linia em relação ao seu
sentimento rejeitado por Gabriel.
Ela deixou-se cortejar e seduzir.
Lana observou quando Linia surgiu de manhã,
acompanhada por Antoan. Sabia que tinham dormido juntos e estes também não
faziam questão de oculta-lo. Na refeição matinal trocavam olhares, caricias e
sorrisos cúmplices.
Antoan disse-lhe carinhosamente:
-
Vamos cavalgar senhora duquesa? Desejo mostrar-lhe algo!
Linia entusiasmada concordou e após a refeição,
saíram sorridentes para providenciar a montaria. Lana, estava demasiadamente
preocupada com a extrema proximidade e intimidade dos dois, mas nada poderia
fazer a não ser observa-los.
Antoan cavalgou com Linia até á belíssima cachoeira,
na qual apeou da montaria e auxiliou a duquesa também a faze-lo.
Caminhando em meio á vegetação, abaixou-se
procurando algo e encontrando-o
levantou-se erguendo sua brilhante e afiada espada.
-
Querida duquesa, agora seu guerreiro está inteiro e pronto para o que
desejar!
Linia olhou-o fixamente; fazendo-lhe a seguinte
proposta:
-
Prestai atenção no que te digo Antoan, porque estamos a sós...casarei
contigo e serás um lorde e dono desta propriedade, se fizeres um pequeno
serviço para mim...
Antoan aproximou-se perplexo com as sutis mas
felinas palavras da bela jovem.
-
Casar-me contigo?
A jovem duquesa olhou-o contrariada.
-
Gostastes de mim, não? Terás fortuna! Terás a propriedade! Terás titulo
de nobreza!
Antoan permanecia perplexo com a proposta da jovem e
indagou-lhe temeroso.
-
E o que tenho que fazer para ti, para ganhar vida tão regala!
Linia aproximou-se dizendo-lhe pausadamente.
-
Não gosto de meu irmão...também me expulsou do castelo e me humilhou
inúmeras vezes. Não gosto de Gabriel...ignorou-me tratando-me fria e
indiferentemente nas muitas vezes que implorei que me visitasse. Não gosto do
medico Ricardo...que julgou-me vulgar e inescrupulosa; afastaram-me todos da
afeição de minha filha! Lorde Arthur lavrou um testamento, no qual Sara, a
minha querida filha, é herdeira de tudo e de toda a fortuna dos Corleanos...mas
o medíocre medico é o seu tutor até que atinja a maioridade...
A jovem deu uma pausa para respirar profundamente e
prosseguiu.
-
...enquanto dormias ao meu lado, arquitetei um plano e desejo que o
concretizes!
Antoan completamente intrigado, suplicou-lhe:
-
Dizei-me senhora Duquesa!
A jovem pegou-lhe a mão propositadamente e
contou-lhe:
-
No momento propicio e após algum treino, cavalgarás bem cedo, até á
propriedade de Gabriel Vandak. Meus mensageiros informaram-me que se banha ás
tardes num rio próximo á moradia. Ele e o guerreiro Paulo que sempre o
acompanha...sem que o percebam, lhes roubaras as vestes e assim que saírem da
água para procura-las, deverás matar Paulo como uma flecha certeira no peito.
Munido das roupas de Gabriel e de seus cavalos rumarás para o castelo. Lá
deverás chegar ao entardecer! Sei que o medico Ricardo, sempre gostou de
passear á noite, também o alvejarás com uma flecha certeira. Atraídos por sua
demora ou talvez pelos gritos da sua esposa Carol, que provavelmente esteja ao
seu lado, no momento que o matares, Lorde Arthur virá para ver o que acontece,
e matarás também da mesma forma...os servos e Carol serão as testemunhas de
mais este crime de Gabriel! E para os deixares mais certos ainda disto,
deixarás as vestes e o cavalo de Gabriel próximo ao lago. De lá, irás para o
teu cavalo que haverá de estar oculto em algum lugar, e virás tranqüilamente
embora! Ninguém desconfiara de ti ou de minha nobreza!
Linia explanara tudo com extrema frieza; mas isto ao
invés de repudiar Antoan; atraia-o!
Desejava vingar-se também de Arthur, mas nunca
pensara que o destino, em troca disto lhe oferecesse uma linda e determinada
mulher, fortuna, propriedades e nobreza.
Antoan no entanto mantinha-se silencioso,
visualizando em sua mente a trama elaborada por Linia. A jovem duquesa
interrompeu-lhe os pensamentos.
-
Então Antoan, desejas concretizar o meu pedido e casares comigo?
O guerreiro em sua vivacidade indagou-lhe:
-
Porque confiar na senhora, duquesa Linia? Como posso ter a certeza que
honrarás tua palavra?
Linia soltou uma risada.
-
Não sejas tolo Antoan, és um guerreiro e eu uma frágil dama; crês que
poderia fugir de ti? Para onde?
Antoan olhou-a e após pensar calmamente falou-lhe:
-
Farei o que me pedes; mas precisarei treinar durante alguns meses...tens pressa?
Linia, novamente rindo feliz, murmurou:
-
Temos todo o tempo deste mundo!
O guerreiro então, entregando-lhe a espada para que
Linia segurasse, balbuciou:
-
O destino nos ajuda querida duquesa, tenho outra surpresa para lhe
ofertar!
Linia olhou-o super intrigada e novamente Antoan
caminhou em meio á vegetação, abaixou-se e desta tirou oculto, um imenso arco
de madeira talhada e varias flechas feitas rusticamente; a jovem estava
extremamente curiosa e perguntou-lhe:
-
Fizestes isto sozinho?
Antoan olhou-a fixamente.
-
Não querida duquesa, Lorde Gabriel Vandak o fez...
Linia sentiu as pernas ficarem-lhe tremulas:
-
Como conseguistes?
O guerreiro deixando a seriedade de lado, gargalhou
radiante.
-
Roubei do lorde Arthur, nobre Duquesa Linia Corleanos!
-
Mas como o conseguistes?
Antoan contou-lhe que antes de Lorde Arthur sair
cavalgando com o Lorde Ricardo, para procurar Carol, após as longas
tempestades, deixou distraidamente o arco e as flechas, guardados próximo ao
pavilhão interno dos servos...fácil foi tira-los de lá e esconde-los. Saiu
então da propriedade, ao anoitecer sem que ninguém o visse carregando o
armamento.
-
Porque o roubastes?
O guerreiro pensou demoradamente e depois
explicou-lhe:
- Não sei senhora Linia, agi em mero impulso de
vingança! O lorde nos dera até o entardecer daquele dia para sairmos da
propriedade...não havia mais peste e não haviam mais nevascas...mas também não
havia mais capataz, e os guerreiros que
ficavam no castelo eram poucos!
Ambos riram febris e alimentados pelo intenso desejo
de fortuna e vingança.
A primavera chegara em intensa cor a todos os cantos. Florindo-os e
esverdeando-os. Pássaros alegres sobrevoavam as colinas em acasalamento. A propriedade
parecia um imenso jardim iluminado. As águas dos rios em extrema claridade,
corriam amenas trazendo-lhes paz. Os cavalos livres corriam em esplendor...O
sol em sua imensa majestade emitia força e intensa luminosidade.
Nos campos os servos, numa livre cooperativa faziam
a colheita das verduras e legumes.
outros colhiam doces frutos no pomar.
Ricardo respirou profundamente e suspirando apertou
a mão de Carol.
Tudo lhes era extrema felicidade. Amavam-se e
admiravam-se cada dia mais.
Ricardo percebeu que um servo desconhecido se
aproximava a galope e em trote ligeiro. Aproximando-se cumprimentou-o apeando
do cavalo:
-
Boas tardes! Trago uma mensagem da corte para o senhor Lorde Arthur!
O medico encaminhou-o á biblioteca onde Arthur se
encontrava, com números matemáticos em seus controles.
-
Arthur, este mensageiro deseja falar contigo!
Arthur olhou-o em expectativa.
-
Senhor Lorde Arthur trago-lhe uma mensagem do educandário Santa
Izabelita, na corte!
O Lorde prontamente pegou o manuscrito e
dispensou-o.
Ricardo preparava-se para sair mas Arthur pediu-lhe
que ficasse e se sentasse.
As faces de Arthur rosaram-se tal qual as pétalas
das rosas no pátio interno do castelo; a emoção lhe era aparente e perceptível.
Ricardo observou-lhe a respiração ofegante num coração que com certeza lhe
batia muito forte.
Há muito tempo a menina Sara não mandava lembranças
em mensagens; no inverno fizera seu décimo quarto aniversario e deveria
retornar breve ao castelo.
Arthur rompeu cuidadosamente o lacre; as mãos
estavam tremulas e temerosas. Caminhou até o grande vitral e começou a ler.
"Meu querido Arthur,
"Conto os dias que ainda faltam para reve-lo;
sinto inúmeras saudades
de tudo e de todos.
No próximo inverno terei
concluído o período,
Venha buscar-me, eu lhe
imploro!
Imensas saudades da
sobrinha"
Sara"
"Obs.: Cuidados
extremos com a Duquesa Linia Corleanos!"
Arthur leu e releu a mensagem; a emoção
silenciava-lhe as palavras; não conseguia falar. Entregou o manuscrito a
Ricardo silenciosamente e retornou a mesa de trabalho.
Porem não conseguia concentrar-se, a saudade lhe
feria o interior. "Como seria Sara adulta?" A indagação lhe aguçava a
curiosidade; "seria ainda a menina dócil e meiga, teria a beleza em traços
sutis?"...
Arthur convivera aqueles anos, com muitas jovens,
mulheres e rameiras; mas o sentimento em relação a Sara não lhe fora extinto;
mantinha-se ardentemente aceso numa lembrança saudosa constante.
Ricardo olhou-o interrompendo-lhe os pensamentos:
-
Ainda gostas muito dela!
-
Ricardo, poderás não compreender, mas apesar do imenso tempo, da
distancia, e da falta de noticias, sinto que lhe tenho extremo sentimento...
Lorde Arthur deu uma pausa para conter a emoção e
prosseguiu:
-
Se pudesse iria agora mesmo busca-la; tenho imensa curiosidade de vê-la
senhorita!
O médico sorriu-lhe:
-
Falta pouco Arthur, os anos passaram rápidos e nem os percebemos...
irei busca-la antes do inverno como
havia te prometido!
Ricardo então ficou sério e disse-lhe:
-
Que terá sabido Sara, tão longe de todos nós, para novamente nos fazer
o alerta em relação a Linia?
Arthur olhou-o fixamente:
-
Também achei interessante e fico temeroso com suas intuiçoes... Lana
apareceu?
-
Não Lorde Arthur, fazem seis meses que não aparece para trazer-nos
noticias... deveríamos providenciar de imediato uma maneira de saber o que
ocorre em sua propriedade...
Silenciou um pouco e indagou-lhe:
-
Porque não vais visita-la Lorde Arthur, é tua irmã!
-
Sabes no entanto Ricardo, que não lhe tenho simpatia... não
compreenderia o motivo da visita!
Ricardo teve uma idéia e falou-lhe:
-
Quem sabe poderias mandar-lhe uma mensagem, e nesta relatarias tua
preocupação com a falta de noticias... o mensageiro usando deste artifício
poderia conversar com Lana; e trazer-nos novidades!
Arthur contestou:
-
Ricardo, não posso mandar uma mensagem perguntando como está... nunca o
fiz nestes anos...
Após pensarem alguns instantes:
-
Poderás indagar-lhe lorde Arthur se não possui boa colheita para
vender-te!
O nobre jovem prontamente concordou com a idéia de
seu fiel e amigo Ricardo. Combinaram então que no dia imediato, mandariam um
mensageiro instruído a falar com Lana, á propriedade de Linia.
A vegetação
sacudiu-se subtilmente; o sol amenizava a sua grandeza naquele dia.
Há muito estava ali observando-os e tentava
controlar e silenciar a sua respiração, para que não fosse ouvido.
Aguardava o momento propicio ao ataque.
Lorde Gabriel Vandak, banhava-se distraidamente nas
águas frescas do rio, junto com o seu amigo o guerreiro Paulo.
Antoan observou as vestes penduradas num galho, não
muito distante. Fácil seria pega-las sem ser visto, em momento oportuno em que
se virassem para a outra margem do rio.
Os seus cavalos soltos, também propiciavam o ataque,
pois haviam se ocultado na vegetação, procurando melhor pasto para se
alimentarem.
Não tardou a que agilmente conseguisse pegar as
vestes e as colocou numa pequena bolsa de couro que trouxera consigo.
Lentamente, em meio á densa vegetação, atrelou o cavalo de Gabriel ao seu com
um cipó bem firme.
O guerreiro Antoan voltou então para o seu posto de
observação e agilmente ergueu o arco e predispôs uma flecha em mira.
Pensou "Será fácil acerta-lo quando sair da
água...a mira será certeira!" Muito
havia treinado, nas proximidades da cachoeira da propriedade da Duquesa Linia,
para aquele momento e não falharia!
Gabriel na água fresca sentia-se feliz e
harmoniosamente em paz.
Disse carinhosamente ao guerreiro que sempre o acompanhava.
-
Amigo Paulo, precisamos retornar á moradia, para nos alimentarmos e
depois voltaremos á lida; ainda temos imensa colheita a fazer hoje, antes que
escureça!
O guerreiro Paulo, concordou sorrindo-lhe
amigavelmente.
-
Gosto imensamente de ti Gabriel, és o irmão que a vida não me concedeu!
Paulo inexplicavelmente sentia-se extremamente
sensível e agradecido. O sorriso surgira-lhe em bondade concordando que
deveriam retornar á moradia imediatamente.
Ambos se ergueram para sair do rio, quando
repentinamente uma flecha certeira atingiu o lado esquerdo do peito de Paulo.
Gabriel atônito, viu o seu amigo caindo com um
agonizante gemido. Correu em sua direção observando perplexo e em grandioso
sofrimento que uma flecha cravada em seu corpo fazia jorrar grande quantidade
de sangue.
Abaixou-se tentando auxilia-lo em desespero.
-
Meu amigo Paulo, estás ferido!
O guerreiro ferido e já agonizante, ainda conseguiu
lhe murmurar antes de falecer.
-
Esconde-te amigo Gabriel, é um ataque!
Gabriel percebendo em imensa dor que o seu
companheiro falecera, correu confuso para se ocultar sob um, forte rochedo.
As lagrimas jorravam-lhe nos olhos tal qual o sangue
jorrava ainda intenso no corpo inerte de seu amigo, do qual não conseguia tirar
os olhos.
Atordoado tentou visualizar qualquer movimento na
vegetação, mas esta mantinha-se silenciosa.
Antoan concluindo o êxito de sua mira, montou
rapidamente em seu cavalo e saiu em galope ligeiro, rumo ao castelo de Lorde
Arthur, levando a montaria de Gabriel consigo.
Gabriel escutou o relinchar dos cavalos e o trote
apressado. Cambaleante e em profunda emoção correu até o corpo de Paulo e o
arrastou até uma forte arvore longe do rio.
A dor lhe era imensa e as lagrimas eram
incontrolaveis em suas faces pálidas. O pranto angustiado lhe asfixiava a
respiração; sentia o cruel sofrimento da perda de um ente que lhe era
imensamente querido. Em imagens cruéis em sua mente, surgia-lhe também o imenso
sofrimento, dos familiares dos entes que havia matado inconseqüentemente e em
extrema frieza.
Estava completamente paralisado pela emoção e
perplexo com aquela situação. Mecanicamente procurou as suas vestes mas não as
encontrou; procurou o cavalo negro, ao qual domara e tinha verdadeira estima,
mas ali também não estava!
Desnudo e completamente sujo com o sangue de Paulo,
montou no branco cavalo deste e intuitivamente rumou para o castelo de Lorde
Arthur.
Em seu imenso sofrimento ansiava alerta-los e
pedir-lhes auxilio.
Antoan apeou da montaria na propriedade do castelo de Lorde Arthur.
Defronte ao grande lago amarrou o seu cavalo em meio
á vegetação. Propositadamente vestiu a veste de Gabriel e amarrou os longos
cabelos tal qual o Lorde Vandak o fazia.
Sentindo-se pronto, montou no astuto cavalo negro do nobre , munido de seu
arco e de suas flechas.
A silhueta estava idêntica! Com certeza, quem o
avistasse á distancia, não teria qualquer duvida de que se tratava de Lorde
Gabriel Vandak.
Antoan subitamente escutou um trotar ligeiro mas
ainda distante se aproximando. Perspicaz e ágil o guerreiro cavalgou rápido em
sua direção. Com extrema facilidade
alcançou Gabriel que cavalgava rumo ao castelo. Velozmente interceptou-o
fazendo com que Gabriel caísse da montaria.
Ambos se digladiaram em árdua luta corporal. As
forças lhes eram compatíveis. Porem Antoan conseguindo alcançar uma pedra a
bateu violentamente sobre a cabeça de Gabriel fazendo-o perder os sentidos.
Sem hesitação o guerreiro o levou para o lago e lá
amarrou Gabriel e o cavalo de Paulo,
próximo ao seu cavalo.
Cavalgando, cautelosamente aproximou-se do castelo.
Apeou da montaria e ali ficou oculto esperando que a oportunidade lhe surgisse.
Somente então Antoan observou, que a veste de
Gabriel que propositadamente
trajava, se sujara com o sangue que ele
ainda trazia em seu corpo; Prendendo novamente os longos cabelos, que
haviam se soltado na luta corporal, sorriu radiante sentindo que tudo o
beneficiava e facilitava o seu trabalho!
Quando a noite cobriu as colinas e um imenso céu
estrelado surgiu, Antoan pacientemente oculto na vegetação, avistou que dois
vultos saiam do castelo.
Pela silhueta de ambos, percebeu que caminhavam de
mãos dadas e pelos trajes concluiu serem de um homem e de mulher.
Não poderia haver qualquer erro em suas conclusões,
estava certo, ainda que não podesse lhes ver os semblantes, aquela distancia,
de que eram Lorde Ricardo e a Duquesa Carol.
Silenciosamente o guerreiro ergueu o imenso arco e
puxou com força extrema em seus dedos, a
comprida flecha.
Fez a mira ao medico e em momento oportuno atirou-a
em grande velocidade.
A flecha, num incrível zumbido certeiro, atravessou
o cérebro do Lorde Ricardo Lanartini.
Carol olhou-o horrorizada e aos gritos em completo estado de choque,
tentava erguer o companheiro imóvel do solo.
Ricardo tinha falecido instantaneamente assassinado.
Lorde Arthur ouvindo os gritos daquela senhora
sempre tão serena, saiu do castelo correndo desesperado; para socorre-la em sua
aflição, assim como alguns guerreiros e servos que também surgiam do interior
da moradia.
O jovem nobre desesperou-se ao ver o amigo e pai
Ricardo, envolto em sangue, com os olhos arregalados e uma flecha que lhe
atravessava o cérebro.
A emoção terrivelmente dolorosa também rasgou-lhe os
sentidos, fazendo-o cair ao solo desesperado tentando reaviva-lo.
Em pranto incontrolavel, percebeu que o corpo de seu tutor, já se encontrava completamente sem vida.
Inconformados e em pranto completamente agoniado,
permaneceram debruçados sobre o corpo de Ricardo, implorando-lhe que não os
deixasse sozinhos!
A dor imensa os sufocava, fazendo-os confusos e sem
nada conseguir raciocinar. Por alguns minutos a perplexidade e o sofrimento em
todos ali presentes os afastava da real situação que viviam. Nem mesmo os
guerreiros atônitos, conseguiam lembrar-se
de que Ricardo havia sido alvejado e que o ataque poderia continuar.
Antoan em nova posição de mira aguardava
pacientemente, que o Lorde Arthur se erguesse; mas este não o fez.
Despertando daqueles breves instantes de
perplexidade, os guerreiros armados rapidamente colocaram-se a averiguar de
onde provinha o ataque.
Antoan enfurecido , concluiu que logo estes
caminhariam em sua direção, vasculhando a vegetação.
Prudentemente, montou rapidamente no negro cavalo de
Gabriel e erguendo o arco bem alto, com um de seus fortes braços, cavalgou
varias vezes próximo ao rio, para que todos ali o vissem.
Arthur e Carol ainda perplexos com tudo o que ali
acontecia, escutando o insistente relinchar do animal distante, despertaram de
sua dor virando-se para ver o que ali ocorria.
Naquela triste
noite clara, viram Gabriel em sua túnica branca e com seus cabelos presos,
desafiando-os em seu cavalo negro na margem distante do rio. Em suas mentes este parecia gritar
vitorioso : "Vingança!"
Os guerreiros e os servos revoltados, correram em
sua direção desejando alcança-lo. Porem Antoan extremamente veloz retornou ao lago e sem demoras e com extrema
agilidade, colocou Gabriel que ainda se mantinha inconsciente sobre o cavalo de
Paulo e atrelando a este o seu próprio cavalo, puxou-os em galope ligeiro,
embrenhando-se na mata, rumo á propriedade de Ricardo e Carol.
Chegando á propriedade, Antoan
apeou do negro cavalo, e tirando Gabriel também da montaria, arrastou-o até
próximo ao corpo de Paulo.
Tirou a
túnica que trajara propositadamente, e tranqüilamente vestiu-a no lorde Gabriel
Vandak, que ainda se mantinha inconsciente.
Recostou-o na frondosa arvore, em posição que aparentava repousar
profundamente. Colocou o arco e as flechas ao seu lado e as vestes de Paulo
próximas ao seu corpo. Sentindo-se vitorioso amarrou o cavalo de Gabriel e do
guerreiro Paulo.
Antoan olhou-os feliz e gargalhando eufórico, pensou
consigo: "Tudo dera incrivelmente certo".
Fez-lhes uma sarcástica reverencia e saiu galopando
com seus trajes limpos e em seu cavalo, rumo á propriedade da Duquesa Linia
Corleanos; que não tardaria seria também sua!
Lorde Arthur,
completamente transtornado ao ver Gabriel desafiando-o nas margens do rio, não
hesitou no que deveria fazer.
Correra ao celeiro e cavalgando com seus guerreiros
rumou determinado para a propriedade de Lorde Ricardo.
Durante aquela veloz cavalgada de uma hora, Arthur
não conseguira organizar os pensamentos em sua mente.
Imagens claras do sorriso tranqüilo de Ricardo, do
seu forte abraço, do incentivo na mão quente freqüentemente em seu ombro em
tantas situações difíceis pelas quais haviam passado juntos; se misturavam a
imagens confusas das cenas de Ricardo estendido no chão, morto covardemente por
Gabriel que tanto fora protegido pelo fiel medico.
Surgia-lhe o sorriso de Sara! A tristeza agoniada
daquela que lhe era uma mãe, a doce Carol! Novamente Gabriel ressurgia para
destruir-lhe a harmonia e a felicidade..."mas porque"...perguntava-se
febrilmente.
O nobre jovem não mais chorava; a dor lhe sufocava
todos os sentimentos numa única determinação, achar Gabriel!
O lorde Arthur chegou finalmente á propriedade
quando a noite já ia alta. Próximo á moradia encontrou Silvio apreensivo.
Indagou-lhe:
-
Onde está Gabriel?
Silvio percebendo-o transtornado acompanhado dos
guerreiros, e apreensivo porque Gabriel sumira com Paulo desde aquela tarde,
falou-lhe:
-
Senhor Lorde Gabriel afastou-se da lida no cultivo á tarde, para
banhar-se com Paulo, no rio; mas não regressaram deixando-me aqui apreensivo e
sem saber o que fazer!
O lorde Arthur imediatamente perguntou-lhe a direção
do rio onde se banhavam e o servo tremulo apontou-lhe o rumo humildemente.
Não tardaram a se aproximar do rio e prontamente
visualizaram o corpo de Paulo alvejado no peito; ao seu lado Gabriel com sua
arma parecia dormir tranqüilamente.
Lorde Arthur apeou da montaria e caminhou furioso em
sua direção.
Olhou-o em sono profundo com a túnica suja e poeirenta.
Enraivecido em sua incompreensão ao vê-lo tão tranqüilo; quebrou-lhe o arco e
as flechas em extrema fúria e em incontrolavel ataque lhe desferiu forte chute
em seu estômago.
Os guerreiros mantinham-se distantes silenciosos
compreendendo a revolta de seu jovem senhor; prontos a auxilia-lo.
Gabriel despertou com a profunda dor que parecia lhe apertar a cabeça e insuportável
dor também em seu estômago. Contorceu-se e Lorde Arthur impiedosamente,
enfurecido por todos os entes queridos que Gabriel matara, agrediu-o inúmeras
vezes até o deixar completamente inerte e novamente inconsciente.
O jovem nobre então caminhou até o rio e deixou que
a água fresca lhe banhasse a face ainda transtornada com tudo o que vivia.
Decidiu retornar prontamente ao castelo, pedindo que
colocassem Gabriel em uma das montarias e o levassem definitivamente para a
masmorra do castelo.
Linia aguardava
ansiosa o retorno de Antoan, que não via desde a manhã do dia anterior.
Não conseguira dormir e sentia-se exausta!
Lana observava-lhe a intranqüilidade e o nervosismo...estava ciente de que o
guerreiro Antoan viajara sob suas ordens. Vira-o saindo cavalgando com Linia e
esta retornara sozinha á moradia. Pela sua ansiedade a serva Lana concluía
também que ansiava desesperada o seu retorno.
Continuamente a duquesa aquela noite e pela
madrugada , vagara pela sala indo freqüentemente até as janelas para verificar
a sua possível aproximação.
Linia observou irritada que a serva a observava
constantemente e estava decidida a livrar-se dela em momento oportuno.
Derrepente escutou um galope tranqüilo defronte á
moradia e caminhou apressada até lá!
Vendo a sua fisionomia de aflição, Antoan cumprimentou-a
ironicamente.
-
Bom dia, Senhora duquesa Linia!
Depois convidou-a sorridente.
-
Vou leva-la para cavalgar...poderemos conversar com tranqüilidade nobre
senhora!
Linia prontamente concordou e assim que a montaria
ficou pronta acompanhou Antoan que parecia extremamente satisfeito.
O local predileto de ambos, nos quais realizavam
contínuos treinos de mira, era o topo da enorme cachoeira.
A água descia com abundância daquela enorme colina;
batia com violenta força sobre os rochedos e rumava tranqüila num rio de
intensidade plena; depois novamente desaguava em nova queda de água, sendo que
esta era mais alta e mais bela.
Linia apeou do cavalo sendo auxiliada por Antoan. O
guerreiro abraçou-a e lhe dando um beijo
sorriu sua vitoria .
Linia propositadamente caminhou até próximo ao rio
veloz; Antoan acompanhou-a.
-
Antoan estou apreensiva! Porque só aparecestes pela manhã?
O guerreiro continuou sorrindo ao lhe dizer.
-
Estava cansado e decidi repousar aqui mesmo onde estamos!
A jovem sentindo-se enraivecida porque não
conseguira dormir, apreensiva com sua demora, revoltou-se interiormente sem
aparentar, com a sua tranqüilidade em dizer-lhe que não se preocupara em
retornar á moradia, repousando profundamente ali mesmo.
Disse-lhe fingindo forçado sorriso.
-
Conta-me tudo Antoan, estou ansiosa!
Antoan pôs-se a brincar na beira do leito do rio que
corria veloz, carregando a água violentamente; murmurou em alegria extrema.
-
Matei Paulo com uma flecha certeira no peito! Matei Ricardo com uma
flecha certeira nos miolos! Agora poderemos nos casar...
Antoan caminhou até Linia, disposto a receber o
pagamento justo. A duquesa no entanto afastou-o com violência.
-
E o lorde Arthur, como o matastes?
O guerreiro encolhendo despreocupadamente os ombros,
disse-lhe:
-
Não o matei!
O tom irônico de Antoan foi o suficiente para que
Linia antecipasse os seus planos, ardilosamente elaborados.
Empurrou-o violentamente e Antoan desesperado
desequilibrou-se e caiu no rio sendo rapidamente arrastado para a enorme queda
d'água.
Linia pegou o seu cavalo e caminhou tranqüilamente
no meio da vegetação, descendo aquela grande colina.
Chegando no final da queda d'água observou no rio, o corpo de Antoan completamente
inerte e sem vida; sendo ainda arrastado pelas águas que com certeza o levariam
para bem longe da propriedade.
Montou tranqüilamente em seu cavalo e retornou
serena á sua moradia.
Encontrou Lana no aposento de Antoan, vasculhando os
seus pertences.
A serva assustou-se; pensava que Linia fosse demorar
no passeio. Tranqüilamente Linia trancou o aposento e antes que a serva podesse
gritar pedindo auxilio, a duquesa asfixiou-a violentamente com as suas mãos.
Lana completamente asfixiada , sem oxigênio morreu
contorcendo-se.
Linia deixou o corpo caido no chão do aposento e
saiu cantarolando alegre.
Passadas algumas horas, Linia que tocava
harmonicamente a sua harpa, na imensa sala,
chamou um servo e ordenou-lhe que achasse a serva Lana para trazer-lhe
um lanche.
Não tardou o servo apareceu para informa-la que Lana
morrera arrumando o aposento do viajante.
Os servos da propriedade concluíram que sem nenhum
sinal aparente, a serva deveria ter morrido de um mal súbito.
Linia felicitou-se radiante! Estava livre da serva
antipática; Do guerreiro altivo; Do fiel medico Ricardo; Do indiferente
Gabriel...Só faltava o seu irmão Arthur, teria tempo!
Deitou-se confortavelmente em seu leito, para
repousar; Em plena alegria cerrou os olhos e dormiu em sua paz.
O nobre Arthur entrou
entristecido no seu castelo. Encontrou Carol chorando compulsivamente próximo
ao leito onde Ricardo era velado.
Colocou-lhe a mão no ombro e Carol voltou-se para
abraça-lo.
Não desejavam soltar-se, na união de seus prantos a
dor se fazia menor.
Não haviam palavras a serem ditas, as lagrimas
falavam por seus mais profundos sentimentos.
O dia passou vagarosamente na imensa tristeza que
abatera uma família feliz.
Ao entardecer o corpo de Lorde Ricardo Lanartini era
sepultado próximo a sepultura de Brigith.
Lorde Arthur tentava ser forte para amparar a nobre
senhora Carol, mas não conseguia e por vezes sentia-se o menino carente
desejando o seu colo e o seu consolo.
Carol o compreendia e escutava em suas lembranças as
palavras de seu companheiro Ricardo que lhe diziam em confidência "Arthur
agora é o nosso menino e devemos cuidar dele porque ninguém mais tem".
Então acariciava Lorde Arthur esquecendo-se de sua própria dor.
Na masmorra
onde fora jogado, Gabriel completamente machucado, pelas agressões de
incompreensão do nobre jovem, erguera-se com dificuldade para observar o
entardecer.
Lembrou-se do amigo Paulo atingido por flecha
certeira; lembrou-se de cavalgar até o castelo e lá ter sido atingido por
alguém do qual não se lembrava do semblante... nada mais recordava.
Acordara com o chão frio e todo o corpo ferido e
dolorido. Pensava que ali estava pela morte de Paulo e não tinha conhecimento
da morte de Ricardo.
Finalmente Gabriel conseguiu segurar-se nas grades
da janelinha e visualizar a longa distancia um sepultamento.
Concluiu que seu amigo e irmão Paulo era sepultado
com honras de um nobre ... ainda que não compreendesse ficava feliz porque o
valente rapaz o merecia.
Não entendia quem o matara e porque o
matara...deixou-se cair no chão contorcendo-se em dor; as feridas sangravam
constantemente e o rosto estava-lhe completamente sensível.
Na memória lhe vinham as suas culpas"...também
o pai de Henri II não sabia quem o matara e porque o
matara"..."também Anderson não compreendia porque caíra do seu
cavalo, e porque fora asfixiado por uma almofada"..."também Job não
compreendia porque a doce Brigith morrera envenenada"...
Gabriel encolhia-se tal qual feto em ventre materno.
A dor de sua consciência lhe era mais dolorosa que a
dor que sentia em seu corpo.
Aqueles
dias passaram-se em imensa dor para a senhora Carol e para Lorde Arthur. Mas naquela manhã fria que já antecedia o
inverno, que se aproximava; Arthur aproximou-se dizendo á nobre senhora:
-
Viajaremos pela manhã; vou buscar Sara na corte...somente ela trará
alegria a este lar novamente!
-
Arthur deixai-me aqui, com as minhas tristes lembranças!
O jovem nobre olhou-a suplicante:
-
Não minha grande amiga Carol, peço-lhe piedosamente que me acompanhes;
preciso de sua companhia! Não me deixes só!
A nobre senhora observando-lhe a apreensão
indagou-o:
-
Quem administrara a propriedade?
O lorde Arthur respondeu-lhe:
-
Deixai isso comigo, nomearei alguém para que zele pelo propriedade do
castelo e por sua propriedade...deverás providenciar imediatamente as tuas
vestes para a longa viagem...retornaremos só na próxima primavera!
O jovem entregou-se subtilmente ao pranto e
balbuciou emocionado abraçando-a:
-
Quando acabará esta imensa dor; dói-me mais a perda de meu amigo
Ricardo do que a morte de meus familiares!
Carol amparou-o entregando-se também ás lagrimas.
No dia imediato, de manhã bem cedo, duas carruagens
afastavam-se do castelo; acompanhadas de três servos e os quatro guerreiros.
O castelo ficara entregue
aos servos e a um capataz que Arthur nomeara em confiança.
Na ausência dos nobres Arthur e Carol, o castelo se
tornou sombrio e assustador!
Gabriel Vandak, enclausurado á cinco dias, não tinha
conhecimento da viagem dos nobres.
Ficara entregue
ás continuas e incessantes agressões de um longo inverno rigidamente
frio; e ás agressões dos servos que vinham á sua cela para agredi-lo!
Inconformados com o sofrimento de seus senhores aos quais tanto respeitavam
pela extrema bondade e em sofrimento pela perda de seu médico sempre
prestativo.
Freqüentemente era espancado até ficar inconsciente;
e quando começava a melhorar, novas violências lhe vinham.
No imenso frio do inverno sentia o corpo regelar, e
pensava que não amanheceria com vida.
Mas a vida sempre lhe surgia, dia após dia; tal qual
a refeição rasa e insuficiente mas que lhe sustentava ainda o corpo.
Gabriel sentia-se saudoso de Ricardo que aprendera a
amar como a um pai; e de sua mãe Carol a qual ambicionava dar somente orgulho.
Desejava ter a oportunidade de falar-lhes, para
dizer-lhes que era inocente...mas estava ciente de que o Lorde Ricardo não mais
acreditaria nele, após vê-lo fazer tantos males.
Se pelo menos podesse vê-lo vagando na propriedade;
se conseguisse gritar-lhe "dai-me uma oportunidade de falar-lhe nobre
Ricardo!"..."concedei-me um instante minha querida mãe
Carol"...Mas as poucas vezes que conseguira erguer-se e caminhar até á
pequena janelinha, somente via alguns servos, que rapidamente caminhavam, encolhidos
com o imenso frio.
Assim, Gabriel passou aquele longo e interminável
ano. Em continuo sofrimento pelos maus tratos que lhe faziam as baixas
temperaturas; e as agressões dos servos fieis ao Lorde Arthur.
Porem o maior sofrimento continuava lhe vindo de sua
consciência...o maltratava e o agredia diariamente sem piedade!
Finalmente o
sol surgiu na propriedade e o calor voltou para trazer algum conforto a Gabriel
Vandak, aquecendo-lhe um pouco a cela fria e o corpo gelado.
Os servos correram felizes para receber o Lorde
Arthur que se aproximava do castelo acompanhado
da Duquesa Carol e a Duquesa Sara.
Os servos observaram o semblante da menina Sara,
estava amadurecida com seus dezesseis anos . Era formosa e bela, uma verdadeira dama. Os seus olhos no entanto eram os mesmos
olhos negros expressando extrema bondade.
Lorde Arthur pegou-lhe a mão e sorrindo para os
servos disse-lhes:
-
Esta é a minha esposa, a senhora Duquesa Sara Corleanos! Respeitai-a
como me respeitam e tenham-lhe fidelidade, tal qual me têm!
Dizendo isto os servos aplaudiram-nos felizes. Carol
também sorria-lhes mas o sorriso ainda lhe era triste.
Com o retorno do Lorde ao castelo os maus tratos e
os ataques constantes dos servos, a Gabriel pararam. Finalmente este pode se
recuperar da dor do corpo, mas não estava livre da dor da alma.
Sara trouxe a felicidade de volta para o castelo com
o seu encanto, a beleza e a extrema simpatia que emitia a todos.
O encanto de suas musicas alegravam quem as
escutasse; gostava imensamente de cantar e tocar.
O lorde Arthur parecia irradiar em sua companhia;
era o marido fiel, carinhoso e prestativo; e Sara era-lhe a esposa e a companheira. Mas também lhe
auxiliava a administrar a propriedade.
Pelas manhãs saiam juntos a cavalgar,
supervisionando as colheitas e as plantações. ä tarde Sara fazia companhia a
Carol. Lendo, costurando ou passeando pelos jardins.
Freqüentemente Lorde Arthur cavalgava até á
propriedade de Carol, administrada por Silvio, para auxilia-lo no que se
fizesse necessário.
Desde a morte de Ricardo, nunca se preocupara com
Linia e nem tivera noticias dela ou de sua propriedade.
Sentia-se melhor mantendo-se distante!
Também nunca indagara sobre o p[prisioneiro e nenhum
servo viera lhe falar a respeito. Era como se Gabriel Vandak nunca houvesse
existido.
Carol em sua infinita dor de mãe não se esquecera do
filho, mas não conseguia perdoa-lo pela morte de seu companheiro no auge de sua
felicidade. Não lhe compreendia a sua atitude e não se sentia encorajada a
procura-lo.
A perda ainda lhe doía profundamente, ao recordar-se
do filho Gabriel erguendo o arco radiante, e o seu querido e bom Ricardo,
inerte numa mancha de sangue com a flecha atravessada em sua cabeça.
Esforçava-se para não lembrar aquele dia, mas continuamente a imagem
inesquecível lhe vinha dolorosamente á mente.
Enclausurava-se em seu aposento, em pranto
convulsivo.
Sara desconhecia completamente o drama da nobre
senhora; Lorde Artur simplesmente lhe contara entristecido, que Ricardo
falecera repentinamente; e Sara para Não lhes trazer mais dor, nada lhes
indagava a respeito.
Sentia-se curiosa no entanto por saber onde andava o
filho de Carol, e aguardava que eles lhe falassem sobre ele.
Lembrava-se do ultimo alerta de seu querido pai Job,
a respeito de Linia. "Querida filha Sara, deverás alertar ao nobre Arthur
sobre a perigosa Linia fazei-o prontamente". prontamente o fizera, mas
também Arthur nada lhe falara a respeito da vida de Linia... e os dias iam-se
passando.
Estudara no eduncandário que os bons cristãos iam
para o lado de Deus, e os maus cristãos iam para o lado do diabo...não
compreendia no entanto, como o seu pai Job, estando do lado de Deus, poderia
ter-lhe acompanhado tanto tempo; confortando-a e amparando-a; até o dia em que
lhe disse que não poderia mais ficar...sentia-se saudosa de seu carinho e de
sua proteção!
Atrevera-se a indagar certa vez, a uma religiosa do
educandário, se as almas das pessoas boas podiam descer para conversar; mas a
perplexidade e os castigos foram tantos em função da infâmia, que Sara decidira
nunca mais dialogar sobre a sua estranha experiência que tivera durante alguns
anos; comunicando-se com o seu pai falecido.
Para felicidade de todos, sara rapidamente ficou esperando um filho; e
sob os olhares protetores de Lorde Arthur, eles foram abençoados com duas
crianças idênticas ás quais deram os nomes de Joane e Brigith. Para fazer
reviver a lembrança querida de sua doce mãe e sua meiga irmã, assim disse-lhe
Sara.
As lindas meninas eram as aliadas de Sara para
trazer alegria e encantamento á vida de Carol e Lorde Arthur.
Mimos e carinhos não lhes faltavam. Um medico havia
sido trazido da corte, especialmente para os cuidados no parto de Sara. Lorde
Arthur não desejava arriscar-se a perder novamente seres que tanto amava e que
lhes eram a vida.
Quando as meninas completaram dois anos em plena
semelhança e vivacidade; Sara em parto extremamente difícil e complicado que
lhe ameaçou a vida, concebeu um menino forte e saudável, ao qual lorde Arthur deu
o nome de Ricardo.
Não havia no castelo mais tempo para saudades
tristes ou lembranças desagradáveis. As crianças mantinham a mãe Sara e a avó
Carol, ocupadas freqüentemente.
Lorde Arthur quando precisava viajar , o fazia
rapidamente não desejando manter-se longe dos filhos, da esposa e da
"mãe".
Gabriel Vandak
esquecido em sua pequena cela e completamente ausente da vida que o rodeava
feliz no castelo, assinalara mais um pequeno tracinho nos numerosos que já ali
havia marcado. Mil seiscentos e dez dias
de claustro, de solidão e de isolamento.
Quatro anos e cinco meses sendo submetido ao rigor
de vida flagela.
Ainda que tivesse certeza do tempo que ali estava
não sabia no entanto em que época estava e em qual daqueles tracinhos era o dia
de seu aniversario.
Perdera a noção dos meses e deduzia-os pelo tempo e
pela temperatura que lhe vinham na pequena janelinha que lhe ofertava a vida.
Diariamente a comida lhe vinha uma única vez e devorava
faminto e voraz. A água também só lhe era ofertada uma única vez. Sentia-se
imensamente magro e fraco.
O guerreiro que lhe trazia as refeições todos os
dias nada lhe falava ou dizia, simplesmente arrastava para o interior da cela
sem abrir a porta, o fundo prato de comida e um vasilhame de água. No dia
imediato nova refeição trazia e levava os vasilhames do dia anterior.
No inicio Gabriel ainda lhe pedia clemência para que
dialogasse, e lhe informasse como estavam Lorde Arthur, Ricardo e Carol...mas o
guerreiro nada lhe respondia.
Depois desistiu e não mais suplicou-lhe uma
conversa.
Inúmeras vezes dialogava consigo mesmo,
questionando-se e respondendo-se para que a voz não lhe emudecesse ou para que
os ouvidos não silenciassem;
Cantarolava e contava estórias para não enlouquecer
em diária ociosidade.
Exercitava-se em sua imensa fraqueza e dolor físico,
para que os músculos não enrijecessem. Surpreendia-se como permanecera vivo com
tanta escassez de alimento e com o corpo tão empregnado de sujeira em crostas
densas em que os bondosos ratos auxiliavam-no a se livrar.
Também esses animais rasteiros e seus únicos
companheiros, auxiliavam-no a se livrar das fezes fétidas que empregnavam o
ambiente.
A veste escurecera e o cheiro insuportável que o seu
corpo emanava e por vezes sentia.
Inúmeras vezes pedira clemência e misericórdia,
pedindo-lhe que o matasse não sendo mais digno á vida, e sendo-lhe a vida em
demasia penosa; mas Deus parecia também haver se aborrecido com os atos tão
censuráveis de sua vida, e não lhe vinham respostas, os pesadelos lhe eram
freqüentes, e nestes a bela Brigith o censurava pela morte de seu noivo, do
irmão e da mãe...acordava angustiado ainda escutando-a dizendo "porque me
matastes Gabriel?"...tudo lhe era tormento e dor!
Linia também em seu claustro privado, se tornara histérica e colérica,
naqueles anos.
Seus desejos e vontades mais irracionais eram
prontamente atendidos pelos servos que temiam seus castigos.
Inúmeras vezes divertia-se prendendo-os á fome ou ao
tempo.
Não ousavam fugir ou pedir auxilio ao lorde Arthur,
porque outros já o haviam tentado em vão, sendo exterminados por um capataz
jovem e robusto que se tornara seu aliado e amante. Se beneficiava levando e negociando as
colheitas que Linia lhe ofertava.
Porem o vivaz capataz Augusto não a temia, mas a
desafiava deixando-a mais irritada. Ouvia-se falar em sua propriedade que
freqüentemente tomava chás abortivos para eliminar os filhos indesejáveis. E
que inúmeras vezes, deixava-se agredir por Augusto em pacto sarcástico de
prazer.
"Enlouquecera"...diziam seus servos
cuidadosamente.
Porem Linia
não enlouquecera. Usufruía do poder e de sua fortuna arrecadada em boas
colheitas. Eventualmente viajava para a corte para gasta-la, em abundância
enquanto Augusto ficava senhor de suas terras.
Usava o capataz como elemento essencial aos seus
caprichos e prazer, mas o descartaria tal qual a um objeto de seu uso pessoal
quando não mais precisasse dele.
Certa vez Linia voltou da corte, acompanhada do
Duque Jordan, um velho rico e excêntrico com o qual se casara oportunamente por
suas propriedades e títulos.
Viuvo solitário, com sessenta e oito anos e sem
filhos...Linia encontrara uma verdadeira fortuna sendo guardada por um velho
frágil; era-lhe a oportunidade de mais enriquecer facilmente, em sua infindável
ambição.
O Duque Jordan seduzido por sua beleza e juventude,
prontamente desposou-a, vendeu tudo o que possuía e viajou com Linia para a sua
propriedade. Trouxera alguns de seus servos, animais, e muitas jóias e ouro em
abundância.
O capataz Augusto permaneceu sendo o amante de Linia na obscuridade.
Até o dia em que o velho Duque Jordan faleceu de mal
súbito deixando-lhe a imensa fortuna em jóias e ouro; e senhora de mais um
titulo " Duquesa Linia Corleanos Dubrak".
Com a enorme fortuna, Linia passava os dias
enclausurada na pequena biblioteca, contando e recontando as moedas. e
desfilando com as jóias.
Ninguém ousava ali entrar, nem mesmo Augusto. Quando
dali saia, fechava rigorosamente a tranca e ocultava a chave no assoalho de
madeira sob o seu leito.
Naquela magnifica manhã, despertou decidida a
partir!
Chamou o mensageiro e lhe mandou entregar a seguinte
mensagem:
"Querido Arthur,
Estou
deixando a miserável propriedade
que me
concedestes estes anos;
Deixo-te os
teus servos e os teus animais.
Não preciso mais
de tuas esmolas!
Desejo que
morras em minha vingança!
Até breve
irmãozinho.
Linia
Corleanos Dubrak"
O mensageiro sairia ao anoitecer, veloz a galope,
não levaria somente a mensagem da
duquesa Linia que desconhecia o teor,
mas o apelo de todos os seus servos que finalmente tinham a oportunidade de
pedir auxilio a Lorde Arthur.
A duquesa Linia aprontou-se para viajar na manhã
seguinte. Faria a viagem com os servos e os animais de seu falecido esposo;
iria para a corte.
Com a fortuna que possuía, "com certeza
compraria um belo castelo em local civilizado e poderia viver o resto da vida
em regalias se ninguém a roubasse".
A idéia de ser roubada amargurou-a, temendo que o
capataz Augusto demasiadamente ambicioso.
Satisfazia todos os seus desejos e caprichos por
qualquer boa recompensa. " Poderia rouba-la na viagem!"
Decidiu convida-lo para ir até á cachoeira, onde costumavam
se encontrar ocultamente e lá empurrou o capataz Augusto na queda d'água para
mata-lo; da mesma forma como havia feito com seu cúmplice Antoan , nas mortes
de Ricardo e Paulo.
Retornou á moradia satisfeita e após dar instruções
aos servos a respeito da viagem, deitou-se para repousar, sentindo-se mais
tranqüila.
O mensageiro chegou ao castelo, a noite já se fazia imponente.
Lorde Arthur recebeu-o intrigado, visto que chegara em galope apressado.
-
Senhor Lorde Arthur, trago-lhe mensagem da Duquesa Linia Corleanos
Dubrak!
O lorde pegou o
manuscrito e rompeu-lhe o lacre, enquanto o mensageiro apeava da
montaria. Antes de ler a mensagem, lorde Arthur olhou-o dizendo-lhe:
- Está tarde
em demasia! Melhor retornares á propriedade de tua senhora!
O servo suplicante, ajoelhou-se no chão em
humildade:
-
Peço-lhe clemência Senhor lorde Arthur, concedei-me trabalho em suas
terras; não desejo voltar á propriedade de minha senhora a duquesa Linia
Corleanos Dubrak!
O Lorde Arthur pediu-lhe que se explicasse,
segurando o manuscrito em suas mãos, e o
servo descreveu-lhe em breve narrativa, os horrores a que haviam sido
submetidos todos os servos de sua irmã. Disse-lhe que os servos lhe pediam
auxilio...
O nobre estava indignado com tudo o que ouvira e
dispensando o mensageiro para que se recolhesse ao pavilhão dos servos, leu
então a mensagem.
A duquesa Sara percebeu o semblante contrariado do
seu marido Lorde Arthur. Há muito tempo não o via assim tão sério. Também Carol
que ali estava visualizou o seu semblante entristecido.
As crianças brincavam perto da mãe Sara. Brigith e
Joane com quase três anos e Ricardo iria completar o primeiro aniversario.
Sara levantou-se com dificuldade e caminhou até Arthur dando-lhe um beijo no rosto;
indagou-lhe preocupada:
-
O que houve meu querido?
O nobre jovem olhou-lhe para a sua barriga avolumada
nos seis meses de gestação, e temeroso confortou-a.
-
Nada com o que devas te preocupar querida Sara; tive uma mera discussão
com um servo!
Sara sentia que o marido estava lhe omitindo alguma
coisa e falou-lhe entristecida.
-
Nunca me ocultastes nada; porque o fazes agora querido Arthur! Não te
preocupes com meu estado; sinto-me imensamente bem!
O nobre encaminhando-a para que se sentasse e
pedindo a uma serva que levasse os seus filhos para dormirem, explicou para
Sara e para Carol que pareciam apreensivas.
-
Recebi esta mensagem de Linia!
Sara prontamente ignorou-a, pedindo-lhe licença
amorosamente e explicando que iria dar boa noite para seus filhos. Não desejava
ter noticias daquela que fora sua mãe.
Arthur compreendeu-lhe a atitude e sentiu-se mais
tranqüilo em não ter que passar-lhe contrariedades. Carol, no entanto,
prontamente pegou a mensagem e a leu atentamente. Compreendeu prontamente o
motivo do semblante entristecido do nobre Arthur: "Ofertara tudo á sua
irmã bastarda e agora recebia ingratidão e ameaças!"
A nobre senhora aproximou-se e lhe colocando a mão
carinhosamente em seu ombro, consolou-o :
-
Não te inquietes assim nobre Arthur; bom que se vá! Nunca nos fez
qualquer visita e como percebestes a filha Sara, nem deseja ter noticias;
perdoai e esquecei!
O Lorde Arthur agradeceu-lhe o consolo com um olhar
expressivo de amor e falou-lhe baixo, temeroso que Sara voltasse:
-
Não estou preocupado assim por causa de Linia; recebi outra mensagem
mais cedo, de um lorde que mora a alguns dias desta propriedade.
Carol carinhosamente olhou para o nobre que vira
crescer e que agora amadurecido, em seus vinte e cinco anos, demonstrava enorme
aflição. Escutou-o apreensiva.
-
Quarenta rebeldes vindos da corte rumam para cá...já atacaram e
saquearam inúmeras propriedades! Invadem nobres moradias e impiedosamente
matam! Temo tanto por nossa segurança!
A nobre senhora, sentindo a gravidade daquela
situação, perguntou?
-
Porque esses rebeldes fazem isso?
O nobre atenciosamente explicou-lhe que os
guerreiros da corte a mando do rei, pretendiam prender e matar alguns rebeldes
que ameaçavam o reinado; estes no entanto, sendo antecipadamente avisados da
determinação do rei, conseguiram se ocultar nas matas. Roubando armas e
cavalos, gradativamente foram se tornando um enorme grupo de salteadores
inescrupolosos .
Carol levantou-se pensativa e após caminhar
preocupadamente silenciosa, sugeriu-lhe:
-
Nobre Arthur, recolhei os animais e os servos tal qual o fizestes
quando vieram as terríveis tempestades de nevasca; se as tormentas não te
destruíram, não serão estes rebeldes que te destruirão!
O lorde Arthur estava surpreso com a perspicácia da
nobre senhora; sentiu-se impressionado pois parecia estar escutando os sempre
prudentes e sensatos conselhos de seu amigo e tutor Ricardo. Disse abraçando-a:
-
Agradeço-te imensamente minha amiga Carol; seguirei teu conselho
imediatamente; Ficarmos alguns dias reclusos no interior das muralhas não nos
trará grandes incômodos e poderá evitar-nos grandes prejuízos.
Deu uma breve pausa silencioso e continuou.
-
Devo antes no entanto, explicar o motivo da reclusão para Sara; sei que
não lhe posso omitir isto pois perspicaz como é, não compreenderá a
movimentação no castelo e em seu estado a ansiedade lhe fará grande mal!
Após dar um forte abraço em Carol, retirou-se
desculpando-se. Caminhou pensativo até os aposentos de seus filhos e lá
encontrou sua esposa Sara, olhando a paisagem negra de uma das grandes janelas.
Abraçou-a com
extremo amor, tomando imenso cuidado com seu ventre e lhe falou ternamente:
-
Querida, precisamos conversar!
A jovem acompanhou-o tranqüilamente até o seu
aposento e após sentar-se comodamente em seu leito, o nobre contou-lhe sobre o
ataque que deveria ocorrer nos dias imediatos; e falou-lhe da sugestão de
Carol.
A jovem Sara, plenamente determinada com seus
dezenove anos de idade, apoiou prontamente Arthur na decisão de proteger, não
somente a sua família ou os seus bens, mas principalmente os seus servos.
Murmurou no entanto preocupada:
-
E a propriedade de Carol?
O Lorde Arthur prometendo-lhe que no dia imediato,
pela manhã bem cedo, iria lá e auxiliaria os servos a recolherem os animais e
objetos de valor; lembrou-se da propriedade de Linia.
-
Minha querida Sara, preciso falar-te de Linia!
Sara compreendendo ser necessário, pois sabia que o
marido não a incomodaria se assim não o fosse, escutou-o atentamente. Arthur
então falou-lhe a respeito da mensagem de sua mãe. Sara falou-lhe
imediatamente:
-
Acolheremos também os servos que
lá estão; não será justo que fiquem sós perante o ataque...trazei-os para o
castelo, quanto mais formos mais possibilidades teremos de nos defendermos desses
rebeldes...dará tempo querido Arthur?
O nobre falou-lhe agradecido, que pela mensagem que
recebera alertando-o sobre o ataque, de um
lorde que lhe era amigo; os
rebeldes deveriam chegar á propriedade em aproximadamente dois dias e que se
fossem ágeis, daria tempo para tomarem
todas as providencias necessárias á proteção de todos.
No dia
imediato, ainda muito cedo, Arthur rumou para a propriedade de Carol e após
explicar a situação a Silvio e aos servos que ali moravam; todos se
predispuseram a ir prontamente para o castelo, onde estariam em segurança e
poderiam auxiliar a defende-lo. Rapidamente e cientes de que não tinham muito
tempo, reuniram os animais e juntaram os seus pertences. O sol se erguia em
plenitude quando finalmente rumavam para o castelo.
Neste, outros servos já se encontravam, recolhendo e
armazenando as colheitas, e encaminhando os animais também para a proteção das
muralhas. No dia seguinte, rumariam para a propriedade de Linia para fazer o
mesmo.
"Com certeza o tempo seria suficiente, para
proteger todos!" Pensou Lorde Arthur sentindo-se confiante, enquanto
olhava para o sol, ainda imensamente alto e quente.
O capataz Augusto olhou-se na margem claramente límpida do rio ; as
pedras finas da cachoeira tinham-no cortado demasiadamente.
Recordava-se da imagem da Duquesa Linia empurrando-o
para a morte!
Não tivera êxito no entanto, pois ele conseguira se
agarrar ferozmente em alguns fortes galhos, antes que a água que corria veloz,
o atirasse na imensa queda d'água.
Usara toda a sua força e todo o seu instinto e
conseguira com imensa dificuldade, alcançar novamente a margem e ali ficara,
inerte em imensa fadiga, inconsciente até aquela manhã.
Despertara com o sol forte daquela tarde, sentindo
muita dor em todo o corpo. Ao ser arrastado de bruços pela violenta correnteza,
o seu rosto se desfigurara em ferimentos
e hematomas; mas estava vivo!
Sempre tivera consciência de sua ambição e sabia que
para conquistar um belo patrimônio, fazia qualquer coisa; ferir os servos ou
mata-los; humilhar-se aos caprichos de uma nobre dama; Mas não conseguia
compreender porque a Duquesa Linia, mediante sua extrema fidelidade e
humildade, o condenara á morte!
Caminhou determinado e em imensa dificuldade até á
nobre moradia; intermináveis horas foram necessárias para fazer o trajeto.
Estava decidido a pedir-lhe explicações.
Os servos avistaram-no já a noite escura se fizera.
Olharam-no horrorizados para o estado
físico do violento capataz Augusto. Este cambaleava ofegante e exausto, quase
que se arrastando.
Augusto ignorou os seus semblantes assustados que
pareciam não compreender onde tanto se ferira. Defronte á moradia da Duquesa Linia, soltou um forte
grito, que mais parecia um gemido rouco de raiva:
-
Linia!
Um dos servos, piedosamente se aproximou
dizendo-lhe:
-
Senhor Augusto, a duquesa viajou pela manhã! Foi para a corte jurando
que nunca mais voltaria aqui!
Após dizer isto o servo temendo-o afastou-se e os
demais companheiros também o fizeram.
Augusto estava só e exaurido defronte á moradia.
Olhou a noite escura e decidiu entrar.
Com imensa dificuldade banhou-se lavando os cortes e
os hematomas; que se contavam em inúmeras feridas. Sentindo-se melhor, colocou
uma veste limpa, pegou a sua espada e foi até o pasto para pegar uma boa
montaria.
Concluíra que a Duquesa Linia, não deveria estar
muito longe a apenas um dia de viagem. Com facilidade a alcançaria e estava
certo de que os servos e os guerreiros do falecido Duque Jordan, que a acompanhavam, não haviam se esquecido
do pacto que tinham feito em comum: "Augusto lhes dava proteção e eles lhe
teriam fidelidade!"...O violento capataz fizera diariamente a sua parte;
esforçara-se em lhes agradar com abundância de alimento e por vezes algumas
moedas de ouro; também quando a Duquesa Linia mandava agredir algum deles por
mero capricho, o capataz os levava para longe fingindo obedecer a ordem da
nobre dama, mas simplesmente os protegia. Augusto fizera este pacto com eles,
porque temia a qualquer instante uma revolta dos servos de Lorde Arthur e
precisava ter os seus próprios defensores.
Nunca pensara no entanto, que um dia precisaria
destes, por causa de uma traição da Duquesa...confiava em Linia plenamente!
" A alcançarei de manhã, se cavalgar veloz a
noite inteira" Pensando assim prontamente Augusto montou e seguiu veloz.
Já o sol se erguia quando o capataz Augusto avistou
a imponente carruagem de sua senhora, Duquesa Linia Corleanos Dubrak!
Sem deixar-se ser visto, apressou o galope e esperou
os viajantes na estrada mais adiante.
Os guerreiros vendo Augusto, ainda que também não
compreendessem a desfiguração de sua face, cumprimentaram-no felizes; assim
como os demais servos também o fizeram. Linia na sua carruagem nada percebera,
pois o trajeto não fora interrompido. Cavalgando com seus amigos, em trote
lento, contou-lhes o que a duquesa fizera consigo "atirara-o para a
morte!" e alertando-os que esta faria o mesmo com qualquer um deles, fosse
servo ou guerreiro, implantava-lhes a ira e a revolta.
Contou-lhes ainda, que a duquesa Linia matara o velho duque Jordan, que nunca
os maltratara, num ritual de asfixia
impiedoso.
O capataz Augusto conseguiu o que desejava, o
murmúrio de revolta ia se espalhando pelos servos indignados.
Seguindo orientações do capataz Augusto, os
viajantes pararam próximo a uma clareira na beira da estrada, mantendo-se
silenciosos.
A duquesa Linia, intrigada com a parada e o
silencio, saiu da carruagem para ver o que ali acontecia.
O capataz agilmente pulou na sua frente
assustando-a.
Empunhando a espada, encostou-a no rosto delicado da
jovem duquesa, reverenciando-a ironicamente e sendo observado pelos guerreiros
e servos do falecido Duque Jordan, que se mantinham imóveis. Falou-lhe:
-
Boas tardes minha duquesa; pensavas que eu estivesse morto?
Linia desesperada ordenou que os guerreiros a
defendessem, mas estes limitaram-se a rir de sua ordem histérica. A jovem olhou
então para a face desfigurada de Augusto, sentindo-se confusa em como ele tinha
conseguido sobreviver á imensa queda d'água daquela imponente cachoeira. Os
seus olhos luziam raiva e ódio e Linia sentia preocupada que ele ali
estava para roubar-lhe a fortuna em
vingança.
Amedrontada desejou entrar na carruagem para
ingenuamente tentar proteger-se. Augusto impedindo-a disse aos guerreiros:
-
Tirai-lhe as vestes e prendei-a naquela arvore!
Os guerreiros prontamente atenderam o seu pedido sem
questionar suas intenções. Enquanto Augusto retirou da carruagem o baú com sua
enorme fortuna. Após conseguiu arromba-lo disse aos guerreiros e aos servos:
-
Isto é de todos nós e será justamente dividido!
Todos lhe responderam com um só grito de euforia, vendo as jóias e
o ouro no baú.
A duquesa Linia desprovida de todas as suas vestes,
e amarrada nos pés e mãos á arvore, começava a chorar pedindo-lhes clemência.
O capataz Augusto indiferente aos seus apelos, olhou
para as poucas mulheres e crianças ali presentes e falou-lhes:
-
Ide até a duquesa, uma de cada vez e cumprimentai-a como sentirdes
vontade; depois venham aqui receber a vossa recompensa!
Pouco a pouco as mulheres e as crianças foram se
aproximando de Linia; umas cuspiam-lhe, outras esbofeteavam-na, outras só a
olhavam com indiferença...depois iam para perto do capataz que lhes entregava
jóias e moedas de ouro em abundância, e lhes pedia que caminhassem pela estrada
até onde nada mais vissem.
Obedientes e felizes as mulheres e as crianças se
afastaram deixando ali somente os homens.
A duquesa Linia silenciara no amargor que sentia, na
humilhação e na dor; somente o seu pranto incontrolavel quebrava-lhe o
silencio.
Então Augusto deixando-se dominar pela dor que
também sentia em seus próprios ferimentos, encheu-se de ódio e falou aos
homens:
-
Agora sois vós homens que sempre me foram fieis e amigos...ide até á
duquesa Linia Corleanos Dubrak e cumprimentai-a como desejardes...ela é jovem,
bonita, e muito interessante...e todos vós sabeis que sentia enorme satisfação
em quando a agredia...
A frieza estava-lhe estampada nos olhos e sentou-se
calmamente próximo ao baú, enquanto os servos e guerreiros iam se aproveitando
da duquesa ou simplesmente agredindo-a. Depois pegavam a sua parte do tesouro
de Linia.
Já o sol se escondia sob as colinas quando o ultimo
homem violentou Linia com crueldade.
A duquesa Linia Corleanos Dubrak ainda consciente,
mas completamente ferida, estava deitada no solo, os homens a tinham soltado
para melhor se vingarem dela. Encolheu-se tal qual uma criança; não tinha mais
forças para chorar ou se lamentar do que ali lhe acontecera.
O baú esvaziara-se quase por completo. O que ali
sobrara seria a parte de Augusto e ainda seria suficiente para que comprasse
uma boa propriedade.
Estava sozinho na clareira, com a carruagem de Linia
e dois cavalos. Caminhou satisfeito até á jovem duquesa que se mantinha encolhida
e imóvel e abaixou-se dizendo-lhe:
-
Duquesa Linia Corleanos Dubrak, agradeço-lhe imensamente a boa
hospitalidade em sua propriedade e desejo deixar-lhe uma lembrança...
De posse de um punhal o capataz Augusto fez-lhe
profundo corte em sua face direita. E guardando tranqüilamente o mesmo,
prosseguiu:
-
...te lembrarás o resto de tua vida, do teu fiel e submisso servo
Augusto!
O capataz afastou-se; atrelou a carruagem aos dois
cavalos e seguiu viagem com seus companheiros.
Linia ali ficou
inerte, deitada no solo frio. O corte em sua face sangrava demasiadamente; o
corpo doendo-lhe profundamente; não se movia e desejava morrer.
Tardiamente naquela noite e ainda na mesma posição
encolhida e imóvel, Linia escutou o trotar ligeiro de muitos cavalos vindo em
sua direção.
Escutou um grito autoritário ordenando que todos
parassem e viu quando um forte homem apeava da montaria na estrada e caminhava
em sua direção.
Abaixou-se para olha-la, julgando que ela estava
morta. Ao toca-la sentiu-lhe a pele quente e o ar ofegante.
-
Levanta-te, ordeno-te!
Linia levantou-se com extrema dificuldade e só então
olhou ao redor. Aproximadamente quarenta homens armados em suas montarias a
olhavam também, em trajes sujos. "São salteadores!" concluiu rapidamente
em seus pensamentos. Aquele que parecia o líder, olhou-lhe o corte profundo na
face e observou-lhe os inúmeros hematomas...facilmente deduziu a violência que
ela sofrera. Ordenou-lhe friamente:
-
Como te chamas?
O tom era autoritário e rude. A duquesa
respondeu-lhe num balbucio quase imperceptível:
-
Chamo-me Linia!
O homem grotescamente voltou a indagar-lhe:
-
És serva de que propriedade?
A duquesa Linia Corleanos Dubrak não conseguia
pensar no que responder-lhe e manteve-se silenciosa e imóvel; mas as pernas não
mais lhe sustentavam o corpo e perdendo a consciência desmaiou.
O líder daquele bando de salteadores colocou-a na
garupa de uma das montarias e continuaram viagem.
Atacariam a propriedade do rico Lorde Arthur em
busca de ouro e jóias, no dia imediato ao anoitecer.
O ataque foi um
fracasso para os salteadores. O nobre Lorde Arthur previamente avisado por seu
amigo, conseguira resguardar a propriedade e os seus moradores.
Os guerreiros o haviam defendido com glória naquela
noite, e os salteadores tinham desistido.
Naquela manhã, Lorde Arthur pediu para os guerreiros
vasculharem a propriedade e lhe informassem os estragos e os possíveis mortos e
feridos.
Pediu a todos os servos que se mantivessem no
interior do castelo, porque temia que os rebeldes ainda voltassem.
O sol ainda não se tinha erguido em majestade,
quando os guerreiros retornaram ao castelo, dizendo ao nobre que haviam contado
cinco rebeldes mortos naquela noite e traziam-lhe um corpo nu de mulher.
Lorde Arthur aproximou-se do corpo que estava
próximo ao pavilhão interno dos servos. Perplexo percebeu que era a sua irmã, a
duquesa Linia.
Ainda que não gostasse da sua extrema arrogância,
sentiu-se piedoso de a ver naquele estado. Não somente pelo fato de lhe ter
parentesco, mas por ser uma mulher violentamente maltratada e agredida.
O corpo nu, sujo e bastante ferido estava imóvel e
parecia sem vida; o nobre tentava conter a emoção. Um dos guerreiros falou-lhe.
-
Ainda está viva, senhor Lorde Arthur!
Todos os servos que ali estavam observando-os,
sabiam que se tratava da Duquesa Linia Corleanos Dubrak. Alguns deles tinham
trabalhado para a nobre e tinham conhecimento das suas extravagancias e de seus
caprichos em
maltrata-los. Uns a olhavam com indiferença, outros com
raiva, mas a grande maioria sentia profunda piedade de seu sofrimento.
Lorde Arthur abaixou-se misericordiosamente e pegou
Linia no colo, levando-a rápida e carinhosamente para um aposento; enquanto um
dos guerreiros se apressava a localizar o medico que fazia ainda alguns
curativos em servos feridos no ataque.
Lorde Arthur pediu a uma serva que a banhasse e que
a vestisse.
O nobre passou cuidadosamente os dedos em sua face
para sentir a profundidade do corte que traspassava ao interior da boca; muito
inchado e infeccionado.
Lorde Arthur saiu do aposento sentindo-se triste e
amargurado. Concluía em seus pensamentos apressados, que os salteadores a
haviam encontrado na estrada em viagem; "a roubaram e violentaram-lhe o
corpo"...sussurrou para si com indignação.
Com certeza a tinham abandonado ali, daquele jeito,
talvez como uma vingança pelo fracasso no ataque, ou talvez como um aviso...mas
sentia-se confuso porque os seus próprios guerreiros não a tinham protegido!
Com certeza o haviam feito, mas uma duquesa na estrada com apenas dez
guerreiros, nunca poderia escapar de quarenta salteadores armados e vorazes.
Os servos que resgatara em sua propriedade,
contaram-lhe que tinha viajado com uma imensa fortuna, os guerreiros e vinte servos
entre os quais mulheres e crianças..."coitados" exclamou;
"teriam estes sobrevivido ao ataque intempestuosos!"..."onde
estariam?"
As indagações eram-lhe muitas enquanto caminhava
apressado. Encontrou a esposa Sara e Carol costurando serenamente no salão.
Sara levantou-se com a costumeira dificuldade, em seu ventre avantajado e
disse-lhe alegre:
-
Disse-me o guerreiro que nenhum de nossos servos e guerreiros foi
morto! Graças a Nosso Pai!
Mas o seu semblante fechou-se ao ver a fisionomia
entristecida de Arthur e indagou-lhe nervosa:
-
Temes um novo ataque? É isto que te entristece?
Lorde Arthur pediu gentilmente a Sara que se
sentasse próximo a Carol e depois que esta o fez falou-lhes com cautela, sempre
temendo o seu estado:
-
Não acredito que os rebeldes voltem; temerão novas perdas...contaram os
nossos guerreiros que encontraram cinco deles mortos!
Sara indagou-lhe ansiosa interrompendo-o
-
Então o que te entristece meu querido?
O lorde
Arthur pegou-lhe a mão dizendo-lhe.
-
Temo por ti querida Sara e por nosso filho que ainda está em teu
ventre; mas receio não ter demasiado tempo para te omitir...
O semblante de Carol compreendia a seriedade no que
precisava lhes contar. Sara balbuciou determinada.
-
Estou bem Arthur, falai-me!
Lorde Arthur então pausadamente falou-lhe:
-
Precisas ir ver tua mãe...a duquesa Linia Corleanos Dubrak foi
encontrada próximo ao rio...estava nua e imensamente ferida!
Sara levantou-se surpresa, não desejava ver a mãe
que a abandonara. Sentia-se imensamente magoada por aquela mulher fria, avarenta
e inescrupulosa.
O nobre percebendo-lhe a emoção; levantou-se e a
abraçou cuidadosamente.
-
Faltam agora apenas dois meses para que o nosso filho nasça, controlai
a emoção e os maus pensamentos; não é momento para isto! Linia esta muito
ferida; tem hematomas em todo o corpo; foi barbaramente violentada e agredida;
compreendes o que te digo Sara?
Sara permanecia imóvel em seu abraço e Lorde Arthur
prosseguiu.
-
Releva o imenso mal que te
fez, e perdoai-a! Olhai-a piedosamente pelos sofrimentos aos quais a submeteram. Peço-te
que em tua extrema bondade, vás até lá! Se nada mais fez de bom nesta vida,
devemos agradecer-lhe porque te gerou a vida!
Então Sara deixou-se comover e uma lagrima sutil
desceu-lhe a face. Olhou para o nobre Arthur com imensa ternura e depois olhou
para Carol, suplicando-lhes:
-
Não me deixem só...venham comigo!
Prontamente Carol levantou-se também para ampara-la;
Sara parecia uma menininha tremula, com imenso medo de uma mãe que a maltratara
largando-a ao abandono.
Os três caminharam
silenciosos até o aposento onde a Duquesa Linia se encontrava sendo medicada.
Quando lá entraram o medico sério aproximou-se reverenciando-os.
-
Preciso falar-lhe senhor Lorde Arthur!
Sara olhou fixamente para Arthur pedindo-lhe.
-
Senhor meu marido, deixai que fale diante de mim; não existem motivos
para segredos entre nós!
Sara era elegante, dócil, meiga e extremamente
afável com todos; mas era também destemida, forte e de uma personalidade
vigorosa e super determinada.
O lorde Arthur ordenou ao medico que falasse e este
explicou-lhes que a Duquesa Linia não teria como sobreviver; porque a perda de
sangue fora enorme. Alem dos aparentes ferimentos, tinha continua hemorragia
pélvica e algumas costelas quebradas na região torácica. Lamentou-se:
-
Se a assistência medica tivesse sido imediata, poderia com a ajuda de
Nosso pai Misericordioso melhorar, mas pelos ferimentos eu conclui que está
neste sofrimento á mais ou menos dois dias!
Dizendo isto o medico saiu do aposento pedindo
licença ao lorde e fazendo uma reverencia a Carol e Sara. O lorde Arthur também
pediu para que a serva que ali estava saísse e somente então aproximaram-se do
leito onde Linia se encontrava.
Sara e Carol também ficaram perplexas ao ver o
estado em que se encontrava a jovem Linia. Arthur temeroso pela emoção extrema
em sua esposa Sara, prontamente trouxe-lhe um divã para que se sentasse próximo
ao leito.
Linia gemeu ao tentar
mover-se e abrindo os olhos reconheceu-os. Murmurou imensamente enfraquecida.
-
Minha linda filha Sara!
Ainda que não desejasse se emocionar, Sara não
conseguiu conter o pranto de dor, de raiva, de revolta e de piedade , que
durante tanto tempo ficara preso em seu interior.
Linia sempre murmurando com dificuldade olhou para
eles fixamente e falou-lhes friamente:
-
Matei-os...eu os matei porque invejava a vossa felicidade que eu não
conseguia sentir...
Arthur imensamente intrigado com o que dizia
aproximou-se e Linia fechando os olhos em dor continuou murmurando muito baixo:
-
Matei o médico Ricardo porque
invejava-lhe a bondade; nunca fui boa! Matei o servo Gabriel Vandak em sua
liberdade; porque nunca me senti livre!
O nobre momentaneamente esqueceu-se da sua
enfermidade e irritado lhe indagou rudemente.
-
O que nos dizes Linia?
A duquesa mantinha-se serena, reabriu os olhos ao
perceber a fúria do irmão Arthur e murmurou-lhe:
-
fui eu irmãozinho...eu consegui destruir a vossa felicidade...eu mandei
matar os dois...eu matei aquela serva bisbilhoteira...estou morrendo...mas o
farei destruindo-vos mais uma vez a paz...
Sara tudo
conseguira escutar mas não compreendia o que Linia dizia-lhes em tom de
provocação e arrogância. Começou a sentir-se mal. Lorde Arthur que se afastara
da esposa em extrema indignação não
percebia as indisposições de Sara .
Carol perplexa, mantinha-se compenetrada em
escutar-lhe.
Linia sorriu sarcasticamente com dificuldade por
causa do profundo corte em sua face. Soltava o seu veneno aos poucos.
-
Não quero piedade de nenhum de vocês...não quero vosso pranto...quero a
vossa raiva...a vossa ira...a vossa tristeza...erraram em condenar Gabriel Vandak
á masmorra...ele é inocente e nunca vos perdoará por isto!...
Linia sentiu um aperto forte em seu peito e
contorceu-se cuspindo sangue...o pulmão havia furado... mas ainda teve ímpeto
de olhar cada um deles com um brilho de ódio nos seus olhos e findou:
-
Eu vos odeio e morro vos odiando!
Então a duquesa sucumbiu, perdendo a vida em seu
corpo frio e em sua mente perturbada.
Lorde Arthur olhou para
Carol que também estava completamente atônita com tudo o que ouvira.
Sara começou a contorcer-se de dor e Arthur
desesperado, aos gritos chamou o medico que os aguardava do lado de fora do
aposento.
O medico rapidamente auxiliou Sara pedindo que a levassem
para o seu aposento.
Lorde Arthur levou-a apressadamente.
Sara suava em demasia em seu leito, sendo examinada
pelo medico e sob o olhar angustiado de Arthur. Porem as dores pouco a pouco
foram diminuindo.
O medico disse a Arthur que tudo fora somente um
susto, talvez provocado por extrema emoção e que com repouso no dia seguinte
estaria boa.
A tarde na
propriedade ainda apresentava imensa claridade e o Lorde Arthur após ficar
algum tempo com sua querida Sara, desceu deixando-a dormindo.
Instruiu os servos para que sepultassem Linia sem
honras. Depois caminhou até o salão onde encontrou Carol em pranto convulsivo.
Abraçou-a carinhosamente, também se comovendo e após
assim ficarem alguns instantes Lorde Arthur afastou-se secando as suas lagrimas
e indagou-lhe:
-
Crês no que Linia nos disse?
A nobre senhora tentando conter a profunda emoção,
falou:
-
Porque mentiria em seu leito de morte?
-
Talvez para nos confundir Carol!
-
Não creio nobre Arthur; falava com tanta convicção!
O nobre olhou-a emocionado e pegando-lhe as mãos
afirmou-lhe:
-
Prometo-te Carol, que rapidamente averiguarei com os servos que
trabalharam para Linia; eles com certeza falar-me-ão a verdade! Se injustiça
foi feita com Gabriel Vandak, irei pessoalmente liberta-lo!
Carol sentia-se confusa e abalada com tudo;
agradeceu-lhe e novamente se abraçaram em emoção, com aquelas lembranças tão
sofridas.
Já anoitecia no castelo
de Lorde Arthur, quando Sara despertou. Havia dormido a tarde inteira e
sentia-se bem.
Olhou o aposento, carinhosamente decorado por si
mesma. Muitas rendas nos cortinados e nos divas. Tudo em tons muito leves e
suaves.
Arthur estava sentado bem próximo ao leito com uma
expressão demasiadamente abatida e preocupada, acariciando-lhe levemente os
cabelos.
-
Sara minha querida , como te sentes?
O nobre sentindo-lhe profundo amor, tratava-a
diferentemente dos costumes da nobreza, onde a esposa era também a serva de
seus senhores.
Com cordialidade e imenso respeito, a deixava
participar de todos os momentos de sua vida; era-lhe a companheira e não
somente a esposa.
Sara sorriu-lhe, pegando-lhe a mão e afagando-a
ternamente.
-
Meu querido Arthur, sinto-me bem! Perdoai-me o susto que lhe dei!
Arthur inclinou-se beijando-lhe a face, sentia-se
comovido.
-
Não posso perde-la Sara, és tão importante em minha vida; sinto tanto
medo!
Sara percebendo-lhe a emoção sorriu tranqüilizando-o
-
Está tudo bem agora querido; deitai-te um pouco aqui ao meu lado!
Prontamente Arthur tirando as sandálias, deitou-se
ao seu lado e Sara olhando-o fixamente indagou-lhe:
- Porque me omitistes o assassinato de Lorde
Ricardo?
A vos lhe era meiga e dócil, sem censura ou critica
ao que lhe escondera durante aqueles quatro anos.
-
Estava profundamente perplexo com a sua morte tão cruel; doía-me
imensamente a perda do amigo, do companheiro, do pai que em verdade sempre me
foi...me lamentava não conseguir acabar com a imensa dor que Carol também sentia...omiti
pelo meu sofrimento e para não te fazer sofrer, compreendes?
-
Sim querido Arthur, compreendo o quanto deves ter sofrido e o quanto
deve doer te fazer recordar aquele dia; mas preciso que me contes tudo agora!
Lorde Arthur temia que a sua serenidade pode-se se
alterar novamente em extrema emoção e fazer-lhe mal. Sentia no entanto que
também a ansiedade e a determinação de Sara a levariam á verdade. Decidiu
contar-lhe tudo o que ocorrera na noite em que Ricardo fora
assassinado; e em como havia encontrado Gabriel Vandak dormindo tranqüilamente
próximo ao rio.
Após a triste narrativa silencio se fez no aposento
por alguns instantes. Então Sara perguntou-lhe:
-
Soube que com seu árduo trabalho trouxe prosperidade á propriedade, dando muito orgulho e alegria á
sua mãe Carol e ao amigo Ricardo; Parecia haver se regenerado lhes devotando
imenso carinho e respeito; tratava-os verdadeiramente como pais! Não compreendo
que motivos teria Gabriel Vandak para matar Lorde Ricardo?
Arthur olhou para Sara perplexo. Não conseguia
compreender como sua querida esposa, no educandário, longe de tudo por longos
cinco anos, poderia saber tudo a respeito da vida de Gabriel na propriedade de
seus amigos. Indagou-lhe curioso.
-
Como sabes de tudo isto Sara?
A jovem temerosa silenciou, porem o nobre insistiu:
-
Algum servo contou-te tudo isto, quando aqui chegastes? Se o fez porque
não te falou dos crimes de Gabriel?
Sara balbuciou tristemente.
-
Não compreenderias meu querido Arthur!
O nobre afagando-lhe os cabelos carinhosamente falou-lhe.
-
Como não compreender-te querida! Contai-me como o soubestes; peço-te
que também não me omitas nada!
Sara então encorajou-se e apertando sua mão,
contou-lhe serena.
-
Com certeza concluirás que estou louca; mas és o meu esposo e sei que
nada devo te ocultar! Há muito tempo atras, como sabes o meu pai Job morreu
subitamente do coração, após o enorme desgosto ... nos dias imediatos
surpreendentemente escutei-o conversando comigo! Eu era uma menina e quando o
escutei pela primeira vez pranteei aflita e entristecida...meu pai consolou-me
dizendo:"... minha filha não chores, somente
o corpo morre, mas a vida continua! " ; disse-me ainda, que eu
podia comunicar-me com ele quando eu precisasse...confusa eu lhe indaguei,
"...se estás vivo porque não posso ver-te?"...pacientemente ele me
explicou, que existia um impedimento a que isso acontecesse, mas que eu deveria
dar graças a Deus por poder escuta-lo e sentir sua presença...Não me senti
assustada com aquilo que era tão estranho; sentia confiança na voz meiga e
carinhosa de meu pai! Entretanto tive receios de contar para os outros o que
acontecia! Meu pai Job pediu certo dia, que eu contasse tudo para o meu tutor,
o seu amigo Ricardo; avisando-o de que Gabriel ainda estava vivo...eu o fiz mas
senti que o bom medico não acreditava plenamente no que lhe dizia! Um dia, tu
aparecestes em Adredanha e resolvestes queimar tudo; lembro-me como se fosse
hoje, do imenso fogo clareando a noite!
Sara deu uma longa pausa para respirar profundamente
e percebendo a atenção e o interesse de seu esposo Arthur, continuou.
-
Meu pai continuou próximo por muito tempo...quando me sentia só surgia
para me consolar! Em situações de perigo aparecia para auxiliar...quando
Gabriel apareceu doente na casinha de Carol, escutei-o pedindo que lhe contasse
que aquele lhe era o filho e temendo por nossas vidas, levou-nos a um lugar
seguro, onde nos abrigamos! No entanto disse-me que não teve permissão a
alertar-me sobre a aranha venenosa, cabia a Gabriel tentar salvar-me a
vida...não compreendi direito porque, mas nada mais indaguei a respeito! Meu
pai sabia que Gabriel falava a verdade quando dizia que perdera a memória; mas
temia que ao recuperá-la se tornasse vil novamente...quando parti para o
educandário, Job falou-me que Gabriel se empenharia em melhorar-se; podia de
alguma forma, ver-lhe os sentimentos mais profundos! Deves lembrar-te, que te
pedi para tomares cuidados com Linia...pois
meu pai alertara, que ela ambicionava vingança e só tinha maldade em
seus sentimentos.
Sara novamente deu uma pausa e sempre apertando a
mão de Arthur que estava serio e compenetrado a tudo escutando atentamente,
prosseguiu:
-
No educandário, tudo era muito triste e frio...somente consegui
suportar a distancia do castelo e de todos vocês, porque meu pai eventualmente
trazia-me noticias vossas! Contou-me do imenso sentimento que me tinhas e por
isto compreendi porque tinhas me mandado para tão longe...contou-me da tuas
viagens explicando-me que o sentimento em relação a mim mantinha-se forte e que
ansiavas meu crescimento para me desposares...contou-me também como era a vida
de Gabriel tentando redimir-se de todos os seus terríveis erros...
A jovem sentia-se cansada da longa narrativa e
Arthur implorou-lhe:
-
Nada mais te disse o teu pai?
A jovem surpresa com o interesse de Arthur
continuou.
-
Contou-me também que Linia se aliara a um dos guerreiros que expulsastes do castelo, para
se vingar de ti...pediu-me que te avisasse e eu o fiz...concluo agora que a
mensagem chegou-te tardiamente...
O nobre Arthur lembrava-se da mensagem que recebera
de Sara, pela manhã, no mesmo dia do crime; sentia-se perplexo e intrigado com
a longa narração de sua esposa, em quem confiava plenamente. Havia descrito
corretamente fatos que desconhecia, como os seus sentimentos que somente confidenciara
a Ricardo. As indagações eram muitas em sua mente...indagou-lhe percebendo-a
serena.
-
Ainda podes conversar com teu pai?
Sara entristeceu-se, falando melancólica.
-
No dia em que pediu para enviar-te a mensagem, explicou-me
carinhosamente, que não mais tinha permissão de acompanhar-me, mas que eu não
deveria ficar triste porque breve retornaria a este castelo e estaria contigo
em proteção! Certa vez comentei com uma das religiosas do educandário "se
os mortos podiam falar com gente viva"...mas sofri tantos castigos em
função da minha ingênua indagação, que jurei para mim mesma nunca mais falar
sobre a estranha experiência que vivi durante sete anos!
O nobre levantou-se do leito e olhou-a com ternura.
- Minha querida Sara, não me surpreendo em demasia
com tudo o que me contastes porque o bom
Ricardo já havia me alertado sobre os mistérios que envolviam as tuas comunicações com o teu
falecido pai! Difícil no entanto é, para todos nós, conseguirmos compreender os inúmeros mistérios, que ainda
desconhecemos; mas que com certeza existem entre o céu e a terra!
Lorde Arthur prontamente indagou-lhe:
-
Crês querida Sara, que foi realmente Linia quem matou Ricardo?
A jovem sentindo-se profundamente entristecida por
sua mãe fria, gananciosa e vil, até á sua morte, respondeu-lhe.
-
Senhor meu marido, por tudo o que meu pai me contou de seus
sentimentos, e da sua ânsia de vingar-se, eu creio que Linia possa ter ordenado
a esse guerreiro que matasse Ricardo e de maneira que incriminasse Gabriel
Vandak!
O nobre após lhe dar um beijo carinhoso de
compreensão e agradecimento, saiu do aposento para refletir em tudo.
Sara sabia que Arthur,
despertara cedo naquela manhã, para fazer incessante questionário aos servos
que tinham trabalhado aqueles anos para Linia.
Aproveitaria a oportunidade, para subir á masmorra
sem que ele soubesse.
Com extrema dificuldade, conseguia subir
vagarosamente os oitenta e quatro degraus, a determinação lhe era a força;
Desde que despertara, sentia enorme impulso de ir ver o seu tio Gabriel.
Vandak.
O sol ainda não ia alto no castelo de Lorde Arthur, quando Gabriel
tentou revirar-se no chão frio de pedra fétida. Não existia mais força em seu corpo para mover-se.
Escutou o profundo silencio que ainda imperava no
castelo, após o ataque e a batalha que não conseguia compreender.
Repentinamente escutou passos nos corredores da masmorra.
A fome lhe era enorme, ninguém havia surgido para
lhe dar alimento aqueles longos dias ...pensou angustiado: " quem caminha
nos corredores?"...
Sentindo-se tonto, viu surgir na porta, atras das
grades, em uma nevoa esbranquiçada, uma linda jovem, de corpo esbelto e de
porte elegante . Com dificuldade percebia que sua pele
era rosada e o semblante era
incrivelmente terno.
Gabriel com seus trinta e cinco anos pensou que
estava vendo um anjo, em vestes brancas e fitas em cetim violeta...
A Duquesa Sara,
olhava-o piedosamente!
Somente então, a névoa esbranquiçada sumiu de sua
vista, e podia perceber que realmente aquela jovem ali estava e que o seu
ventre estava aumentado em demasia; ia ser mãe!
Não se recordava de quem ela era e porque o olhava com tanta compaixão. Não conseguindo
levantar-se, manteve-se imóvel no chão frio. Ainda que desejasse erguer-se para vê-la melhor!
-
Podes falar Lorde Gabriel Vandak?
A voz da jovem era delicada mas forte e determinada.
Insistiu apreensiva.
-
Podes falar ?
Gabriel não falava com ninguém á quatro longos anos
e ainda que Sara lhe indagasse inúmeras vezes, a emoção não permitia que sua
voz respondesse aquela jovem aflita... na ânsia de faze-lo, Gabriel pranteou
sua incapacidade!
Deixou-se soluçar em pranto imperceptível, na enorme
força que fazia para erguer-se e responder-lhe. Porem estava demasiadamente
enfraquecido!
-
Abram esta porta agora!
Sara expediu a ordem decidida mas o guerreiro ainda
surpreso com a presença da Duquesa Sara, ali e naquele estado; temeroso argumentou:
-
Não creio que o senhor Lorde Arthur, saiba que a sua esposa, a Duquesa
Sara Corleanos, esteja fazendo uma visita ao Lorde Gabriel Vandak, nesta
masmorra...Perdoai-me senhora Duquesa mas somente com a autorização de seu nobre esposo, poderei
abrir esta porta, que está fechada á longos quatro anos, e nunca foi aberta...perdoai-me
duquesa!
O servo reverenciando-a afastou-se um pouco. Sara
perguntou-lhe aflita.
-
Há quantos dias ele não é alimentado?
O guerreiro manteve-se silencioso e Sara novamente
indagou autoritária:
-
Há quantos dias não lhe dão o que comer?
O homem armado olhou-a contrariado respondendo-lhe.
-
Não come há três dias senhora duquesa Sara...estávamos preocupados com
o ataque ao castelo, e esquecemo-nos de alimenta-lo!
Sara enfureceu-se dizendo:
-
Trazei comida agora!
O guerreiro prontamente atendeu a sua ordem, ainda
que temesse deixa-la ali sozinha.
A Duquesa Sara ficou a sós com Gabriel Vandak que se
mantinha em pranto humilde e silencioso. Estava imóvel!
Sara abaixou-se com dificuldade por causa da grande
barriga, e agarrando-se nas grades olhou Gabriel melhor.
O seu corpo completamente debilitado chocava-a.
Perguntou-lhe piedosamente.
-
Vejo tuas lágrimas, porque choras?
Gabriel finalmente conseguiu murmurar com
dificuldade em seu corpo enfraquecido no qual os ossos eram aparentes. A voz
saiu-lhe num balbucio quase imperceptível:
-
Não fui eu senhora! Não o matei!
Sara compadeceu-se de Gabriel, porem nada mais
falou-lhe porque o guerreiro se
aproximava apressado, trazendo o alimento que ela ordenara, e um vasilhame
com água. A jovem novamente ordenou-lhe,
levantando-se com dificuldade:
-
Abra esta porta!
O homem olhou-a novamente desculpando-se:
-
Perdoai-me Senhora Duquesa Sara Corleanos, mas não poderei obedecer a
sua ordem! Á longos anos, trago comida e
água para o prisioneiro...ordenou-me o senhor Lorde Arthur, quando mandou
traze-lo para a masmorra, que esta porta somente deveria ser aberta quando este
homem estivesse morto! Devo senhora, obedecer as suas ordens!
Após explicar-se, o guerreiro colocou a pequena
vasilha com o alimento e com a água, no chão através das grades; mas Gabriel
Vandak mantinha-se imóvel. Sara indignou-se:
-
Não percebes homem, que o prisioneiro não tem mais forças para
levantar-se e alcançar o alimento e a água que lhe ofereces?
O guerreiro novamente desculpou-se impacientemente:
-
Senhora Duquesa, somente abrirei esta porta, com a ordem expressa do
senhor Lorde Arthur!
A jovem contrariada,
sentindo-se completamente impotente, olhou para o semblante de Gabriel
Vandak, que ainda vertia pranto silencioso.
O cheiro fétido daquele ambiente fechado, lhe dava
náuseas e afastou-se sentindo enorme indisposição.
Desceu a longa escadaria cuidadosamente.
Escorando-se com uma das mãos, nas imensas pedras que edificavam aquela torre e
com a outra amparava o ventre carinhosamente.
Finalmente
conseguiu alcançar o pátio interno do castelo; estava muito ofegante e parou
para descansar um pouco.
Os servos que ainda se encontravam ali reclusos sob
a proteção das muralhas, imediatamente perceberam que a nobre jovem não se
sentia bem. Gentilmente uma das servas aproximou-se para auxilia-la
percebendo-lhe o imenso cansaço e o semblante muito pálido.
-
Deseja algo Duquesa Sara?
Sara pediu-lhe que a auxiliasse a chegar até á
biblioteca, onde o Lorde Arthur se encontrava.
Aproximando-se da sala, Sara agradeceu humildemente
á serva prestativa e entrou sozinha sem bater. Sentia-se melhor!
O nobre conversava com uma das servas de Linia e
percebendo a entrada da esposa, ainda pálida e um pouco ofegante, prontamente
caminhou em sua direção apreensivo e auxiliando-a a se sentar, indagou-lhe
preocupado:
-
Porque estás tão cansada? Sentes-te mal querida?
A duquesa Sara meneou a cabeça em negativa e olhando
para a serva, perguntou ao marido.
-
Concluístes algo, querido Arthur?
O nobre dispensou a servo, agradecendo-lhe a ajuda e
depois abaixou-se próximo a Sara dizendo-lhe carinhosamente:
-
Ainda não querida Sara...porem fiquei ciente através dos servos, de que
realmente Linia contratou um de meus guerreiros e que este após uma breve
ausência, sumiu misteriosamente! Soube também que Linia trouxe um capataz da
corte e que este sendo extremamente violento, feria e agredia os servos...
Sara interrompeu-o falando determinada:
-
Fui até á masmorra ver Gabriel Vandak!
O lorde Arthur levantou-se sobressaltado com a
coragem de Sara.
-
Porque fizestes isto, minha querida?
As lagrimas incontrolaveis desceram-lhe velozmente
em profunda emoção. Aos soluços respondeu-lhe.
-
Está em estado miserável! Não come á três dias! Não consegue erguer-se
para se alimentar e nem consegue falar! A sujeira destes anos enclausurado
formou crostas e feridas em todo o seu corpo...
O nobre alarmado com a sua extrema emoção
convulsiva, implorou-lhe que parasse de falar e que se acalmasse; mas Sara
parecia não o ouvir e continuou, falando em pranto desesperado.
-
...nada conseguiu falar comigo; mas chora! As suas lagrimas são tristes
e me feriram! Conseguiu balbuciar inocência... Por piedade meu marido, vá até á
masmorra e ordene ao guerreiro que abra a porta e o alimente...ordenei que o
fizesse mas diz não poder contrariar as tuas ordens...
O nobre extremamente preocupado com Sara, que estava
cada vez mais pálida, passou os seus dedos em suas faces secando-lhe as
lagrimas e falou-lhe suplicante.
-
Precisas acalmar-te Sara; esta emoção não te fará bem! Vou te levar
para o aposento e ficarás lá com Carol! Prometo-te que irei até á masmorra e
farei o que me pedes!
Lorde Arthur caminhou até á porta e pediu a uma
serva que chamasse a Duquesa Carol e o medico rapidamente. Levou Sara para o
aposento e deitando-a cuidadosamente no leito, indagou-lhe aflito.
-
Ficarás bem?
A jovem tentando conter a emoção, agradeceu-lhe
pedindo-lhe.
-
Por piedade, vai ver Gabriel Vandak!
Lorde Arthur subiu a longa escadaria pensativo..."Vinham á sua
mente incessantemente as imagens de,
Henri II, Brigith, Anderson,
Joane, Orlando, Job, Ricardo...tantos haviam partido para algum lugar que
desconhecia! Indagava-se: "Seria
a vida um mero e gigantesco educandário?" Sentia-se um ignorante
defronte a inúmeros mistérios!"
Perdera surpreendentemente sua família; os irmãos Brigith e Anderson; a mãe Joane; o
pai Orlando, o mentor Ricardo...enorme temor, possuía em seu interior, de perder a doce e nobre Carol; a meiga e
bondosa Sara; as pequeninas filhas Brigith e Joane; o pequenino filho
Ricardo...
Agora ali estava ele novamente, subindo piedoso para
salvar a vida de seu tio...talvez inocente pelo assassinato de Ricardo e Paulo;
mas tão culpado na destruição de sua família!
Não compreendia porque não conseguia ter ódio ao
Gabriel Vandak; com extrema facilidade o perdoava! Visando a plena felicidade
de Carol, o libertara concedendo-lhe a oportunidade de regenerar-se dos males
que fizera. Agora novamente o perdoava com pleno amor, sentindo-se incrivelmente culpado por tê-lo
julgado e condenado a tantos anos de reclusão! Ambicionando atender o desejo de
sua esposa, novamente o libertaria concedendo-lhe nova oportunidade á
continuidade!
O nobre Arthur, sentia enorme angustia em seu interior, temeroso com o estado físico
em que encontraria Gabriel!
Sua esposa Sara o descrevera completamente
sensibilizada...debilidade física que ele provocara condenando-o á fome e á
miséria humana!
Conseguira agir com aparente indiferença todos
aqueles anos, mas interiormente sentia-se culpado diariamente, tinha plena
consciência, de que mantinha em vida restrita, em sua masmorra um semelhante!
Ao condenar Gabriel Vandak, uma pequena parte de si
mesmo, ali também se enclausurava;
impedindo-o de ser completamente feliz!
Ainda que desejasse não encontrara outra forma de
evitar que outros males ocasionasse!
Tantos naquela propriedade dependiam da sua
determinação como nobre e confiavam em sua proteção!
Indagara-se freqüentemente naqueles quatro anos
..." Como punir os homens, que aniquilavam vidas e destroem a harmonia e a
paz de seus companheiros, sem priva-los do convívio
necessário?"...respostas não lhe surgiam no entanto.
Lorde Arthur aproximou-se do guerreiro e este
assustou-se. O bom nobre nunca ali tinha ido naqueles longos anos.
Reverenciou-o disse-lhe orgulhoso da tarefa cumprida:
-
Senhor Lorde Arthur, estes anos todos nunca abri a porta como me ordenastes!
Lorde Arthur caminhou até a cela de onde exalava
terrível mau cheiro e perplexo viu Gabriel resumido a um corpo esquelético,
sujo e possivelmente doente. Balbuciou para si mesmo amargurado:
-
Guerreiro porque me obedecestes tão rigorosamente?
O servo olhou-o tentando perceber o que murmurava e
percebeu que tristes lágrimas vertiam
continuamente de seus olhos.
"O Lorde Arthur chorava diante do estado
miserável de seu prisioneiro?" Pensou incógnito.
Lorde Arthur interrompendo-lhe os pensamentos;
implorou-lhe num murmúrio que abrisse aquela porta!
O guerreiro prontamente correu a procurar a chave
que ficara oculta sob uma pedra todo aquele tempo.
Encontrando-a , rapidamente a trouxe
atendendo o pedido de seu nobre senhor que ainda pranteava dor.
A porta finalmente foi aberta e o nobre entrou sem
hesitações.
Abaixou-se humildemente próximo a Gabriel Vandak e
olhando fixamente em seus olhos, sentindo-se completamente culpado, pelo mal
físico que lhe ocasionara, murmurou:
-
Perdoai-me Gabriel, pelo imenso mal que te fiz!
Gabriel permanecia imóvel, as lagrimas também
desciam-lhe nas faces magras em seu sofrimento agonizante!
O nobre determinado levantou-se, mostrava-se completamente
alheio ao profundo mau cheiro que impregnava no ambiente e no prisioneiro.
Sentindo-se imensamente apreensivo pediu ao guerreiro que o auxiliasse a descer
com Gabriel Vandak.
O guerreiro sentindo-se terrivelmente agredido pelo
odor que Gabriel exalava obedeceu a ordem e os três desceram da masmorra com
dificuldade.
Finalmente chegando ao pátio interno do castelo, o
Lorde pediu á alguns dos servos que observavam atônitos o estado daquele
prisioneiro, que o banhassem imediatamente; lhe cortassem a longa barba e
bigode; e lhe colocassem uma veste limpa.
O Lorde Arthur
caminhou rapidamente para pedir ao médico que o examinasse, mas quando se
aproximou do aposento, onde deixara Sara acompanhada da nobre Carol e do
médico; percebeu uma serva aflita, no corredor próximo á porta.
Arthur sentindo enorme aflição em seu peito; entrou
apressadamente no aposento.
Sara contorcia-se em dores terríveis, amparada pela
a nobre Carol, enquanto o médico lhe examinava o ventre.
Arthur aproximou-se desesperado e sem compreender
direito o que ali acontecia, segurou apreensivamente a mão de Sara. A jovem
apertou-a com demasiada força, dando um urro expressivo de imensa dor.
O Lorde sentia-se imensamente impotente, sem saber o
que fazer para auxilia-la ou conforta-la em seu sofrimento ou no mal que lhe
acometia. Amava-a profundamente mas não sabia como evitar que sofresse, e isto
o angustiava.
Nada conseguia também falar-lhe, a emoção o
emudecera... sentindo-se fragilizado,
olhava para a bondosa esposa gemendo e por vezes gritando na dor que parecia
não mais suportar.
Arthur deixou-se envolver pela aflição,
vertendo pranto sufocante na angustia que sentia em não poder defende-la daquele sofrimento.
Carol continuamente secava-lhe a fronte, imensamente
molhada pelo suor e as lágrimas de dor.
Sara olhou-os suplicante e desesperada .
O nobre olhou para o médico e em pranto desesperado
e convulsivo, murmurou com dificuldade:
-
Por piedade, ajude-a! Faça alguma coisa!
O médico se esforçava em aparentar frieza e
tranqüilidade; mas não conseguia! A
situação era extremamente grave.
O rosto seu também imensamente suado e com expressão
sombria mostrava claramente a sua
preocupação exagerada.
Falou apreensivo:
-
O bebê não tem mais batimentos cardíacos... faleceu em seu ventre...
O Lorde olhou
para a esposa, que em meio a contorções violentas e gritos
desesperados...parecia querer desfalecer em exaustão!
A mão de Arthur começava a doer com a força
exagerada com a qual Sara á apertava .
O nobre horrorizou-se então, ao ver que o leito
alvo, estava tinto de sangue. Todas as suas atenções tinha direcionado para o
sofrimento de Sara e não o havia percebido.
Carol também não conseguia conter mais a extrema
aflição e chorando muito, continuava
secando-lhe tremulamente a face; Começou compulsivamente a orar pedindo
clemência á Deus Pai.
O Lorde sem conseguir desvencilhar-se da mão da
esposa, ajoelhou-se próximo ao leito e chorando amargurado implorou ao medico:
-
Salve-a; por tudo lhe imploro, salve-a!!! Não posso perde-la... não
Sara... em nome de Deus salve-a!!!
O médico compreendia o apelo angustiado que o Lorde
lhe fazia; mas se sentia tão impotente quanto o nobre!
Sara não apresentava qualquer processo de dilatação
ainda que tivesse contrações violentíssimas. A hemorragia era intensa e não
sabia como conte-la... já perdera sangue em demasia! Não era um médico
experiente; havia terminado de se doutorar, quando o Lorde Arthur trouxe-o para
a propriedade. Estava ciente de que alguns médicos, cortavam a barriga de suas
parturientes, para retirar-lhes os filhos ... mas não sabia como faze-lo... e
se o soubesse, como faze-lo sem adormece-la em morfina... com certeza a droga
lhe precipitaria a morte, na imensa fraqueza orgânica na qual já se encontrava. "Como falar ao Lorde Arthur que não
poderia salvar a sua esposa Sara..."
Arthur que o olhava suplicante, ainda ajoelhado,
compreendeu em seu semblante que nada podia fazer e desesperou-se;
Incontrolavel suplicou em sua aflição:
-
Deus por piedade, não leve minha Sara!
Sara olhou-o
também desesperada com a profunda dor que sentia e após uma terrível
contração e um urro de desespero, perdeu
os sentidos.
O Lorde Arthur percebendo que a sua mão ficara
inerte, levantou-se e chorando muito ergueu os olhos e cerrando-os implorou:
- Ricardo ,
me ajuda!!! Salva minha Sara!!!
Carol em pranto, também convulsivo, olhou-o perplexa
sem conseguir compreender o que o nobre fazia em desespero; mas o Lorde Arthur
em profundo sentimento de fé, deixou-se cair de joelhos e balbuciou humildemente; reclinando a cabeça, e em meio
ao seu pranto de amor:
-
Deus por piedade, deixai que Ricardo salve minha Sara!!!
Abençoados pela
Infinita Misericórdia de Deus, grandiosa luminosidade ali se fez!
Intuitivamente
o médico surpreendentemente reagiu! Pegou rapidamente um pequeno punhal em sua
bolsa de couro e habilmente cortou o ventre da jovem Sara. Impressionantemente
a jovem não reagira ao ferimento profundo mantendo-se em sono profundo. Em
questão de segundos, o médico retirou o bebê inerte de seu ventre e o agilmente o deu para que Carol o
segurasse.
A nobre senhora, em completo estado de choque pegou
a pequenina criança inerte e sentindo-lhe a pele quente, acalentou-a em seus
braços fervorosamente.
Arthur
perplexo com tudo o que ali presenciava, mantinha-se ajoelhado e em
pranto silencioso mas sentindo-se incrivelmente amparado e imobilizado em uma
paz inexplicável.
O médico enquanto estancava o sangramento com
algumas mantas improvisadas; pediu num balbucio quase imperceptível á serva que ali também estava para conseguir-lhe uma agulha e linha de
bordado...esta, completamente atônita com tudo, rapidamente saiu do aposento
apressada para atender-lhe o pedido!
Arthur olhou para a esposa que respirava com extrema
dificuldade; mas impressionantemente tranqüila...
Enquanto a serva atendia-lhe o pedido; o médico deixando as mantas no corte que fizera no
ventre de Sara... aproximou-se do pequenino bebê de sete meses, ainda no colo
da nobre senhora e soprou subtilmente em sua fronte!
Carol olhou o pequenino ser, que retornava para a
vida, se movendo em seus braços... as lagrimas desceram sensibilizadas nas
faces da nobre senhora!
O médico limpou o ferimento cuidadosamente e o costurou esmeradamente ,
com o material que pedira á serva. Surpreendentemente Sara permanecia imóvel,
mantendo-se em sono profundo.
O médico verificando que a hemorragia havia parado e
limpando as suas mãos aproximou-se de Lorde Arthur.
Colocou a mão no seu ombro e auxiliando-o a se
levantar; disse-lhe com um sutil sorriso extremamente iluminado:
-
Daí graças ao Bom Pai porque fostes abençoado em tua
fé e em tua nobreza! A nossa querida
Sara, ficará boa!
Caminhou
serenamente até á nobre senhora, que ainda acalentava a criança em pranto
silencioso e também sorrindo-lhe candidamente, murmurou:
-
Minha nobre e querida
companheira ...zelai por esta criança com extremo amor; o Misericordioso Pai
concedeu-lhe a vida !
Aproximou-se
da jovem Sara e abençoou-a
!
O médico visivelmente pareceu despertar
com um suspiro. Colocou a mão em sua cabeça. Parecia sentir-se tonto. Olhou
então atordoado para a duquesa Sara, que dormia tranqüilamente e com a
respiração amena! Vendo o seu ventre completamente perplexo, indagou ao lorde
Arthur:
-
Quem fez isto? Quem lhe cortou o ventre?
O médico completamente atordoado, olhava para todos
no aposento desejando explicações. Surpreendido viu a criança minúscula
agitando levemente os bracinhos no colo da duquesa Carol ... suplicou
incógnito:
-
Me digam, o que houve aqui???
O Lorde Arthur
imensamente emocionado, pranteou saudade e agradecimento ao grande amigo
Ricardo; que ali viera para auxiliar a salvar Sara!
O nobre
ajoelhou-se em extrema fé e deu graças ao Bom Deus que os havia abençoado!
Carol apertando carinhosamente o pequenino em seus braços, também
ajoelhou-se humildemente chorando
serenamente em oração!
O médico permanecia atordoado com tudo o que ali
presenciava!
Conseguia unicamente lembrar-se, em como se sentia
aflito precisando explicar ao Lorde Arthur, que não poderia salvar a vida de
sua esposa, a duquesa Sara... porem agora, surpreendentemente a Duquesa Sara
estava ali repousando serena...com o ventre costurado...a hemorragia
estancada...e o bebê de sete meses ao qual constatara a morte, ali vivo!
Sem conseguir compreender o que acontecera naquele
aposento em sua inexplicável ausência; e mantendo-se os nobres silenciosos em
oração; pediu á serva, que também chorava emocionada, para
lhe auxiliar a banhar cuidadosamente a jovem nobre e tirar com cautela as
mantas sujas , colocando roupas limpas em seu leito.
Enquanto a serva banhava carinhosamente a sua
senhora, limpando-lhe o sangue; o médico pegou delicadamente a criança
recém-nascida retirando-a do colo da duquesa Carol para medica-la e
limpa-la.
"Como era extremamente pequeno e
frágil"... "como sobreviveria".... pensou!
A respiração lhe era difícil! Limpou-o com imenso
cuidado; era um menino perfeito, mas prematuramente saíra do ventre da mãe...
precisaria de ar muito puro e muito calor em seu corpo...
Observou a Duquesa Carol, que permanecia ainda
profundamente comovida e em estado de oração; assim como o Lorde, que de olhos
cerrados parecia orar fervorosamente.
Não desejando incomoda-los, o medico chamou um servo
para acender a lareira num aposento próximo. Neste colocou o bebê, em leito
improvisado e extremamente macio. "O aposento deveria permanecer
completamente arejado, limpo e aquecido"; orientou a uma serva que lhe
ficaria de guarda.
"Mas como alimenta-lo se ainda não possuía
forças á sucção?" O médico caminhou pensativo, de volta ao aposento da
Duquesa Sara e a encontrou já em leito limpo. Lorde Arthur levantou-se ainda
visivelmente emocionado e caminhou até Carol ajudando-a a se levantar.
Ambos olharam-se
em extrema emoção e se abraçaram.
A nobre senhora murmurou confusa:
- Foi Ricardo
não foi? Ricardo, esteve aqui?
Arthur meneou
a cabeça afirmativamente sentindo que as lágrimas voltavam á aflorar em suas
faces.
- Ricardo
veio até aqui para nos auxiliar!
O Lorde sem conseguir falar-lhe abraçou-a mais forte! Então caminhou até o
leito de Sara e tranqüilizou-se ao perceber que suas faces, ainda profundamente
pálidas, mantinham expressão serena de tranqüilidade e repouso.
O médico aproximou-se dizendo-lhe, que assim que
despertasse deveria ser alimentada com refeição forte, pois o organismo estava
muito fraco; iria prontamente até a cozinha orientar as servas, para que lhe
preparassem um caldo substancioso.
Lorde Arthur finalmente conseguiu murmurar:
-
Como está a criança?
O médico falou-lhe mostrando-se incrivelmente
impressionado:
-
É um menino senhor Lorde Arthur; uma criança bem pequena e frágil!
Tomei a liberdade de leva-lo para o aposento ao lado. Precisava de calor que o
acalentasse tal qual o ventre de sua mãe e para isto acendemos prontamente a
lareira. Preocupo-me no entanto, em como alimenta-lo, é tão pequeno e frágil;
nem mesmo sei se a Duquesa Sara terá leite para amamenta-lo!
O nobre compreendendo a sua preocupação, falou-lhe
serenamente em agradecimento:
-
Deixemos ambos repousarem, dos momentos aflitivos por que passaram.
Ficai com ela; eu irei á cozinha dar as orientações!
Dizendo isto ao médico, Lorde Arthur caminhou
determinado; mas quando se preparava para sair do aposento, o médico
interrompeu-o indagando suplicante:
-
O que aconteceu aqui , senhor Lorde? Estou demasiadamente confuso,
porque nada vi... de nada me recordo!
O nobre voltou e colocando-lhe a mão no ombro falou-lhe sensibilizado:
-
Também não compreendo.... mas agradeço fervorosamente ao bom Deus, pela
vida de minha esposa Sara e pela vida de meu filho... Fazei o mesmo!
Dizendo isto o Lorde Arthur saiu apressadamente do
aposento e caminhou até a cozinha do castelo, para orientar as servas sobre á
alimentação a ser servida á Duquesa quando esta despertasse. Pediu-lhes
humildemente:
-
Precisam ajudar-me ; precisará
fortalecer-se !
Somente então observou através de um imenso vitral,
que á tarde se passara e que o sol já descia sob as colinas, incrivelmente
radiante e belo.
Um servo temeroso em incomoda-lo aproximou-se
vagarosamente dizendo-lhe:
-
Senhor Lorde Arthur, o prisioneiro foi limpo e barbeado; encontra-se
ainda imóvel, no pavilhão dos servos!
O Lorde esquecera-se de Gabriel, disse-lhe preocupado:
-
Levai-o de imediato para um aposento; pedirei ao médico que vá vê-lo!
O servo obedeceu prontamente.
Sara era
imensamente querida pelos servos, aos quais sempre tratava com amor e respeito.
Rapidamente os rumores se espalharam pelo castelo, a
respeito da pequenina criança que nascera antes do tempo, sendo rasgada á
barriga de sua mãe!
Todos sentiam-se aflitos com a saúde de sua senhora,
a Duquesa Sara Corleanos.
Silenciaram para não atrapalhar-lhe o repouso.
As servas preocupadas com a enorme perda de sangue,
se esmeravam em lhe fazer fortes sucos e caldos variados, para que tomasse
assim que despertasse.
Outros por
própria iniciativa, faziam feixes com a lenha que estava no castelo, para que a
lareira que esquentava a pequenina criança, nunca se apagasse.
Todos ansiavam novamente vê-la feliz e com saúde!
O enterro de Linia havia passado desapercebido,
sendo sepultada por dois servos que o fizeram friamente naquela manhã.
Lorde Arthur voltou ao seu aposento preocupado com
Sara, mas percebendo que esta ainda dormia serena, pediu ao medico que o
acompanhasse.
Ao entrarem no aposento
onde já se encontrava Gabriel, o médico prontamente caminhou na direção do leito onde estava imóvel.
Estava banhado e em limpo; mas vestia-se somente com
uma canga, deixando o corpo visível.
Estava imensamente magro e desnutrido! As suas
costelas impressionantemente se aparentavam uniformemente sobre a pele. Os
braços extremamente finos podiam ser facilmente identificados em mera estrutura
óssea coberta subtilmente por pele vastamente ferida. As suas pernas também
assim estavam...podia-se perceber nelas, as marcas de mordidas de roedores.
O medico examinou-lhe os olhos, estavam
esbranquiçados mostrando critico grau de anemia...a pele muito enrugada em todo
o corpo declarava a desidratação!
Examinou-lhe o batimento cardíaco; era
demasiadamente fraco mas parecia ainda saudável. Os seus pulmões pareciam funcionar perfeitamente ainda que em
seu ronco pareciam prenunciar uma possível pneumonia.
Tateou-lhe o abdome e não haviam vestígios de
seqüelas.
Surpreendentemente o seu estado físico não era
alarmante apesar da extrema miséria a que fora submetido aquele corpo.
O lorde Arthur ansioso, indagou ao medico com
aparente aflição:
-
Então, vai recuperar-se?
O medico, percebendo-lhe a ansiedade, respondeu-lhe
prontamente:
-
Com muito alimento e água, se recuperará primeiro que seu filho, Senhor
Lorde Arthur!
Arthur, que em enorme sentimento de culpa sentia-se
inexplicavelmente angustiado, reconfortou-se com a noticia do medico e
dispensando-o para que retornasse ao aposento de sua esposa, caminhou até
próximo a Gabriel e perguntou-lhe com a voz embargada em profunda emoção:
-
Estás um pouco melhor?
Gabriel abrindo os olhos com dificuldade, olhou para
o nobre fixamente e falou-lhe fracamente num sussurro:
-
Porque fazes isto senhor? ...Matei aqueles a quem tanto amavas! Não sou
merecedor de tua clemência e bondade...
O nobre olhando-o também fixamente respondeu-lhe
firme:
- Agiste muito mal sim eu sei...mas eu sinto que não
tinha o direito de revidar o grande mal que me fizestes...agi errado! Exclui-te
do convívio com todos, desejando evitar que continuasses cometendo erros;
privei-te do essencial a todo o ser humano, higiene, alimento e água! Somente
Deus que nos é Pai haverá de julgar-te um dia por teus atos...no entanto, eu
julguei e condenei e por isto peço-te que me perdoes!
Gabriel sentindo-se emocionado com aquele humilde
pedido de perdão, falou-lhe fracamente:
-
Senhor lorde, eu não matei Paulo...tentei avisa-lo mas alguém impediu
que eu o fizesse! Perdi os sentidos...e então me prendestes!
Arthur preocupado com sua fraqueza, pediu-lhe:
-
Depois me contarás tudo pausadamente; agora precisas repousar!
Gabriel insistiu:
-
Preciso explicar-me...preciso falar com o Senhor Ricardo e com a
Senhora Carol...peça-lhes que venham aqui...por clemência o faça, eu preciso
dizer-lhes que eu não matei Paulo...
A voz lhe saia cada vez mais enfraquecida e o nobre
mal conseguia ouvi-lo.
-
Descansa Gabriel, mais tarde conversaremos e te alimentarás!
Gabriel ainda tentou suplicar-lhe a presença do
medico Ricardo, mas o lorde Arthur já se afastava incomodado com o que Gabriel
lhe pedia.
A noite descera incrivelmente serena na propriedade. Os guerreiros ainda
se mantinham de prontidão, preocupados com um novo ataque dos rebeldes.
O silencio incrivelmente imperava em todos os cantos
do castelo; ainda que todos ali se mantivessem em reclusão, abrigados e em
proteção.
A nobre Carol havia se recolhido ao seu aposento
para repousar um pouco.
As emoções daquele dia tinham lhe atingido
profundamente, não conseguia parar de lembrar nas palavras do medico que lhe
era um estranho, mas que pareciam sair meigamente de alguém que lhe era muito
especial; o seu companheiro Ricardo.
Sentia em seu intimido que ele ambicionava poder
dizer-lhe algo mais, mas por algum outro mistério não o tinha feito.
No seu peito, disparava-lhe o coração, em pensar que
de alguma forma, ele estivera tão próximo a si naquele dia!
A refeição tinha sido levada a Gabriel e como este
não tinha forças para alimentar-se sozinho, um servo gentilmente o auxiliou.
Com facilidade ingeriu quatro pratos de caldo reconfortante e depois adormeceu.
Lorde Arthur permanecera ao lado da esposa Sara,
aguardando ansioso que ela despertasse.
Havia aproveitado para refletir em tudo o que tinha
ocorrido naquele dia.
Sentia-se inexplicavelmente abençoado por um Pai que
Protege!
O nobre Arthur, também não conseguia esquecer-se das
amenas palavras de Ricardo. Podia ainda sentir a sua mão quente em seu ombro,
amparando-o carinhosamente como tinha costume de faze-lo quando o confortava.
Lembrou-se do auxilio que lhe dera para que se
levantasse e do sorriso extremamente cândido e iluminado.
Estava consciente que o corpo que ali estava era do
jovem medico que trouxera da corte, mas a presença que sentira com certeza era
a de seu grande amigo Ricardo! Não tinha qualquer duvida de que este ali
estivera para auxiliar Sara e seu filho e depois reconforta-lo!
Olhou carinhosamente
para Sara e sentia-a tranqüila apesar de dormir há longo tempo. Não se sentia
preocupado, o bom amigo Ricardo, havia lhe garantido que Sara ficaria boa e
confiava plenamente nisto!
Tardiamente naquela noite, sempre vigilante ao lado
do leito de sua esposa, Lorde Arthur percebeu que Sara gemendo entreabriu os
olhos, e num gesto impulsivo levou a sua mão ao ventre, murmurando:
- Sinto dor!
O nobre, impedindo-lhe que tocasse no ferimento,
segurou-lhe rapidamente a mão carinhosamente, explicando-lhe:
-
Cortaram teu ventre, por isto sentes dor querida!
Sara ainda extremamente fraca e abatida, não
conseguia compreender o que o marido Arthur lhe dizia; e Arthur percebendo isto
disse-lhe:
-
Estás muito fraca e ainda sonolenta; conversaremos melhor depois...
pedindo a uma serva que estava próximo á porta que
trouxesse a refeição de Sara, retornou para próximo do leito.
Acariciou os seus cabelos e emocionado falou:
-
Que bom que ainda estás comigo...não seu como seria a minha vida sem
ter-te ao meu lado!
Sara novamente colocou a mão no ventre e balbuciou
apreensiva:
-
Meu filho!
O lorde percebendo-lhe a aflição novamente pegou-lhe
a mão dizendo ternamente:
-
Nasceu antes do tempo, mas está bem...é um menino!
Sara sentindo-se extremamente cansada cerrou os
olhos. Prontamente uma serva trouxe-lhe o caldo, mas Sara, só conseguiu
alimentar-se um pouco e dormiu novamente.
Lorde Arthur apresentava a fisionomia cansada naquela magnifica manhã
quente. Permanecera acordado em vigília, Temia que Sara precisasse de alguma
coisa e estaria pronto a auxilia-la. A esposa no entanto, dormira sono profundo
e sereno.
Por vezes tinha evitado que levasse a mão
intuitivamente ao ferimento, sobre o qual o medico tinha colocado uma faixa
branca.
Preocupado com seus filhos, rumou aos seus
aposentos.
"Deveriam estar sentindo falta da sua mãe
Sara" Pensava preocupado.
Percebeu surpreendido que o sol já ia alto e que
seus filhos não mais estavam nos aposentos , já tinham descido para o salão de
refeições.
Lá encontrou-os; Vendo-os acompanhados, com a nobre
Carol tranqüilizou-se!
A menina Brigith sorriu ao vê-lo e pai Arthur
afetuosamente abraçou a pequenina filha dando-lhe um beijo carinhoso. O nobre
também beijou a menina Joane, que era
mais sossegada, e o menino Ricardo que começava a prender a caminhar.
Cumprimentou Carol que lhe sorriu afavelmente,
indagando-lhe sobre o estado de saúde de Sara.
Lorde Arthur, sentando-se para também se alimentar,
disse-lhe que a esposa Sara ainda dormia tranqüila e que parecia estar bem.
A nobre senhora olhando-lhe a fisionomia exausta ,
exclamou:
- Não dormistes com certeza!
O nobre Arthur
pensativo respondeu-lhe
carinhosamente:
-
Estava demasiadamente preocupado com o bem estar de minha querida
Sara...não consegui dormir!
O lorde, pedindo a uma serva que levasse as crianças, para o outro salão
pois estas já tinham se alimentado, prosseguiu:
-
Preocupo-me com meu filho, tão
pequeno e frágil...deve estar com fome!
Ambos ficaram silenciosos e pensativos enquanto se
alimentavam. Então Lorde Arthur fitou Carol e pediu-lhe que o acompanhasse até
á biblioteca, onde poderiam conversar melhor.
Prontamente a nobre senhora se levantou e
acompanhou-o até á grande sala.
Sentaram-se próximos. Lorde Arthur pegando-lhe a mão falou-lhe
seriamente:
-
Trouxe teu filho para um aposento!
Carol mostrando-se imensamente surpresa indagou-lhe:
-
Libertastes Gabriel?
O lorde Arthur ainda segurando-lhe a mão ternamente,
continuou:
-
Eu errei em condena-lo, é inocente na morte de Ricardo e Paulo...pensa
ele, que Ricardo ainda vive e pediu-me que o deixa-se ir vê-lo!!
Carol, sentindo-se extremamente emocionada, pranteou
imensa dor e Arthur abraçando-a forte, falou:
-
Já lhe pedi perdão...mas não consigo me perdoar pelo estado miserável
em que se encontra; extremamente magro e fraco!
O nobre engolindo em seco, tentou controlar em si, a
dor da culpa que lhe surgia em inúmeras emoções.
-
Não consegui falar-lhe que Ricardo faleceu...Fugi como um covarde,
temendo dar-lhe as explicações que se faziam necessárias...
A nobre senhora interrompeu-o:
-
Onde está? Irei vê-lo agora!
O lorde Arthur pediu-lhe que se prepara-se para não
sofrer demasiadamente, porque o seu estado físico, abalara Sara e o abalara
também.
Carol prometendo-lhe que seria forte e
explicando-lhe que precisava ver seu filho imediatamente; afastou-se para ir ao
aposento onde Gabriel se encontrava.
Batendo na porta,
prontamente um servo a abriu e Carol observou o seu filho no leito,
extremamente emagrecido e sendo auxiliado a se alimentar.
Caminhou na direção de seu leito, pedindo aos servos
que ali estavam, que saíssem. Gabriel vendo-a, instantaneamente
comoveu-se!
As lagrimas desceram roliças nas faces de ambos.
Carol segurou-lhe as mãos fortemente e Gabriel em sua fraqueza podia sentir o
calor, que estas emanavam. Contendo-se
Gabriel murmurou:
-
Senhora minha mãe, eu não matei o guerreiro Paulo...ele era meu amigo!
Era como um irmão!
A nobre senhora colocou-lhe a mão sobre os lábios
ressecados, pedindo que silenciasse.
Após respirar ofegante, para conter as lagrimas que
insistiam em descer em suas faces; beijou-lhe as mãos dizendo:
-
Gabriel, tardiamente soubemos que não fostes tu...fostes condenado
estes quatro anos injustamente! O lorde Arthur se sente extremamente culpado
por isto; também eu meu filho sinto enorme culpa, em não ter te procurado e
escutado! O muito, que com certeza terias a contar-nos...
Gabriel tentou interrompe-la mas Carol continuou:
-
...desconheces que naquele triste dia, não mataram somente o teu
amigo...mas também mataram Ricardo
cruelmente! Uma flecha lhe atravessou a
cabeça! Logo após o assassino, fez questão de exibir-se defronte ao castelo com
tuas vestes, teu cavalo e teu arco...
Carol fez pequena pausa para conter o pranto
convulsivo, e continuou:
-
... na imensa dor que sentimos, na perplexidade daquele momento, era tu
que havias conseguido te vingar...depois, encontraram-te com as vestes sujas e
o arco ao teu lado...não haviam duvidas! Tu os havias matado...
Gabriel serenamente deixava-se emocionar pela narrativa
infeliz e imensamente dolorosa de sua mãe Carol. A nobre senhora mantinha-se apertando-lhe a
mão.
-
...fostes preso e nunca mais te vimos; ou desejamos saber de ti! A dor
pela perda de um enorme companheiro, nos foi extremamente dolorosa! Viajamos de
imediato para a corte para buscar Sara que estava no educandário e para tentar
esquecer tudo o que havia ocorrido aqui...quando retornamos, ainda que nos
lembrássemos de ti, não conseguíamos compreender porque mataras Ricardo! O lorde também não
conseguia compreender porque tiraras a vida do pai que Ricardo lhe era...
Carol interrompeu a narrativa, mais uma vez para
tentar conter-se na emoção; e não conseguindo-o abraçou o filho que também
chorava muito. Ficaram assim algum tempo e então mais calma continuou:
-
Tem dois dias que Linia aqui
chegou extremamente enferma, e em seu leito de
morte, confessou que ela planejara tudo e com auxilio de um guerreiro,
mandara mata-los para incriminar-te e assim destruir-nos a paz e a felicidade em vingança...
Carol olhou-o suplicante:
-
Deves compreender meu filho Gabriel, que tantos males fizestes, que
tudo nos levava a crer que este era outro mal que fazias...precisas
perdoar-nos!
Gabriel silencioso em pranto infeliz, nada conseguiu
dizer-lhe! A profunda emoção o impedia.
Permaneceram então silenciosos, deixando que somente
a emoção falasse no coração e em suas mentes.
Lorde Arthur
retornou ao aposento e encontrou Sara já acordada. O seu rosto apresentava-se
rosado e saudável e o sorrindo ao vê-lo, resplandecia que se sentia bem.
O nobre vendo-lhe o sorriso, caminhou radiante até o
seu leito e lhe deu carinhoso beijo. Sara falou-lhe:
-
Sinto-me fraca, mas me sinto bem; sinto dores também em meu ventre mas estas
são suportáveis! Meu querido estás abatido e pareces imensamente cansado!
A voz de Sara era fraca e baixa mas trazia a Arthur
a certeza de que estava se recuperando. Falou emocionado:
-
Não te preocupes comigo Sara, precisas melhorar rápido! Temos tanto a fazer juntos!
Sara concordou, dizendo-lhes que sentia fome.
Prontamente lhe foi servida rica refeição e após alimentar-se com auxilio de
Arthur, este falou-lhe:
-
Querida Sara, o nosso filho é muito pequeno e frágil...não sabemos como
alimenta-lo!
A jovem percebendo a preocupação do marido, olhou-o
carinhosamente e disse-lhe:
-
Arthur querido, tenho leite para lhe dar...este já vaza em meu peito...
O nobre falou-lhe entristecido:
-
Sim Sara, mas não saberá mamar!
Sara pediu-lhe então que lhe trouxessem o bebe, o
que rapidamente fizeram. Somente então a jovem compreendeu o que o marido lhe
dizia; não era um bebe robusto e forte, mas um ser imensamente frágil.
Sara comoveu-se, sem compreender como aquela
criaturinha ainda vivia. Instintivamente colocou a mão no seu seio apertando-o
e deste saiu o leite aquoso e esbranquiçado...Sara molhou o dedo e colocou-o
cuidadosamente na boca do bebe, que pareceu engolir o pouco liquido, que em sua
boca pingara .
-
Arthur, assim que o alimentarei! Incessantemente ao longo do dia,
tirarei o leite do meu peito e o darei carinhosamente para que engula!
Lorde Arthur, sentindo-se confuso com a idéia da
esposa e temendo o êxito em alimentar o filho assim; auxiliou prontamente a
jovem esposa, amparando o pequenino .
O inverno chegou
rigoroso na propriedade do castelo de Lorde Arthur. Ventos fortes agrediam a
vegetação em todas as direções.
No imenso salão a lareira constantemente acesa
trazia o calor a todos que ali se encontravam reunidos.
Brigith e Joane brincavam alegremente com Sara; que
as distraia com algumas bonecas de pano.
Brigith a menina astuta e sorridente de cinco anos,
falava constantemente; não deixando o ambiente ficar triste ou silencioso.
Joane ainda que lhe fosse idêntica em corpo e
semblante, era sossegada e introvertida
.
Ricardo, o pequeno menino com seus três anos
caminhava continuamente com o auxilio de Carol, que aparentava fisionomia
demasiadamente cansada.
Lorde Arthur que observava pensativo a sua família,
pediu-lhes licença e saindo caminhou até o aposento do pequenino Orlando.
Aproximou-se do rapazinho de olhar esperto. Este
ainda não completara dois anos de idade, mas já caminhava com perfeição.
Arthur balbuciou-lhe:
-
Vem no papai filhinho!
O menino instintivamente caminhou em sua direção,
cambaleante e ameaçando cair. Facilmente aproximou-se de seu pai e sorrindo
expansivamente abraçou-o .
O nobre Arthur pegou o filhinho no colo
carinhosamente, e observou-o.
Com extremo
amor vislumbrava a grandiosidade e a beleza que aquele ser possuía, antes de visualizar-lhe as
deficiencias e imperfeições.
O pequenino Orlando não possuía completo domínio nas
expressões faciais. Apresentava problema visual e anomalia na dicção; mas o
nobre pai acarinhava-o afavelmente com imensa ternura e admiração.
Aquele pequeno ser, que ao nascer cabia nas palmas
abertas de suas duas mãos, lutara pela vida incessantemente. Era um vencedor!
Extremamente bonito e com traços incrivelmente
delicados, lhe era o filho mais belo...de uma sensibilidade magnifica...e de
uma ternura aparente no olhar ainda que este nada visualizasse.
O sorriso lhe era puro encantamento, ainda que a sua
face por vezes se retraísse involuntariamente.
Os sons eram-lhe as palavras, por vezes de
felicidade, de prazer, ou de suplica...mas nunca se percebia tristeza em seu
olhar.
Avisando á serva que levaria o menino para o salão;
Arthur se afastou levando-o em seus braços.
Sara percebendo-os entrar, falou-lhes feliz:
-
Querido Arthur, fostes acordar o pequenino!
Assim Sara chamava o filho carinhosamente. Arthur
colocou o menino no chão próximo á mãe e ás irmãs e esta lhe chamou com imensa
ternura.
-
Vem pequenino na mamãe!
O pequenino Orlando, caminhou firme em sua direção;
e Sara feliz abraçou-o orgulhosa, dizendo:
-
Sempre encontrarás a mamãe!
O menino sorria espontaneamente a cada conquista.
As irmãs chamavam-no para brincar e Sara o colocou
sentado no chão próximo a elas; Orlando
brincava como se tudo visse!
Arthur então sentando-se próximo á esposa ali ficou
observando-os feliz; era-lhe uma família.
Gabriel caminhava de um lado para o outro incessantemente. Conseguira
recuperar o peso, mas a musculatura por vezes ainda lhe era frágil. Sentou-se
no leito e pensou naqueles dois anos, desde que saíra da masmorra.
Carol havia se dedicado á sua alimentação com imensa
ternura. E passado alguns meses já conseguia dar os primeiros passos.
Sentia-se no entanto, incomodado com a dedicação e a
proteção de todos. Isto fazia-o sentir-se imensamente culpado com tudo o que
fizera.
Todos eram bons e generosos consigo; e ele tão pouco
podia fazer para retribuir-lhes a compreensão e amizade; ou reparar a imensa
dor que outrora lhes trouxera.
Certa vez, quando o lorde Arthur o procurara para
saber como estava, Gabriel lhe pediu suplicante que lhe deixasse voltar para a
propriedade de Carol. Desejava voltar a administra-la. Prontamente o Lorde
Arthur sentindo-o apto ao trabalho,
concordou.
Assim, ali estava ele novamente. Administrava a propriedade com dedicação
e empenho ao lado do amigo Silvio. Muito trabalho tinham realizado juntos
naquele ano que se passara.
Mesmo que isto tivesse trazido enorme tranqüilidade
ao lorde Arthur, tendo menos responsabilidades pelas quais zelar e também concedendo-lhes riquezas com a lavoura
e a pecuária; Gabriel sentia-se ainda imensamente deprimido.
Ambicionava ardentemente, com seus trinta e sete
anos, fazer algo mais pelo nobre e por Carol; sua doce mãe.
Freqüentemente ia até o castelo para levar as
colheitas e revia a todos saudoso.
Conhecera as suas lindas filhas e o seu filho
Ricardo; conhecera também o pequenino Orlando com seus inúmeros problemas de
saúde!
Admirava a dedicação e o amor de Arthur e Sara para
com aquele filho, que lhes exigia
continua atenção.
Sempre que via aquele Orlando tateando ou emitindo
sons confusos...sentia-se imensamente culpado!
Inexplicavelmente recordava-se momentaneamente de
Anderson, imobilizado em um leito, sorridente e escutando as estórias que lhe
contava... como fora capaz de sufoca-lo tão friamente...como fora capaz de
tantas atrocidades!
A culpa em sua consciência parecia interminável e o
arrependimento cruel martirizava-o
diariamente ; agredindo-o dia após dia.
Desejava poder apagar os atos que cometera de sua
mente, mas a cada dia eles ficavam mais aparentes e mais difíceis de esquecer.
Quando lorde Arthur o cumprimentava com extrema
cordialidade; a nobre Carol o recebia com amoroso abraço; Sara lhe resplandecia
agradável e acolhedor sorriso...a culpa o assombrava assustadoramente.
O seu sofrimento por vezes era tanto, que não se
achava digno de vida tão prazerosa desejando ardentemente poder subir correndo
para aquela masmorra novamente e ali se trancar em sofrimento, até que a morte
o sucumbisse...
Aquela vida de penúria e tormento mental, somente amenizava um pouco quando conseguia
agradar ou dar orgulho ao lorde Arthur com seu trabalho.
Naquela manhã fria, Gabriel acordou mais inquieto e angustiado. A neve
caíra densamente naquela noite, cobrindo os campos e as colinas e regelando os
rios.
O frio era imenso e agasalhou-se com uma túnica de
lã de ovelha que havia costurado para si.
Encontrou Silvio na sala e este parecia perceber-lhe a intranqüilidade. Gabriel falou
determinado:
-
Silvio, sinto-me imensamente mal...irei cavalgar por ai!
O servo olhou-o incrédulo.
-
Sairás com este tempo Gabriel?
Gabriel
angustiado respondeu-lhe.
-
Preciso fazer algo, não posso mais viver assim; com este sentimento de
dor em lembranças irreparáveis. Preciso encontrar maneira de me redimir dos
imensos males que fiz...
Silvio, tendo conhecimento de seu passado,
silenciou; Gabriel pegando uma grande espada, que sempre andava consigo,
afastou-se saindo da moradia.
No estábulo que auxiliara a construir, encontrou os
animais abrigados e em segurança; e no celeiro também os cavalos mantinham-se
tranqüilos e aquecidos.
Gabriel olhou para o seu negro cavalo, mas preferiu
escolher montaria mais jovem e vigorosa.
Após selar um cavalo robusto, Gabriel montou e saiu
a cavalgar pela propriedade. A paisagem era pálida, inerte e sem vida;
deixando-o ainda mais angustiado.
A neve por vezes dificultava o cavalgar, já em densa
espessura sobre o solo.
Gabriel retornou á moradia para avisar ao seu amigo
Silvio, que iria até o castelo de Lorde Arthur.
O trajeto que normalmente se fazia em uma hora de
cavalgada tranqüila; Gabriel demorou três árduas e frias horas para percorrer.
Finalmente avistou as fortes muralhas silenciosas. Aproximando-se apeou
da montaria e após resguardar o cavalo no celeiro, caminhou ao castelo.
Prontamente os guerreiros abriram-lhe o portal, recebendo-o:
-
Senhor Lorde Gabriel Vandak, o que o traz aqui com este tempo?
Gabriel olhou-o com cordialidade e indagou:
-
A duquesa Carol ainda repousa?
O guerreiro meneou a cabeça negativamente,
entristecendo o semblante. Gabriel imediatamente percebendo-o, indagou
apreensivo:
-
Algo aconteceu com a nobre senhora?
O servo novamente meneou a cabeça em negativa e
balbuciou:
-
É o pequenino Orlando!
Gabriel angustiava-se com a sua expressão
entristecida e suplicou-lhe que lhe contasse o que acontecia .
-
Senhor Gabriel, ontem o pequenino Orlando estava bem e feliz...no
entanto esta manhã, está imensamente febril e completamente imobilizado! Todos
estão em seu aposento; somente as outras crianças estão no salão!
Gabriel, sem nada dizer-lhe, caminhou apressado até
o aposento do menino. Raramente entrava no castelo sem que um dos nobre viesse
recebe-lo, o fazia agora intuitivamente e em aflição.
Encontrou o aposento com a porta semi-aberta e
entrou silencioso.
Carol estava profundamente abatida em uma poltrona
da qual olhava fixamente para o menino inerte no leito.
Próximo a este, estavam o Lorde Arthur e a Duquesa
Sara, aparentemente apreensivos.
O médico do castelo, examinava cautelosamente o
menino que ainda não completara o segundo ano de vida.
Gabriel mantinha-se próximo á porta e escutou-o
dizendo-lhes:
-
Não possui nenhum mal físico a não ser o estado febril e a imobilidade!
Gabriel, de onde estava, conseguiu observar que os
olhos da criança estavam abertos, mas imóveis! Intrigado e agindo num impulso aproximou-se do leito, para poder
observa-lo melhor e somente então o nobre Arthur constatou sua presença ali.
Gabriel, percebendo a perplexidade do lorde, falou
humilde:
-
Perdoai-me senhor! Não desejava intrometer-me...mas avisaram-me que
todos aqui estavam, e sentindo-me aflito, desejei poder auxiliar-vos!
O nobre olhou-o agradecido mas falou-lhe
entristecido.
-
Não sabemos o que tem...como podemos auxilia-lo?
Gabriel novamente agindo por estranho impulso, pediu
ao lorde que o deixasse observar o pequeno Orlando.
O Lorde Arthur, sentindo-se meio indeciso,
prontamente concordou. O medico então afastou-se da pequena criança, para que
Gabriel pode-se se aproximar.
Gabriel cautelosamente tocou-lhe a pele da face,
estava imensamente febril! Os olhos mantinham-se parados numa única direção! O
corpinho impressionantemente imóvel! Gabriel poderia tranqüilamente afirmar
que aquela criança estava morta; mas a
respiração tênue e a pele quente negavam a aparência.
Passou as mãos sobre os seus cegos olhos para
observar-lhes um leve piscar, mas estes mantiveram-se imóveis.
Pedindo novamente permissão ao Lorde examinou-lhe o
corpo atentamente, tal qual inúmeras vezes vira o seu tutor Manco fazer com os
enfermos.
Intuitivamente se lembrou das ervas que ocasionavam
estado convulsivo e depois febre alta e sono profundo! Mas aquela criança não
apresentava convulsão e aparentemente não dormia...indagou intrigado:
-
Quem passou a noite com o menino?
Prontamente um servo se apresentou e Gabriel
indagou-lhe:
-
Teve sono tranqüilo ou agitou-se demasiadamente no leito?
O servo, fugindo ao seu olhar, lamentou-se dizendo
que não poderia responder-lhe porque dormira!
Gabriel então indagou ao lorde e á sua esposa.
-
Que fez á noite, antes de deitar-se? Com o que brincou?
Ambos se olharam e então a duquesa Sara falou-lhe
tremula em seu nervosismo.
-
Brincou com as bonecas de pano, junto com suas irmãs!
Gabriel preocupado perguntou-lhe:
-
Quem fez as bonecas? Onde estão?
O nobre Arthur desconfiado com as perguntas de
Gabriel explicou-lhe, ainda que não compreendesse o motivo da indagação.
-
Uma serva que trabalha na lida nos campos, as ofertou antes que o
rigoroso inverno começasse; as crianças ainda que tenham outros brinquedos,
afeiçoaram-se muito ás singelas bonequinhas!
Levantando-se suplicante Gabriel disse:
-
Preciso vê-las agora!
Ainda que ninguém compreendesse o que se passava na
mente de Gabriel, imediatamente uma serva afastou-se para buscar as bonequinhas
de pano.
Mediante a perplexidade de todos, Gabriel rasgou
brutalmente uma delas. "estava certo em sua desconfiança, as bonecas
singelas de pano, haviam sido enchidas com folhagem
seca"...meticulosamente cheirou e analisou as ervas secas que ali se
encontravam e concluiu que dentre elas, estava a erva que ocasionava a febre
convulsiva! Com certeza, aquele menino colocara a boneca de pano em sua boca e
numa coincidência incrível do destino, de alguma forma sua salivação umedecera
o pano fino, trazendo a substancia medicamentosa á sua boca...pelo seu tamanho
pequeno e sua pouca idade, seria suficiente somente algumas gotas para lhe
trazer a febre...não conseguia compreender no entanto, porque o pequeno Orlando
dormia com os olhos abertos e porque o servo durante a noite, não lhe percebera
o estado convulsivo...Gabriel olhou fixamente para ele e suplicou-lhe:
-
Pela saúde do pequeno Orlando, falai-nos a verdade; estivestes neste
aposento a noite inteira?
O servo extremamente receoso, temendo as represálias
do seu senhor, contou-lhes sentindo-se aflito, que só saíra do aposento porque
o menino dormia tranqüilo...O lorde indignou-se com a irresponsabilidade do
servo pedindo que este saísse do aposento. Olhou então para Gabriel e
indagou-lhe curioso:
-
O que concluístes Gabriel?
Gabriel, sentindo-se extremamente envergonhado,
contou-lhes:
-
Algumas destas ervas que a serva usou para encher as bonecas de
pano...é a erva que eu usava propositadamente para me fazer doente...
Baixou a cabeça mostrando enorme arrependimento e
continuou:
-
...tinha conhecimento que suficiente seria marcar uma folha, para que
ela me fizesse ter convulsões , conseqüente febre e sono profundo durante
alguns dias! Estou convicto de que seu filho, brincando com uma boneca, a levou
a boca, a saliva umedeceu o pano fino e a substancia toxica atingiu-o ... se
com apenas uma folha um adulto forte fica desacordado durante longos dias, o
seu filho com uma pequena gota, também o ficará...
Gabriel dando uma pausa, prosseguiu preocupado:
- As ervas não ocasionam mal maior em adultos; no
entanto não sei se trará maior problema a uma criança tão pequena!
O lorde Arthur, impressionado com a perspicácia
em suas conclusões, perguntou-lhe:
-
Como soubestes que o servo se ausentara?
Gabriel que olhava o pequeno Orlando, respondeu:
-
Porque anteriormente á febre e ao sono profundo, a erva provoca estado
convulsivo...se olhar cuidadosamente perceberão que existe baba em sua
almofada!
O nobre estava perplexo com o sofrimento de seu
filho aquela noite e ali tão sozinho. Voltou a indagar:
-
Porque dorme em febre alta com os olhos abertos?
O medico que a tudo escutara silencioso prontamente
respondeu:
-
Por seu o seu filho muito pequeno, senhor Lorde Arthur, ele não está
dormindo; Está em estado de choque!
A duquesa Sara que também se mantivera silenciosa;
angustiada exclamou:
-
O que faremos!
Gabriel pausadamente contou-lhes:
-
O velho Manco costumava fazer um chá com uma erva, que limpava a
barriga de quem se envenenava! No entanto não sei onde poderei encontra-la com
a neve que está lá fora! Seria bom esfriar-lhe a pele; tal qual Ricardo fazia
comigo! E dar muito liquido...irei ver se encontro a erva!
Dizendo isto Gabriel saiu do aposento, enquanto o
medico se prontificava a colocar panos frios em sua fronte e lhe dar
cautelosamente liquido a beber.
A duquesa Sara aproximou-se de Carol e sentando-se
ao seu lado oraram fervorosamente.
O nobre Arthur permaneceu próximo ao seu querido
filho.
Gabriel afastou-se do castelo, rumo as colinas aonde
costumava encontrar as ervas para Manco.
Difícil seria a sua missão. A vegetação já era muito
pouca em algumas partes em função do rigoroso inverno.
Já era tarde, quando descobriu próximo a uma arvore
frondosa, algumas ervas que ainda resistiam. Rapidamente as pegou e retornou ao
castelo com muita dificuldade pois recomeçava a nevar.
Quando lá chegou, encontrou o pequeno Orlando no
mesmo estado de choque, e a febre não tinha cedido apesar das bandagens frias.
Dizendo ao lorde que conseguira as ervas, caminhou
até á cozinha do castelo, e usando somente algumas folhinhas fez o chá.
Gabriel aproximou-se do leito com o caneco e o lorde
Arthur sentindo-se terrivelmente ameaçado pelas lembranças...aproximou-se de
Gabriel, impedindo-o!
Gabriel compreendendo-lhe o receio e sentindo-se mal
com o seu temor, de que prejudicasse aquela criancinha, balbuciou:
-
Tomarei um pouco!
Dizendo isto Gabriel tomou metade do chá que estava
no caneco, e não tardou a que tivesse náuseas e vômitos. Convulsivamente
expeliu tudo o que estava em seu estômago, limpando-o .
Melhorando, banhou a face no tonel e voltou ao
leito, pedindo permissão ao lorde para dar o chá também a seu filho.
O nobre sentindo-se mal e envergonhado pela
desconfiança, prontamente autorizou-o .
Gabriel então, cuidadosamente foi vertendo pequena
quantidade daquele chá na boca do menino Orlando, que instintivamente engolia.
Não tardou para que ele se mexesse e contraindo as feições, expelisse o que
fazia imenso mal em seu estômago.
Quando o pequenino terminou de sentir as náuseas e
vômitos, sempre amparado por Gabriel, deitou-se com o auxilio deste e sorriu
sereno.
O menino Orlando estava recuperado!
Gabriel caminhou então até á sua mãe Carol e
dando-lhe um beijo na mão, saiu do aposento.
Descendo a longa escadaria; sentia-se mal com a enorme desconfiança de
Lorde Arthur. Sabia no entanto que os seus receios tinham enorme justificativa.
Nunca seria visto como uma pessoa boa! Por mais que se empenhasse nisto!
"Tudo por culpa sua e só sua..." Ainda não acabara de descer a
escada, quando o nobre Arthur alcançou-o
e colocando-lhe a mão no ombro, agradeceu-lhe humildemente:
-
Imensamente agradecidos estamos, Lorde Gabriel Vandak, por teres
auxiliado nosso filho Orlando!
Gabriel olhou-o entristecido, murmurando.
-
Nada tens a me agradecer senhor lorde...tanto ainda tenho a pagar-te!
Ambos se olharam piedosamente, por suas vidas tão
opostas mas sempre tão entrelaçadas.
Gabriel ainda sentindo-se imensamente angustiado com
suas culpas, suplicou-lhe:
-
Terás um tempo para ouvir-me, sinto enorme necessidade de falar-lhe;
senhor lorde Arthur?
Lorde Arthur compreendendo-o, levou-o para a
biblioteca. Nesta, comodamente sentado, Gabriel fez uma longa narrativa,
da eterna infelicidade que sentia; e
da enorme culpa! Explicou-lhe da
necessidade extrema que sentia em poder redimir-se. Porem não sabia como!
O nobre sentindo enorme piedade por seu aparente e
sincero arrependimento pediu-lhe:
-
Cuidai do pequeno Orlando!
Gabriel ainda envolvido pela emoção da longa
narrativa indagou-lhe:
-
Que me dizes senhor?
Lorde Arthur olhou-o amigavelmente dizendo:
-
Se sentes necessidade extrema de redenção, cuidai do pequeno
Orlando...fazei dele um bom homem e um guerreiro!
Gabriel não conseguia compreender o que o Lorde
Arthur lhe pedia. "Porque cuidar de um menino tão afável, lhe seria a
possibilidade de redimir-se?". O nobre percebendo-lhe a duvida, falou-lhe
serenamente:
-
Amo o pequeno Orlando, mas estou ciente que a vida lhe será
extremamente penosa, pois como sabes, é cego, é mudo e possui problemas de
coordenação motora...dou-te a missão Lorde Gabriel Vandak, de lhe ensinares a
viver com as deficiências e limitações que possui... ensinai-o a caminhar
ligeiro, a se alimentar, a se defender e a atacar se isto se fizer
necessário... ensinai-o a se comunicar ainda que não possua fala...doutrinai-o
para que saiba escrever ainda que não consiga ler...fazei assim do pequeno
Orlando um grande homem e um bom guerreiro!
Gabriel perplexo deixou-se balbuciar:
-
Isto é impossível!
O lorde Arthur colocou-lhe a mão no ombro
amigavelmente, dizendo-lhe:
-
Também é impossível que apagues as lembranças dos males que fizestes!
O nobre Arthur tinha feito a proposta a Gabriel,
para que este compreendesse, que inúmeras situações na vida, tem que ser
aceitas como são em resignação! "Os inúmeros males que tinha feito não poderiam
ser apagados assim como as deficiências físicas de seu filho não poderiam ser
alteradas..." Lorde Arthur saia da biblioteca quando Gabriel interceptou-o
aflito:
-
Senhor Lorde Arthur!
Arthur voltou-se prontamente e Gabriel falou-lhe
convicto:
-
Eu aceito a sua proposta, Senhor lorde Arthur!
O nobre não podia crer no que ouvia, Gabriel falou-lhe determinado:
-
Farei do seu filho, o pequeno Orlando, um grande homem e um bom
guerreiro! Ficarei ao seu lado dia e noite, e o doutrinarei no que sei! O que não souber aprenderei junto com ele!
O lorde perplexo com a sua determinação indagou-lhe:
-
Desejas alterar o desígnios do Bom Deus?
Gabriel humildemente murmurou:
-
Não senhor lorde Arthur; Desejo imensamente ensinar o seu filho a
compreender e se adaptar aos desígnios do Bom Deus!
Ainda que o nobre não estivesse convicto do êxito na
determinação de Gabriel, em ensinar seu filho do jeito que lhe impusera,
concordou que se estabelece-se no castelo como mentor do pequeno Orlando ;
"Nada tenho a perder com o seu empenho,
meu filho terá uma companhia diária evitando assim outros incidentes
como o que ocorreu hoje! "...concluíra lorde Arthur.
Tardiamente naquele dia, Gabriel montou e saiu em
galope ligeiro rumo á propriedade de Carol.
Estava disposto a assumir com empenho a nova tarefa.
Rumaria definitivamente para o castelo no dia seguinte. Começara a escurecer e
a nevasca fazia o trajeto ser
imensamente frio, árduo e penoso.
Finalmente chegou á
moradia na qual Silvio já o aguardava impaciente.
Aquecendo-se na lareira, contou-lhe o que havia
acontecido com o pequeno Orlando no castelo. Feliz falou-lhe da missão que
Lorde Arthur lhe concedera "Seria o mentor de seu filho!"
Silvio perplexo, também achando-lhe a missão
impossível, indagou-lhe entristecido:
-
Como está a duquesa Sara?
Gabriel conhecia-lhe o profundo sentimento que
possuía em relação á nobre; mas como era um jovem resignado se mantivera longe
do castelo para não aflorar ou demonstrar os seus sentimentos. Havia se unido a
uma jovem que engravidara e já tinha duas crianças. Gabriel para tirar-lhe
qualquer esperança e desiludi-lo em seu sentimento, murmurou:
-
Amando cada vez mais o Lorde Arthur Corleanos!
Ambos silenciaram e Gabriel exausto foi repousar,
pois desejava sair na manhã seguinte bem cedo.
Foram
muitos anos de glória, prosperidade e paz nas propriedades dos Corleanos.
Gabriel aparentemente um pouco grisalho, parecia
ter-se se esquecido dos inúmeros males que tinha feito em sua vida. Se
empenhando continua e incessantemente em ensinar o menino Orlando a viver com
suas limitações, pouco tempo lhe sobrava para lembranças penosas. Completara
seu qüinquagésimo aniversario e era ainda um cavalheiro robusto e forte, pronto
a defender o seu pupilo.
Naqueles treze anos também não havia se interessado
por nenhuma jovem ou senhora. O único envolvimento emocional de sua vida, havia
sido a linda Brigith.
Se entregara ao celibato sem lhe ser tarefa árdua.
Vivera aqueles longos anos para se regenerar de toda a dor que havia provocado.
Sua mãe Carol, estava extremamente envelhecida; não
mais apresentava o vigor na pele ou nas feições, ainda que a idade em seus
sessenta e seis anos, não lhe fosse demasiada.
Haviam se passado vinte anos desde a morte de seu companheiro Ricardo e
ainda que houvesse se resignado á sua ausência o sofrimento ainda fluía em
inúmeras lagrimas de saudades .Tinha dificuldade de locomover-se em função de
um processo reumático crônico, que lhe feria ao se mover; talvez conseqüência
de ter sido jogada no rio frio para se afogar quando
ainda estava de resguardo!
Gabriel sempre que o menino Orlando ia repousar,
aproximava-se dela para lhe confortar no sofrimento físico, dar-lhe assistência
e muito amor.
O lorde Arthur com seus quarenta anos,
freqüentemente viajava a negócios para a corte...haviam rumores de uma grande
guerra, e ele estava extremamente preocupado com a sua grande família.
A duquesa Sara uma senhora muito jovem com seus
trinta e quatro anos e incrivelmente bela mantivera-se dedicada ao esposo, aos
filhos e a administração do castelo que ficava sob sua responsabilidade na
ausência de lorde Arthur. Não existia um só servo que não lhe tivesse simpatia.
Era amável e acolhedora com todos. Sempre sorridente e feliz ensinara ás lindas
filhas a serem nobres educadas e prestativas; Carol a auxiliara na tarefa de
doutrina-las.
As jovens estavam com dezoito anos e ainda que
fossem idênticas em corpo e semblante e tivessem tido igual educação, Brigith
era doce e terna tal qual a mãe Sara; mas Joane era retraída, séria e
agressiva.
Inúmeras vezes o pai Arthur, a colocava de castigo
por desobedecer á mãe e á avó Carol. Em conformidade com as leis sociais,
tinham passado da idade de assumirem compromisso matrimonial, mas lorde Arthur
e a duquesa Sara, concordavam
plenamente, que suas filhas haveriam de escolher seus maridos por afeição e não
por imposição como eram os costumes. Para isto, as levavam freqüentemente a
todas as festas e bailes aos quais eram convidados. Também faziam viagens
breves á corte, para escolherem o lindo vestuário e se atualizarem nos costumes
de comportamento.
Quando viajavam, o jovem Ricardo com dezesseis anos
os acompanhava. Era um jovem alto e forte, tal qual o pai Arthur; mas os olhos
eram vis e cruéis.
Gabriel acompanhara de perto o seu crescimento, por
vezes analisando-o nas inúmeras
perversidade, que sempre fazia. Era incorreto com os servos e se mostrava
superior.
Certas vezes
agredia ou ofendia o menino Orlando, mas Gabriel sempre estava por perto
para protege-lo ou ensina-lo a se proteger.
Gabriel concluíra que Lorde Arthur não tivera sorte
com seu herdeiro e temia pela continuidade da vida harmônica no castelo.
Não fosse pela jovem Brigith e pelo jovem Orlando, a
harmonia já havia sido quebrada á muito.
Por vezes Gabriel refletia, "Como alguns filhos
de pais tão bondosos e íntegros, podiam ser tão frios e tão cruéis!".
Gabriel olhou para o jovem Orlando que cavalgava
próximo a si. Iriam até o lago. O jovem Orlando estava com quinze anos e o
Lorde Gabriel sentia-se orgulhoso " era-lhe um filho!".
A tarefa fora árdua e difícil porem Gabriel
conseguira parcialmente tudo o que Lorde Arthur havia lhe imposto.
Ainda que Orlando fosse cego, conseguia caminhar por
todo o castelo, sem auxilio ou varetas...conhecia cada móvel, cada muralha, e
cada aposento. Conseguia entrar e sair destes como se a visão lhe fosse
perfeita. Também aprendera a caminhar nas proximidades do castelo; levara-o
constantemente a conhecer o celeiro, os estábulos, os abrigos dos servos; os
limites dos pastos e dos rios.
Orlando conseguia descrever com clareza a paisagem
que o rodeava a cada posição que estivesse, ainda que os vocábulos por vezes
fossem de difícil compreensão.
No salão de refeições sentava-se e servia-se
completamente sozinho, e comia com extrema elegância e etiqueta.
Gabriel ensinara-o a identificar os muitos sons
existentes, e Orlando com uma audição extremamente aguçada poderia sentir
quando alguém se aproximava e como se aproximava; se era homem, mulher ou
criança. Podia calcular com exatidão a posição onde estava e como estava.
Inúmeros exercícios diários se fizeram necessários para tantas conquistas.
Por vezes Gabriel entrava e saia do aposento
incessantemente e de inúmeras maneiras
para que sentisse as diferenças nos sons do caminhar...algumas vezes entrava
calmo, outras nervoso, outras preocupado e em outras disposto a ataca-lo...
ensinara Orlando a lutar e principalmente a se defender.
Sempre lhe dizia " Não tens visão, mas tens a
audição, o tato, os reflexos, e uma inteligência fantástica; usai-os!"
Poderia um malfeitor se aproximar por trás de
Orlando que este em enorme agilidade, se
defendia.
Não poderia ensina-lo a usar armas que necessitassem
de mira, mas ensinou-o a se proteger de espadas ou lanças...
Orlando em seu crescimento, lera inúmeras obras, de
arte, ciência e teologia; mecanicamente também aprendeu a escrever ainda que
não visse as letras.
O conseguiu através dos perseverantes e incansáveis
olhos de Gabriel; diariamente o mentor lhe era a visão e em suas pacientes
narrações de tudo o que via ou lia Orlando ia memorizando gradativamente.
Gabriel estava consciente no entanto, de que não
havia concluído a missão, em completo êxito. Tornara o pequeno Orlando um bom
homem e um forte cavalheiro.... mas esta primorosa educação estava restrita aos limites próximos
ao castelo; longe destes seria extremamente vulnerável e isto o
preocupava.
Com o treinamento árduo ensinara ao jovem Orlando a
formar vocábulos. Ainda que fosse mudo, com extrema dificuldade ensinara-o a
emitir sons repetidas vezes até que se assemelhassem ás palavras básicas.
Não poderia participar de um dialogo mas conseguia compreender o que lhe
diziam em plenitude , e em alguns vocábulos expressar-se um pouco.
Chegando próximo ao lago, Orlando apeou da montaria
com agilidade. Gabriel também o fez. O jovem olhando para o lago como se lhe
visse a beleza e a grandiosidade disse:
-
Calor!
A voz saia contorcida mas era compreensível.
-
Sim Orlando está fazendo muito calor...estamos em frente ao grande
lago...está muito azul...ao fundo temos lindas colinas verdejantes e um céu
imensamente claro...no pasto inúmeras folhagens floridas...
Gabriel sempre lhe narrava tudo o que via em
detalhes, para que ficasse em sua memória. O jovem novamente balbuciou:
-
Irmão... mau!
Gabriel não poderia concordar ainda que o jovem
Orlando estivesse certo . Disse-lhe carinhosamente.
-
Não Orlando, sois diferentes! Ninguém
é igual a ninguém. Ricardo é bonito, forte e elegante...e é teu irmão,
deves respeitá-lo e ama-lo!
Orlando meneou a cabeça afirmativamente concordando
humilde.
-
Papai... vem?
Gabriel colocou-lhe a mão no ombro carinhosamente e
falou-lhe:
-
Sim Orlando, teu pai Lorde Arthur deverá chegar ao castelo hoje ou
amanhã...sentes saudades?
O jovem novamente meneou afirmativamente
balbuciando.
Ainda que o seu falar parecesse infantil, o jovem
Orlando havia se tornado mais forte e viril que o irmão Ricardo que lhe era
mais velho.
Quando estavam próximos, Orlando parecia o irmão
mais vigoroso e bonito. Não fossem as deficiências físicas de Orlando, com
certeza este faria Ricardo compreender a respeitar ao próximo. Entretanto, em função de suas limitações, lhe era submisso e humilde.
Retornando ao castelo, e entrando no salão, o jovem
balbuciou feliz:
-
Pai!
Lorde Arthur que estava sentado numa poltrona
falando com seus outros filhos; surpreendido com sua astucia, apressou-se a se
levantar e lhe dar um forte abraço.
-
Como sabias Orlando que eu já chegara?
Orlando dando-lhe respeitoso beijo na face,
balbuciou:
-
Voz!
O lorde Arthur, emocionava-se continuamente com o
empenho do filho, em melhorar-se e aprender.
-
Vem meu querido Orlando, vamos sentar-nos com os outros!
Tranqüilamente Orlando caminhou para se sentar em
uma das poltronas que estava vazia, enquanto lorde Arthur cumprimentava Gabriel
abraçando-o agradecido, pelo muito que fizera por seu filho. Convidou-o a se
sentar com eles.
A tarde foi agradável nas inúmeras novidades que o
Lorde Arthur trazia-lhes da corte. Também tinha lhes trazido presentes e deu-os
um a um.
Para as jovens Brigith e Joane lindos
vestidos...Para o jovem Ricardo alguns ricos e volumosos livros de
estória...Para Carol um requintado xale de lã...Para a querida Sara uma valiosa
jóia que lhe realçaria a beleza...Para Gabriel o lorde orgulhoso ofereceu-lhe
uma bonita espada...
Orlando aguardava humildemente o seu presente e o
Lorde Arthur aproximando-se dele, colocou-lhe um pequeno embrulho nas mãos,
carinhosamente dizendo-lhe:
-
Abrirás com cautela, trouxe-te uma linda adaga que deverás usar sempre
em tua cintura...no entanto somente usaras este punhal se necessário for para
salvar-te a vida;...prometes isto a teu pai?
Orlando levantou-se profundamente emocionado e
abraçando-o em agradecimento balbuciou convicto:
-
Juro!
Quem olhasse para o jovem Orlando não lhe
identificaria facilmente o problema visual; os olhos lhe eram perfeitos e
incrivelmente azuis. Aprendera a controlar as expressões faciais involuntárias,
e só apresentava este problema motor quando estava demasiadamente nervoso; o
que raramente acontecia.
Gabriel observou que o jovem Ricardo se levantara
enciumado pela extrema afeição que o seu pai lorde Arthur demonstrava a seu
irmão Ricardo.
Por sua fragilidade, desde pequeno, Orlando fora o
centro das atenções, da admiração e orgulho. Quando Ricardo aprendeu a cavalgar
foi normal aos olhos de todos; mas quando Orlando aprendeu a cavalgar foi
motivo de euforia e imensa alegria no castelo....e assim em todas as conquistas
diárias.
Lorde Arthur também percebeu no semblante do filho
Ricardo, a contrariedade e aproximou-se indagando-lhe carinhosamente:
-
O que acontece contigo, meu querido filho Ricardo?
O jovem enfurecido respondeu-lhe agressivo:
-
O senhor meu pai só vê esse defeituoso na sua frente...
Lorde Arthur descontrolou-se dando-lhe violenta
bofetada. O jovem Ricardo, irado, levou a mão ao rosto, enquanto o Lorde o
advertia.
-
Nunca mais chames teu irmão Orlando desta maneira, ouvistes bem?
O jovem Ricardo provocou-o em não lhe dar resposta;
e ainda enfurecido falou sem temor:
- Tudo em meu irmão é gloria!
O lorde Arthur sem hesitação, pegou-lhe pelo braço,
e levou-o apressadamente para o seu aposento; Estando então a sós com o filho
Ricardo tentou meigamente faze-lo compreender as limitações e as dificuldades
na vida de seu irmão, e depois aconselhou-o:
-
Deverias meu filho Ricardo, cuidar e te preocupares com teu irmão
Orlando e não lhe teres raiva...se tu caminhas com facilidade, com certeza a
sua caminhada é muito mais difícil!
Após dar uma forte abraço em seu filho Ricardo e pedir-lhe
que ficasse em seu aposento, para
refletir um pouco em tudo; lorde Arthur
retornou ao salão onde os outros familiares ainda se encontravam.
O semblante apresentava fadiga pela viagem e
tristeza aparente pelo incidente em tarde tão prazerosa. Sara caminhou até ele
amparando-o e reconfortando-o
-
Precisas repousar um pouco, meu querido Arthur!
O lorde concordou prontamente e pedindo licença a
Gabriel, a Carol e aos filhos, ambos afastaram-se e subiram para o seu
aposento.
O jovem Orlando caminhou até o mentor Gabriel e
balbuciou:
-
Triste!
Gabriel compreendendo o que queria dizer,
explicou-lhe que seu pai estava muito cansado da viagem e indagou-lhe:
-
Desejas estudar um pouco na biblioteca, antes da ceia?
O jovem prontamente meneou afirmativamente levando
carinhosamente a adaga consigo.
Gabriel deu um beijo carinhoso em Carol que lhe
sorriu e saiu acompanhando Orlando.
O jovem Orlando desejava melhorar a caligrafia e
Gabriel lhe era o olhar critico. Por vezes censurava-o: " O (a) tem que
ser mais redondo "...e pegando carinhosamente em sua mão auxiliava-o a
corrigir-se...e assim Orlando ia se empenhando em melhorar-se.
Quando a noite desceu na propriedade, a pedido de
Orlando ali continuaram estudando.
A porta se
abriu e o Lorde Arthur entrou com o semblante mais sereno. Sentiu-se
entusiasmado ao perceber que o filho Orlando, sentado numa escrivaninha, estava
profundamente concentrado nos manuscritos. Aproximando-se interrompeu-o:
-
Posso ver teus trabalhos, Orlando!
O jovem mostrando-se aflito, tampou os pergaminhos
que estavam sobre a mesa. Gabriel compreendendo-lhe a atitude explicou ao lorde
Arthur, que o seu filho desejava primeiramente melhorar-se na escrita para
depois apresentar-lhe as suas conquistas no aprendizado. O nobre aceitando e
admirando-se do empenho e do perfeccionismo do seu filho afastou-se após
fazer-lhe um afago na cabeça.
Enquanto o jovem Orlando, pegava um pergaminho novo,
sentindo-lhe as margens com o tato e escrevendo vagarosamente; o lorde Arthur e
o mentor Gabriel conversaram.
-
Haverá uma grande guerra Gabriel!
Gabriel fez-lhe uma expressão de receio, temendo que
o seu filho escutasse. Arthur compreendendo, falou-lhe baixo como se estivesse
confidenciando algo.
-
Temo pelo bem estar de minha
família e de meus servos...temo pelas minhas propriedades! Temo principalmente
por meu filho Orlando!
Gabriel sentindo-lhe a extrema preocupação tentou
tranqüilizai-lo.
-
Não temas Lorde Arthur; Orlando sabe defender-se!
Arthur que freqüentemente se via obrigado a estar
distante do castelo e do aprendizado de seu filho; ainda que conhecesse algumas
de suas conquistas, não se sentia muito convicto de que realmente este saberia
defender-se sozinho.
-
Peço-te Gabriel, que escolhas e
doutrines uma sombra para meu filho!
Gabriel compreendeu imediatamente o que o nobre lhe
pedia; lembrou-se saudoso da "sombra" que outrora Lorde Arthur havia
lhe dado. No inicio lhe fora incomodo mas com o tempo havia se tornado o amigo
e o companheiro fiel. O nobre desejava fazer o mesmo pelo seu filho.
-
Deverá o servo, ser mais novo que meu filho Orlando; porem deve ser
forte, astuto e inteligente! Acima de tudo que seja humilde e integro!
-
Compreendo o que me pedes senhor lorde! Atenderei o seu pedido e
começarei a procurar o servo ideal para ser o protetor de seu filho, pela manhã
bem cedo!
O nobre entristeceu murmurando.
-
Queria poder dar a visão ao meu filho, e uma boa dicção ...mas só posso
conseguir-lhe isto por empréstimo, com um fiel companheiro!
Dizendo isto, ambos perceberam que Orlando se
aproximava com o pergaminho em suas mãos. Parecendo emocionado, entregou-o a seu pai e sentou-se próximo a eles.
O lorde Arthur abriu o pergaminho e percebeu um
longo texto, em linhas por vezes incertas, e letras por vezes irregulares em
tamanho e forma, mas legível. Leu emocionado:
"Querido Pai Arthur,
Desejo tanto falar consigo, mas as palavras não saem
na minha voz, ainda que as tenha em meus pensamentos. Gostaria tanto de poder
dizer-lhe o quanto amo nossa família. O quanto sou agradecido ao mentor
Gabriel. Não posso ver e nem falar, mas ele ensinou-se a pensar com astucidade
e ensinou-me o impossível, a escrever! Não se aborreça com meu irmão! Queria
poder ajudá-lo meu pai! Meu carinho, minha admiração e meu respeito.
Seu filho
Orlando Corleanos II "
O nobre não conseguiu conter a enorme emoção e
sensibilizado verteu intenso pranto de alegria.
Olhou para o filho com profundo orgulho e para
Gabriel com indescritível admiração.
Somente naquele instante compreendia o quanto o seu filho era inteligente e como
Gabriel Vandak, havia realmente realizado o impossível.
Não eram somente meras conquistas...eram enormes
conquistas!
Ajoelhou-se próximo aos pés do filho Orlando, e
falou-lhe em extrema emoção:
-
Perdoai-me meu filho...tenho te tratado como um menino e hoje me mostras
o homem que és! Perdoai-me porque este teu pai, que imensamente te ama, não
percebeu o que se ocultava sob as tuas aparente incapacidade ; Perdoai-me
porque eu errei em julgar-te pela capacidade exteriorizada e não pela nobreza silenciosa que existe em teu interior...
És grande meu filho! És forte! És um nobre!
O jovem Orlando auxiliou-o a se levantar e lhe deu
um forte abraço. Lorde Arthur, extremamente emocionado falou-lhe ainda:
-
Falai meu filho Orlando... o importante não é saber se expressar com
a boca mas sempre com o coração!
A pena te será a voz e a tinta o teu mensageiro! Eu te prometo meu
filho, que sempre estarei disposto a ouvir-te em palavras silenciosas mas com
certeza eternas!
Novamente ambos se abraçaram e então o nobre olhou
comovido para o seu mentor e agradeceu-lhe:
-
Minha eterna gratidão Lorde Gabriel Vandak!
Gabriel também sentindo-se extremamente
sensibilizado , prontamente pediu-lhes licença, desejando deixar pai e filho a
sós naquele instante. Justificou-se humildemente:
-
Deste-me outra missão senhor Lorde Arthur...irei cumpri-la !
Dizendo isto Gabriel afastou-se rapidamente, pois as
lagrimas também já afloravam em seus olhos. Rumou para o aposento e da janela
contemplou a noite escura, coroada por uma esplendorosa lua e cintilante em
maravilhosas estrelas e agradecendo ao
Criador, pranteou a gloriosa oportunidade da vida!
" A viagem fora breve!
Imediatamente ali estávamos em meio aquelas muralhas de pedra, que
tantas estórias guardavam.
Meu mentor
Ricardo, caminhava pensativo; parecia
sentir-se saudoso do tempo em que ali vivera.
Sentindo o
enorme silencio que no castelo reinava, presumi que todos os irmãos em corpo
físico repousavam.
Entretanto,
eventualmente eu podia ver, que alguns irmãos espirituais , profundamente agitados e confusos, também estavam naquele castelo. Sentia-me no
entanto confortado, em estar ciente, de que estes não poderiam perceber a nossa
presença; Na infinita proteção de Deus ,
ignoravam-nos.
Ricardo
subindo a longa escadaria, que tão bem conhecia, falou-me harmoniosamente:
-
Lucas, trouxe-te comigo nesta
missão, porque nela aprenderás o quanto o nosso Pai, é misericordioso para
com todos os seus filhos; concedendo-lhes amorosamente a ampla liberdade para
que possam progredir...
Tinha me
contado o meu mentor Ricardo, da sua humilde vida como um médico naquele
castelo; e eu como o seu aprendiz,
conhecia detalhadamente a vida de todos
os irmãos que naquele plano físico, tinham a oportunidade de se regenerarem;
ainda que nunca os tivesse visto assim tão próximos.
Eu era o
aprendiz curioso, sempre atento a tudo e a todas as coisas e escutava
atentamente as lições de meu mentor. Este prosseguiu:
-
...conhecerás o Lorde
Gabriel Vandak, que dorme neste aposento com o jovem nobre Orlando!
Entramos
silenciosos no espaçoso aposento e nos aproximamos do leito de Gabriel.
O mentor
Ricardo narrou-me então serenamente:
-
Em oportunidade
reencarnatória regressa, Gabriel viveu neste mesmo plano físico! Era um senhor,
dono de muitas terras e inúmeros escravos...senhor de enorme riqueza! Viveu no
entanto sendo frívolo; aniquilava valores sociais e morais na única ânsia de se
sentir e se mostrar superior! Observai Lucas, que na atual existência veio como
um mero servo, desprovido de seus bens e destituído de seus títulos; Como servo
, amorosamente tutelado por irmão bondoso,
viabilizava-lhe oportunidade ao seu progresso em vida humilde e
resignada; sendo útil a todos os seus irmãos!
No entanto a contínua ânsia de vingança, por vezes injustificável nesta
vida física; em verdade, era-lhe a incorformação á vida modesta á qual não estava acostumado;
mas á qual deveria resignar-se! A agressividade e a violência de vida regressa
lhe afloraram nesta vida em atitudes frias, cruéis e extremamente
individualistas! Em vida regressa a doce Brigith, lhe fora a esposa dedicada e
submissa; mas cruelmente maltratada por seu esposo; a agredia, desrespeitava, e
violava-lhe em todas as vontades; trancando-a em seu claustro! Na existência
atual, a paixão violenta que sentia por ela, era-lhe provação; deveria por amor
liberta-la, ampara-la e reparar todo o mal que lhe havia feito na outra
existência. Os impedimentos á união de ambos neste plano físico eram
grandiosos, porem em amor teria êxitos e
saldaria sua enorme divida para com esta... no entanto, ainda que estivesse
ciente do certo e do errado, arduamente doutrinado por seu tutor Manco, e
continuamente, em momentos oportunos tivesse ainda o aconselhamento á atitude
correta, optou tal qual em vida regressa, pela violência, e com seu extremo
egoísmo, ignorou-lhe os sentimentos na perda de seus familiares;
instintivamente nesta existência, novamente a maltratou, a agrediu, a
desrespeitou e lhe violou todas as vontades; enclausurou-a novamente !
O mentor
Ricardo silenciou olhando Gabriel, que dormia sereno e prosseguiu a narrativa:
-
... este que me foi o filho rebelde numa outra
existência; tirando-me a vida para possuir em imediato as minhas propriedades;
, o meu assassinato ficou oculto e Gabriel não foi julgado e nem condenado pela
justiça dos homens, mas nesta existência, condenado foi injustamente pela minha
morte física, e sofreu demasiadamente sentindo minha ausência.
Ricardo
fraternalmente abaixou-se para acaricia-lo e Gabriel revirou-se no leito.
Talvez sentindo-se constrangido, sentindo a nossa presença!
-
Observa Lucas que aqui vivi,
longe de qualquer parentesco com Gabriel; mas ali sempre estive, em todos os
momentos decisivos de sua vida, como o pai que um dia fui, para ampara-lo, orienta-lo e protege-lo!
Gabriel sentia a ternura e o imenso afeto que lhe tinha, mas sentindo-se
inexplicavelmente incomodado e culpado pelo
crime que cometera, tirando-me a vida outrora, evitava-me e desprezava-me,
contestando sempre a minha dedicação e a constante compreensão para com todos.
Tardiamente, nesta vida, compreendeu e aceitou a compreensão e o afeto que lhe
dava!
Caminhei
impaciente ao perceber um irmão espiritual imóvel e de olhar vidrado; parecia
um mendigo suplicante de proteção, encolhido próximo ao leito de Gabriel.
Ricardo percebendo o incomodo, balbuciou:
-
Ficai sereno Lucas...este é
Henri II, covardemente assassinado por Gabriel Vandak. O acompanha em
desassossego desde a morte súbita; Sem preceitos religiosos e de uma educação
rígida e frívola, deseja aqui permanecer, desejando-lhe infelicidade! Quando
Gabriel foi submetido ás árduas tarefas em Adredanha, ali também estava, se
felicitando com as suas dores...e nos longos anos em que Gabriel permaneceu
na masmorra, ali também ficou, satisfeito com seu estado deplorável,
desejando-lhe a morte!
Curioso,
interrompi indagando:
-
Mentor Ricardo, contaste-me
que Gabriel Vandak nesta vida tenta finalmente regenerar-se e atualmente possui
vida cristã...porque ainda o acompanha, este irmão em estado tão deplorável ?
Ricardo
olhou-me fixamente, parecia sentir-se incrédulo com a minha ignorância.
Explicou-me no entanto pacientemente:
-
Lucas, te foi doutrinado nas
lições na Colônia : " Poderá um de nós estar amplamente em progresso,
mas próximo a nós sempre estarão os nossos inimigos; ou alguns irmãos ainda
perturbados ; esperando atenciosos qualquer possibilidade em que possam
prejudicar-nos ou interferir em nossa vida evolutiva ; inúmeras vezes provocam
sentimentos de insatisfação, pensamentos de revolta, em nós mesmos ou nos que
lhe estão próximos! "...lembrastes que nos foi ensinado a orar e
vigiar ?
Sentindo-me
envergonhado baixei a cabeça humildemente e murmurei:
-
Não podemos auxiliar este
infeliz que sofre na incessante ânsia de vingar-se?
Ricardo olhou
para Henri II, e expressando intensa
piedade ; murmurou:
-
Não bom Lucas, em sua
liberdade este ser ainda não compreendeu o mal que se faz e nem suplicou
auxilio ao misericordioso Pai!
Dizendo isto
meu mentor afastou-se, caminhando então em direção ao leito do jovem Orlando
que dormia profundamente.
Eu tinha
enorme curiosidade em saber, quem haviam sido e o que haviam feito todos
aqueles irmãos, em suas vidas regressas...mas aprendera, que precisava ser
paciente, e aguardava meu mentor Ricardo
se pronunciar.
-
Este é o pequeno Orlando,
que salvei com a abençoada concordância de Deus Pai...falei-te sobre isto,
lembraste Lucas?
Prontamente
aproximei-me dizendo-lhe:
-
Sim mentor Ricardo; na
imensa fé de Lorde Arthur, viestes aqui em plano físico, para lhe salvares a
esposa Sara e a criança...graças ao bom Deus!
Ricardo
colocou as palmas de suas mãos levemente sobre a mente do jovem Orlando, estas
emanavam ofuscante luminosidade.
Desejava saber porque o meu mentor emanava tamanha energia restauradora sobre o
jovem, mas este continuando com a séria tarefa, ia me narrando vagarosamente
quase que num balbucio imperceptível.
-
Este é o jovem Anderson, que
aqui novamente está, pela infinita justiça do Divino Pai, para prosseguir com a
sua jornada neste plano físico, e doando a oportunidade a Gabriel Vandak, de
doar-lhe a vida que a tirou...
O mentor ainda
com a tarefa de emanar energia a este,
prosseguiu:
-
Sente enorme afeição e amor
ao Lorde Arthur, porque
inconscientemente lhe é acumulado o sentimento de irmão que outrora foi e do
filho que atualmente o é...perceberás que a afeição e o amor é reciproca por
parte do lorde Arthur, que deseja ardentemente vê-lo forte, sadio e em
proteção...
Interrompi meu
mentor cautelosamente para não lhe atrapalhar a tarefa que realizava,
sentindo-me radiante com aquela revelação:
-
Anderson regressou no mesmo
plano físico, como um deficiente para que Gabriel podesse se empenhar em
auxilia-lo a viver com as suas limitações. Possivelmente uma deficiência que
ele mesmo ocasionou, matando-o! Isto é espantoso!
Ricardo
balbuciou em profunda paz, dando por encerrada a tarefa de auxilio ao jovem
Orlando.
-
É a enorme vontade de Deus
Todo Poderoso, de que seus Filhos consigam regenerar-se dos imensos males que
fazem ao seu próximo!
Dizendo isto,
o meu sábio mentor saiu do aposento, e eu segui-o silencioso pelo corredor.
Dando uma pausa, em profunda oração, Ricardo entrou em outro aposento.
Um jovem
dormia inquieto e percebi que ao redor do seu leito, dois seres o atormentavam.
Desejei repudiar
as atitudes daqueles Irmãos perturbadores, mas o meu mentor novamente me
colocou a mão no ombro carinhosamente, dizendo-me:
-
Não poderás intervir Lucas;
todos os seres são livres ao olhos do Bom Deus...estes dois irmãos que
atormentam o sono do jovem Ricardo, são livres! Somente o Pai poderá intervir,
na fé e no merecimento daquele que esteja sendo atormentado e lhe peça auxilio!
Ricardo então,
tranqüilamente caminhou até próximo ao seu leito e eu acompanhei-o; observando
que aqueles nossos irmãos que ali estavam não podiam ver-nos.
-
Observa Lucas, como dorme
tranqüilo e as feições estão extremamente contorcidas...grande inimigo de Lorde
Arthur em vida regressa...
Percebendo que
me sentia confuso, deu uma pausa sorrindo harmoniosamente e narrou calmamente.
-
O lorde Arthur, foi um dos
filhos de Gabriel Vandak em vida regressa; contrariamente ao pai era bom e
justo...piedosamente sentia clemência de sua mãe infeliz...e igualmente se
apiedava dos inúmeros seres que eram entregues á escravidão de seu pai...nesta
existência, Lorde Arthur veio possuidor de riquezas, títulos e propriedades,
porque caridosamente soube administra-las em vida regressa quando o seu pai
faleceu em extrema loucura...o jovem Ricardo em vida regressa era-lhe o irmão
mais novo, sendo completamente frívolo igual ao seu pai. Mas sendo Arthur o
primogênito dessa família, administrou as propriedades em valores cristãos, se
beneficiando da riqueza que possuía mas sabendo reparti-la com todos que
necessitavam de auxilio, ou aqueles que visualizasse estarem necessitados; os
escravos eram por ele tratados com respeito e fraternidade...percebendo isto o
irmão mais novo, indignou-se; prejudicado e sentindo-se excluído de autoridade
e de seus bens...
Interrompi meu
mentor para ver se havia compreendido:
-
Tu eras o pai de Gabriel
Vandak, que te matou por ambição...Gabriel Vandak teve dois filhos com Brigith,
um era Arthur o primogênito, e o outro o jovem Ricardo...Brigith era-lhe a
esposa maltratada e submissa...Gabriel Vandak morreu louco...
Ricardo acalentando-lhe
o raciocínio, parabenizou-o pela compreensão.
-
O jovem Ricardo que aqui
está nesta existência indignado com a parcial indiferença do pai Lorde
Arthur...em verdade a indignação lhe vem de vida regressa; na qual se sentiu
tão excluído que trancou Arthur numa cela até que este morreu resignado em
estado deplorável.. .lembras-te como o Lorde Arthur ficou angustiado ao ver o
estado lastimável de Gabriel, ao visita-lo na masmorra?...Havia em vida
regressa passado por situação semelhante e sabia inconscientemente o quanto
esta era dolorosa...a sensação da lembrança o feriu!
Indaguei a
Ricardo pensativo:
-
O lorde Arthur está em
estado evolutivo bem mais avançado?
O meu mentor
respondeu modestamente:
-
Caminha um pouco
adiante...sabe compreender, aceitar, respeitar e repartir em maior amplitude.
Existe misericórdia e amor em seu ser...se assim não o fosse, como haveria de
ter perdoado tão facilmente nesta existência, Gabriel Vandak que matou
cruelmente seus irmãos destruindo-lhe a família?
Percebendo-me
silencioso e pensativo, falou:
-
Ensinou-nos Deus que
deveríamos respeitar, compreender e perdoar nossos irmãos em suas
imperfeições! Observa Lucas, que os
seres que o atormentam enquanto repousa não lhe são inimigos, e sim os amigos
cruéis que conquistou em vida regressa, em atitudes tão perversas...aqui estão
para instigar-lhe á continuidade do mal...é livre no entanto o jovem Ricardo
para optar e para isto Deus lhe concedeu novamente vida farta; uma bondosa mãe
e um exemplar pai...poderá corrigir-se no bem!
As imensas
lições exemplificadas de meu mentor, eram-me muito valiosas e sentia-me feliz
pela oportunidade que me concedera Deus Pai em acompanha-lo.
Novamente meu
mentor Ricardo saiu do aposento, caminhou no corredor e entrou em outro.
Imensa
luminosidade advinha deste, e nele não haviam seres perturbadores, mas inúmeros
amigos espirituais que ali nos aguardavam.
Ricardo
cumprimentou-os ternamente, e caminhou até o leito.
Uma senhora
envelhecida ali dormia, apresentando enorme dificuldade de respirar.
Meu mentor
meigamente passou-lhe a mão na face e a nobre senhora despertou em serenidade. Levantou-se
tranqüilamente deixando um corpo inerte comodamente ali deitado.
O olhar lhe
era cândido e expressivo.
Parecia
atordoada ainda com o desenlace, mas Ricardo prontamente amparou-a. Carol olhou
para o corpo envelhecido, sentindo um enorme vigor e juventude no corpo
espiritual que agora possuía. Sorriu radiante para Ricardo pegando em suas mãos
fraternalmente:
-
Meu companheiro!
Ricardo
abraçou-a fraternalmente e eu me senti de jubilo com o imenso aprendizado que tivera naquela missão. "
O dia amanhecera
extremamente triste no castelo! Uma serva alertara ao lorde Arthur sobre o
falecimento de Carol; e todos se encontravam inconformados com a perda de
pessoa tão doce, tão serena e tão querida.
Lorde Arthur e a Duquesa Sara, sentiam a enorme dor
da perda, daquela que lhes fora a mãe , sempre tão presente em suas vidas; e na
vida de seus filhos a avó sempre carinhosa.
Gabriel emudecera num pranto triste mas sereno;
sendo reconfortado pelo jovem Orlando que o acarinhava amigavelmente.
Velaram-lhe o corpo com extrema emoção e devoção ao
longo daquele dia; e quando entardecia, o corpo de Carol foi sepultado, na
presença dos nobres e dos muitos servos que ali puderam estar.
Lorde Arthur decidiu viajar para a corte nos dias imediatos, com a sua
família. Haveria grande baile imperial e fora convidado.
Sentia enorme necessidade de encaminhar suas lindas
filhas a um matrimonio.
Seis longos meses ficariam ausentes, e as instruções
a Gabriel foram serias advertências, em como administrar a propriedade se a
grande guerra acontecesse.
Como a duquesa Sara o acompanharia, novamente o
castelo de Lorde Arthur, ficaria entregue em inteira confiança ao Lorde Gabriel
Vandak e ao nobre Orlando.
Ainda que se entristecesse em ser excluído da longa
viagem, Orlando resignasse compreendendo porque o seu pai ali o deixava... não
que se envergonhasse de suas deficiências e limitações, mas desejava protege-lo
do mundo agressivo e competitivo que reinava fora da propriedade.
Os preparativos para a grande viagem, foram
consecutivos naqueles dias e as jovens Brigith e Joane, se sentiam eufóricas
com a possibilidade de conviverem longos dias com belos lordes e duques...o
jovem Ricardo também se alegrava com a viagem, e principalmente porque o irmão
"defeituoso", não os acompanharia. Ciente de que seu pai Lorde Arthur
lhe daria maior atenção e méritos, se empenharia em auxiliar suas irmãs a
conseguirem ricos esposos; e assim ficaria a sós com seus pais e futuramente
sozinho administraria as suas propriedades. Em sua mente facilmente excluía o
irmão, como se este nada representasse. não lhe demonstrava qualquer
afetividade; mostrando claramente o interior frívolo e desprezível.
Não ambicionava a riqueza mas em tão tenra idade,
desejava ardentemente o poder e o domínio.
Na véspera da grande
viagem, o jovem Orlando amparava em Gabriel a sua profunda tristeza, e este
consolava-o dizendo-lhe que muito teriam a estudar, e a aprender
juntos...confortava-o informando-lhe a missão que o Lorde Arthur incumbira de
doutrinar um guerreiro, para a sua proteção e companhia e que o jovem Orlando
poderia auxilia-lo nisto...mas Orlando mantinha-se visivelmente entristecido,
por saber que por longo tempo não veria sua família.
Lorde Arthur observava-os oculto na janela da
biblioteca. Podia perceber a imensa tristeza do filho tão querido e isto lhe
doía profundamente...
Derrepente o jovem Ricardo ali surgiu, esmerando-se
na altivez e o Lorde Arthur impulsivamente, decidiu sair do castelo e
aproximar-se sem ser visto, no jardim onde estavam.
Risonho o jovem rudemente falou:
-
Ficarás sozinho defeituoso!
Lorde Arthur desejou joga-lo no chão em ataque de
fúria, indignado com a insensibilidade do filho Ricardo, mas intuitivamente
conteve-se; desejava perceber o que ocorreria.
O jovem Orlando nada respondeu, mantendo-se
silencioso e quieto próximo ao mentor Gabriel; que ainda que estivesse também
indignado aparentava indiferença.
O jovem Ricardo persistiu com o ataque, dizendo-lhe:
-
Nosso pai de nada vale...é um fraco!
Orlando se levantou de um impulso só e atirou o
irmão ao chão; lutaram bravamente, rapidamente Lorde Arthur aproximou-se em
ânsia de proteger Orlando, quando Gabriel vendo-o, agarrou-o pelo braço
suplicando:
-
Deixai-os Lorde Arthur...teu filho Orlando precisa dar uma boa lição em
teu filho Ricardo!
Ainda que concordasse com isto, o nobre Arthur ali
mantivesse, temeroso de que o bom Orlando se
ferisse.
Os dois jovens lutaram dramaticamente por algum
tempo; até que Orlando caminhou na direção de Gabriel; e sem percebeu em seu
nervosismo que seu pai ali estava, completamente perplexo com o seu êxito.
-
Perdoai-me Gabriel...ensinaste-me que somente deveria atacar em minha
defesa; ataquei-o para defender a honra e a dignidade de meu bom pai!
Gabriel ajoelhou-se defronte a Orlando e o pranto
lhe desceu intenso e convulsivo.
O lorde que ao seu lado estava abraçou prontamente o
filho, também ajoelhando-se agradecido.
O jovem Orlando não compreendia o que estava
acontecendo extremamente exausto e nervoso por se ver obrigado a lutar com seu
irmão; não percebera que a sua voz, tinha saído fluentemente.
O jovem Ricardo, ainda inerte no chão, com o corpo
dolorido e o olho negro, não percebia o que acontecia ao redor.
-
O que fiz de errado...porque estão chorando...porque estão ajoelhados?
Somente então, Orlando escutou sua própria voz que
saia fluente. Abraçou o seu pai com intensidade, falando emocionado:
-
Eu o amo meu pai!
A alegria reinou no
castelo de Lorde Arthur. Sara e Arthur exultavam de felicidade olhando o filho
Orlando carinhosamente, que não mais parara de falar naquele dia.
Havia tanto a ser dito! Inúmeras vezes Orlando tinha
silenciado com extrema dificuldade de balbuciar alguns sons ou para não
constranger os que pacientemente o ouviam. Mas agora era-lhe diferente, as
idéias podiam ser narradas em plenitude com uma fluência incrível.
Lorde Arthur sentia-se orgulhoso com a sua
inteligência e perplexo em
como Gabriel conseguira levar-lhe tanto conhecimento.
Orlando contava as estórias perdidas em sua
infância, agradecia ao pai, ás irmãs, á mãe e a Gabriel continuamente.
Recitava longas poesias, colocadas arduamente por
Gabriel em sua mente e em inúmeras e diárias leituras.
Não tinha a
visão, mas tinha impressionantemente mais cultura que qualquer um de seus
irmãos.
Ricardo de castigo em seu aposento, remia a sua
revolta no corpo dolorido e na face marcada pela discórdia com o irmão Orlando.
Não compreendia porque o seu pai, não o defendera ou interrompera o ataque
intempestivo de seu irmão.
Porque ele estava ali de castigo, e mais uma vez o
seu irmão, recebia as glorias no imenso salão.
Orlando humildemente desculpara-se com ele, mas
tinha certeza que somente ele o fizera para destacar-se ainda mais na idolatria
de seu pai.
Percebera-lhe a voz grossa mas meiga, falando
fluentemente; e não compreendia como seu irmão ficara bom...pensava: "mas
ainda é um defeituoso cego!"...Ricardo remuia-se em incompreensões;
julgamentos e sentindo-se arduamente vitimado e injustiçado.
Alegrou-se quando a noite finalmente desceu sobre a
propriedade e finalmente deitou-se para dormir, ansiosos de que o dia novamente
raiasse; e partindo em viagem não tivesse mais que conviver com o seu irmão.
No castelo todos recolheram-se aos respectivos
aposentos para repousar.
O longo dia tinha sido exaustivo nos preparativos
para a viagem.
Mas Orlando não conseguia dormir ainda eufórico com a
possibilidade de se comunicar. Virou-se para Gabriel também deitado em seu
leito e balbuciou:
-
Dormes mentor Gabriel?
Gabriel virou-se em sua cama, de maneira que podesse
olha-lo dizendo:
-
Deverias dormir Orlando...todos despertarão bem cedo!
Orlando disse-lhe :
-
Já te agradeci pelo muito que fizestes por mim, mas sei que nunca
poderei te mostrar a minha total gratidão...
Gabriel interrompeu-o dizendo tristemente:
-
O fiz por divida que tinha para com teu pai...ainda a tenho!
Sem compreender o que o seu mentor lhe dizia, o
jovem decidiu tentar dormir.
Logo que a manhã
surgiu gloriosa, todos já se encontravam prontos para fazerem a viagem para a
corte.
Orlando despediu-se tristemente de suas irmãs e sua
mãe e do pai lorde Arthur; no entanto não conseguira se despedir de seu irmão
Ricardo; pois este havia entrado rapidamente na carruagem, não desejando
despedidas.
Assim que os viajantes surgiram em galope apressado
na poeirenta estrada; Orlando abaixou-se pegando um pouco de terra e vertendo
um pranto sereno.
Gabriel Vandak aproximou-se , colocando-lhe a mão no
ombro sem nada dizer-lhe. Sabia que aquele sentimento triste, Orlando deveria
sentir sozinho.
Nos dias seguintes,
Gabriel reuniu todos os filhos dos servos, na faixa etária de dozes anos. Um a
um Gabriel foi conhecendo, até que encontrou um belo rapaz de olhar esperto e
bastante humilde.
Já a tarde findava quando Gabriel chamou Orlando que
estudava na biblioteca, treinando a redação e a caligrafia; e apresentou-lhe o
rapaz:
-
Orlando, conheci inúmeros rapazes e creio que este é o certo para te
ser o protetor e companheiro!...Claro que em tua concordância!
O jovem nobre aproximou-se e indagou-lhe:
-
Como te chamas?
O rapaz prontamente atendeu-o humildemente.
-
Sou o servo Rui, senhor nobre Orlando!
Após dialogarem longo tempo, o jovem Orlando
balbuciou sereno a Gabriel:
-
Podemos prepara-lo...o quero como um amigo!
Imediatamente as providencias foram tomadas e o
menino Rui passou a morar no castelo, dormindo no aposento de Orlando.
Gabriel se mudou, para um aposento ao lado que
estava vago.
Rapidamente Orlando esqueceu a tristeza da ausência
de sua família. Passavam os dias a cavalgar, estudar e também brincar.
Com facilidade Rui aprendia a escrever e a ler.
Também se empenhava com esmero em aprender a ser um bom guerreiro.
Parecia gostar imensamente do jovem nobre Orlando, o
que deixava Gabriel tranqüilo. Seria-lhe o aliado perfeito. Também Orlando o
tratava como a um amigo.
Naquela noite, um mensageiro se aproximou do castelo em galope
apressado, trazendo uma mensagem para o Lorde Gabriel Vandak.
Prontamente o mentor rasgou o lacre e a leu. Estava
próximo a Orlando e Rui no salão de musica.
" Estimado
Lorde Gabriel Vandak
Passados seis meses de nossa estadia na corte; venho
comunicar-lhe que aqui permaneceremos até o matrimonio de nossas filhas, que
está previsto para a primavera do próximo ano.
Sentimo-nos imensamente preocupados e saudosos de
nosso filho Orlando!
Tão logo ocorram os matrimônios, viajaremos em
retorno ao castelo!
Agradecemos por tudo o que tem feito por nós!
Saudoso abraço
Lorde Arthur Corleanos "
A tristeza surgiu prontamente na fisionomia de
Gabriel e Orlando percebendo-lhe o silencio, indagou-lhe:
-
É uma mensagem do senhor meu pai?
Gabriel serenamente leu-a e o jovem Orlando
deixou-se abater em pranto saudoso. Imediatamente o servo Rui aproximou-se para
consola-lo.
Chorava pela longa ausência e porque estava ciente,
que as possibilidades eram remotas de reencontrar as suas irmãs. Com certeza,
partiriam estas para as propriedades de seus esposos; e dificilmente iriam
visita-los...na sua incapacidade visual tão pouco provável seria visita-las.
Mais um ano e meio teria que aguardar o retorno de
seu pai lorde Orlando, de sua mãe a Duquesa Sara e de seu irmão Ricardo...
Mergulhado em profunda tristeza, pediu licença para
ir para o seu aposento; e como a noite já ia alta, Rui o acompanhou. Gabriel
também recolheu-se ao seu aposento.
" O retorno aquela
moradia, aguçava-me a curiosidade, mas o mentor Ricardo mantinha-se silencioso.
Não estávamos
sós, alguns outros Irmãos também acompanhavam-nos silenciosos.
Entramos no
aposento do jovem Orlando, e percebi que este dormia harmoniosamente.
Num outro
leito, um rapaz forte tinha no entanto sono bastante agitado e surpreendido
percebi que alguns seres o atormentavam. Intrigado olhei para o mentor Ricardo,
mas este mantinha-se magnetizando o ambiente próximo ao jovem Orlando;
juntamente com os outros tarefeiros.
Imensa
luminosidade se fez no ambiente e percebi confuso, que aqueles irmãos
perturbadores se afastavam assustados.
A pedido do
mentor Ricardo, os tarefeiros aproximaram-se mais do leito circundando-o e
colocaram-se em oração profunda.
Surpreso
observei que um feixe de luz descia sobre a cabeça de Orlando que mantinha-se
dormindo.
Alguns minutos
foram necessários para a conclusão da missão e Ricardo agradeceu fraternalmente
aos amigos espirituais que ali haviam comparecido e estes se foram.
Fiquei a sós
com o mentor Ricardo, naquele aposento.
Desejava
ardentemente perguntar-lhe o que faziam, mas como um bom aprendiz decidi
aguardar silencioso.
Observei
atordoado que os irmãos perturbadores, que haviam se afastado com a
luminosidade, tinham retornado e atormentavam de novo aquele pobre
rapaz...Ricardo balbuciou:
-
Não é um pobre rapaz Lucas!
É sim, um irmão imperfeito em busca de sua evolução!
Ciente de que
podia vislumbrar meus pensamentos, envergonhei-me e indaguei prontamente:
-
Quem é ele?
O meu mentor
Ricardo, pausadamente explicou-me:
-
Nesta existência, este é
Rui, filho de servo, e escolhido por Gabriel para ser o protetor de
Orlando...em vida regressa no entanto, era um escravo rebelde que extremou sua
vida barbaramente esquartejado por seu capataz...
Dizendo isto,
olhou clementemente para o jovem Orlando e eu balbuciei temeroso:
-
Era Anderson, ou seja o
jovem Orlando esse capataz?
Ricardo sempre
harmônico falou-lhe:
-
Sim meu bom Lucas...o jovem
Orlando era o capataz de Gabriel e para sua infelicidade, adquiriu enorme
divida, maltratando e matando os escravos a mando de seu senhor...quando
Gabriel nesta existência asfixiou Anderson até á morte...matava em verdade o
submisso capataz de outrora. Antes de morrer enlouquecido, Gabriel pediu ao
capataz para exterminar a escrava que lhe era amante...lembras-te de
Linia?...Sim a mandou matar! Mas o capataz que era Anderson, negou-se a faze-lo
fugindo com ela, sendo pessoa boa estava exausto de obedecer ordens cruéis e
sentiasse indignado com tanta violência e tantas injustiças....o senhor Gabriel
enfureceu-se jurando-lhe vingança que não pode concretizar na outra
existência...concretizou-a nesta...e agora tenta regenerar-se!
Aquelas
estórias confundiam-me a mente, mas desejava compreende-las em amplitude. Meu
mentor ignorando-me a dificuldade, talvez propositadamente, prosseguiu:
-
Aqui está Rui ,o
escravo, novamente um servo com a
grandiosa oportunidade de perdoar Orlando , o capataz, por haver lhe tirado a
vida barbaramente em vida regressa...e aqui está Orlando, o capataz, com a
grandiosa possibilidade de redimir-se de seus males, sendo bom e justo para com
os seus servos...
Ainda
imensamente intrigado resolvi indagar-lhe:
-
Que faziam com o jovem Orlando? Qual a missão?
O mentor
Ricardo silenciou dizendo-me que devíamos partir!
O servo Rui correu angustiado pelos corredores do castelo procurando o
mentor Gabriel. Encontrou-o na biblioteca, preparando as lições as lhe serem
doutrinadas naquele dia. Percebendo o jovem servo assustado, Gabriel
rapidamente levantou-se indagando-lhe:
-
O que houve Rui? Onde está o nobre Orlando?
O servo aparentemente amedrontado balbuciou:
-
Não desperta senhor Gabriel!
Gabriel correu desesperado...o jovem Orlando havia
se tornado o filho que não tivera; Na árdua tarefa de educa-lo e cria-lo desde
os dois anos de idade, se afeiçoara demasiadamente.
Sempre estivera próximo a ele e ele sempre fora tão
dependente de seus cuidados e ensinamentos. Precisará continuamente de sua
proteção e de seu verdadeiro amor!
"Não poderia perde-lo..." Pensava
angustiado.
Exausto pela idade, chegou ao aposento ofegante e
encontrou Orlando deitado em seu leito.
Observou que este parecia dormir profundamente e
tentou acorda-lo inúmeras vezes, até que finalmente o jovem entreabriu os
olhos.
Gabriel, ainda ofegante e emocionado falou-lhe.
-
Que susto me destes, meu querido!
Orlando sentia-se ofuscado com a intensa
luminosidade que lhe vinha aos olhos; esfregou-os instintivamente e novamente
abriu-os.
Pouco a pouco as imagens destorcidas foram se
recompondo e o jovem Orlando visualizou á sua frente, um senhor grisalho, de
olhar triste.
Não acreditando no que acontecia, começou a tatear a
face de Gabriel sentindo-se emocionado.
Gabriel olhou-o confuso.
-
O que sentes Orlando? O que há contigo?
Orlando levantou-se, olhando com assombro as cores
do aposento; correu ao vitral e vislumbrou a paisagem; a beleza dos campos
floridos...Gabriel aproximou-se dele extremamente preocupado.
-
Orlando deixas-me aflito, falai comigo!
O jovem radiante olhou-o fixamente e murmurou
sorrindo:
-
vejo os teus olhos tristes...vejo a preocupação em tua face...vejo os
teus cabelos grisalhos...
Euforicamente abraçou-o fortemente e depois
colocou-se a rodopiar pelo aposento:
-
...Vejo os cortinados...vejo os leitos...vejo os adornos...Eu estou
vendo Gabriel! Eu posso ver tudo!
Correu novamente para a janela:
-
...eu vejo os campos; são mais belos do que tu me descrevias! Eu vejo
as flores; vejo o céu...eu posso ver tudo!
Gabriel compreendia que o seu menino recuperara
completamente a visão...a emoção tomou conta de si e começou a chorar...Orlando
continuava tocando em tudo em profundo encantamento. Parando defronte a um
espelho olhou-se, balbuciando em emoção:
-
Eu posso me ver...posso ver meus olhos...minha boca...meu nariz...eu
posso ver tudo!
Voltou-se perplexo para Gabriel:
-
Posso ver que choras...não chores meu grande amigo; acabou-se o negro
véu em minha vista!
Dizendo isto ambos se abraçaram fortemente e
choraram intensa felicidade. Oraram juntos em agradecimento, pela magnifica
benção que haviam recebido do Criador.
O tempo passou
breve na propriedade de Lorde Arthur. Novas estações vieram para o autentico
deslumbramento do jovem Orlando que via tudo pela primeira vez.
A arte da guerra lhe tinha agora novo interesse.
Desejava aprender rapidamente o manuseio das armas de mira para dar orgulho ao
seu pai, nos inúmeros êxitos conquistados
em sua longa ausência.
O servo Rui continuou ao seu lado e também se
esforçava em aprender tudo com primor. Já sabia ler e escrever adequadamente;
também sabia como se comportar e agir diante da nobreza.
Gabriel aguardava ansioso o retorno de Lorde Arthur.
O nobre ficaria igualmente perplexo ao ver seu filho Orlando completamente
sadio e capaz.
Tinha concluído com esmero mais uma missão ao qual o
nobre Arthur o incumbira; treinara um guerreiro para seu filho; ainda que este
não mais lhe fosse essencial.
No final da
primavera, numa bela tarde fresca; Gabriel aproximou-se da janela do grande
salão onde se encontravam.
Escutara o galope pausado e desejava ver quem se
aproximava. Exclamou feliz:
-
É o senhor teu pai Orlando! Lorde Arthur está chegando!
O jovem não conseguindo conter-se em tanta
felicidade, suplicou-lhes antes de sair correndo ao seu encontro:
-
Nada lhes falem de minha recuperação; desejo surpreende-los em momento
propicio! Quero fazer uma surpresa!
Gabriel e Rui prometeram que nada lhes diriam, e que
o jovem nobre poderia falar-lhes no momento em que achasse oportuno. Então
todos saíram do castelo felizes para receber os viajantes. Orlando estava
extremamente ansioso e satisfeito, em seu coração fazia-se uma enorme festa de
alegria com o retorno de seus queridos pais.
Ao se aproximarem os viajantes, pararam as carruagens próximo a eles.
A Duquesa Sara enegrecida pelas vestes saiu da
carruagem, sendo auxiliada por uma serva. Visivelmente estava extremamente abatida
e infeliz.
O jovem Ricardo também saiu de outra carruagem, mas
o semblante era-lhe sereno, mas misterioso.
Orlando visualizava a cena, sentindo-se angustiado
com a demora no surgimento de seu pai...as vestes negras de sua mãe...o seu
semblante entristecido...podia ver seus familiares pela primeira vez...mas a
imagem o amedrontava!
Também Gabriel começava a se sentir aflito porque o
Lorde Arthur não saia de nenhuma das carruagens...ciente estava de que era luto
o que a linda duquesa vestia!
Gabriel hesitante aproximou-se da Duquesa Sara e
cumprimentando-a cordialmente numa reverencia, falou-lhe gentilmente:
-
Senhora Duquesa Sara, seja bem vinda á sua propriedade!
A nobre manteve-se cabisbaixa e Gabriel indagou-lhe:
-
O senhor Lorde Arthur não veio convosco?
Imediatamente Sara teve uma crise convulsiva de
choro e o jovem Ricardo, aproximou-se indignado e furioso:
-
Não molestes minha mãe...o senhor não vê que não está bem!
Orlando aproximou-se desejando ampara-la num forte
abraço, mas o jovem Ricardo imediatamente a levava para o interior do castelo e
auxiliando-a a subir para o seu aposento.
Gabriel e Orlando olharam-se perplexos; uma enorme
tristeza aflorava em seus interiores. Instintivamente entraram também
rapidamente no castelo e aguardaram ansiosos que o jovem Ricardo descesse para
lhes explicar o que acontecera com o Lorde Arthur.
Não tardou muito, o jovem Ricardo desceu imponente a
imensa escadaria; o semblante lhe era frívolo.
Orlando angustiado suplicou-lhe de cabeça baixa:
-
O que houve com o senhor nosso pai, Lorde Arthur? Porque a senhora
nossa mãe está tão entristecida?
Ricardo julgando-o ainda cego, ignorou-o e caminhou
em direção a Gabriel, dizendo-lhes:
-
Comunico-lhes, que Lorde Arthur Corleanos faleceu na corte, após o matrimonio de suas filhas...
Gabriel e Orlando estavam perplexos com a noticia
mas mais horrorizados estavam com a extrema frieza de Ricardo. Orlando
balbuciou incrédulo:
-
Morreu o senhor nosso pai? Como?
Ricardo caminhando para o salão e recostando-se
comodamente em uma poltrona, contou-lhes na mesma frieza e insensibilidade:
-
Fazíamos os preparativos para a viagem de retorno, quando sentiu enorme
aperto no peito e faleceu subitamente...nossa mãe não suportou a perda e desde
então apresenta-se confusa; inúmeras vezes fala consigo mesma como se estivesse
falando com o nosso pai...disseram os médicos da corte que na imensa dor
enlouqueceu.
Gabriel abraçou fortemente Orlando, tentando
ampara-lo na sua imensa dor e tentando se reconfortar na sua própria dor; o
pranto intenso lhes foi inevitável.
Os dias
passaram em extrema dor para Gabriel e Orlando. A Duquesa Sara enclausurara-se
em seu aposento, não desejando ver ninguém nem mesmo o filho Orlando, que se
sentia saudoso.
As refeições lhe eram levadas e imediatamente
expulsava os servos do aposento. Ricardo passava os dias fechado na biblioteca
consultando os documentos e os cálculos de seu pai.
Gabriel sentindo-se cansado pelo imenso sofrimento,
se empenhava em continuar administrando a propriedade, temendo-lhe o futuro;
nas mãos do primogênito Ricardo.
Orlando não lhe revelara a sua recuperação e os
servos mantinham-se silenciosos. Intuitivamente o fazia, esperando o momento
oportuno a falar ao seu irmão que tudo podia ver.
Certa manhã, quando estavam reunidos no salão de
refeições o jovem Ricardo falou ríspido.
-
Pelo direito de herdade, a partir de hoje todas as propriedades dos
Corleanos estão sob meu domínio !
Olhou para Gabriel e frivolamente falou-lhe:
-
Agradeço-te o auxilio que deste a meu pai, mas deverás deixar esta
propriedade até o próximo inverno... dar-te-ei o suficiente para que compres um
pedaço de terra para ti...
Orlando indignou-se falando-lhe:
-
Não podes fazer isto, Lorde Gabriel Vandak é nosso parente
próximo...não podes simplesmente expulsa-lo do castelo; pagando-lhe os serviços
como se fosse um mero servo!
Ricardo olhou-o indiferente e hostil e continuou
tranqüilamente:
-
Quanto a ti Orlando, terás o meu respeito e a minha proteção...no entanto
se ousares me contradizeres ou fores antagônico as minhas decisões, levarte-ei
para Adredanha e lá permanecerás os restos de teus dias...
Orlando levantou-se perplexo, premeditadamente
tateou o assento para se apoiar e falou-lhe:
-
Não serei teu servo submisso, não foi isto que aprendi com o senhor
nosso pai...aprendi que todos os seres devem ter a liberdade de ir e vir, e
todos eles devem ter a inteira liberdade de pensamentos, sentimentos e
ações.... Assim nos educou e assim tratava seus servos...
Ricardo levantou-se furioso interrompendo-o:
-
Nosso pai era um fraco! Bem vejo que nunca fostes á corte...os nobres
são bem diferentes de nosso pai! São hostis, autoritários, superiores...não
somos iguais a meros servos e não devemos trata-los com igualdade...nos são
submissos! Somos uma raça de privilegiados...olhai nossos traços fisionômicos e
olhai a rudeza das expressões desses miseráveis! Olhai Orlando; o nosso porte
elegante e atlético e olhai os corpos mirrados em estaturas deselegantes de
nossos servos.
Sob os olhares horrorizados de Orlando e Gabriel,
Ricardo continuou:
-
Nosso pai Não havia como um lorde, nunca o foi! Somos guerreiros pela
graça divina e aqui viemos para dominar! As inúmeras propriedades que a nosso
pai pertenciam, agora me pertencem e a menos que eu morra, não terás qualquer
domínio sobre elas...não me serás impecilio e isto eu te asseguro; serei um
verdadeiro lorde e de hoje em diante deverão tratar-me como tal, com respeito e
admiração. Tratar-me-ão de Lorde Ricardo Corleanos; filho do fraco Arthur
Corleanos, e neto do vigoroso Duque Orlando Corleanos!
Findando em tom autoritário Ricardo afastou-se
saindo do castelo, para dar instruções a um guerreiro do qual se tornara
extremamente forte, nomeando-o capataz daquela propriedade.
Gabriel e Orlando olharam-se incógnitos. O
sofrimento, o espanto e a preocupação lhes era demasiados.
Gabriel não deixaria o seu menino Orlando. Havia
prometido ao Lorde Arthur que pelo resto de sua vida o acompanharia e
protegeria. balbuciou temeroso:
-
Orlando, em promessa que fiz a teu pai, jurei-lhe acompanhar-te ate que
meus dias findem...pelas atitudes de teu irmão Ricardo, estou certo que seria
prudente viajarmos prontamente para Adredanha...lá auxiliarei em tua
administração e lá estarás livres dos ataques intempestivos de teu irmão e dos
horrores que ocorrerão neste castelo...
O jovem interrompeu-o sentindo-se profundamente
admirado:
-
Gabriel Vandak, aconselhas-me a fugir? Sempre me ensinastes a lutar
bravamente pelo bem e pela justiça! Como desejas agora que eu parta
covardemente, dando costas para as terras do meu pai e deixando estas entregues
em mãos de ser tão vil a quem ainda tenho que chamar de irmão! Como me pedes
que permita os inúmeros que ele deseja cometer?
deu uma pausa e caminhando na direção de Gabriel,
colocou-lhe a mão no ombro dizendo-lhe:
-
Por tudo o que me contastes, quando o meu pai Lorde Arthur, tinha minha
idade já era um bom homem...com bons princípios e excelente moral
cristã...assim também agirei!
Gabriel olhou-o, a idade pesava em sua fisionomia
apreensiva.
-
Querido Orlando, ele é o primogênito e infelizmente está certo, nada
poderás fazer... estás submisso ao seu poder! Pela herdade deve te proteger e
te conceder a riqueza da qual necessites...mas as decisões serão só suas! Pela
herdade ainda, poderá te julgar, punir e castigar, como um pai, tem autoridade
de faze-lo...com a morte de Lorde Arthur, deverás agir como um filho obediente,
sabes disto! Pelas leis de herdade, até a tua mãe a Duquesa Sara, passou a lhe
ser submissa e lhe deve obediência e lealdade...nada poderia fazer se estivesse
bem!
Orlando abraçou-o fraternalmente e confiante
falou-lhe:
-
Ficarei Gabriel Vandak...protegerei as terras de meu pai e vigiarei
pela segurança de minha mãe e dos servos que sempre nos foram amigos!
Gabriel baixou a cabeça pensativo e tristemente
falou:
-
Deu ordens para a minha partida desta propriedade...não poderei ficar
contigo!
Orlando rapidamente disse-lhe:
-
Concedeu-te um prazo...aproveitai-o até o ultimo dia! Faltam longos
meses para que este chegue...até lá seremos aliados e encontraremos soluções!
Orlando caminhou serenamente de um lado para o outro
e depois falou-lhe:
-
Não sabe de minha boa visão e continuará a desconhece-la...nos faremos
dóceis e submissos tal qual deseja; mas estaremos vivamente alertas. Agora
deves ir tentar dialogar com a senhora minha mãe, talvez te ouça; pela
proximidade que tinhas com ambos; contai a ela todos os intempéries de meu
irmão Ricardo! Eu irei procurar Rui que foi obrigado a retornar á vila dos
servos, e lhe pedirei auxilio... será ele os nossos olhos nos campos e na lida
dos servos.
Olhou fixamente para Gabriel e indagou-lhe:
-
Confiei em ti em árdua educação; confiarás na educação que me destes?
Sem palavras Gabriel abraçou-o e murmurou
emocionado:
-
Confio em ti Orlando
e desejo ficar próximo de tua vida...tu me és o filho que não tive!
Depois de profundo silencio e intensa emoção Gabriel
caminhou até o aposento de Sara para fazer-lhe o que Orlando havia pedido.
Batendo na porta falou firme:
-
Duquesa Sara, desejo falar-lhe...sou Gabriel!
Surpreendentemente a porta repentinamente se abriu,
e a bela dama surgiu extremamente pálida e com o semblante demasiadamente
preocupado.
-
Entrai rápido Gabriel, para que não te vejam aqui entrando...precisamos
ser discretos e Ricardo não poderá suspeitar de nossa proximidade!
Gabriel entrou rapidamente e auxiliou Sara a colocar
a pesada tranca na porta. Tomando cuidado para não se aproximar da janela, onde
poderia ser facilmente visto, balbuciou intrigado:
-
Porque tantos temores em relação a seu filho Ricardo?
A nobre dama sentou-se desajeitadamente em seu
leito, e verter pranto convulsivo. Depois controlando-se indagou-lhe:
-
Como está meu querido filho Orlando?
-
Extremamente saudoso Senhora, desejando vê-la e abraça-la!
Sara pediu-lhe que se aproximasse e Gabriel
prontamente o fez:
-
Todos estão pensando que estou louca...mas nunca estive tão lúcida. O
sofrimento pela ausência física de meu companheiro Arthur, ainda me fere
violentamente, mas seu que voltarei a vê-lo e isto me conforta...mas a dor da
perda de um filho querido, e estou ciente jamais te-lo de volta, me dilacera o
coração...
Gabriel julgando-a realmente enlouquecida balbuciou
carinhoso:
-
Não perdestes nenhum filho nobre duquesa!
Sara olhou-o tranqüila, secando as lagrimas que persistiam
em descer e falou convicta:
-
Perdi sim Gabriel...perdi o meu filho Ricardo; a quem julgava
encantadora criança! O perdi para valores morais deturpados; se perdeu na busca
incessante pelo poder! O perdi para sentimentos vis; Perdi meu filho Ricardo,
amoroso; para ganhar um filho hostil, frívolo, violento e cruel! Afetividade
nenhuma lhe tem valia! Nada somos para o seu coração duro! Onde erramos
Gabriel?
Gabriel que estava perplexo com as tristes palavras
de Sara falou-lhe:
-
Porque a senhora o julga tão cruel? O que o seu filho lhe fez?
A duquesa novamente pranteando choro convulsivo,
contou-lhe com dificuldade:
-
Ricardo enclausurou-me neste aposento; porque sinto-me envergonhada de
olhar o filho que gerei...aqui estou trancada por opção; fingindo-me de louca
desde a morte de Arthur porque me fere em demasia a sua presença; sabendo o
monstro que é...respeito a opinião de meu querido Arthur, de que todos os seres devem ter a oportunidade
de errar e acertar sozinhos...demos-te uma chance Gabriel e refletindo,
reconhecestes teus erros, e te redimestes; se não a tivéssemos concedido como
terias percebido teus erros, como poderias desejar corrigi-los....quantas vidas
destruirá Ricardo, até compreender o mal que se faz?
Gabriel ainda não conseguia compreender o que o seu
filho Ricardo teria feito, para Sara se enclausurar num aposento, em cárcere
privado, temendo a proximidade de seu primogênito. Novamente indagou-lhe
suplicante:
-
Que fez teu filho Ricardo, Sara?
Sara tentando conter-se na emoção sussurrou:
-
Matou o pai!
Gabriel instintivamente abraçou Sara
compreendendo-lhe o sofrimento que sentia e os motivos que a haviam levado a se
fazer de louca e a se trancar no aposento. Era submissa á autoridade do filho
cruel, que matara por ambição seu próprio pai...não olvidou por um instante no
que Sara lhe falava, confiava plenamente em sua integridade e em sua dignidade.
Jamais acusaria o próprio filho, se não tivesse certeza absoluta de seus atos.
Acompanhara-lhe uma parte da infância, e Sara sempre fora a menina dócil e a
mãe carinhosa e amorosa, aplicando-lhes bons conselhos de conduta moral e
cristã.
A nobre dama, ainda jovem e bonita, controlou-se,
agradecendo-lhe a confiança e levantando-se falou-lhe:
-
Nada posso fazer...não tenho como provar que assassinou meu querido
companheiro Arthur...mas tudo vi e não evitei...não pensei que chegasse a isto!
Novamente sentando-se, pediu que Gabriel também se
sentasse, e contou-lhe:
-
Os matrimônios de nossas filhas, foram emocionantes e felizes para
nós...haviam escolhido por sentimento seus companheiros e com estes tinham
convivido durante longo tempo para se certificarem da boa escolha...por isto
adiamos nosso retorno ao castelo por longo ano e meio...Brigith desposou um
rico comerciante da corte e Joane um duque, senhor de muitas terras...estávamos
felizes! Mas Ricardo nunca conseguiu se entender e aceitas os bons princípios
de Arthur...na corte vivia acompanhado por lordes e duques possuidores de
valores fragilizados...quando não estava esbanjando dinheiro na jogatina ou com
mulheres mundanas, se envolvia em disputas físicas e duelos com os amigos...o
pobre Arthur sentindo-se infeliz aconselhava-o, mas Ricardo não lhe ouvia...por
vezes castigava-o, deixando-o em seu aposento para que refletisse...mas de que
adiantava...Ricardo já tinha suas próprias idéias e objetivos...não mais
respeitava o pai...
Sara deu uma pausa para respirar ofegante e
continuou a contar amargurada:
-
Quando nos preparávamos para retornar, Ricardo surpreendentemente
ofereceu-lhe um chá...disse-lhe que com a bebida dormiria mais sereno e estaria
mais disposto no dia seguinte...surpreendida com aquela atitude tão carinhosa,
tão rara em Ricardo, também lhe pedi um pouco do chá, mas este me disse que só
tinha feito um pouco para seu pai...achei estranho haver feito somente uma
caneca de chá, mas nada disse, uma hora mais tarde, quando nosso filho se
ausentara da moradia dizendo que ia se despedir de alguns amigos, Arthur
olhou-me desesperado sentindo enorme asfixia...o seu corpo robusto e sadio caiu
instantaneamente inerte e sem vida...
As lagrimas começaram a descer velozes com a triste
lembrança, mas a duquesa fazendo-se firme continuou:
-
...o velório transcorreu a noite inteira e o sepultamento com muitas
honras foi pela manhã...só então voltei para repousar em nossa moradia na
corte...como a viagem seria naquele dia, e os poucos servos que levamos também
haviam estado no velório e sepultamento, observei que a caneca ainda se
mantinha na copa...não sei te explicar porque o fiz, mas restara um pouco de
chá na caneca e uma gatinha siamesa que Ricardo ganhara de uma de suas amigas,
olhava-me suplicante pedindo o que comer...distraidamente dei-lhe o resto do
chá e colocando-a em meu colo para acarinha-la, perdi-me em lembranças ternas e
tristes por longa hora numa poltrona.....despertei de minha tristeza e
melancolia percebendo que a gata ficara completamente imóvel...fiquei perplexa
ao constatar que o bicho, que também era forte e sadio, morrera no mesmo espaço
de tempo que meu querido Arthur após tomar onde o chá...em duplo sofrimento
compreendi que o meu filho assassinara insensivelmente seu pai, o meu querido
Arthur...
Gabriel estava perplexo com tudo o que
ouvira...parecia-lhe difícil crer que aquele menino que vira crescer tão forte,
amoroso e sadio tivesse sido capaz de matar o seu bondoso pai...voltando-se
para si no entanto, prontamente a sua própria consciência acusou-o dos inúmeros
assassinatos que também cometera injustificavelmente, e sentiu-se envergonhado
mediante a sua perplexidade perante o crime alheio. Mantevesse silencioso.
Sara indagou-lhe sentindo-se mais tranqüila:
-
Porque aqui viestes Gabriel?
Gabriel olhou-a piedosamente:
-
Desejava vê-la pois sentia-me preocupado e prontamente aqui vim a
pedido de seu filho Orlando!
Deu uma pausa, observando o semblante entristecido
de Sara e prosseguiu:
-
Pediu-me que a avisasse que Ricardo assumiu o controle das
propriedades...o fez submisso ás suas atitudes...e deseja expulsar-me da
propriedade antes que inicie o inverno...
Sara melancólica meneou a cabeça e balbuciou:
-
E eu nada posso fazer para impedi-lo de tantos absurdos... estou
submissa também á sua autoridade...o que farão?
Gabriel desejando passar-lhe confiança disse-lhe:
-
Orlando deseja ficar, fingindo-se submisso e dócil para observar-lhe os
passos...ficarei ao seu lado até o ultimo dia do prazo que me foi dado sei que
encontraremos soluções!
Sara balbuciou desanimada:
-
Como poderá meu querido filho Orlando observar-lhe os passos, tão
desprovido de visão que é!
Gabriel carinhosamente pegou-lhe as mãos dizendo-lhe:
-
Senhora duquesa Sara, tende fé...pois o seu filho Orlando
milagrosamente recuperou a visão...já tem um ano! Porem o irmão Ricardo, o
desconhece!
O semblante da nobre dama encheu-se de jubilo; a
noticia a havia feito reviver felicidade e ainda que o sofrimento fosse extremo
agora tinha esperança que Orlando honraria o nome de Arthur.
Cuidadosamente
Gabriel saiu do aposento de Sara sem ser visto, após prometer-lhe trazer sempre
noticias.
Os sentimentos lhe eram confusos, sentia-se
satisfeito por perceber que estava bem apesar do enorme sofrimento. sentia-se
preocupado com Orlando ciente da morte de Lorde Arthur. Sentia-se indignado
pelo crime de Ricardo. Mas também sentia-se novamente culpado por seus próprios
crimes.
Encontrou Orlando pensativo em seu aposento, e este
indagou-lhe ansioso:
-
Demorastes; estivestes com a senhora minha mãe?
Gabriel meneando afirmativamente a cabeça sentou-se
ao seu lado.
-
Como está ela? Falou contigo?
Gabriel tentando manter-se sereno, contou-lhe tudo
sem nada lhe omitir. Orlando surpreendentemente não se emocionara mas a
indignação estava em seu olhar. Levantou-se para sair.
-
Aonde vais Orlando?
Indagou-lhe Gabriel preocupado, percebendo a adaga
em sua cintura. O jovem olhou-o determinado e falou-lhe:
-
Vou ver minha mãe...não te preocupes! Ricardo foi para os campos com o
novo capataz e tardará para retornar!
Dizendo isto saiu
prontamente a ver a sua mãe. Chegando ao aposento bateu na porta murmurando:
-
Abre a porta senhora minhas mãe!
Sara abriu imediatamente a porta e após esta ser
novamente trancada a emoção foi absoluta.
A imensa dor lhes era reciproca e o pranto era o
mesmo em intenso sofrimento.
Durante longa hora, nada conseguiam dizer, mas o
silencio lhes falava inúmeras coisas.
Finalmente Orlando observou-a pela primeira vez e
balbuciou emocionado:
-
Como és bela minha mãe!
Sara sentia o seu sofrimento acalentado pela doce
presença de seu filho Orlando que a acarinhava ternamente os longos cabelos.
-
Senhora minha mãe, ficai tranqüila, tudo se resolverá...Deus não
desampara nunca os seus filhos!
Sara amedrontada falou-lhe, tocando a adaga que lhe
estava na cintura:
-
Não faças nenhum mal a teu irmão!
Orlando carinhosamente fixou seus grandes olhos
azuis, nos olhos de Sara, dizendo:
-
Esteja certa minha mãe, que não o farei...mas não hesitarei em ataca-lo
para salvar a minha vida, a de Gabriel e a da senhora!
Dizendo isto Orlando deixou-se ficar acalentando e
reconfortando a sua mãe a tarde inteira. Depois achou melhor despedir-se:
-
Eu a amo minha mãe!
Sara abraçou-o fortemente sentia-se incrivelmente
melhor e mais forte.
Orlando também
tomando enorme cautela, saiu do aposento de Sara e retornou ao seu, encontrando
Gabriel angustiado.
-
Orlando preocupava-me contigo...o teu irmão Ricardo mandou chamar-te já
faz algum tempo...sem abrir corretamente a porta, disse ao seu capataz que não
te sentias bem e que estavas repousando...e assim que melhorasses descerias á
biblioteca...
Orlando olhou-o mostrando o semblante triste mas
imensamente sereno.
-
Foi tão bom ver minha bela mãe Gabriel!
Orlando abriu a
porta vagarosamente e percebeu que seu irmão Ricardo, estava tranqüilamente
recostado na escrivaninha que fora de seu pai.
Sentia enorme vontade de correr até ele e
indagar-lhe como fora capaz de tanto barbárie, mas controlou-se.
Caminhou serenamente e tateando propositadamente uma
poltrona, sentando-se silencioso.
A voz do irmão lhe surgiu rude e áspera:
-
Demorastes !
Orlando humildemente disse-lhe:
-
Sentia-me mal, deitei-me para repousar um pouco!
O lorde Ricardo então levantando-se repentinamente
falou-lhe:
-
O que decidistes? Irás para Adredanha?
Orlando cabisbaixo, mostrando propositadamente
tremula a sua voz, falou-lhe:
-
Não lorde Ricardo, preciso de tua proteção e de teu amparo, aqui
permanecerei sendo humilde e servil.
Orlando pode verificar-lhe discretamente o seu
semblante contrariado, enrubescera-se e colorizara-se ; e isto o surpreendeu!
Parecia não desejar que este ali permanecesse!
Ricardo caminhava de um lado para o outro
enraivecido. Ciente de que seu irmão não poderia ver-lhe a expressão
desgostosa.
Após longo silencio, dispensou Orlando sem mais nada
lhe dizer.
Orlando caminhou ao
seu aposento, no qual narrou a Gabriel a surpreendente reação que vira em seu
irmão Ricardo. balbuciou:
-
Não deseja que eu fique! Mas porque Gabriel?
Gabriel rapidamente respondeu-lhe:
-
Com que segurança fará suas necessárias á corte e ás outras
propriedades temendo-te a resignação e a humildade?
Deu uma pausa e prosseguiu:
-
Se estou certo; com seu capataz, explorará os servos e os maltratará;
por mais que finjas estares de acordo; nunca acreditará...lhes és uma ameaça ao
seu domínio e á sua conduta!
Olhando Orlando fixamente, finalizou:
-
És Orlando uma ameaça á sua própria consciência! Que ciente está e
sempre estará do crime que cometeu!
Orlando caminhou preocupado até á grande janela e
balbuciou:
-
Poderá também matar-me!
Gabriel caminhou até ele e lhe disse, colocando-lhe
a mão no ombro:
-
Poderá também tentar faze-lo...mas estaremos atentos!
Orlando, sentindo o calor que emanava da mão de
Gabriel em seu ombro, sentiu-se amparado e protegido.
A enorme dor pela morte de seu pai e pela revelação
do crime assustador de Ricardo faziam-no extremamente fraco e sensível.
Nos muitos dias
que se seguiram, Ricardo comandou a propriedade com extrema crueldade e
violência.
Inúmeros servos eram punidos e castigados
incessantemente. Inconformados com a autoridade do capataz e com a crueldade do
nobre, que haviam visto crescer em bondade e doçura por parte de seus pais.
Gabriel e
Orlando, continuamente saiam do castelo
para auxiliar alguns servos sem que Ricardo e o capataz Cláudio descobrissem.
Á noite, quando Orlando surgia para lhes dar
alimentos, ou medicar-lhes as feridas; envolto numa extensa túnica alva
encapuzada, que Gabriel tecera; os servos cientes do nobre que era, o
abençoavam, chamando-o de "Anjo Azul"; em função dos seus incríveis
olhos azuis.
Arriscava-se demasiadamente na tarefas noturna e
incessante de socorro aos servos, ou nas constantes e diárias visitas á sua
mãe; mas o irmão Ricardo mantinha-se indiferente á sua existência ou a de sua
mãe.
Durante a claridade dos dias, reinava o lorde
Ricardo, maltratando, agredindo, punindo e deixando á fome seus servos !
Na escuridão das noites, reinava o nobre Anjo Azul, amparando, consolando,
alimentando e medicando os servos que lhe eram amigos!
A grande guerra
finalmente assolou a Inglaterra; cobrindo todas as terras numa violência
injustificável. Aniquilando temporariamente os poderes da monarquia.
O jovem Ricardo inexperiente não sabia como agir ou
se comportar. Inquieto e covardemente se ocultava na biblioteca esperando
meramente que as batalhas noturnas acabassem; dando-se por satisfeito quando o
castelo era novamente vitorioso sem ser
invadido.
Pelas manhãs friamente saia a contar os guerreiros mortos e os prejuízos na propriedade. Mas
logo regressava ao castelo temeroso.
Os servos desprotegidos em seus abrigos frágeis, na
enorme vila que lorde Arthur construíra; eram feridos ou mortos freqüentemente,
ainda que os invasores ambicionassem somente a destruição de toda a monarquia.
O lorde Ricardo nem pensava na remota idéia de
acolhe-los no interior das muralhas do castelo, tal qual o seu pai , o nobre
Arthur o fizera certas vezes.
Tão pouco permitia também que o medico se ausentasse
do castelo para socorre-los.
Este somente podia cuidar da nobreza e dos
guerreiros que protegiam o castelo.
Naquela noite, o ataque ao castelo parecia interminável. O nobre Orlando
angustiado com o sofrimento dos servos que lhe eram amigos, desprotegidos em
seus abrigos na vila; foi determinado acompanhado de seu mentor
Gabriel ao aposento de Sara.
Encontraram-na pranteando imensa dor.
Orlando aflito, escutando o barulho da batalha,
abraçou-a para ampara-la. Mas Sara fitou-o dizendo:
-
Teu pai esteve aqui!
Orlando que havia escutado através de Gabriel o que
ocorrera com o pai de Sara e suas comunicações, e ciente também do milagroso
nascimento que tivera; em sua enorme fé, não se surpreendeu e indagou-lhe:
-
Por isto choras, senhora minha mãe?
Sara meneou afirmativamente a cabeça e balbuciou
tremula ainda em pranto:
-
Pediu para nos trajarmos tal qual os servos!
Respirou profundamente e prosseguiu:
-
Devemos seguir prontamente para
a gruta de Gabriel...
Orlando e Gabriel não lhe fizeram mais indagações,
rapidamente providenciaram túnicas iguais as de seus servos e as vestiram.
Prontamente e sem hesitações rumaram pelos
corredores escuros até o pavilhão interno dos servos.
Os servos que ali se encontravam assustaram-se com
suas vestes rasgadas e sujas, mas a um sinal do nobre Orlando, que lhes era o
Anjo Azul silenciaram.
Mostravam-se felizes cumprimentando a Duquesa Sara
que há muito não viam, percebendo-a sã e completamente lúcida.
Rapidamente o nobre Orlando falou aos servos que
todos precisavam sair dali. Os servos confiantes, disseram-lhe que não tinham
como faze-lo em ataque tão árdua nas proximidades das muralhas.
Sara tranqüilamente pediu que a seguissem e rumou
para a entrada da masmorra.
Um de cada vez foi caminhando para lá sem serem
vistos. Na escuridão daquela noite as atenções dos guerreiros estavam todas
voltadas para o ataque.
Surpreendentemente Sara apontou para umas pedras na
parede e pediu que as tirassem. Após tirarem seus pesados blocos de pedra,
todos visualizaram um corredor que dava seqüência numa imensa passagem
subterrânea.
Todos os servos os acompanharam ali entrando e
somente um servo ficou no castelo para recolocar as pedras na fictícia parede.
A passagem era estreita e muito escura, mas um dos
servos trouxera uma pequena lamparina que dava para clarear o caminho.
Após muito caminharem, a passagem subterrânea
finalizou numa imensa pedra. Que arduamente todos empurraram com extremo vigor.
A imensa pedra deslocou-se vagarosamente e Gabriel
observou surpreendido que haviam saído bem próximo á margem do rio.
Quando o ultimo servo havia saído da passagem, a
bloquearam novamente e caminharam rapidamente, para se ocultarem na vegetação.
Observaram horrorizados que o castelo em sua
imponência havia sido invadido e o pátio interno parecia arder em fogo .
Orlando ainda sentiu
enorme impulso de ir socorrer seu irmão Ricardo, segurando firmemente a adaga
que lhe estava na cintura, mas Gabriel energicamente evitou-o.
Caminharam silenciosos e entristecidos até á gruta
próxima ao lago, onde Gabriel se ocultara certa época; e ali ficaram imóveis
até o dia clarear.
Orlando sentia-se temeroso e podia sentir a mesma
apreensão nos quarenta servos que os haviam seguido.
Mas falou-lhes firme tentando lhes passar segurança:
-
O castelo foi dominado, e todos seremos servos de outros
senhores...devem tranqüilizar-se porque eles só desejavam destruir a nobreza e
isto já o conseguiram! Nesta grande guerra
todos os nobres serão destruídos e os servos serão poupados!
Dizendo isto, prontamente todos compreenderam-lhe os
trajes.
Cautelosamente, Orlando pegou a adaga que seu pai
lhe ofertara com amor, e cortou os longos cabelos de Sara. Uma serva da lida,
não possuía belos cabelos.
Também cortou os seus e os de Gabriel;
posteriormente guardando, a adaga e os anéis de nobreza numa pedra oculta na
gruta.
Os servos
olhavam-no com admiração, mas extremamente preocupados, estavam cientes de que
o nobre Anjo Azul corria imenso perigo se lhe fosse revelada a nobreza.
Ciente de que ali não poderiam permanecer mais tempo
ocultos, Gabriel aconselhou Orlando a caminharem até á vila dos servos e assim
fizeram.
Aproximando-se desta,
poderam observar na claridade do dia, a dor e o sofrimento no rosto de alguns
servos, que haviam perdido entes queridos, amigos e companheiros.
Cautelosamente Orlando aproximou-se consolando-os um
a um e amparando-lhes no sofrimento.
Também Sara e Gabriel o faziam, também estes servos
nada lhes indagavam a respeito das pobres vestes ou dos pés descalços; sempre
os haviam respeitado e seriam carinhosamente acolhidos por estes, protegidos e
respeitados.
Não tardou a que surgissem alguns soldados, armados
e imponentes, e como não falavam o mesmo idioma, olharam os servos
analisando-lhes as vestes, os corpos, e depois novamente se afastaram rumo ao
castelo.
Ouvia-se rumores, de que os guerreiros do castelo,
tinham sido mortos na batalha e com estes estavam o cruel capataz Cláudio e o
Lorde Ricardo....Sara foi prontamente reverenciada por uma senhora, e Orlando
suplicou-lhe:
-
Por piedade, não faça isto, seremos mortos!
A senhora compreendeu-lhe a aflição simplesmente
acompanhou a duquesa Sara a uma humilde moradia, e Sara sentiu-se tranqüila e
em segurança.
Uma mão forte apoiou-se no ombro de Orlando e este
assustando-se voltou-se, exclamando então simpatia:
-
Rui meu amigo!
Abraçaram-se fraternalmente e então o servo que
Gabriel havia doutrinado com dedicação falou-lhes:
-
Que fazem aqui? Porque estão assim trajados?
Orlando balbuciou receoso:
-
Se os invasores souberem que pertencemos á nobreza, nos matarão!
Seremos servos tal qual vós até que se vão!
Rui olhou-o mostrando-se compreensivo, mas os olhos
brilhavam inconformado pela situação.
Orlando distanciou-se, e foi auxiliar alguns servos
feridos. Gabriel também auxiliou a enterrar alguns mortos.
E assim passou-se aquela negra manhã.
" Entramos no castelo
em extrema proteção Divina. O ambiente era pesado
em enorme energia maléfica e inúmeros irmãos repentinamente desencarnados,
encontravam-se extremamente perturbados confusos; vagando em seu interior.
Os enormes
salões haviam sido depredados e saqueados; assim como os aposentos ricamente
decorados.
Alguns
comandantes alimentavam-se fartamente no salão de refeições e podíamos escutar-lhes
a euforia.
Meu mentor
Ricardo olhou-me fixamente:
-
Sabes o que eles dizem
Lucas?
Olhei-o
incógnito:
-
Não consigo compreender-lhes
o dialeto!
Meu mentor
compreendendo-me a dificuldade falou-me serenamente:
-
Estão comentando entre si a
alegria da conquista, e mostram-se indignados por somente haverem encontrado um
lorde...mas perceberam pelos aposentos que na propriedade tinham mais três...
dizem que os descobrirão pela tarde,...
Incompreensivelmente
senti-me preocupado com a segurança da duquesa Sara, de Lorde Orlando e Lorde
Gabriel, e murmurei pensativo:
-
Ricardo, não podemos
auxilia-los?
Meu mentor
mantevesse silenciosos pedindo que o acompanhasse. Rapidamente estávamos numa
das celas da masmorra, onde observei atônito, o forte rapaz ensangüentado e em
estado agonizante.
Ricardo
olhou-me com brandura, pedindo-me que somente emana-se pensamentos de paz e
tranqüilidade.
Falou-me que a
apreensão, preocupação e horror, são sentimentos extremamente negativos e que
eu como um aprendiz precisava evita-los. Deveria me manter sereno e harmônico
para tentar auxiliar.
Meu mentor
então, aproximou-se de Lorde Ricardo, que havia sido esfaqueado no tórax.
Também haviam lhe decepado um braço e uma perna. Ali tinham vindo a pedido
clemente de seu pai Arthur, para resgata-lo e amparando-o leva-lo prontamente á
colônia para ser socorrido.
Porem meu
mentor rapidamente percebeu que a missão não seria fácil. Em delírio agonizante
o rapaz blasfemava contra Deus; no extremo sentimento de dor que sentia culpava
o pai Arthur pelo infortúnio .
Ainda que ali
estivesse só a cela estava repleta, e a nossa singela caravana de luz era
insignificante, diante dos inúmeros perturbadores que atraia a si.
Meu mentor
solicitou alguns reforços, pois a intensa energia maléfica ali presente nos
incomodava.
Finalmente o
lorde Ricardo levantou-se do corpo físico, mas o corpo espiritual também
possuía as mesmas seqüelas.
Olhou ao redor
e percebeu-nos atordoado a presença. Também visualizou outros irmãos que
clamavam que os acompanhasse.
O lorde parecia
confuso, e perplexo olhou para o seu corpo no chão fétido da masmorra.
Meu mentor
emanando-lhe energia confortadora falou-lhe:
-
Jovem Ricardo teu pai pediu
que viéssemos buscar-te!
Surpreendido
observei a recusa daquele irmão que desejava ficar ali no castelo. Não
abandonaria o poder que ainda julgava possuir.
Imediatamente
não mais podia ver-nos, ainda que ali permanecêssemos; observando-o em intenso
sofrimento.
Sendo
habilmente reconfortado por irmãos em igual sofrimento.
Desolados,
afastamo-nos e rumamos para a vila onde encontraríamos Sara.
Sara ainda mantinha-se recostada num pequeno assento
rústico de madeira, e o meu mentor
indagou-lhe:
-
Podes escutar-me querida?
A nobre duquesa olhou ao redor rapidamente
percebendo se alguém ali estava. Ciente de que estava só indagou mentalmente
ansiosa:
-
Arthur meu querido?
Meu mentor
prontamente aproximou-se emanando-lhe luz e energia alva; dizendo-lhe em
cândida energia mental:
-
Não querida Sara, sou
Ricardo, e venho para te ajudar!
Sara receosa de que alguém ali entrasse,
atrapalhando a comunicação, indagou:
-
Arthur salvou-nos!
Meu mentor,
que agora emanava-lhe inúmeros feixes luminosos em passe restaurador,
falou-lhe:
-
Ainda não estão
salvos...Orlando será traído!
Dizendo isto,
meu mentor Ricardo afastou-se vagarosamente enquanto Sara indagava verbalmente
suplicante:
-
Por quem? Quem trairá meu filho?
Sem mais nadar
poder dizer-lhe, meu mentor balbuciou serenamente:
-
Ficai com Deus nobre Sara!
E
afastamo-nos. "
Orlando entrou rapidamente na acomodação indagando-lhe:
-
Porque gritas minha mãe? Falas de traição?
Sara colocou as mãos nas faces para conter-se no
enorme receio e murmurou:
-
Corres perigo, serás traído! Temo por ti querido filho!
Orlando sentindo-se ameaçado indagou-lhe:
-
Quem me trairá?
Inconformada Sara fez um meneio de negativa
dizendo-lhe não saber.
A tarde já findava, quando os soldados reuniram todos os servos.
Surpreendentemente um deles falava o inglês fluentemente; e indagou hostil:
- Existe algum nobre em meio a vós?
Impressionantemente o silencio se fez.
Encontravam-se ali reunidos aproximadamente duzentos
e oitenta servos; muitas crianças, jovens, mulheres e homens...que silenciavam
em nome do nobre "Anjo Azul " que os amara como irmãos, amparando-os
em inúmeras aflições.
Em meio a eles, o Lorde Gabriel Vandak, a Duquesa
Sara Corleanos, e o Lorde Ricardo Corleanos, imóveis e cabisbaixos sentiam-se
apreensivos.
Do silencio de seus servos dependiam suas vidas!
O soldado nervoso, aparentemente agitado em sua
montaria, insistiu:
-
Sabemos que neste castelo, com certeza moravam mais três nobres, onde
estão?
O silencio
mantinha-se presente na
fisionomia serena daqueles humildes servos.
O soldado sentia-se perplexo em como todos aqueles
servos persistiam em proteger os seus senhores. Sentindo-se contrariado,
coincidentemente aproximou-se de um jovem servo , que acompanhara os nobres na
fuga do castelo; puxou-o violentamente pelo braço, e ameaçando-lhe a vida com a
espada, indagou-lhe em extrema fúria:
-
Onde estão teus senhores?
O jovem manteve-se silencioso e o soldado indignado
fez-lhe corte profundo em seu braço direito insistindo:
-
Onde estão teus senhores?
O servo sentindo enorme dor no ferimento e
contorcendo as feições em sofrimento, murmurou:
-
Fugimos á noite do castelo, no auge da batalha...por uma passagem
subterrânea que existe no piso de uma das masmorra...acompanharam-nos os dois
lordes e uma duquesa...a saída desta passagem subterrânea é próxima á margem do
rio...
O jovem, ainda em sofrimento, apontou com dificuldade
a direção do rio, onde se encontrava a saída da passagem secreta.
O nobre
Orlando amargurou-se ciente de que aquele pobre amigo, temendo a morte os
denunciaria. Subtilmente segurou fortemente a mão de sua nobre mãe Sara e olhou
em aflição para seu mentor Gabriel.
Como o soldado novamente ameaçava feri-lo, o jovem
servo continuou:
-
...na escuridão da noite, enquanto conseguiam invadir o castelo...eles
fugiram em montarias velozes!
O soldado que agora colocava a afiada espada em sua
garganta, perguntou-lhe:
-
O que me dizes é verdade?
O servo humildemente balbuciou:
-
Porque nossos senhores aqui ficariam, entregues á escravidão? Posso
mostrar-lhes a passagem subterrânea!
O soldado ordenou que imediatamente a mostrasse, e o
servo cambaleaste em sofrimento pelo ferimento que muito sangrava, levou-os até
o castelo e mostrou-lhes a passagem oculta sob as pedras, no piso, de uma das
masmorras.
Os soldados sob os olhares atentos de seus
comandantes, prontamente concluíram que o servo lhe dizia a verdade; e que os
nobres covardemente tinham fugido a galope aproveitando-se da escuridão.
Um dos comandantes argumentou rindo em seu idioma:
"...se eu fosse um nobre deste castelo, também não optaria em ficar em
meio a estes servos...com certeza também fugiria!"
Certo disto, ordenou aos soldados que imediatamente
vasculhassem todas as estradas e trilhas da propriedade; e os trouxessem vivos
ou mortos!
Gabriel avistou que o jovem servo, retornava só para
a vila. O nobre Orlando correu em sua direção para auxilia-lo, pois já perdera
muito sangue. Amparou-o num abraço repleto de gratidão, levando-o imediatamente
para uma das humildes moradias.
Nesta limpou e cuidou de seu ferimento,
indagando-lhe como se chamava. O jovem respondeu-lhe sereno:
- Chamo-me Carlos!
O jovem Lorde
Orlando, entristeceu-se deixando que as lagrimas descessem em suas faces em
enorme sentimento de culpa, ao perceber que em função do profundo corte, aquele
jovem estava definitivamente impossibilitado de mover a sua mão.
O humilde servo, olhou para os incríveis olhos azuis
de seu nobre e percebendo que eles lacrimejavam culpa e gratidão, murmurou-lhe:
-
Não chores nobre "Anjo Azul"...demos graças ao Criador por
nossas vidas!
O nobre deixou-se cair ao solo de joelhos, perplexo
com a resignação e a humildade daquele jovem, e orou fervorosamente junto com
ele, dando graças pelas inúmeras bênçãos que havia recebido em sua vida.
Os nobres trabalhando
arduamente na lida nos campos, muito haviam sofrido com os maus tratos que recebiam, e aos quais não estavam
acostumados.
O trabalho lhes era difícil e penoso o dia inteiro.
O lorde Gabriel Vandak, que ainda possuía o corpo
robusto e forte, inúmeras vezes no cansaço normal da idade, era violentamente
castigado por sua falta de produtividade no cultivo.
O Lorde Orlando Corleanos resignara-se á nova vida
servil mas indignava-se continuamente com a violência e os maus tratos; trabalhava incessantemente durante o dia
inteiro nos campos de cultivo e á noite
abdicava de seu repouso para auxiliar os seus companheiros com imenso amor ...o
"Anjo Azul" sobrevivia,
reinando incessantemente nas noites sombrias, oferecendo todo o amparo a seus
irmãos.
A duquesa Sara, sentia-se profundamente orgulhosa
do filho ao qual concedera a oportunidade
da vida e não mais a dor lhe atormentava o coração. Apesar do trabalho rude,
nas colheitas de frutas e verduras, sentia-se bem. Por vezes encontrava seu
nobre filho á noite; e os seus olhos incrivelmente azuis pareciam clarear a
vida de todos aqueles dos quais se aproximasse levando-lhes Paz.
Oito longos anos haviam se passado em vida de
escravidão, sob o domínio daqueles frios e malévolos invasores.
A guerra há muito tinha acabado, mas somente naquela
manhã os inúmeros soldados e comandantes
finalmente deixavam a propriedade.
A ordem lhes era clara "Deveriam deixar as
propriedades dominadas, para que os nobres reassumissem o seu poder e os seus
títulos "
Os servos receberam a noticia dos próprios soldados que os haviam
escravizado.
Na árdua lida do cultivo nos campos e sentindo-se
extremamente satisfeito; não pela riqueza de que novamente se via proprietário;
mas pela liberdade que novamente poderia ofertar aos servos, tal qual o lorde
Arthur o fizera; o jovem Lorde Orlando, com um sol imponente erguendo-se em
majestade como testemunha, ergueu a enxada e gritou eufórico:
-
Liberdade!
Gabriel e os outros servos percebendo-lhe a
felicidade completamente representada naquele
humilde gesto; ergueram também suas ferramentas de trabalho e imitaram-no
a uma só e forte voz de vida:
-
Liberdade!
Era uma enorme festa que assinalava o fim de oito
anos de muito sofrimento para todos...era o fim da escravidão, da apreensão e
da dor!
Os servos caminharam
para o castelo, seguindo o seu senhor Lorde Orlando, o nobre "Anjo
Azul"; que abraçava a mãe. Surgiam de todos os cantos e se juntavam numa
grande multidão feliz.
Cientes de que os invasores já tinham saído da
propriedade, se sentiram surpreendidos quando se aproximaram das muralhas do
castelo.
Perceberam que quatro fortes homens, montados em
robustos cavalos, impunham as suas espadas, impedindo qualquer passagem pelo
portal do castelo.
Mais próximos reconheceram o servo Rui, que estava
entre eles. Perplexos, todos escutaram-no dizendo em voz autoritária:
-
Eu sou o Lorde Orlando Corleanos II, filho dos falecidos, lorde Arthur
Corleanos e a Duquesa Sara Corleanos...
Dando uma pausa o ambicioso servo prosseguiu:
-
...único sobrevivente da família e herdeiro absoluto de todas as propriedades
e títulos dos Corleanos; assumo neste instante a posse de tudo o que me
pertence!
Novamente silenciou para observar a atenção de todos
ali, principalmente dos nobres, continuou altivo em voz forte:
-
Como prova do que digo, apresento-vos o anel de nobreza de minha
família; assim como o anel de nobreza de minha mãe Sara, de meu pai Arthur e de
meu irmão Ricardo!
Gabriel e Orlando observaram atônitos que o servo
Rui, exibia em seus dedos os anéis que lhe davam o direito á herdade dos
Corleanos.
Também Sara estava perplexa com a traição;
lembrando-se que o médico Ricardo a alertara sobre a traição ao seu filho.
O servo Rui continuou autoritário:
-
Estes são os meus capatazes e eles administrarão minhas terras com
rigor; punindo toda e qualquer disciplina!
E finalizando o servo Rui ordenou. que dois de seus
capatazes prendessem imediatamente os nobres Gabriel, Sara e Orlando.
Estes rapidamente o fizeram e os nobres foram
levados para a masmorra, ficando reclusos numa mesma cela.
Atônitos e entristecidos, perceberam que na cela ao
lado, se encontrava uma ossada, envolta em trajes envelhecidos que pareciam ser
os de Lorde Ricardo.
Nada conseguiram dizer, o silencio calou-lhes o
coração e as mentes, enquanto o sol descia rapidamente sobre os olhares
perplexos de todos os servos.
Gabriel olhou ao
redor, sentindo-se frágil e impotente. O tempo havia corrido veloz, mas
lembrava-se claramente, do dia em que o Lorde Arthur o tinha salvado;
libertando-o daquela mesma cela, na
masmorra!
Sentia-se cansado do árduo rumo da sua vida;
contemplou o bonito jovem Orlando, que caminhava impacientemente de um lado
para o outro. Como era bom e forte! Incrivelmente, o nobre tinha a idade, da
sua verdadeira liberdade e do seu empenho em redimir-se... desejava agora poder
ajuda-lo, mas não sabia como faze-lo. Prometera ao Lorde Arthur, que sempre o
protegeria de todo mal; mas ali estavam
eles; presos e imobilizados!
No seu sexagésimo aniversário, sentia-se fraco, velho e inútil. Aqueles
oito anos, na árdua lida nos campos, os haviam castigado em demasia!
Olhou tristemente, o semblante da bela Duquesa Sara;
as suas faces já se marcavam com algumas rugas; em seus quarenta e quatro anos
de vida, e alguns de seus belos cabelos
já se aparentavam grisalhos...o corpo lhe apresentava o cansaço! As suas mãos e pés, estavam
extremamente calejados e em seus braços
longos arranhões, lhe mostravam a penosa lida nas colheitas dos laranjais.
No intenso trabalho, do amanhecer ao entardecer, também
o nobre Orlando, com seus vinte e cinco anos de vida, mostrava em seus músculos
salientes e nos calos das mãos e pés, o imenso esforço que a lida lhe exigira.
A pele estava escurecida em todos os seus corpos,
castigados pelo sol constante e no seu, Gabriel ainda podia sentir, as marcas
do chicote, quando fraquejava no trabalho, sentindo-se exausto.
Lembrou-se sentindo-se profundamente agradecido, das
inúmeras vezes, que o nobre Orlando, á noite, surgia como um anjo azul, para
lhe tratar as feridas e lhe dar água e alimento, pois nem mesmo o corpo
extremamente dolorido conseguia se alimentar, e só desejava repouso.
Sentia-se orgulhoso da educação que dera aquele
jovem, mas sentia, que alguma outra força, o impulsionava a ser uma pessoa tão
boa e tão justa!
Cansado, Gabriel deixou-se sentar no chão frio e
úmido da cela, e ardentemente , desejando devolver a liberdade a Orlando e
Sara, orou fervorosamente, humilde e em pranto; cerrando os olhos.
-
Senhor Deus, tanto errei nesta minha vida... ignorai as imperfeições
deste teu filho, porque nada te rogo para mim... peço-te piedade e
misericórdia, a estes teus filhos, que sempre tiveram vida tão digna... enviai
teus anjos para socorre-los, em tua infinita bondade... concedei-lhes a
liberdade para que prossigam auxiliando...Não deixai-os Senhor, definhar nesta
cela fria; poderão ainda construir um império de bondade nestas terras, com
seus corações tão puros e tão repletos de amor!
Gabriel colocou as mãos sujas sobre as faces e
continuou:
-
Senhor Deus, castigai-me o corpo para que me redima dos imensos males
que tenha feito... mas preservai o corpo sadio deste jovem para que erga a
bandeira do amor em teu nome... preservai a vida desta nobre senhora, para que
o acalente e o ampare em vida prospera...
Gabriel não mais conseguia prosseguir, o pranto se
tornara convulsivo, e o nobre Orlando,
havia se abaixado a conforta-lo; dizendo:
-
Apaziguai teu coração, tutor Gabriel; estamos juntos e vivos, graças á
Deus Pai!
Ouvindo o filho dizer isto, em extrema serenidade,
também Sara, aproximou-se pedindo-lhes que orassem juntos; e ali ficaram unidos
em oração e nas mãos que se davam calorosamente, agradecendo a Deus a vida e
aquele lindo sol que ia repousar no horizonte.
" Tão logo o sol havia se escondido no
horizonte, um imenso grupo de tarefeiros á serviço de Deus Pai; desceu as
colinas, impondo suas bandeiras de amor, paz e serenidade.
Surpreendido
observei que uma chuva de pétalas cristalinas, orvalhavam a vila dos servos.
Extasiado com
a grandiosa beleza, que vislumbrava, glorifiquei a Deus, por haver me concedido
mais uma vez, a engrandecedora oportunidade, de acompanhar o mentor Ricardo, em
mais uma missão, naquela propriedade.
Pouco á pouco, grupos de
irmãos perturbadores, que haviam instalado o receio, o medo e a acomodação nos
servos; foram se afastando e se retirando da propriedade, temendo a
luminosidade que ali se expandia!
Tínhamos por missão intuir-lhes na coragem, na
perseverança, na esperança... Cada um daqueles tarefeiros de luz, deveria
incentivar cada um daqueles servos
submissos, a erguerem-se num só grito humilde de liberdade, amor e justiça.
Passes magnéticos
irradiavam-lhes forças; feixes luminosos abençoavam-nos em paz; e as incríveis
pétalas cristalinas, que permaneciam orvalhando-os , trazia-lhes a benção e a proteção do Pai.
Revigorados e energisados, os
servos paulatinamente encorajavam-se e iam se reunindo em pequenos grupos,
ansiosos por libertar aquele que lhes fora sempre um protetor; O cândido Anjo
Azul, que os salvara inúmeras vezes naqueles longos anos.
Ainda a noite não imperava sua majestade, quando um
grupo de oitenta homens estavam dispostos
a invadir o castelo, render os quatro impostores e libertar o Lorde
Orlando, a sua mãe Duquesa Sara e o seu mentor Lorde Gabriel.
Intuídos cuidadosamente,
pelos tarefeiros espirituais; haviam concluído que seria prudente, que as crianças
, as mulheres e os idosos, deveriam permanecer na vila em segurança.
Orientados pela magnânima
luminosidade dos irmãos espirituais, que os intuíam, aguardaram em observação até
que todos no castelo repousassem.
No auge de uma noite
estrelada, intuitivamente foram conduzidos, á discreta passagem subterrânea, portando suas
ferramentas de lida estes seriam os seus instrumentos de defesa, naquela
batalha santa.
Extremamente emocionado;
acompanhei os oitenta servos, que eram carinhosamente e fraternalmente
amparados por meus Irmãos da colônia.
Após a longa caminhada na passagem subterrânea e
após serem facilmente retirados os blocos de pedra, os oitenta servos,
completamente mudos e silenciosos, em seus movimentos, pareciam indecisos em como agir, naquele piso da
masmorra.
Novamente a luminosidade
dos tarefeiros a serviço de Deus, resplandeceu intuindo-os.
Facilmente e sem violência conseguiram render , um
capataz que vigiava o portal da entrada do castelo.
Posteriormente,
ainda conduzidos pelo intenso feixe de luz, rumaram para os aposentos e renderam os
outros impostores, entre eles o servo Rui.
Sem os agredirem, prenderam-nos firmemente em alguns
assentos no imenso salão.
Sentia-me radiante, assim
como todos os meus companheiros, naquela imensa caravana de tarefeiros á
serviço de Deus.
Havíamos
honrado a missão que nos fora dada, sem que uma bandeira de amor, paz e
serenidade fosse derrubada!
Ricardo
olhou-me, incrivelmente sorridente e balbuciou:
-
Olhai Lucas, também Deus nos
abençoa!
Olhando para
cima , naquele imenso salão, observei que uma chuva de pétalas cristalinas,
orvalhava nossos seres e transportávamos levemente em retorno á colônia. "
Os servos, sentindo-se
vitoriosos, abriram as grandes janelas e os portais do castelo, e todos,
mulheres , crianças e idosos, chegaram prontamente correndo, para comemorar com
eles a conquista!
Na masmorra, Gabriel
sentindo-se intrigado com o barulho que se ouvia, olhou para Orlando e Sara. Os três levantaram-se e
caminharam até a pequena janelinha tentando descobrir o que acontecia.
Extremamente emocionado o Lorde Orlando verificou,
que os duzentos e cinqüenta servos, que
haviam sobrevivido á penúria daqueles anos, levantavam com uma das mãos uma
tocha e com a outra a ferramenta da lida e gritavam num só e forte eco, olhando
fixamente na direção da masmorra:
- Liberdade!
Facilmente concluiu, que aqueles humildes e
submissos servos, haviam invadido o castelo para os libertarem.
A incrível visão do
imenso clarão das chamas das tochas, as ferramentas agitando-se no ar e um só e
incessante grito de liberdade, permaneceria em suas mentes por muito tempo,
como um momento abençoado.
Em extrema emoção os três nobres deram-se as mãos e
deixaram-se cair de joelhos, em agradecimento pela liberdade.
Rapidamente a cela foi aberta e abraçando aqueles
amigos que ali estavam, o nobre Lorde Orlando desceu prontamente para abraçar e
agradecer aquela multidão de amigos e poder gritar com eles, levantando os
anéis de nobreza que lhe haviam sido entregues:
-
Liberdade!
Ninguém conseguiu repousar até o dia clarear;
longos anos de sofrimentos haviam
findado e raiava a esperança em novos tempos para todos.
Na vida do Lorde Orlando e da Duquesa Sara, abria-se
uma nova etapa. Cientes do penoso trabalho nos campos, saberiam compreender e
auxiliar os servos que nestes trabalhavam, com maior fraternidade.
A conquista era de todos e com todos, tudo seria
repartido!
Bonita festa se fez.
Ao redor de uma imensa fogueira, houve comida e
bebida em abundância para todos; muita dança e muita música.
No imenso salão os impostores mantinham-se
comodamente presos nos assentos; até que lorde Orlando pudesse decidir-lhes o
futuro.
Gabriel sentara-se
exausto, defronte a imensa festa de alegria e euforia.
A idade pesava-lhe no corpo...em trinta e dois anos
tentara se redimir de todos os males que fizera; mas os onze anos de insensatez e crueldade
ainda lhe pesavam na consciência em imensa culpa. Sentia-se saudoso dos
dezessete anos de inocência e juventude....
"
Quantos mais lhe concederia Deus viver?!
"
Sessenta anos de existência haviam
se passado rapidamente, tal qual a pena apressada de um bom escritor... sentia
enorme vontade de escrever a sua vida, para
que inúmeros irmãos podessem crer que nunca é tarde demais para fazer o bem,
redimindo-se de erros que hajam cometido... mas sentia que o tempo lhe
seria insuficiente para isto, aproveitaria os anos que Deus lhe concedesse
para auxiliar, ser justo e bom;
Porem estava consciente, que mesmo assim, não
conseguiria apagar da sua memória, a imensa culpa que sentia, de ter tirado a
oportunidade a tantos, de viver!
Quando o sol surgiu
imponente, clareando-lhes o dia; os servos após repousarem um pouco foram para
a lida espontaneamente.
Orlando caminhou com Sara e Gabriel ao imenso salão.
O lorde olhou o servo Rui piedosamente dizendo-lhe:
-
Desejas ouro? Riqueza? Poder?
O servo parecia envergonhado do ato cometido
baixando o semblante; e Orlando prosseguiu:
-
Darte-ei bons cavalos...dar-te-ei ouro suficiente a que vivas
bem...dar-te-ei uma de minhas grandes propriedades...para lá poderás ir
prontamente! Terás o que desejastes ; não precisavas fazer o que fizestes...
bastava pedir-me! Gosto de ti e me és como um irmão! Esquecestes-te do quanto
convivemos juntos? Do quanto aprendemos unidos? Do quanto brincamos?
Orlando aproximou-se de Rui, libertando-o das
amarras e auxiliando-o a se por de pé.
-
Quando recuperei a visão, descobri ao teu lado a incrível beleza do
mundo que me rodeava...esquecestes de tudo?
Rui não conseguia olhar para Orlando.
-
Rui, vai com teus amigos providenciar a viagem, enquanto vou á
biblioteca manuscrever um titulo para ti e a doação da posse de uma
propriedade!
O servo estava perplexo com sua atitude e
preparava-se para sair com os três aliados, que Gabriel também libertara das
amarras, quando Orlando ainda lhe disse:
-
Não me desejes nenhum mal e nem tentes nada contra nossa
paz...compreendo-te imperfeito tal qual o sou, e ainda te considero irmão!
Dizendo isto Orlando afastou-se para providenciar a
documentação sob a enorme admiração e orgulho de Gabriel e Sara.
Rui e os aliados foram prontamente providenciar as
montarias e juntar seus pertences, sob os olhares perplexos de alguns servos,
que admiravam extraordinária bondade em seu senhor, para te-los libertado.
Posteriormente á partida de Rui e seus amigos,
Orlando providenciou rapidamente o sepultamento dos restos mortais de lorde
Ricardo, que se encontravam naquela cela úmida; sentia-se extremamente piedoso
pela morte tão trágica e com certeza extremamente sofrida. No sepultamento fez-se todas as honras, como
se faz ao mais nobre dos mortais.
Muito havia
a ser feito nos próximos anos; o castelo precisava ser reorganizado e em
algumas partes construído em função da destruição pelo fogo.
O animo era amplo e irrestrito em todos e foram
longos meses até que tudo estivesse adequadamente limpo e organizado.
O Lorde Orlando, havia reduzido o tempo dos servos
na lida nos campos e nas colheitas, fazendo o revezamento do trabalho por
turnos.
Também havia providenciado calçado e vestes novas
para os servos.
A comida e a bebida lhes eram fartas e saudável.
Com o auxilio de Gabriel, repartira parte de sua
extensa propriedade, concedendo-a aos servos; dividindo-a em pequenas
propriedades doou uma a cada família; nesta eles seriam livres, a plantar,
colher ou construir .
Para maior satisfação ainda daqueles servos, que
tanto lhe haviam sido fieis, Lorde Orlando, colocou um medico também em uma
propriedade, próxima as suas. Teriam auxilio medico continuo; e lhes doou
pequena quantia para que podessem construir suas moradias, adquirir moveis e
utensílios, que poderiam ser
encomendados na corte ou em aldeias próximas.
Periodicamente esta quantia, lhes era dada como
pagamento por seu trabalho e esforço, realizados nas terras dos Corleanos.
O empenho e o retorno eram grandiosos por parte de
todos os servos, que lhe retribuíam, em fartas colheitas.
Quando Gabriel completava mais um ano de existência, observou que em
suas pernas e braços surgiam pequenas feridas que não cicatrizavam.
Extremamente preocupado, alertou Orlando sobre os
ferimentos e este acompanhou-o prontamente á presença do medico do castelo.
O medico após analisar cuidadosamente os ferimentos
do Lorde Gabriel Vandak, balbuciou horrorizado, com grandiosa expressão de
temor:
-
Lepra!
Orlando estremeceu e Gabriel imediatamente
entristeceu-se. Não pelo fato de estar gravemente enfermo, mas por estar ciente
que não mais poderia ficar próximo ao seu "filho" Orlando...e á sua
grande amiga Sara...
Terminaria os seus dias isolado em algum
recanto e muito só.
Em cuidados extremamente rigorosos, prontamente
construiu-se uma pequena e cômoda casa próxima ao lago. Nesta Gabriel moraria o resto de sua vida.
Na dolorosa despedida, ciente que não poderia
abraçar o seu menino, o Lorde Gabriel Vandak, olhou-o com extremo amor e o
pranto silencioso desceu-lhe sobre a face em profundo e sincero sentimento.
O nobre Lorde Orlando somente um pouco
distanciado, também pranteou o seu
imenso carinho e amor aquele que lhe era um pai .
Assim Gabriel, sem palavras naquela despedida, foi
para o seu novo lar, onde periodicamente lhe seriam levados alimentos.
Rapidamente Orlando mandou limpar com extremo
cuidado o aposento de Gabriel; e depois olhando Sara, abraçou-a intensamente e
chorou a intensa dor pela perda da proximidade daquele que lhe fizera um homem.
Condenado pela enfermidade ao isolamento, Gabriel via-se agora prisioneiro
em sua própria cela de solidão.
Porem, sentia-se humildemente resignado com a
enfermidade, que lentamente ia-lhe dilacerando o corpo em chagas dolorosas.
Enganara-se no entanto que não mais veria o seu
menino Orlando; ao qual criara com imenso amor e extrema dedicação.
Aquele nobre lorde, o visitava incessantemente e
ainda que se mantivesse sentado á certa distancia, passava longas tardes
próximo ao seu mentor; pedindo-lhe
conselhos; contando-lhe como estava a mãe duquesa Sara e falando-lhe da vida
nas propriedades.
Gabriel sentia-se revigorado com suas visitas
periódicas, e em suas ausências, era prontamente informado pelos servos de suas
viagens.
Nunca lhe deixara faltar alimento; bebida ou
conforto!
Surpreendentemente
sentia-se sereno e agradecido a Deus Pai pela enfermidade, na qual sentia-se
redimir paulatinamente das inúmeras chagas que provocara ao seu redor, em
tantos irmãos.
Gabriel passava os dias contemplando a natureza que
o rodeava e ainda que caminhasse com extrema dificuldade por causa dos
ferimentos, freqüentemente caminhava ao redor do imenso lago, para ali refletir
em sua vida e orar em agradecimento e pedindo perdão por seus erros.
A lepra lhe vinha lenta e pausadamente. Primeiro
ocasionando chagas em seus braços e pernas... cuidadosamente, envolvia-as com
panos, para que os insetos e bichos, não fossem atraídos á carne apodrecida.
Os anos se passavam e ainda que o estado físico de
Gabriel cada dia fosse mais deplorável, ali permanecia vivo, em vida humilde,
serena e em resignação absoluta.
O lorde Orlando, certo dia ali trouxe uma linda jovem para que
conhecesse. Tratava-se da duquesa Cintia, a sua esposa. Gabriel sentia-se feliz
com a alegria aparente de seu menino, e agradecido pelo imenso carinho que sempre demonstrava nas continuas visitas.
Percebera no entanto, o espanto e a repulsa da bela
jovem á sua enfermidade. Porem não a culpava. Olhara-se também no leito do
lago, e percebera-se desfigurado...
O lorde Orlando, no entanto, parecia não lhe parecer
a degeneração física, tratando-o sempre com extremo amor e a mesma simpatia.
Gabriel concluía, que o seu menino, nele somente via
o mentor que o auxiliara, educando e
acarinhando contínua e pacientemente.
Alguns anos depois o Lorde Orlando, lhe trouxe o seu
primogênito, para que Gabriel o conhecesse .
Era um menino forte e robusto, a quem o lorde
Orlando orgulhosamente apresentou como Gabriel Corleanos.
Gabriel Vandak emocionara-se profundamente com a
homenagem carinhosa de Lorde Orlando, e fizera-lhe um meneio de amor, vertendo
lagrimas quentes, que desaguavam nas já profundas chagas em sua face.
Incrivelmente a enfermidade poupava-lhe os órgãos
básicos á sua continuidade. A visão, a respiração e a locomoção ainda
permaneciam inalteráveis.
Podia caminhar com os pés sãos, que nada possuíam; e
ainda que as pernas lhe estivessem profundamente ulceradas, conseguia caminhar
lentamente.
Perdera um dos braços, completamente corroído pela
lepra, mas o outro ainda lhe servia de apoio, ao se mover com uma bengala
improvisada.
Os cabelos caiam-lhe nas pequenas chagas que surgiam
também no couro cabeludo...porem, apesar das dolorosas seqüelas da enfermidade,
o sofrimento e a dor pareciam lhe ser atenuados.
Percebendo que não mais conseguiria preparar suas
refeições sozinho, Lorde Orlando ordenou que diariamente lhe fosse levado
alimento quente e rico em nutrientes; e que esta refeição fosse deixada próxima
á porta de sua moradia.
Gabriel agradeceu-lhe em pranto sensibilizado, como
freqüentemente o fazia quando o seu menino o visitava. O nobre Orlando, estava
certo, não mais conseguiria cozinhar para si, sem o braço que perdera.
Os anos se passaram em existência extremamente
penosa.
Lorde Orlando não tivera mais filhos e quando o
visitava, falava-lhe do imenso amor que sentia a sua esposa Cintia e ao seu
filho Gabriel. Fazia longas explanações em como o pequeno Gabriel Corleanos era
inteligente e astuto.
Gabriel percebeu nas incessantes visitas, em como o
seu menino Orlando apresentava-se envelhecido.
Admirava-se profundamente em como havia conseguido
sobreviver á enfermidade por longos quinze anos.
Também o nobre não conseguia compreender a
resistência de Gabriel, a tanta dor e
sofrimento.
Certa tarde chuvosa e triste, o Lorde Orlando apeou
da montaria, e most5rando-se indiferente ao tempo que o molhava, sentou-se entristecido no mesmo assento de
pedra.
Gabriel o construíra próximo a uma arvore frondosa,
quando ali viera morar. Em suas visitas o nobre ali sempre se sentava e Gabriel
a alguns metros de distancia, permanecia escutando-o defronte á sua casinha,
onde também havia construído assento confortável.
Mas naquela tarde o Lorde estava silencioso e
triste; e colocando as mãos sobre as faces chorou convulsivamente.
Gabriel sentiu um enorme impulso de caminhar até ele
e lhe dar um forte abraço, mas a enfermidade o impedia.
Olhou-se em pernas e braços enfaixados. Lembrou-se
de sua face completamente desfigurada.
Lorde Azul havia lhe ofertado a túnica alva
encapuzada que por muito tempo usara agindo como o "anjo azul" e
ainda que esta tampasse grande parte do
seu corpo enfermo, não desejava provocar
maior horror em seu menino, aproximando-se.
Sentiu no entanto que o seu menino Orlando precisava
de amparo e com extrema dificuldade; pois a face não mais conseguia movimentar-se sem imensa
dor, em função da pele que ali já perdera; murmurou-lhe :
-
Que acontece querido Orlando?
O nobre Orlando escutou-lhe o sussurro
imperceptível, o olhando-o com admiração vendo-lhe a extrema dificuldade de
balbuciar.
Tentando conter o pranto e a tristeza, para lhe
evitar maior sofrimento, Orlando contou-lhe que sua mãe a duquesa Sara havia
falecido, naquela manhã e em angustiante
dificuldade de respirar.
Gabriel entristeceu-se compreendendo-lhe a imensa
dor.
Emudeceu
também em pranto, profundamente saudoso da nobre e bela duquesa que nunca mais
vira naqueles dezessete anos.
Gabriel observou o seu menino, estava grisalho e
engordara; mas os imensos olhos azuis mantinham-se jovens e brilhantes. Completara quarenta e três anos de vida digna e honrosa
para com a família e os seus servos. Pelo que lhe contara, era um pai exemplar
ao seu filho Gabriel que completara dez anos.
Cientes de que não poderiam confortar-se num
abraço, ambos ali ficaram em pranto
solidário e em sofrimento comum.
Tão logo o nobre havia melhorado, ambos abraçaram-se
fraternalmente em sentimento e prantearam mais uma despedida, entre tantas
naqueles longos anos.
Observou-o partindo ; em seus setenta e oito anos
levantou-se com extrema dificuldade com o auxilio da bengala e foi deitar-se em
seu leito.
Ainda que estivesse com a extrema idade e vivesse
em grandioso sofrimento, nunca pedira
clemência a Deus, para o levar!
Deitado naquele leito, naquela mesma noite, orou
pedindo-lhe fervorosamente que lhe concedesse mais alguns anos de vida; para
que podesse conhecer o caráter e a personalidade do herdeiro do castelo...O
primogênito de Lorde Orlando o menino Gabriel Corleanos.
Só então Deus Pai poderia leva-lo se assim fosse de
sua vontade.
Surpreendentemente, Deus Pai pareceu atender-lhe o
pedido, e Gabriel conseguiu viver por mais dez anos.
Em desejo realizado, conhecera o forte jovem, que
herdara os belos olhos de seu pai, e que também passou a visita-lo constantemente. Herdara-lhe também a bondade
, o amor e a justiça para com todos.
Satisfeito e sentindo-se realizado, Gabriel,
agradeceu a Deus a imensa oportunidade que havia lhe concedido, naqueles
oitenta e oito anos de vida.
Deitado em seu leito, já cego e praticamente
imobilizado, cerrou os olhos e orou em fervoroso agradecimento.
" Acompanhei o ultimo dia vida, de Gabriel,
em plano físico, sentindo-me extremamente emocionado.
Admirava-o
profundamente ,na brandura, na harmonia e na serenidade que emanavam de seu
ser.
Naquele ultimo ano de sua vida física, perdera a
visão por completo, e praticamente arrastava-se para pegar a comida que lhe era
pontualmente trazida e deixada na porta de sua casa.
Depois sentava-se com extrema dificuldade no assento
defronte ao seu lar, aguardando a visita de seus amigos incansáveis; Lorde
Orlando e o jovem Gabriel que completara vinte anos.
Gabriel ainda conseguia escuta-los em longos
diálogos, mas não conseguia mais balbuciar .
Mantinha-se imóvel meneando a cabeça negativa ou
afirmativamente, mostrando-lhes que tudo compreendia e que estava atento.
Os olhos que havia perdido, naqueles últimos dias,
desfiguravam-no ainda mais. E ciente disto, Gabriel enfaixara também uma parte
de sua cabeça.
Gabriel sentia
que a vida se esvaia... e em ultima visita de seus amigos, pude observar-lhe o sorriso de despedida, e senti que os seus amigos em amor o haviam compreendido.
Admirava-lhe a
abnegação ás necessidades e as vaidade tão humana.
Encontramo-lo inerte, havia perdido naquele dia as pernas definitivamente, e o seu braço
também não mais lhe obedecia o comando.
Sentia fome pois não mais conseguia levantar-se para
recolher o alimento que com certeza o aguardava no mesmo lugar.
Também sentia-se sedento mas com a garganta também
ulcerada não mais conseguiria engolir.
Finalizara-se
a sua árdua jornada. E ali estávamos para ampara-lo e resgata-lo no desenlace.
O meu mentor
Ricardo chamou-me serenamente, necessitando de corrente magnética de todos nós.
-
Auxiliai-nos Lucas!
Muitos irmãos
ali estavam em missão para socorre-lo, e leva-lo prontamente á colônia, onde
seria atendido em centro hospitalar adequado a regenera-lo de todas as seqüelas
físicas.
Gabriel ainda orava incessantemente pedindo perdão;
a enorme culpa o acompanhara todos aqueles anos.
Meu mentor
Ricardo, aproximou-se de sua cabeceira, e emando-lhe enorme energia, senti que
o ambiente se iluminava.
Observei
então, radiante, que ali também entravam seus amigos, Arthur, Sara e Carol.
O pequeno
cômodo estava repleto em luminosidade, mas Gabriel ainda sofria os tormentos da morte do
corpo. Mas a alma tornava-se mais e mais
leve.
Gabriel, balbuciou mentalmente pensando em seus
amigos, Arthur, Carol, Sara, Orlando e
Gabriel Corleanos, e tantos outros irmãos que o haviam acompanhado em vida:
" Amo vocês!"
Então a sua mente física, definhou no corpo
extremamente mortificado e ensangüentado
e a mente espiritual, visualizou o intenso clarão que dele se aproximava.
Mas Gabriel ,
ainda que estivesse livre de seu corpo enfermo, em sua ainda dolorosa
perturbação física, não conseguia nos perceber as formas e percebendo a imensa
claridade que o rodeava, simplesmente
orou com fervor.
-
Deus Misericordioso, sinto
os teus anjos tão próximos a mim, mas não consigo vê-los. Auxiliai-me Deus Pai,
ainda que não seja digno de tua bondade.
Dizendo isto
Gabriel foi prontamente amparado fluidicamente e magneticamente pelos mentores
espirituais que ali estavam para auxilia-lo.
Gabriel
sentia-se amparado e reconfortado, mas ainda nada podia ver, a não ser o
intenso clarão que o ofuscava.
Olhei para o
mentor Ricardo e os demais irmãos espirituais que oravam fervorosamente em seu
auxilio, e em extrema emoção e amor aquele irmão eu orei piedosamente junto com
eles.
Após intensa e
fervorosa corrente de oração, enquanto Gabriel era auxiliado, para que podesse
estar pronto ao transporte, pelos mentores espirituais; um enorme feixe de luz, desceu sobre todos nós transportando-nos á colônia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário