quarta-feira, 21 de março de 2012

Obra mediúnica "GABRIEL" ( VI PARTE)


(Esta é uma obra mediunica; ainda não foi revisada em erros de gramatica ou ortografia; porem compartilho a sua essencia com muito amor no nobre obrar de Irmãos Espirituais)


GABRIEL

VI PARTE

Equipe Nosso Lar
medium maria
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                                            VI  Parte - No Hemisfério da Redenção



                                  Porem a musica parecia se tornar estridente. O murmúrio dos convidados no salão cada vez mais alto. As luzes pareciam alterar suas tonalidades e intensidade.
Sentia-se confuso!
Percebia a mãe valsando feliz sempre olhando-o, mas tinha uma grande sensação que tudo girava e rodopiava á sua volta em velocidade incontrolável.
Podia ver o Lorde Ricardo conversando com o Lorde Arthur, mas as suas fisionomias pareciam vir-lhe em relâmpagos; surgindo-lhe em grotescas imagens, bem perto de seus olhos ou da sua  mente.
Carol percebendo que algo errado acontecia com o seu filho, pois este parecia sentir-se  tonto, aconselhou-o carinhosamente.
-         A emoção em demasia poderá fazer-te mal Gabriel...repousai um pouco!
Carol acompanhou-o para que se sentasse um pouco na companhia de Paulo e afastou-se.
Gabriel olhou ao redor e tudo ainda se mantinha girando ao seu redor. Sentia-se tonto e fechou os olhos.
No escuro de sua mente, surgia-lhe o passado que havia temporariamente se apagado; "em Infinita Misericórdia Divina, preservando-lhe o progresso evolutivo já conquistado em vidas regressas". Horrorizado com todas as cenas que lhe vinham á mente, compreendeu-se criminoso e percebeu o quanto aquele jovem , Lorde Arthur havia sido clemente em deixa-lo em liberdade.
Abriu os olhos e a musica voltou a se tornar uma doce melodia. O murmúrio dos convidados era agora agradável. As luzes eram amenas mas cintilantes em beleza.
Olhou para a sua mãe Carol que o olhava com preocupação ; o lorde Arthur e Ricardo que dialogavam despreocupadamente...falou tremulamente comovido.
-         Preciso de ar fresco, sinto-me mal!
Paulo imediatamente auxiliou-o a levantar-se e caminharam até uma das imensas janelas abertas.
Gabriel respirou profundamente, sentindo o aroma fresco dos campos que tão bem conhecia. Via a paisagem com os olhos astutos do menino que corria feliz em sua túnica branca. Lembrou-se saudoso do velho Manco, que o acolhera e criara com imenso amor e que sempre o abraçava carinhoso,  sempre sorrindo...Lembrou-se da doce Brigith que lhe encantara o coração, com a sua enorme beleza e doçura...Lembrou-se do apelo suplicante de seu tutor Manco, para que se arrependesse de seus erros, pedindo perdão a Deus e   tornando-se um homem bom...Lembrou-se do amparo de Job recolhendo-o fraternalmente  no castelo, tratando-o como um bom irmão enquanto todos o repudiavam e temiam,  desejando protege-lo...Lembrou-se da inexplicável piedade de Lorde Orlando concedendo-lhe a grandiosa oportunidade de regenerar-se...Lembrou-se das palavras daquele nobre tão menino ainda, concedendo-lhe a liberdade, apesar do enorme sofrimento que lhe impusera...Recordou-se emocionado da promessa que acabara de fazer á sua doce mãe!
Virando-se, encontrou-a no salão, e em olhar fixo, reafirmou-lhe a promessa, de melhorar-se. Estava imensamente envergonhado e arrependido da vida que levara e desejava ardentemente reconstrui-la. Seria um homem bom e justo!
Caminhou emocionado na direção do lorde Arthur, sendo seguido por Paulo, e disse-lhe emocionado:
-         Senhor lorde Arthur, preciso imensamente falar-lhe!
Lorde Arthur ainda que não compreendesse o semblante amargurado de Gabriel acompanhou-o até o outro salão. E de lá seguiram para a biblioteca, sempre acompanhados por Paulo.
Lá chegando, Gabriel ajoelhou-se defronte a Lorde Arthur e em sincero pranto falou-lhe:
-         Perdoai-me senhor lorde Arthur...dançando com minha mãe Carol veio-me á mente o passado vergonhoso que tive...creia-me que sinto-me imensamente arrependido!
Lorde Arthur olhou-o incrédulo e pedindo-lhe que se levantasse disse em seriedade:
-         Terás tempo para provares teu arrependimento e só então, terás a plenitude de meu perdão!
Dizendo isto Arthur afastou-se e Gabriel após se recompor retornou ao salão sentindo-se ainda profundamente envergonhado com as tristes recordações; porem com uma enorme sensação de leveza por haver reconhecido os inúmeros erros que cometera.
Fazendo-se promessas de vida digna, caminhou com Paulo até o centro do salão, no qual novamente sentaram-se comodamente visualizando tudo e todos.


                                  Repentinamente o semblante de Gabriel contorceu-se em agonia, não compreendia como, mas os seus olhos estavam vendo a sua linda Brigith, elegantemente trajada, rodopiando no salão com candura e infinita beleza.
Esfregou os olhos, ciente de que só poderia ser um delírio do amor que ainda lhe sentia. Porem Brigith permanecia feliz e sorrindo no salão.
Lembrou-se assustado, que ela se aproximara dele chamando-o para dançar e que não a reconhecera. "Como poderia não ter reconhecido  o único e inesquecível amor de sua vida?"...Estava  confuso; sentia-se enlouquecer perplexo, sem nada compreender..."Como poderia ser Brigith? Fora ao seu sepultamento!"...
Seus olhos angustiados, procuraram os de sua mãe  suplicantes. Carol sentindo em seu peito, que precisava auxiliar Gabriel, caminhou rapidamente até ele.
-         Que tens meu filho? Sentes te mal?
Carol pegou-lhe carinhosamente nas grandes mãos. Estavam frias e tremulas.
-         Minha mãe, recordei-me do passado!
A nobre senhora, percebendo-lhe a agonia disse-lhe serenamente:
-         Abrandai teu coração Gabriel...Lorde Arthur te oferta uma nova oportunidade de reconstruíres uma vida nova! Esquecei o passado...traçai um bonito futuro!
-         Não compreendes minha mãe...vejo Brigith, está ali !
Carol olhou para a jovem Linia. Fora informada por seu companheiro e amigo Ricardo, que Linia era impressionantemente idêntica a Brigith; Compreendendo a enorme confusão que se encontrava na mente de  Gabriel , deixando-o aflito; explicou-lhe calmamente.
-         Não meu filho; aquela jovem não é Brigith! Ela chama-se Linia! Contar-te-ei tudo!
Carol então narrou-lhe rapidamente e resumidamente a longa estória de Linia.
-         Compreendes agora Gabriel? Linia é imensamente parecida fisicamente com a Brigith, no entanto é completamente diferente dela!
Advertiu-o carinhosamente, sentindo-se demasiadamente preocupada.
-         Se desejas provar realmente teu arrependimento ficai longe de Linia!
Dizendo isto, a nobre senhora afastou-se.
A noite já ia muito alta e Gabriel sentia-se exausto. Pedindo autorização ao lorde Arthur para que podesse ir repousar, despediu-se de Carol e Ricardo desejando-lhes felicidades e recolheu-se ao aposento, febril e confuso.
Já a noite findava quando Linia saiu do castelo rumo á sua propriedade. Os demais convidados também tinham se recolhido aos seus aposentos.
Ricardo e Carol  haviam saído da festa posteriormente á saída de Gabriel.
Lorde Arthur, olhou o imenso salão vazio, sendo prontamente reorganizado pelos servos sempre prestativos.
Aquela noite seria lhe inesquecível por muito e muito tempo.
Os sentimentos lhe eram os mais diversos.
Felicidade na união de seus melhores amigos; Grandioso alento na doce companhia de Sara; Apreensão e receios por causa de Gabriel; Tristeza profunda pela ausência de sua família; Decepção intensa em relação a Linia sempre vulgar e fútil; Imenso orgulho  pela alegria que dera a seus convidados e pelos inúmeros elogios que recebera destes; E uma melancolia muito forte por causa da viagem de Sara.




                                Nos dias seguintes, os convidados foram viajando e o castelo ia novamente ficando vazio e voltando á tranqüila rotina costumeira.
Sara desceu a longa escadaria, entristecida e profundamente abatida, com a sua viagem,  para o educandário.
Havia sido informada no dia imediato á grande festa, e inconformada não conseguia compreender os motivos, pelos quais Arthur,  a distanciava do convívio com eles a quem tanto amava, ou da propriedade na qual se sentia tão feliz.
Olhou o Lorde Arthur que cabisbaixo e aparentemente entristecido, a aguardava no salão e indagou-lhe suplicante:
-         Porque me mandas embora Arthur? Ainda não consegui compreender!
O Lorde tentou conter-se no enorme sentimento que lhe tinha. Desejava imensamente que não partisse; mas como faze-la entender que era o melhor para ambos.
Ricardo e Carol que tinham escutado a sua indagação, aproximaram-se  e o humilde medico colocando a sua mão fraternalmente calorosa sobre o ombro de Sara disse-lhe carinhosamente:
-         Querida Sara, todos sentiremos muito a tua falta; quando voltares no entanto a alegria será extrema...o tempo passará depressa!
Carol também tentando reconforta-la  em sua imensa tristeza, falou-lhe:
-         Aprenderás muitas coisas que não podemos ensinar-te, verás então, que a viagem era essencial em tua educação!
Arthur e Sara mantinham-se silenciosos e olhando-se.
A tristeza lhes era profunda. Nenhuma palavra a ser dita, os faria sentir melhor ou evitaria  que os sentimentos profundos não lhes doesse.
O frei estava pronto para a viagem e Sara após despedir-se de todos, caminhou para a carruagem tentando disfarçar as lagrimas que desciam em suas faces rosadas.
Próximo á carruagem, no entanto, parou pensativa e voltou correndo até Arthur. Abraçou-o fortemente e soluçando murmurou-lhe:
-         Arthur, preocupo-me convosco! O perigo não está mais em Gabriel; está em Linia!
O jovem olhou-a fixamente tentando compreender a sua advertência e secando  com imenso amor as lagrimas que desciam nas faces da jovem  faces, falou-lhe emocionado:
-         Vou te esperar Sara! Que Deus nos proteja!
Sara tentou sorrir-lhe e após entrar na carruagem, esta rumou veloz com destino á corte.
Arthur silencioso, esperou imóvel que os viajantes sumissem na estrada poeirenta. Triste sentia que uma parte do seu coração partia para muito longe e por longo tempo.
Ricardo aproximou-se de lorde Arthur tentando reconforta-lo ciente do amor que este tinha em relação a Sara.
Arthur fazendo-se de forte indagou-lhe:
-         Tivestes noticias de Gabriel, estes dias?
Ricardo apiedou-se de Arthur, percebendo que este, desejava conversar para esquecer-se de seu sofrimento e assim evitando emocionar-se.
Respondeu-lhe prontamente:
-         Silvio aqui tem vindo todos os dias ao entardecer, com a desculpa de ver seus pais...contou-me que Gabriel passa os dias, dedicando-se á propriedade. Contou-me ainda que as terras já foram aradas e semeadas. Que os pastos foram cercados para os animais...sinto-me tranqüilo com as noticias que ele tem me trazido!
-         Sabes Ricardo, alguma coisa a respeito do guerreiro Paulo? O servo incumbido de vigia-lo!
-         Sim senhor Arthur. Contou-me que Gabriel, nomeou-o seu capataz e este está sempre ao seu lado, como lhe é obrigação!
Arthur pensou silenciosamente e lhe disse.
-         Sabes o que Sara me disse quando me abraçou?
Ricardo arregalou os olhos intrigado.
-         Alertou-me que o perigo não está mais em Gabriel, mas em Linia! Porque achas que me disse isto?
-         Não sei Lorde Arthur, mas pelas muitas estórias que já te contei a respeito de suas misteriosas comunicações com o seu pai Job, e pelo que Carol também nos contou a este respeito, aconselhar-te-ia que seria sensato levarmos a sério o alerta...Bom seria vigiarmos Linia!
Arthur olhou-o seriamente e Ricardo comunicou-lhe:
-         Amanhã irei com Carol visitar a nossa propriedade e o seu filho Gabriel...trarei noticias.
O nobre jovem olhou-o agradecido, e imensamente entristecido pela longa ausência que o afastaria de  Sara recolheu-se ao seu aposento. Sentia-se cansado dos intensos dias de convívio social.

                                             



                             Linia olhou o crepúsculo pensativa. Vagou pausadamente pela sua sala de estar, ricamente decorada a mando de Arthur. Sentia-se imensamente só!
Conseguira administrar a propriedade com o auxilio de um velho senhor, que naqueles longos sete meses,  supervisionara o trabalho dos servos nas plantações e o trato com os animais.
Os servos em temor a respeitavam , ainda que inconformados com o seu afastamento do castelo e de seu jovem e nobre senhor, se mantinham humildes e prestativos.
Somente Lana aparentava o enorme desgosto em se manter cativa, sob seu domínio. Era fria e indiferente ainda que não faltasse com suas tarefas rotineiras.
A moradia era confortável; da sala de estar, onde se encontrava, poderia ir através de largo corredor para os quatro aposentos espaçosos ou seguir para a sala de refeições e copa, agregadas a uma enorme cozinha.
Tinha ainda uma pequena biblioteca próxima á sala de estar , na qual o Lorde Arthur colocara inúmeras obras básicas para que se instruísse.
De nada se esquecera seu irmão! Se preocupara em lhe dar todo o conforto. Estava ciente de que alguns moveis e utensílios e certa parte do enxoval tinha sido especialmente encomendados e trazidos  da corte para a sua moradia; assim como a bela harpa, que tanto lhe fazia companhia... mas o vazio lhe era grandiosos!
Passava as manhãs reclusa em seu aposento, e as tardes excluída da vida, naquela sala de estar!
Poucas vezes saia a cavalgar; ainda que a sua propriedade tivesse belíssimas localidades a serem visitadas; inclusive uma bela e enorme cachoeira que desaguava num rio límpido e de grande proporção; não sentia no entanto  qualquer desejo em fazer passeios!
Sentisse uma prisioneira em sua masmorra luxuosa. Condenada por seu irmão á solidão , ao isolamento... um verdadeiro claustro privado!
Jamais o perdoaria! Nunca se esquecera da  noite em que invadira seu aposento para lhe ameaçar a vida;  A reunião na biblioteca onde Sara teve maior valor a seus olhos do que ela; Quando a colocou para fora do castelo, como se fosse um animal repugnante; Também a festa na qual foi extremamente autoritário, impondo sua vontade!
Quinze dias haviam se passado desde o matrimonio daqueles dois meros servos, mas aos quais, o irmão dera nobreza e glória; "Lorde Ricardo Lamartine"...ironizou! " Duquesa Carol Vandak Lamartine"...invejou-se! Não passavam de um  medico do castelo e de uma serva isolada deste...certamente por algum castigo imposto por seu pai Lorde Orlando...haveria de descobri-lo!
Os servos apesar de respeita-la, mantinham-se fieis ao Lorde Arthur e nada lhe contavam!
Uma idéia fixa se firmara em sua mente: "Precisava arrumar um aliado, que a auxiliasse a destrui-los...mas quem lhe auxiliaria".
Linia recordava-se da belíssima festa freqüentemente...recordava-se dos galantes cavalheiros com os quais havia dançado ou flertado...mas nenhum lhe aguçara tão profundo sentimento, como o lorde Gabriel Vandak.
Sentia-se imensamente atraída por ele, e ainda que o irmão Arthur a houvesse alertado, de que este era pobre e servil, nada se alterara no intenso sentimento que pulsava forte em seu interior.
Se encantara  desde a primeira vez que o avistara. Não conseguia esquecer-se da silhueta daquele forte homem, sendo levado para a masmorra..."Quantos mistérios!"... somente naquela festa no entanto,  conhecera-lhe o seu rosto, os seus traços e o seu olhar firme e determinado.
Irritada com seus pensamentos e com a incessante amargura de seu coração, concluiu que não mais seria uma serva das vontades e imposições de seu irmão; Decidida, prontamente pediu a Lana que lhe providenciasse um mensageiro. Pegou um pergaminho e com a  pena, que mergulhava determinada no tinteiro, escreveu:
                          "Lorde Gabriel Vandak
                              Anseio em conhece-lo melhor!
                              A duas horas ao norte, encontrará a minha propriedade;
                              Venha visitar-me!
                                                             Duquesa Linia Corleanos"
O mensageiro tardiamente levou a mensagem á moradia de Gabriel.

                                                


































                                            A noite já se impunha majestosa quando Gabriel leu a mensagem enviada por Linia. Manteve-se sentado num modesto diva, que Ricardo improvisara.
A  moradia de Ricardo e Carol era pequena e humilde, ainda que o lorde Arthur tivesse oferecido todos os recursos, Ricardo se limitara a gastar o essencial.
O mobiliário era pouco e rústico; mas tudo era muito cômodo e confortável.
A moradia se dividia em três aposentos, duas salas e copa com cozinha agregadas. Quanto á propriedade era de terras extensas e belíssimas colinas. Os verdes campos eram entrecortados por inúmeros e pequenos riachos; que lhe facilitavam o cultivo.
Gabriel passara aqueles quinze dias trabalhando incessantemente. O trabalho era árduo, tinha que arar, adubar, e semear grandes áreas de terra; Desejava que Carol e Ricardo ao visitarem a propriedade  se orgulhassem  de seu empenho e trabalho.
Esforçava-se para não se recordar de seu passado lastimável! Porem  quando Gabriel  não o  conseguia , mais se entregava a suas tarefas diárias, na ânsia ardente de compensar o tempo perdido e o imenso mal que fizera.
Gabriel observou que Paulo o olhava curioso; parecia desejar saber o teor da mensagem que recebera. Falou-lhe humilde.
-         Tua obrigação é vigiar-me e defender-me de fazer o mal... eu mesmo, exigirei que o faças! Pois não mais desejo errar...esta mensagem, é da Duquesa Linia; faço questão de que a leias!
O guerreiro Paulo aproximou-se pegando o manuscrito e leu-o;  depois o devolveu a Gabriel dizendo-lhe:
-         É uma linda e atraente jovem! Está demasiadamente interessada ... na festa, observei, que apesar das continuas  repreensões de Lorde Arthur, a Duquesa Linia, não conseguia tirar os olhos de ti Gabriel! Irás visitá-la?
Gabriel  mostrando-se indiferente, exclamou com seriedade.
-         És o meu protetor, dizei-me o que devo fazer!
Paulo sentia-se confuso com aquela situação em que, de guerreiro imposto por Arthur a vigia-lo como o mais vis dos criminosos, se tornara o companheiro, o protetor, o  confidente e o amigo de Gabriel.
Mantinha-se no entanto, extremamente fiel ao Lorde Arthur Corleanos; se para defender ou proteger a sua vida fosse necessário, ferir ou matar  Gabriel, o faria sem hesitação; era o seu trabalho!
No entanto a tarefa diária de vigia-lo, não lhe vinha sendo penosa como imaginara, mas agradável e prazerosa.
O guerreiro Paulo falou-lhe:
-         Deves tu decidir Gabriel;  Se desejares ir visita-la, nós iremos!
Gabriel compreendeu-lhe o alerta; não havia um só lugar onde fosse que Paulo não estivesse bem próximo. Faziam as refeições juntos, repousavam na cômoda sala fazendo-se companhia; dormiam no mesmo aposento; cavalgavam juntos; banhava-se sob sua vigilância...era-lhe a sombra!
Nos primeiros dias, Gabriel falara-lhe brincando:"Não  foi somente Ricardo e Carol que se casaram; Arthur, arrumou-me um marido!"...no entanto, Paulo não gostara da brincadeira e Gabriel nunca mais se atrevera a mencionar o incomodo de ter sempre alguém a seu lado; por vezes até o esquecia.
Gabriel olhou a mensagem, relendo-a e depois rasgou o manuscrito, murmurando:
-         Amanhã decidiremos!
E dizendo isto resolveu deitar-se pois o dia tinha lhes sido exaustivo.

Ricardo se aproximava com Carol da propriedade que lhes pertencia. Visualizaram campinas verdejantes amplamente aradas e semeadas; eram enormes as áreas de plantio; mudas frutíferas sacudiam-se em outras áreas ardilosamente delineadas.
Os cavalos existentes ali eram mantidos num enorme pasto cercado caprichosamente por toras de madeira. Outros pastos também assim adornados, aprisionavam outras criações.
Os poucos servos existentes ali com certeza tinham trabalhado em exaustão para concretizar tudo aquilo em tão poucos dias, concluíam.
Olharam-se felizes e orgulhosos com suas terras.
Aproximando-se da moradia Ricardo verificou, que dois belos bancos de madeira rústica haviam sido improvisados, próximo á entrada principal e que estes eram delicadamente cercados de jardins perfumadissimos.
Apearam dos cavalos e um servo aproximou-se feliz e prestativo . Silvio falou-lhes sorrindo:
-         Senhor Lorde Ricardo, seja bem vindo á sua propriedade...
Olhou a senhora e também cumprimentou-a:
-         Senhora Duquesa Carol, boa tarde!
Ricardo estava fascinado com a organização da propriedade. Indagou:
-         Por onde anda Gabriel?
O servo prontamente respondeu-lhe;
-         Senhor Lorde Ricardo, o lorde Gabriel foi até ás colinas, acompanhado pelos servos, para trazerem madeira.
Ricardo sorriu para Carol, sentia-se feliz e recompensado com os conselhos que dera a Arthur para libertar Gabriel.
Carol orgulhosa, compreendia no entusiasmo de seu marido, que muito devia ter trabalhado o seu filho. Ricardo convidou-a a entrar na grande sala de estar, o maior cômodo da moradia. Olhou o diva que improvisara e percebeu que Gabriel modificara a posição do mobiliário, tornando o ambiente mais aconchegante.
Após mostrar a Carol os outros cômodos da moradia esta resplandeceu serena felicidade:
-         É simples e aconchegante; se não fosse pelo nosso menino Arthur, desejaria vir morar aqui prontamente...veja os canteiros repletos de lírios brancos...as pedras do caminho por onde passar...está tudo tão bonito!
Ricardo abraçou-a dizendo-lhe:
-         Quando aqui estive pela ultima vez, á aproximadamente vinte dias atras, ervas daninhas fronteavam a moradia...as pastagens eram meramente mata natural...tanto se fez em tão pouco tempo! Desejas cavalgar?
Carol aceitou acompanha-lo e Ricardo a auxiliou novamente a montar. Voltou-se para Silvio e indagou-lhe:
-         Em que direção eles foram pegar a madeira?
Silvio apontou-lhes a direção e Ricardo e Carol rumaram para lá, continuamente deslumbrados com a propriedade que possuíam.
Não tardaram a avistar os dez servos de sua propriedade, descendo as colinas com seus cavalos e perceberam que estes arrastavam grandes toras de madeira.
Gabriel e Paulo também estavam com eles e seus cavalos também arrastavam a madeira.
Gabriel vendo-os, alegrou-se e acenou-lhes sorrindo ainda a uma longa distancia. Carol e Ricardo cavalgaram em sua direção e alcançando-o o médico cumprimentou-o .
-         Estás bem Gabriel?
-         Sim senhor Ricardo; imenso prazer em vê-los aqui em vossa propriedade!
Gabriel apeou da montaria e caminhou até próximo ao cavalo de sua mãe. Após auxilia-la a apear, beijou-lhe as mãos com amor.
-         Senhora minha mãe Carol, que alegria; senti tanto sua falta!
Carol sorriu-lhe dizendo-lhe.
-         Como estás meu filho?
-         Estou imensamente satisfeito trabalhando em vossas terras! Espero que tenham gostado do pouco trabalho que fiz!
Gabriel olhando os servos que o aguardavam com as toras atreladas em seus cavalos, desculpou-se:
-         Acompanharei os servos e depois irei para a moradia onde poderemos conversar melhor; passamos a manhã, recolhendo madeira para construir um grande celeiro, próximo ás pastagens, pois o mesmo breve nos fará falta!
Gabriel montou em seu cavalo e afastou-se com Paulo e os demais servos!
O sol já descia de sua imponência, quando finalmente os quatro se reuniram para alimentar-se. Gabriel entusiasmado contava-lhe as inúmeras tarefas realizadas e as muitas que ainda pretendia realizar. O guerreiro Paulo mantinha-se silencioso. Após a refeição tardia, caminharam até á sala , na qual continuar a conversar. Gabriel recordando-se da mensagem de Linia, indagou a Ricardo.
-         Senhor Lorde Ricardo, ontem, já tarde da noite, aqui chegou um mensageiro da Duquesa Linia; convidava-me para visita-la! Que devo fazer?
Ricardo não conseguiu disfarçar a perplexidade que sentia.
-         Dizia o motivo do convite Gabriel? Poderei ler o manuscrito?
Gabriel olhou silencioso para o medico e depois falou-lhe constrangido.
-         Senhor Lorde perdoai-me, mas rasguei ontem o manuscrito; mas Paulo também leu a mensagem!
O medico alertou-o que não mais rasgasse qualquer mensagem; deveria guarda-las! Aconselhou-o .
 - Gabriel, deverás manter-te longe de Linia! Carol já te advertiu da conduta extremamente ambiciosa desta tua sobrinha! Todos sabemos que é linda e atraente; e também estamos cientes de que se interessou por ti; Porem Gabriel deverás ser prudente, qualquer aproximação com a sua extrema ganância só poderá te trazer problemas! Compreendes? 
-         Sim senhor Ricardo, assim o farei !
Gabriel então convidou Ricardo para cavalgar com ele; desejava mostrar-lhe onde planejava construir o celeiro, e o lorde aceitou prontamente.
Carol decidiu não acompanha-los, ficando na moradia para repousar um pouco, antes de retornarem ao castelo de Lorde Arthur.
A tarde já findava quando Gabriel e Ricardo chegaram á moradia e após um breve lanche, decidiram retornar ao castelo.
-         Porque não dormem aqui? Teríamos mais tempo para conversar!
Ricardo explicou-lhe que o Lorde Arthur os aguardava e se preocuparia se não regressassem , prometendo-lhe que retornariam á propriedade na semana imediata e então ficariam alguns dias; Gabriel sentindo-se feliz com a promessa despediu-se deles sorridente.
                                                 Os dias passaram com extrema velocidade. Nas constantes atividades de lida com os campos e as criações, Gabriel nem se dera conta de que haviam se passado três anos. Tinha tido êxito no cultivo e as colheitas haviam sido fartas. Também as arvores frutíferas começavam a dar doces frutos. Tr6es invernadas tinham passado sem grandes prejuízos á propriedade.
Ocasionalmente o Lorde Ricardo o visitava orgulhoso com a produtividade de suas terras. Afeiçoara-se a Gabriel e o considerava um filho regenerado. Para si apagara-se as inúmeras imperfeições e erros que este tinha cometido em sua vida passada.
Por vezes Carol o acompanhava e ali ficavam alguns dias.
Paulo se tornara um autentico irmão para Gabriel. Por vezes divertiam-se em reuniões festivas com os servos, porem Gabriel nunca se afinizara com nenhuma jovem. Mantinha-se fiel ao breve amor que tivera com Brigith e que mantinha docemente em suas lembranças.
Linia insistentemente convidava-o para Gabriel ir visita-la. Por vezes as mensagens traziam aflitos apelos dizendo que precisava de desesperado auxilio em sua propriedade. Gabriel pedia a alguns servos para que lá fossem para averiguar os possíveis problemas e auxilia-la a resolve-los; mas estes não tardavam a retornar dizendo-lhe que eram meras banalidades; meros pretextos para levarem Gabriel até á sua propriedade.  Gabriel deixou de se preocupar com os apelos constantes de Linia , ignorando-os e somente assim as mensagens pararam de chegar. Sentiu-se então mais aliviado!
 Lorde Arthur viajava constantemente.  Viajou para a propriedade de Adredanha com o intuito de negociar o sal; para as vilas próximas ás propriedades, negociando o bom resultado dos cultivos; para a corte atendendo a convites sociais;
O jovem nobre, estava em idade apropriada a assumir compromisso matrimonial. Confidenciara ao seu amigo Ricardo, no entanto, que nunca o faria por mera obrigação social ou interesse patrimonial; afirmando que somente assumiria uma união se alguma jovem lhe despertasse intenso e verdadeiro sentimento de afeição.
Ricardo sentia-se cada dia mais orgulhoso de poder acompanhar aquele jovem que possuía  nobreza de caracter acima de todos os seus títulos ou riquezas.
Quando o nobre se afastava do castelo, em suas viagens, Ricardo assumia a administração de tudo e ao retornar Arthur demostrava grande felicidade em encontrar tudo bem e um lar em extrema paz na companhia amiga de Carol e Ricardo.
Lana certa vez  conseguiu com imensa dificuldade, se ausentar da propriedade de Linia, para ir ao castelo.
Contara preocupada a Ricardo, que a Duquesa Linia havia recebido um pretendente rico, que ela conhecera em viagem a corte, em sua propriedade.
Um senhor de porte elegante que desistiu prontamente de lhe cortejar, tão logo tomou conhecimento de seu matrimonio anterior. Isto aumentara-lhe a ira intima, tratando os servos com desrespeito e rispidez. Lana advertiu o medico com o semblante serio:  "Por vezes caminha intranqüila pela moradia, amaldiçoando o irmão Arthur e jurando vingança!"
Quando Ricardo contou o que soubera na rápida visita da serva Lana ao castelo, ao Lorde Arthur, este preocupou-se em demasia. Vinha-lhe á memória, na doce lembrança e enorme saudade de Sara, a quem ainda tinha intenso sentimento, as palavras da despedida que o  alertavam para ficar alerta em relação á sua irmã.
                                          




               Numa manhã extremamente chuvosa, Linia estava recostada próximo á harpa, quando um servo aproximou-se dizendo-lhe.
-         Senhora Duquesa, um viajante deseja falar-lhe!
Linia imensamente intrigada pois há muito ninguém a visitava, ordenou-lhe apressadamente:
-         Que esperas servo, mandai-o entrar!
A jovem ajeitava os cabelos cacheados quando um forte cavalheiro entrou na sala, com um olhar serio e vestes poeirentas. Reverenciou-a num meneio.
-         Senhora Duquesa Linia!
A duquesa olhou-o com fria indiferença indagando-lhe com sua voz rude.
-         A que vens viajante e o que desejas nas minhas terras ?
O homem olhava-a fixamente, com uma certa altivez que a incomodava.
-         Venho lhe oferecer o meu trabalho senhora duquesa!
A duquesa Linia caminhou até o vitral tentando fugir de seu olhar fixo que a incomodava. Virou-se encorajando-se e novamente o indagou.
-         Que sabes tu fazer ?
O viajante olhou para o servo que ainda estava na sala  mostrando-se incomodado e aparentemente contrariado com a sua presença. Linia percebendo-o,  considerou aquele homem altivo extremamente atrevido, mas sentindo-se curiosa prontamente ordenou ao servo que ali estava presente, que saísse imediatamente. Disse-lhe então perplexa com sua atitude:
-         Nada tens em humildade, para quem pede trabalho! Julgas-te superior? Quem és tu afinal?
O viajante fez-lhe um longo meneio apresentando-se:
-         Meu nome é Antoan; trabalhei durante quatorze longos anos para Lorde Orlando em seu castelo! Sempre lhe fui  fiel e servil! No entanto, quando o nosso senhor lorde faleceu, com a terrível peste, o seu filho Lorde Arthur expulsou-me do castelo...
Linia interrompeu-o intrigada e temerosa.
-         Porque meu irmão Lorde Arthur te expulsou?
Antoan baixou a cabeça, tentando disfarçar um pouco de sua aparente revolta, e continuou contando-lhe.
-         Certa vez omitimos uma informação ao senhor Lorde Orlando. Não o fizemos por mal, temíamos que o nosso senhor perdesse a confiança em nossos serviços!
A duquesa interrompeu-o irritada.
-         Pára...pára Antoan! Não estou entendendo nada do que dizes! Contai-me tudo direito!
O guerreiro calmamente contou-lhe, que procuravam um servo fugitivo que se ocultara na mata em Adredanha. Como não o encontraram, e  tendo ordens sérias de prende-lo; concordaram em dizer ao lorde Orlando, que este havia morrido. Linia perguntou-lhe:
-         Como Arthur ficou sabendo que era mentira?
Antoan foi rápido e direto:
-         Porque o servo apareceu vivo!
Indagou-lhe curiosa.
-         Quem era ele?
O guerreiro respondeu-lhe com imensa ira em sua voz .
-         É hoje, o Lorde Gabriel Vandak!
Linia levantou-se fascinada com a estória que aquele ainda jovem guerreiro lhe contava. A vida finalmente lhe ofertava um aliado. A estória de Gabriel a interessava, pois o sentimento forte e terno que lhe tinha, havia se transformado naqueles três anos em enorme despeito e revolta, em função da enorme indiferença que Gabriel demonstrara á sua ânsia de vê-lo.
-         Sentai-te Antoan e contai-me tudo o que sabes sobre o Lorde Gabriel Vandak!
O guerreiro sentou-se sem cerimonias e rapidamente foi lhe contando a infância de Gabriel, a sua paixão por Brigith, as mortes premeditadas que cometera; a viagem para Adredanha e o retorno ao castelo; Linia estava impressionada com tudo o que ouvia. Pensou irônica: "Então o prisioneiro criminoso virou um lorde." ..." porque seu irmão também não o havia matado?"...
-         Como sabes de tudo isto Antoan?
-         Senhora duquesa Linia, eu sou um guerreiro e sabia de tudo o que acontecia nas propriedades de meu senhor!...Por vezes ele mesmo nos informava, pedindo-nos que aumentássemos a vigilância; outras vezes no entanto, observando e escutando comentários!
-         Que fizestes Antoan, nestes anos ausente do castelo?
Antoan olhou-a vivamente:
-         Vaguei por ai senhora Duquesa, tentando esquecer a grandiosa injustiça! Compreenda-me senhora, sempre fui fiel e servil e fui expulso do castelo, enquanto o servo Gabriel foi hostil e criminoso, e foi acolhido em nobreza!...Soube que a senhora vivia na propriedade sozinha e decidi lhe oferecer meus préstimos!
Os olhos de ambos se cruzaram febrilmente; o cavalheiro sujo mas elegante atraia-lhe o corpo carente da eterna solidão; e Antoan também parecia sentir-se fascinado pela beleza da jovem Linia.
Os olhares eram cúmplices,  nos sentimentos que os atraiam....mantiveram-se silenciosos por alguns instantes!
Antoan deveria estar com seus trinta e cinco anos e o porte atlético mostrava-lhe a força e a coragem.
-         Tens a arte de Gabriel Antoan?
Antoan mostrou não ter compreendido. Linia falou-lhe então claramente:
-         És um bom arqueiro?
O viajante, sem compreender as suas intenções disse-lhe:
-         Fui treinado até os vinte e um anos na corte inglesa, para ser um bom guerreiro; sei manusear qualquer instrumento de guerra com precisão absoluta!
Linia olhou-o ardilosamente; os olhos faiscavam-lhe vingança e paixão. Disse generosamente:
-         Concederei um aposento para ti; nele deverás banhar-te! Providenciarei vestes limpas e perfumadas; Voltaremos a falar ao entardecer na ceia...serás meu hospede Antoan; no entanto, antes jurai-me fidelidade!
O guerreiro sentindo-se imensamente satisfeito, ajoelhou-se aos pés de Linia dizendo-lhe:
-         Juro-lhe extrema fidelidade, nobre Duquesa Linia Corleanos!
Linia então chamou Lana e lhe pediu que encaminhasse o hospede ao aposento. Deveria lhe providenciar sais para seu banho e vestes limpas e perfumadas.
Lana imediatamente reconheceu Antoan e estava ciente de que Linia hospedava um guerreiro que saíra do castelo, ameaçando vingança ao nobre Lorde Arthur...precisaria avisa-los no castelo, mas como poderia faze-lo se Linia não permitia que se afastasse!
Encaminhou Antoan ao aposento, e depois de providenciar-lhe a água quente, os sais, e as vestes, pôs-se a pensar aflita em como avisar o nobre Ricardo.
Já escurecera quando finalmente Antoan surgiu na sala. A pele bronzeada realçara-se com o banho; as vestes limpas traziam leve aroma perfumado; os seus longos cabelos contornavam-lhe os ombros; e os seus olhos sempre muito vivos aguçavam os desejos frustrados de Linia em relação ao seu sentimento rejeitado por Gabriel.
Ela deixou-se cortejar e seduzir.
Lana observou quando Linia surgiu de manhã, acompanhada por Antoan. Sabia que tinham dormido juntos e estes também não faziam questão de oculta-lo. Na refeição matinal trocavam olhares, caricias e sorrisos cúmplices.
Antoan disse-lhe carinhosamente:
-         Vamos cavalgar senhora duquesa? Desejo mostrar-lhe algo!
Linia entusiasmada concordou e após a refeição, saíram sorridentes para providenciar a montaria. Lana, estava demasiadamente preocupada com a extrema proximidade e intimidade dos dois, mas nada poderia fazer a não ser observa-los.
Antoan cavalgou com Linia até á belíssima cachoeira, na qual apeou da montaria e auxiliou a duquesa também a faze-lo.
Caminhando em meio á vegetação, abaixou-se procurando algo e encontrando-o  levantou-se erguendo sua brilhante e afiada espada.
-         Querida duquesa, agora seu guerreiro está inteiro e pronto para o que desejar!
Linia olhou-o fixamente; fazendo-lhe a seguinte proposta:
-         Prestai atenção no que te digo Antoan, porque estamos a sós...casarei contigo e serás um lorde e dono desta propriedade, se fizeres um pequeno serviço para mim...
Antoan aproximou-se perplexo com as sutis mas felinas palavras da bela jovem.
-         Casar-me contigo?
A jovem duquesa olhou-o contrariada.
-         Gostastes de mim, não? Terás fortuna! Terás a propriedade! Terás titulo de nobreza!
Antoan permanecia perplexo com a proposta da jovem e indagou-lhe temeroso.
-         E o que tenho que fazer para ti, para ganhar vida tão regala!
Linia aproximou-se dizendo-lhe pausadamente.
-         Não gosto de meu irmão...também me expulsou do castelo e me humilhou inúmeras vezes. Não gosto de Gabriel...ignorou-me tratando-me fria e indiferentemente nas muitas vezes que implorei que me visitasse. Não gosto do medico Ricardo...que julgou-me vulgar e inescrupulosa; afastaram-me todos da afeição de minha filha! Lorde Arthur lavrou um testamento, no qual Sara, a minha querida filha, é herdeira de tudo e de toda a fortuna dos Corleanos...mas o medíocre medico é o seu tutor até que atinja a maioridade...
A jovem deu uma pausa para respirar profundamente e prosseguiu.
-         ...enquanto dormias ao meu lado, arquitetei um plano e desejo que o concretizes!
Antoan completamente intrigado, suplicou-lhe:
-         Dizei-me senhora Duquesa!
A jovem pegou-lhe a mão propositadamente e contou-lhe:
-         No momento propicio e após algum treino, cavalgarás bem cedo, até á propriedade de Gabriel Vandak. Meus mensageiros informaram-me que se banha ás tardes num rio próximo á moradia. Ele e o guerreiro Paulo que sempre o acompanha...sem que o percebam, lhes roubaras as vestes e assim que saírem da água para procura-las, deverás matar Paulo como uma flecha certeira no peito. Munido das roupas de Gabriel e de seus cavalos rumarás para o castelo. Lá deverás chegar ao entardecer! Sei que o medico Ricardo, sempre gostou de passear á noite, também o alvejarás com uma flecha certeira. Atraídos por sua demora ou talvez pelos gritos da sua esposa Carol, que provavelmente esteja ao seu lado, no momento que o matares, Lorde Arthur virá para ver o que acontece, e matarás também da mesma forma...os servos e Carol serão as testemunhas de mais este crime de Gabriel! E para os deixares mais certos ainda disto, deixarás as vestes e o cavalo de Gabriel próximo ao lago. De lá, irás para o teu cavalo que haverá de estar oculto em algum lugar, e virás tranqüilamente embora! Ninguém desconfiara de ti ou de minha nobreza!
Linia explanara tudo com extrema frieza; mas isto ao invés de repudiar Antoan; atraia-o!
Desejava vingar-se também de Arthur, mas nunca pensara que o destino, em troca disto lhe oferecesse uma linda e determinada mulher, fortuna, propriedades e nobreza.
Antoan no entanto mantinha-se silencioso, visualizando em sua mente a trama elaborada por Linia. A jovem duquesa interrompeu-lhe os pensamentos.
-         Então Antoan, desejas concretizar o meu pedido e casares comigo?
O guerreiro em sua vivacidade indagou-lhe:
-         Porque confiar na senhora, duquesa Linia? Como posso ter a certeza que honrarás tua palavra?
Linia soltou uma risada.
-         Não sejas tolo Antoan, és um guerreiro e eu uma frágil dama; crês que poderia fugir de ti? Para onde?
Antoan olhou-a e após pensar calmamente falou-lhe:
-         Farei o que me pedes; mas precisarei treinar  durante alguns meses...tens pressa?
Linia, novamente rindo feliz, murmurou:
-         Temos todo o tempo deste mundo!
O guerreiro então, entregando-lhe a espada para que Linia segurasse, balbuciou:
-         O destino nos ajuda querida duquesa, tenho outra surpresa para lhe ofertar!
Linia olhou-o super intrigada e novamente Antoan caminhou em meio á vegetação, abaixou-se e desta tirou oculto, um imenso arco de madeira talhada e varias flechas feitas rusticamente; a jovem estava extremamente curiosa e perguntou-lhe:
-         Fizestes isto sozinho?
Antoan olhou-a fixamente.
-         Não querida duquesa, Lorde Gabriel Vandak o fez...
Linia sentiu as pernas ficarem-lhe tremulas:
-         Como conseguistes?
O guerreiro deixando a seriedade de lado, gargalhou radiante.
-         Roubei do lorde Arthur, nobre Duquesa Linia Corleanos!
-         Mas como o conseguistes?
Antoan contou-lhe que antes de Lorde Arthur sair cavalgando com o Lorde Ricardo, para procurar Carol, após as longas tempestades, deixou distraidamente o arco e as flechas, guardados próximo ao pavilhão interno dos servos...fácil foi tira-los de lá e esconde-los. Saiu então da propriedade, ao anoitecer sem que ninguém o visse carregando o armamento.
-         Porque o roubastes?
O guerreiro pensou demoradamente e depois explicou-lhe:
- Não sei senhora Linia, agi em mero impulso de vingança! O lorde nos dera até o entardecer daquele dia para sairmos da propriedade...não havia mais peste e não haviam mais nevascas...mas também não havia  mais capataz, e os guerreiros que ficavam no castelo eram poucos!              
Ambos riram febris e alimentados pelo intenso desejo de fortuna e vingança.
                                       
                                            









































                     A primavera chegara em intensa cor a todos os cantos. Florindo-os e esverdeando-os. Pássaros alegres sobrevoavam as colinas em acasalamento. A propriedade parecia um imenso jardim iluminado. As águas dos rios em extrema claridade, corriam amenas trazendo-lhes paz. Os cavalos livres corriam em esplendor...O sol em sua imensa majestade emitia força e intensa luminosidade.
Nos campos os servos, numa livre cooperativa faziam a colheita das verduras e  legumes. outros colhiam doces frutos no pomar.
Ricardo respirou profundamente e suspirando apertou a mão de Carol.
Tudo lhes era extrema felicidade. Amavam-se e admiravam-se cada dia mais.
Ricardo percebeu que um servo desconhecido se aproximava a galope e em trote ligeiro. Aproximando-se cumprimentou-o apeando do cavalo:
-         Boas tardes! Trago uma mensagem da corte para o senhor Lorde Arthur!
O medico encaminhou-o á biblioteca onde Arthur se encontrava, com números matemáticos em seus controles.
-         Arthur, este mensageiro deseja falar contigo!
Arthur olhou-o em expectativa.
-         Senhor Lorde Arthur trago-lhe uma mensagem do educandário Santa Izabelita, na corte!
O Lorde prontamente pegou o manuscrito e dispensou-o.
Ricardo preparava-se para sair mas Arthur pediu-lhe que ficasse e se sentasse.
As faces de Arthur rosaram-se tal qual as pétalas das rosas no pátio interno do castelo; a emoção lhe era aparente e perceptível. Ricardo observou-lhe a respiração ofegante num coração que com certeza lhe batia muito forte.
Há muito tempo a menina Sara não mandava lembranças em mensagens; no inverno fizera seu décimo quarto aniversario e deveria retornar breve ao castelo.
Arthur rompeu cuidadosamente o lacre; as mãos estavam tremulas e temerosas. Caminhou até o grande vitral e começou a ler.
                  "Meu querido Arthur,
                     "Conto os dias que ainda faltam para reve-lo;
                       sinto inúmeras saudades de tudo e de todos.
                        No próximo inverno terei concluído o período,
                        Venha buscar-me, eu lhe imploro!
                         Imensas saudades da sobrinha"
                                                 Sara"
                       "Obs.: Cuidados extremos com a Duquesa Linia Corleanos!"

Arthur leu e releu a mensagem; a emoção silenciava-lhe as palavras; não conseguia falar. Entregou o manuscrito a Ricardo silenciosamente e retornou a mesa de trabalho.
Porem não conseguia concentrar-se, a saudade lhe feria o interior. "Como seria Sara adulta?" A indagação lhe aguçava a curiosidade; "seria ainda a menina dócil e meiga, teria a beleza em traços sutis?"...
Arthur convivera aqueles anos, com muitas jovens, mulheres e rameiras; mas o sentimento em relação a Sara não lhe fora extinto; mantinha-se ardentemente aceso numa lembrança saudosa constante.
Ricardo olhou-o interrompendo-lhe os pensamentos:
-         Ainda gostas muito dela!
-         Ricardo, poderás não compreender, mas apesar do imenso tempo, da distancia, e da falta de noticias, sinto que lhe tenho extremo sentimento...
Lorde Arthur deu uma pausa para conter a emoção e prosseguiu:
-         Se pudesse iria agora mesmo busca-la; tenho imensa curiosidade de vê-la senhorita!
O médico sorriu-lhe:
-         Falta pouco Arthur, os anos passaram rápidos e nem os percebemos... irei busca-la  antes do inverno como havia te prometido!
Ricardo então ficou sério e disse-lhe:
-         Que terá sabido Sara, tão longe de todos nós, para novamente nos fazer o alerta em relação a Linia?
Arthur olhou-o fixamente:
-         Também achei interessante e fico temeroso com suas intuiçoes... Lana apareceu?
-         Não Lorde Arthur, fazem seis meses que não aparece para trazer-nos noticias... deveríamos providenciar de imediato uma maneira de saber o que ocorre em sua propriedade...
Silenciou um pouco e indagou-lhe:
-         Porque não vais visita-la Lorde Arthur, é tua irmã!
-         Sabes no entanto Ricardo, que não lhe tenho simpatia... não compreenderia o motivo da visita!
Ricardo teve uma idéia e falou-lhe:
-         Quem sabe poderias mandar-lhe uma mensagem, e nesta relatarias tua preocupação com a falta de noticias... o mensageiro usando deste artifício poderia conversar com Lana; e trazer-nos novidades!
Arthur contestou:
-         Ricardo, não posso mandar uma mensagem perguntando como está... nunca o fiz nestes anos...
Após pensarem alguns instantes:
-         Poderás indagar-lhe lorde Arthur se não possui boa colheita para vender-te!
O nobre jovem prontamente concordou com a idéia de seu fiel e amigo Ricardo. Combinaram então que no dia imediato, mandariam um mensageiro instruído a falar com Lana, á propriedade de Linia.

                                        


















                             A vegetação sacudiu-se subtilmente; o sol amenizava a sua grandeza naquele dia.
Há muito estava ali observando-os e tentava controlar e silenciar a sua respiração, para que não fosse ouvido.
Aguardava o momento propicio ao ataque.
Lorde Gabriel Vandak, banhava-se distraidamente nas águas frescas do rio, junto com o seu amigo o guerreiro Paulo.
Antoan observou as vestes penduradas num galho, não muito distante. Fácil seria pega-las sem ser visto, em momento oportuno em que se virassem para a outra margem do rio.
Os seus cavalos soltos, também propiciavam o ataque, pois haviam se ocultado na vegetação, procurando melhor pasto para se alimentarem.
Não tardou a que agilmente conseguisse pegar as vestes e as colocou numa pequena bolsa de couro que trouxera consigo. Lentamente, em meio á densa vegetação, atrelou o cavalo de Gabriel ao seu com um cipó bem firme.
O guerreiro Antoan voltou então para o seu posto de observação e agilmente ergueu o arco e predispôs uma flecha em mira.
Pensou "Será fácil acerta-lo quando sair da água...a mira  será certeira!" Muito havia treinado, nas proximidades da cachoeira da propriedade da Duquesa Linia, para aquele momento e não falharia!
Gabriel na água fresca sentia-se feliz e harmoniosamente em paz. Disse carinhosamente ao guerreiro que sempre o acompanhava.
-         Amigo Paulo, precisamos retornar á moradia, para nos alimentarmos e depois voltaremos á lida; ainda temos imensa colheita a fazer hoje, antes que escureça!
O guerreiro Paulo, concordou sorrindo-lhe amigavelmente.
-         Gosto imensamente de ti Gabriel, és o irmão que a vida não me concedeu!
Paulo inexplicavelmente sentia-se extremamente sensível e agradecido. O sorriso surgira-lhe em bondade concordando que deveriam retornar á moradia imediatamente.
Ambos se ergueram para sair do rio, quando repentinamente uma flecha certeira atingiu o lado esquerdo do peito de Paulo.
Gabriel atônito, viu o seu amigo caindo com um agonizante gemido. Correu em sua direção observando perplexo e em grandioso sofrimento que uma flecha cravada em seu corpo fazia jorrar grande quantidade de sangue.
Abaixou-se tentando auxilia-lo em desespero.
-         Meu amigo Paulo, estás ferido!
O guerreiro ferido e já agonizante, ainda conseguiu lhe murmurar antes de falecer.
-         Esconde-te amigo Gabriel, é um ataque!
Gabriel percebendo em imensa dor que o seu companheiro falecera, correu confuso para se ocultar sob um, forte rochedo.
As lagrimas jorravam-lhe nos olhos tal qual o sangue jorrava ainda intenso no corpo inerte de seu amigo, do qual não conseguia tirar os olhos.
Atordoado tentou visualizar qualquer movimento na vegetação, mas esta mantinha-se silenciosa.
Antoan concluindo o êxito de sua mira, montou rapidamente em seu cavalo e saiu em galope ligeiro, rumo ao castelo de Lorde Arthur, levando a montaria de Gabriel consigo.
Gabriel escutou o relinchar dos cavalos e o trote apressado. Cambaleante e em profunda emoção correu até o corpo de Paulo e o arrastou até uma forte arvore longe do rio.
A dor lhe era imensa e as lagrimas eram incontrolaveis em suas faces pálidas. O pranto angustiado lhe asfixiava a respiração; sentia o cruel sofrimento da perda de um ente que lhe era imensamente querido. Em imagens cruéis em sua mente, surgia-lhe também o imenso sofrimento, dos familiares dos entes que havia matado inconseqüentemente e em extrema frieza.
Estava completamente paralisado pela emoção e perplexo com aquela situação. Mecanicamente procurou as suas vestes mas não as encontrou; procurou o cavalo negro, ao qual domara e tinha verdadeira estima, mas ali também não estava!
Desnudo e completamente sujo com o sangue de Paulo, montou no branco cavalo deste e intuitivamente rumou para o castelo de Lorde Arthur.
Em seu imenso sofrimento ansiava alerta-los e pedir-lhes auxilio.

                                        


































                     Antoan apeou da montaria na propriedade do castelo de Lorde Arthur.
Defronte ao grande lago amarrou o seu cavalo em meio á vegetação. Propositadamente vestiu a veste de Gabriel e amarrou os longos cabelos tal qual o Lorde Vandak o fazia.
Sentindo-se pronto, montou no  astuto cavalo negro do nobre , munido de seu arco e de suas flechas.
A silhueta estava idêntica! Com certeza, quem o avistasse á distancia, não teria qualquer duvida de que se tratava de Lorde Gabriel Vandak.
Antoan subitamente escutou um trotar ligeiro mas ainda distante se aproximando. Perspicaz e ágil o guerreiro cavalgou rápido em sua direção. Com extrema facilidade  alcançou Gabriel que cavalgava rumo ao castelo. Velozmente interceptou-o fazendo com que Gabriel caísse da montaria.
Ambos se digladiaram em árdua luta corporal. As forças lhes eram compatíveis. Porem Antoan conseguindo alcançar uma pedra a bateu violentamente sobre a cabeça de Gabriel fazendo-o perder os sentidos.
Sem hesitação o guerreiro o levou para o lago e lá amarrou Gabriel e o cavalo de Paulo,  próximo ao seu cavalo.
Cavalgando, cautelosamente aproximou-se do castelo. Apeou da montaria e ali ficou oculto esperando que a oportunidade lhe surgisse.
Somente então Antoan observou, que a veste de Gabriel que  propositadamente trajava,  se sujara com o sangue que ele ainda trazia em seu  corpo;  Prendendo novamente os longos cabelos, que haviam se soltado na luta corporal, sorriu radiante sentindo que tudo o beneficiava e facilitava o seu trabalho!
Quando a noite cobriu as colinas e um imenso céu estrelado surgiu, Antoan pacientemente oculto na vegetação, avistou que dois vultos saiam do castelo.
Pela silhueta de ambos, percebeu que caminhavam de mãos dadas e pelos trajes concluiu serem de um homem e de mulher.
Não poderia haver qualquer erro em suas conclusões, estava certo, ainda que não podesse lhes ver os semblantes, aquela distancia, de que eram Lorde Ricardo e a Duquesa Carol.
Silenciosamente o guerreiro ergueu o imenso arco e puxou com  força extrema em seus dedos, a comprida flecha.
Fez a mira ao medico e em momento oportuno atirou-a em grande velocidade.
A flecha, num incrível zumbido certeiro, atravessou o cérebro do Lorde Ricardo Lanartini.
Carol olhou-o horrorizada  e aos gritos em completo estado de choque, tentava erguer o companheiro imóvel do solo.
Ricardo tinha falecido instantaneamente assassinado.
Lorde Arthur ouvindo os gritos daquela senhora sempre tão serena, saiu do castelo correndo desesperado; para socorre-la em sua aflição, assim como alguns guerreiros e servos que também surgiam do interior da moradia.
O jovem nobre desesperou-se ao ver o amigo e pai Ricardo, envolto em sangue, com os olhos arregalados e uma flecha que lhe atravessava o cérebro.
A emoção terrivelmente dolorosa também rasgou-lhe os sentidos, fazendo-o cair ao solo desesperado tentando reaviva-lo.
Em pranto incontrolavel, percebeu que o  corpo de seu tutor, já se encontrava  completamente sem vida.
Inconformados e em pranto completamente agoniado, permaneceram debruçados sobre o corpo de Ricardo, implorando-lhe que não os deixasse sozinhos!
A dor imensa os sufocava, fazendo-os confusos e sem nada conseguir raciocinar. Por alguns minutos a perplexidade e o sofrimento em todos ali presentes os afastava da real situação que viviam. Nem mesmo os guerreiros atônitos, conseguiam lembrar-se  de que Ricardo havia sido alvejado e que o ataque poderia continuar.
Antoan em nova posição de mira aguardava pacientemente, que o Lorde Arthur se erguesse; mas este não o fez.
Despertando daqueles breves instantes de perplexidade, os guerreiros armados rapidamente colocaram-se a averiguar de onde provinha o ataque.
Antoan enfurecido , concluiu que logo estes caminhariam em sua direção, vasculhando a vegetação.
Prudentemente, montou rapidamente no negro cavalo de Gabriel e erguendo o arco bem alto, com um de seus fortes braços, cavalgou varias vezes próximo ao rio, para que todos ali o vissem.
Arthur e Carol ainda perplexos com tudo o que ali acontecia, escutando o insistente relinchar do animal distante, despertaram de sua dor virando-se para ver o que ali ocorria.
Naquela  triste noite clara, viram Gabriel em sua túnica branca e com seus cabelos presos, desafiando-os em seu cavalo negro na margem distante  do rio. Em suas mentes este parecia gritar vitorioso : "Vingança!"
Os guerreiros e os servos revoltados, correram em sua direção desejando alcança-lo. Porem Antoan extremamente veloz  retornou ao lago e sem demoras e com extrema agilidade, colocou Gabriel que ainda se mantinha inconsciente sobre o cavalo de Paulo e atrelando a este o seu próprio cavalo, puxou-os em galope ligeiro, embrenhando-se na mata, rumo á propriedade de Ricardo e Carol.

                                        























                      Chegando á propriedade,  Antoan apeou do negro cavalo, e tirando Gabriel também da montaria, arrastou-o até próximo ao corpo de Paulo.
 Tirou a túnica que trajara propositadamente, e tranqüilamente vestiu-a no lorde Gabriel Vandak, que ainda se mantinha inconsciente.  Recostou-o na frondosa arvore, em posição que aparentava repousar profundamente. Colocou o arco e as flechas ao seu lado e as vestes de Paulo próximas ao seu corpo. Sentindo-se vitorioso amarrou o cavalo de Gabriel e do guerreiro Paulo.
Antoan olhou-os feliz e gargalhando eufórico, pensou consigo: "Tudo dera incrivelmente certo".
Fez-lhes uma sarcástica reverencia e saiu galopando com seus trajes limpos e em seu cavalo, rumo á propriedade da Duquesa Linia Corleanos; que não tardaria seria também sua!



                             Lorde Arthur, completamente transtornado ao ver Gabriel desafiando-o nas margens do rio, não hesitou no que deveria fazer.
Correra ao celeiro e cavalgando com seus guerreiros rumou determinado para a propriedade de Lorde Ricardo.
Durante aquela veloz cavalgada de uma hora, Arthur não conseguira organizar os pensamentos em sua mente.
Imagens claras do sorriso tranqüilo de Ricardo, do seu forte abraço, do incentivo na mão quente freqüentemente em seu ombro em tantas situações difíceis pelas quais haviam passado juntos; se misturavam a imagens confusas das cenas de Ricardo estendido no chão, morto covardemente por Gabriel que tanto fora protegido pelo fiel medico.
Surgia-lhe o sorriso de Sara! A tristeza agoniada daquela que lhe era uma mãe, a doce Carol! Novamente Gabriel ressurgia para destruir-lhe a harmonia e a felicidade..."mas porque"...perguntava-se febrilmente.
O nobre jovem não mais chorava; a dor lhe sufocava todos os sentimentos numa única determinação, achar Gabriel!
O lorde Arthur chegou finalmente á propriedade quando a noite já ia alta. Próximo á moradia encontrou Silvio apreensivo. Indagou-lhe:
-         Onde está Gabriel?
Silvio percebendo-o transtornado acompanhado dos guerreiros, e apreensivo porque Gabriel sumira com Paulo desde aquela tarde, falou-lhe:
-         Senhor Lorde Gabriel afastou-se da lida no cultivo á tarde, para banhar-se com Paulo, no rio; mas não regressaram deixando-me aqui apreensivo e sem saber o que fazer!
O lorde Arthur imediatamente perguntou-lhe a direção do rio onde se banhavam e o servo tremulo apontou-lhe o rumo humildemente.
Não tardaram a se aproximar do rio e prontamente visualizaram o corpo de Paulo alvejado no peito; ao seu lado Gabriel com sua arma parecia dormir tranqüilamente.
Lorde Arthur apeou da montaria e caminhou furioso em sua direção.
Olhou-o em sono profundo com a túnica suja e poeirenta. Enraivecido em sua incompreensão ao vê-lo tão tranqüilo; quebrou-lhe o arco e as flechas em extrema fúria e em incontrolavel ataque lhe desferiu forte chute em seu estômago.
Os guerreiros mantinham-se distantes silenciosos compreendendo a revolta de seu jovem senhor; prontos a auxilia-lo.
Gabriel despertou com a profunda dor que  parecia lhe apertar a cabeça e insuportável dor também em seu estômago. Contorceu-se e Lorde Arthur impiedosamente, enfurecido por todos os entes queridos que Gabriel matara, agrediu-o inúmeras vezes até o deixar completamente inerte e novamente inconsciente.
O jovem nobre então caminhou até o rio e deixou que a água fresca lhe banhasse a face ainda transtornada com tudo o que vivia.
Decidiu retornar prontamente ao castelo, pedindo que colocassem Gabriel em uma das montarias e o levassem definitivamente para a masmorra do castelo.

                                            





































                            Linia aguardava ansiosa o retorno de Antoan, que não via desde a manhã do dia anterior.
Não conseguira dormir e sentia-se exausta!
Lana observava-lhe a intranqüilidade  e o nervosismo...estava ciente de que o guerreiro Antoan viajara sob suas ordens. Vira-o saindo cavalgando com Linia e esta retornara sozinha á moradia. Pela sua ansiedade a serva Lana concluía também que ansiava desesperada o seu retorno.
Continuamente a duquesa aquela noite e pela madrugada , vagara pela sala indo freqüentemente até as janelas para verificar a sua possível aproximação.
Linia observou irritada que a serva a observava constantemente e estava decidida a livrar-se dela em momento oportuno.
Derrepente escutou um galope tranqüilo defronte á moradia e caminhou apressada até lá!
Vendo a sua fisionomia  de aflição, Antoan cumprimentou-a ironicamente.
-         Bom dia, Senhora duquesa Linia!
Depois convidou-a sorridente.
-         Vou leva-la para cavalgar...poderemos conversar com tranqüilidade nobre senhora!
Linia prontamente concordou e assim que a montaria ficou pronta acompanhou Antoan que parecia extremamente satisfeito.
O local predileto de ambos, nos quais realizavam contínuos treinos de mira, era o topo da enorme cachoeira.
A água descia com abundância daquela enorme colina; batia com violenta força sobre os rochedos e rumava tranqüila num rio de intensidade plena; depois novamente desaguava em nova queda de água, sendo que esta era mais alta e mais bela.
Linia apeou do cavalo sendo auxiliada por Antoan. O guerreiro abraçou-a e lhe dando um  beijo sorriu sua vitoria .
Linia propositadamente caminhou até próximo ao rio veloz; Antoan acompanhou-a.
-         Antoan estou apreensiva! Porque só aparecestes pela manhã?
O guerreiro continuou sorrindo ao lhe dizer.
-         Estava cansado e decidi repousar aqui mesmo onde estamos!
A jovem sentindo-se enraivecida porque não conseguira dormir, apreensiva com sua demora, revoltou-se interiormente sem aparentar, com a sua tranqüilidade em dizer-lhe que não se preocupara em retornar á moradia, repousando profundamente ali mesmo.
Disse-lhe fingindo forçado sorriso.
-         Conta-me tudo Antoan, estou ansiosa!
Antoan pôs-se a brincar na beira do leito do rio que corria veloz, carregando a água violentamente; murmurou em alegria extrema.
-         Matei Paulo com uma flecha certeira no peito! Matei Ricardo com uma flecha certeira nos miolos! Agora poderemos nos casar...
Antoan caminhou até Linia, disposto a receber o pagamento justo. A duquesa no entanto afastou-o com violência.
-         E o lorde Arthur, como o matastes?
O guerreiro encolhendo despreocupadamente os ombros, disse-lhe:
-         Não o matei!
O tom irônico de Antoan foi o suficiente para que Linia antecipasse os seus planos, ardilosamente elaborados.
Empurrou-o violentamente e Antoan desesperado desequilibrou-se e caiu no rio sendo rapidamente arrastado para a enorme queda d'água.
Linia pegou o seu cavalo e caminhou tranqüilamente no meio da vegetação, descendo aquela grande colina.
Chegando no final da queda d'água observou  no rio, o corpo de Antoan completamente inerte e sem vida; sendo ainda arrastado pelas águas que com certeza o levariam para bem longe da propriedade.
Montou tranqüilamente em seu cavalo e retornou serena á sua moradia.
Encontrou Lana no aposento de Antoan, vasculhando os seus pertences.
A serva assustou-se; pensava que Linia fosse demorar no passeio. Tranqüilamente Linia trancou o aposento e antes que a serva podesse gritar pedindo auxilio, a duquesa asfixiou-a violentamente com as suas mãos.
Lana completamente asfixiada , sem oxigênio morreu contorcendo-se.
Linia deixou o corpo caido no chão do aposento e saiu cantarolando alegre.
Passadas algumas horas, Linia que tocava harmonicamente a sua harpa, na imensa sala,  chamou um servo e ordenou-lhe que achasse a serva Lana para trazer-lhe um lanche.
Não tardou o servo apareceu para informa-la que Lana morrera arrumando o aposento do viajante.
Os servos da propriedade concluíram que sem nenhum sinal aparente, a serva deveria ter morrido de um mal súbito.
Linia felicitou-se radiante! Estava livre da serva antipática; Do guerreiro altivo; Do fiel medico Ricardo; Do indiferente Gabriel...Só faltava o seu irmão Arthur, teria tempo!
Deitou-se confortavelmente em seu leito, para repousar; Em plena alegria cerrou os olhos e dormiu em sua paz.






















                          O nobre Arthur entrou entristecido no seu castelo. Encontrou Carol chorando compulsivamente próximo ao leito onde Ricardo era velado.
Colocou-lhe a mão no ombro e Carol voltou-se para abraça-lo.
Não desejavam soltar-se, na união de seus prantos a dor se fazia menor.
Não haviam palavras a serem ditas, as lagrimas falavam por seus mais profundos sentimentos.
O dia passou vagarosamente na imensa tristeza que abatera uma família feliz.
Ao entardecer o corpo de Lorde Ricardo Lanartini era sepultado próximo a sepultura de Brigith.
Lorde Arthur tentava ser forte para amparar a nobre senhora Carol, mas não conseguia e por vezes sentia-se o menino carente desejando o seu colo e o seu consolo.
Carol o compreendia e escutava em suas lembranças as palavras de seu companheiro Ricardo que lhe diziam em confidência "Arthur agora é o nosso menino e devemos cuidar dele porque ninguém mais tem". Então acariciava Lorde Arthur esquecendo-se de sua própria dor.




                                   Na masmorra onde fora jogado, Gabriel completamente machucado, pelas agressões de incompreensão do nobre jovem, erguera-se com dificuldade para observar o entardecer.
Lembrou-se do amigo Paulo atingido por flecha certeira; lembrou-se de cavalgar até o castelo e lá ter sido atingido por alguém do qual não se lembrava do semblante... nada mais recordava.
Acordara com o chão frio e todo o corpo ferido e dolorido. Pensava que ali estava pela morte de Paulo e não tinha conhecimento da morte de Ricardo.
Finalmente Gabriel conseguiu segurar-se nas grades da janelinha e visualizar a longa distancia um sepultamento.
Concluiu que seu amigo e irmão Paulo era sepultado com honras de um nobre ... ainda que não compreendesse ficava feliz porque o valente rapaz o merecia.
Não entendia quem o matara e porque o matara...deixou-se cair no chão contorcendo-se em dor; as feridas sangravam constantemente e o rosto estava-lhe completamente sensível.
Na memória lhe vinham as suas culpas"...também o pai de Henri II não sabia quem o matara e porque o matara"..."também Anderson não compreendia porque caíra do seu cavalo, e porque fora asfixiado por uma almofada"..."também Job não compreendia porque a doce Brigith morrera envenenada"...
Gabriel encolhia-se tal qual feto em ventre materno.
A dor de sua consciência lhe era mais dolorosa que a dor que sentia em seu corpo.







                                    Aqueles dias passaram-se em imensa dor para a senhora Carol e para Lorde Arthur.  Mas naquela manhã fria que já antecedia o inverno, que se aproximava; Arthur aproximou-se dizendo á nobre senhora:
-         Viajaremos pela manhã; vou buscar Sara na corte...somente ela trará alegria a este lar novamente!
-         Arthur deixai-me aqui, com as minhas tristes lembranças!
O jovem nobre olhou-a suplicante:
-         Não minha grande amiga Carol, peço-lhe piedosamente que me acompanhes; preciso de sua companhia! Não me deixes só!
A nobre senhora observando-lhe a apreensão indagou-o:
-         Quem administrara a propriedade?
O lorde Arthur respondeu-lhe:
-         Deixai isso comigo, nomearei alguém para que zele pelo propriedade do castelo e por sua propriedade...deverás providenciar imediatamente as tuas vestes para a longa viagem...retornaremos só na próxima primavera!
O jovem entregou-se subtilmente ao pranto e balbuciou emocionado abraçando-a:
-         Quando acabará esta imensa dor; dói-me mais a perda de meu amigo Ricardo do que a morte de meus familiares!
Carol amparou-o entregando-se também ás lagrimas.
No dia imediato, de manhã bem cedo, duas carruagens afastavam-se do castelo; acompanhadas de três servos e os quatro guerreiros.



                         O castelo ficara entregue aos servos e a um capataz que Arthur nomeara em confiança.
Na ausência dos nobres Arthur e Carol, o castelo se tornou sombrio e assustador!
Gabriel Vandak, enclausurado á cinco dias, não tinha conhecimento da viagem dos nobres.
Ficara entregue  ás continuas e incessantes agressões de um longo inverno rigidamente frio; e ás agressões dos servos que vinham á sua cela para agredi-lo! Inconformados com o sofrimento de seus senhores aos quais tanto respeitavam pela extrema bondade e em sofrimento pela perda de seu médico sempre prestativo.
Freqüentemente era espancado até ficar inconsciente; e quando começava a melhorar, novas violências lhe vinham.
No imenso frio do inverno sentia o corpo regelar, e pensava que não amanheceria com vida.
Mas a vida sempre lhe surgia, dia após dia; tal qual a refeição rasa e insuficiente mas que lhe sustentava ainda o corpo.
Gabriel sentia-se saudoso de Ricardo que aprendera a amar como a um pai; e de sua mãe Carol a qual ambicionava dar somente orgulho.
Desejava ter a oportunidade de falar-lhes, para dizer-lhes que era inocente...mas estava ciente de que o Lorde Ricardo não mais acreditaria nele, após vê-lo fazer tantos males.
Se pelo menos podesse vê-lo vagando na propriedade; se conseguisse gritar-lhe "dai-me uma oportunidade de falar-lhe nobre Ricardo!"..."concedei-me um instante minha querida mãe Carol"...Mas as poucas vezes que conseguira erguer-se e caminhar até á pequena janelinha, somente via alguns servos, que rapidamente caminhavam, encolhidos com o imenso frio.
Assim, Gabriel passou aquele longo e interminável ano. Em continuo sofrimento pelos maus tratos que lhe faziam as baixas temperaturas; e as agressões dos servos fieis ao Lorde Arthur.
Porem o maior sofrimento continuava lhe vindo de sua consciência...o maltratava e o agredia diariamente sem piedade!



                                 Finalmente o sol surgiu na propriedade e o calor voltou para trazer algum conforto a Gabriel Vandak, aquecendo-lhe um pouco a cela fria e o corpo gelado.
Os servos correram felizes para receber o Lorde Arthur que se aproximava do castelo acompanhado  da Duquesa Carol e a Duquesa Sara.
Os servos observaram o semblante da menina Sara, estava amadurecida com seus dezesseis anos . Era formosa e bela, uma verdadeira  dama. Os seus olhos no entanto eram os mesmos olhos negros expressando extrema bondade.
Lorde Arthur pegou-lhe a mão e sorrindo para os servos disse-lhes:
-         Esta é a minha esposa, a senhora Duquesa Sara Corleanos! Respeitai-a como me respeitam e tenham-lhe fidelidade, tal qual me têm!
Dizendo isto os servos aplaudiram-nos felizes. Carol também sorria-lhes mas o sorriso ainda lhe era triste.
Com o retorno do Lorde ao castelo os maus tratos e os ataques constantes dos servos, a Gabriel pararam. Finalmente este pode se recuperar da dor do corpo, mas não estava livre da dor da alma.
Sara trouxe a felicidade de volta para o castelo com o seu encanto, a beleza e a extrema simpatia que emitia a todos.
O encanto de suas musicas alegravam quem as escutasse; gostava imensamente de cantar e tocar.
O lorde Arthur parecia irradiar em sua companhia; era o marido fiel, carinhoso e prestativo; e Sara era-lhe  a esposa e a companheira. Mas também lhe auxiliava a administrar a propriedade.
Pelas manhãs saiam juntos a cavalgar, supervisionando as colheitas e as plantações. ä tarde Sara fazia companhia a Carol. Lendo, costurando ou passeando pelos jardins.
Freqüentemente Lorde Arthur cavalgava até á propriedade de Carol, administrada por Silvio, para auxilia-lo no que se fizesse necessário.
Desde a morte de Ricardo, nunca se preocupara com Linia e nem tivera noticias dela ou de sua propriedade.
Sentia-se melhor mantendo-se distante!
Também nunca indagara sobre o p[prisioneiro e nenhum servo viera lhe falar a respeito. Era como se Gabriel Vandak nunca houvesse existido.
Carol em sua infinita dor de mãe não se esquecera do filho, mas não conseguia perdoa-lo pela morte de seu companheiro no auge de sua felicidade. Não lhe compreendia a sua atitude e não se sentia encorajada a procura-lo.
A perda ainda lhe doía profundamente, ao recordar-se do filho Gabriel erguendo o arco radiante, e o seu querido e bom Ricardo, inerte numa mancha de sangue com a flecha atravessada em sua cabeça. Esforçava-se para não lembrar aquele dia, mas continuamente a imagem inesquecível lhe vinha dolorosamente á mente.
Enclausurava-se em seu aposento, em pranto convulsivo.
Sara desconhecia completamente o drama da nobre senhora; Lorde Artur simplesmente lhe contara entristecido, que Ricardo falecera repentinamente; e Sara para Não lhes trazer mais dor, nada lhes indagava a respeito.
Sentia-se curiosa no entanto por saber onde andava o filho de Carol, e aguardava que eles lhe falassem sobre ele.
Lembrava-se do ultimo alerta de seu querido pai Job, a respeito de Linia. "Querida filha Sara, deverás alertar ao nobre Arthur sobre a perigosa Linia fazei-o prontamente". prontamente o fizera, mas também Arthur nada lhe falara a respeito da vida de Linia... e os dias iam-se passando.
Estudara no eduncandário que os bons cristãos iam para o lado de Deus, e os maus cristãos iam para o lado do diabo...não compreendia no entanto, como o seu pai Job, estando do lado de Deus, poderia ter-lhe acompanhado tanto tempo; confortando-a e amparando-a; até o dia em que lhe disse que não poderia mais ficar...sentia-se saudosa de seu carinho e de sua proteção!
Atrevera-se a indagar certa vez, a uma religiosa do educandário, se as almas das pessoas boas podiam descer para conversar; mas a perplexidade e os castigos foram tantos em função da infâmia, que Sara decidira nunca mais dialogar sobre a sua estranha experiência que tivera durante alguns anos; comunicando-se com o seu pai falecido.



                 Para felicidade de todos, sara rapidamente ficou esperando um filho; e sob os olhares protetores de Lorde Arthur, eles foram abençoados com duas crianças idênticas ás quais deram os nomes de Joane e Brigith. Para fazer reviver a lembrança querida de sua doce mãe e sua meiga irmã, assim disse-lhe Sara.
As lindas meninas eram as aliadas de Sara para trazer alegria e encantamento á vida de Carol e Lorde Arthur.
Mimos e carinhos não lhes faltavam. Um medico havia sido trazido da corte, especialmente para os cuidados no parto de Sara. Lorde Arthur não desejava arriscar-se a perder novamente seres que tanto amava e que lhes eram a vida.
Quando as meninas completaram dois anos em plena semelhança e vivacidade; Sara em parto extremamente difícil e complicado que lhe ameaçou a vida, concebeu um menino forte e saudável, ao qual lorde Arthur deu o nome de Ricardo.
Não havia no castelo mais tempo para saudades tristes ou lembranças desagradáveis. As crianças mantinham a mãe Sara e a avó Carol, ocupadas freqüentemente.
Lorde Arthur quando precisava viajar , o fazia rapidamente não desejando manter-se longe dos filhos, da esposa e da "mãe".



                              






                               Gabriel Vandak esquecido em sua pequena cela e completamente ausente da vida que o rodeava feliz no castelo, assinalara mais um pequeno tracinho nos numerosos que já ali havia marcado. Mil seiscentos e dez dias  de claustro, de solidão e de isolamento.
Quatro anos e cinco meses sendo submetido ao rigor de vida flagela.
Ainda que tivesse certeza do tempo que ali estava não sabia no entanto em que época estava e em qual daqueles tracinhos era o dia de seu aniversario.
Perdera a noção dos meses e deduzia-os pelo tempo e pela temperatura que lhe vinham na pequena janelinha que lhe ofertava a vida.
Diariamente a comida lhe vinha uma única vez e devorava faminto e voraz. A água também só lhe era ofertada uma única vez. Sentia-se imensamente magro e fraco.
O guerreiro que lhe trazia as refeições todos os dias nada lhe falava ou dizia, simplesmente arrastava para o interior da cela sem abrir a porta, o fundo prato de comida e um vasilhame de água. No dia imediato nova refeição trazia e levava os vasilhames do dia anterior.
No inicio Gabriel ainda lhe pedia clemência para que dialogasse, e lhe informasse como estavam Lorde Arthur, Ricardo e Carol...mas o guerreiro nada lhe respondia.
Depois desistiu e não mais suplicou-lhe uma conversa.
Inúmeras vezes dialogava consigo mesmo, questionando-se e respondendo-se para que a voz não lhe emudecesse ou para que os ouvidos não silenciassem;
Cantarolava e contava estórias para não enlouquecer em diária ociosidade.
Exercitava-se em sua imensa fraqueza e dolor físico, para que os músculos não enrijecessem. Surpreendia-se como permanecera vivo com tanta escassez de alimento e com o corpo tão empregnado de sujeira em crostas densas em que os bondosos ratos auxiliavam-no a se livrar.
Também esses animais rasteiros e seus únicos companheiros, auxiliavam-no a se livrar das fezes fétidas que empregnavam o ambiente.
A veste escurecera e o cheiro insuportável que o seu corpo emanava e por vezes sentia.
Inúmeras vezes pedira clemência e misericórdia, pedindo-lhe que o matasse não sendo mais digno á vida, e sendo-lhe a vida em demasia penosa; mas Deus parecia também haver se aborrecido com os atos tão censuráveis de sua vida, e não lhe vinham respostas, os pesadelos lhe eram freqüentes, e nestes a bela Brigith o censurava pela morte de seu noivo, do irmão e da mãe...acordava angustiado ainda escutando-a dizendo "porque me matastes Gabriel?"...tudo lhe era tormento e dor!

                                               











                   Linia também em seu claustro privado, se tornara histérica e colérica, naqueles anos.
Seus desejos e vontades mais irracionais eram prontamente atendidos pelos servos que temiam seus castigos.
Inúmeras vezes divertia-se prendendo-os á fome ou ao tempo.
Não ousavam fugir ou pedir auxilio ao lorde Arthur, porque outros já o haviam tentado em vão, sendo exterminados por um capataz jovem e robusto que se tornara seu aliado e amante.  Se beneficiava levando e negociando as colheitas que Linia lhe ofertava.
Porem o vivaz capataz Augusto não a temia, mas a desafiava deixando-a mais irritada. Ouvia-se falar em sua propriedade que freqüentemente tomava chás abortivos para eliminar os filhos indesejáveis. E que inúmeras vezes, deixava-se agredir por Augusto em pacto sarcástico de prazer.
"Enlouquecera"...diziam seus servos cuidadosamente.
Porem  Linia não enlouquecera. Usufruía do poder e de sua fortuna arrecadada em boas colheitas. Eventualmente viajava para a corte para gasta-la, em abundância enquanto Augusto ficava senhor de suas terras.
Usava o capataz como elemento essencial aos seus caprichos e prazer, mas o descartaria tal qual a um objeto de seu uso pessoal quando não mais precisasse dele.
Certa vez Linia voltou da corte, acompanhada do Duque Jordan, um velho rico e excêntrico com o qual se casara oportunamente por suas propriedades e títulos.
Viuvo solitário, com sessenta e oito anos e sem filhos...Linia encontrara uma verdadeira fortuna sendo guardada por um velho frágil; era-lhe a oportunidade de mais enriquecer facilmente, em sua infindável ambição.
O Duque Jordan seduzido por sua beleza e juventude, prontamente desposou-a, vendeu tudo o que possuía e viajou com Linia para a sua propriedade. Trouxera alguns de seus servos, animais, e muitas jóias e ouro em abundância.
O capataz Augusto permaneceu  sendo o amante de Linia na obscuridade.
Até o dia em que o velho Duque Jordan faleceu de mal súbito deixando-lhe a imensa fortuna em jóias e ouro; e senhora de mais um titulo " Duquesa Linia Corleanos Dubrak".
Com a enorme fortuna, Linia passava os dias enclausurada na pequena biblioteca, contando e recontando as moedas. e desfilando com as jóias.
Ninguém ousava ali entrar, nem mesmo Augusto. Quando dali saia, fechava rigorosamente a tranca e ocultava a chave no assoalho de madeira sob o seu leito.
Naquela magnifica manhã, despertou decidida a partir!
Chamou o mensageiro e lhe mandou entregar a seguinte mensagem:
                                   "Querido Arthur,
                                   Estou deixando a miserável propriedade
                                   que me concedestes estes anos;
                                   Deixo-te os teus servos e os teus animais.
                                   Não preciso mais de tuas esmolas!
                                   Desejo que morras em minha vingança!
                                   Até breve irmãozinho.
                                         Linia Corleanos Dubrak"

O mensageiro sairia ao anoitecer, veloz a galope, não levaria somente  a mensagem da duquesa Linia que  desconhecia o teor, mas o apelo de todos os seus servos que finalmente tinham a oportunidade de pedir auxilio a Lorde Arthur.
A duquesa Linia aprontou-se para viajar na manhã seguinte. Faria a viagem com os servos e os animais de seu falecido esposo; iria para a corte.
Com a fortuna que possuía, "com certeza compraria um belo castelo em local civilizado e poderia viver o resto da vida em regalias se ninguém a roubasse".
A idéia de ser roubada amargurou-a, temendo que o capataz Augusto demasiadamente ambicioso.
Satisfazia todos os seus desejos e caprichos por qualquer boa recompensa. " Poderia rouba-la na viagem!"
Decidiu convida-lo para ir até á cachoeira, onde costumavam se encontrar ocultamente e lá empurrou o capataz Augusto na queda d'água para mata-lo; da mesma forma como havia feito com seu cúmplice Antoan , nas mortes de Ricardo e Paulo.
Retornou á moradia satisfeita e após dar instruções aos servos a respeito da viagem, deitou-se para repousar, sentindo-se mais tranqüila.

                                              

































                O mensageiro chegou ao castelo, a noite já se fazia  imponente.  Lorde Arthur recebeu-o intrigado, visto que chegara em galope apressado.
-         Senhor Lorde Arthur, trago-lhe mensagem da Duquesa Linia Corleanos Dubrak!
O lorde pegou o  manuscrito e rompeu-lhe o lacre, enquanto o mensageiro apeava da montaria. Antes de ler a mensagem, lorde Arthur olhou-o dizendo-lhe:
-  Está tarde em demasia! Melhor retornares á propriedade de tua senhora!
O servo suplicante, ajoelhou-se no chão em humildade:
-         Peço-lhe clemência Senhor lorde Arthur, concedei-me trabalho em suas terras; não desejo voltar á propriedade de minha senhora a duquesa Linia Corleanos Dubrak!
O Lorde Arthur pediu-lhe que se explicasse, segurando o manuscrito em suas mãos, e  o servo descreveu-lhe em breve narrativa, os horrores a que haviam sido submetidos todos os servos de sua irmã. Disse-lhe que os servos lhe pediam auxilio...
O nobre estava indignado com tudo o que ouvira e dispensando o mensageiro para que se recolhesse ao pavilhão dos servos, leu então a mensagem.
A duquesa Sara percebeu o semblante contrariado do seu marido Lorde Arthur. Há muito tempo não o via assim tão sério. Também Carol que ali estava visualizou o seu semblante entristecido.
As crianças brincavam perto da mãe Sara. Brigith e Joane com quase três anos e Ricardo iria completar o primeiro aniversario.
Sara levantou-se com dificuldade e caminhou até  Arthur dando-lhe um beijo no rosto; indagou-lhe preocupada:
-         O que houve meu querido?
O nobre jovem olhou-lhe para a sua barriga avolumada nos seis meses de gestação, e temeroso confortou-a.
-         Nada com o que devas te preocupar querida Sara; tive uma mera discussão com um servo!
Sara sentia que o marido estava lhe omitindo alguma coisa e falou-lhe entristecida.
-         Nunca me ocultastes nada; porque o fazes agora querido Arthur! Não te preocupes com meu estado; sinto-me imensamente bem!
O nobre encaminhando-a para que se sentasse e pedindo a uma serva que levasse os seus filhos para dormirem, explicou para Sara e para Carol que pareciam apreensivas.
-         Recebi esta mensagem de Linia!
Sara prontamente ignorou-a, pedindo-lhe licença amorosamente e explicando que iria dar boa noite para seus filhos. Não desejava ter noticias daquela que fora sua mãe.
Arthur compreendeu-lhe a atitude e sentiu-se mais tranqüilo em não ter que passar-lhe contrariedades. Carol, no entanto, prontamente pegou a mensagem e a leu atentamente. Compreendeu prontamente o motivo do semblante entristecido do nobre Arthur: "Ofertara tudo á sua irmã bastarda e agora recebia ingratidão e ameaças!"
A nobre senhora aproximou-se e lhe colocando a mão carinhosamente em seu ombro, consolou-o :
-         Não te inquietes assim nobre Arthur; bom que se vá! Nunca nos fez qualquer visita e como percebestes a filha Sara, nem deseja ter noticias; perdoai e esquecei!
O Lorde Arthur agradeceu-lhe o consolo com um olhar expressivo de amor e falou-lhe baixo, temeroso que Sara voltasse:
-         Não estou preocupado assim por causa de Linia; recebi outra mensagem mais cedo, de um lorde que mora a alguns dias desta propriedade.
Carol carinhosamente olhou para o nobre que vira crescer e que agora amadurecido, em seus vinte e cinco anos, demonstrava enorme aflição. Escutou-o apreensiva.
-         Quarenta rebeldes vindos da corte rumam para cá...já atacaram e saquearam inúmeras propriedades! Invadem nobres moradias e impiedosamente matam! Temo tanto por nossa segurança!
A nobre senhora, sentindo a gravidade daquela situação, perguntou?
-         Porque esses rebeldes fazem isso?
O nobre atenciosamente explicou-lhe que os guerreiros da corte a mando do rei, pretendiam prender e matar alguns rebeldes que ameaçavam o reinado; estes no entanto, sendo antecipadamente avisados da determinação do rei, conseguiram se ocultar nas matas. Roubando armas e cavalos, gradativamente foram se tornando um enorme grupo de salteadores inescrupolosos .
Carol levantou-se pensativa e após caminhar preocupadamente silenciosa, sugeriu-lhe:
-         Nobre Arthur, recolhei os animais e os servos tal qual o fizestes quando vieram as terríveis tempestades de nevasca; se as tormentas não te destruíram, não serão estes rebeldes que te destruirão!
O lorde Arthur estava surpreso com a perspicácia da nobre senhora; sentiu-se impressionado pois parecia estar escutando os sempre prudentes e sensatos conselhos de seu amigo e tutor Ricardo. Disse abraçando-a:
-         Agradeço-te imensamente minha amiga Carol; seguirei teu conselho imediatamente; Ficarmos alguns dias reclusos no interior das muralhas não nos trará grandes incômodos e poderá evitar-nos grandes prejuízos.
Deu uma breve pausa silencioso e continuou.
-         Devo antes no entanto, explicar o motivo da reclusão para Sara; sei que não lhe posso omitir isto pois perspicaz como é, não compreenderá a movimentação no castelo e em seu estado a ansiedade lhe fará grande mal!
Após dar um forte abraço em Carol, retirou-se desculpando-se. Caminhou pensativo até os aposentos de seus filhos e lá encontrou sua esposa Sara, olhando a paisagem negra de uma das grandes janelas.
Abraçou-a  com extremo amor, tomando imenso cuidado com seu ventre e lhe falou ternamente:
-         Querida, precisamos conversar!
A jovem acompanhou-o tranqüilamente até o seu aposento e após sentar-se comodamente em seu leito, o nobre contou-lhe sobre o ataque que deveria ocorrer nos dias imediatos; e falou-lhe da sugestão de Carol.
A jovem Sara, plenamente determinada com seus dezenove anos de idade, apoiou prontamente Arthur na decisão de proteger, não somente a sua família ou os seus bens, mas principalmente os seus servos. Murmurou no entanto preocupada:
-         E a propriedade de Carol?
O Lorde Arthur prometendo-lhe que no dia imediato, pela manhã bem cedo, iria lá e auxiliaria os servos a recolherem os animais e objetos de valor; lembrou-se da propriedade de Linia.
-         Minha querida Sara, preciso falar-te de Linia!
Sara compreendendo ser necessário, pois sabia que o marido não a incomodaria se assim não o fosse, escutou-o atentamente. Arthur então falou-lhe a respeito da mensagem de sua mãe. Sara falou-lhe imediatamente:
-         Acolheremos  também os servos que lá estão; não será justo que fiquem sós perante o ataque...trazei-os para o castelo, quanto mais formos mais possibilidades teremos de nos defendermos desses rebeldes...dará tempo querido Arthur?
O nobre falou-lhe agradecido, que pela mensagem que recebera alertando-o sobre o ataque, de um  lorde que lhe era amigo;  os rebeldes deveriam chegar á propriedade em aproximadamente dois dias e que se fossem ágeis, daria tempo para tomarem  todas as providencias necessárias á proteção de todos.


                                No dia imediato, ainda muito cedo, Arthur rumou para a propriedade de Carol e após explicar a situação a Silvio e aos servos que ali moravam; todos se predispuseram a ir prontamente para o castelo, onde estariam em segurança e poderiam auxiliar a defende-lo. Rapidamente e cientes de que não tinham muito tempo, reuniram os animais e juntaram os seus pertences. O sol se erguia em plenitude quando finalmente rumavam para o castelo.
Neste, outros servos já se encontravam, recolhendo e armazenando as colheitas, e encaminhando os animais também para a proteção das muralhas. No dia seguinte, rumariam para a propriedade de Linia para fazer o mesmo.
"Com certeza o tempo seria suficiente, para proteger todos!" Pensou Lorde Arthur sentindo-se confiante, enquanto olhava para o sol, ainda imensamente alto e quente.


























                     O capataz Augusto olhou-se na margem claramente límpida do rio ; as pedras finas da cachoeira tinham-no cortado demasiadamente.
Recordava-se da imagem da Duquesa Linia empurrando-o para a morte!
Não tivera êxito no entanto, pois ele conseguira se agarrar ferozmente em alguns fortes galhos, antes que a água que corria veloz, o atirasse na imensa queda d'água.
Usara toda a sua força e todo o seu instinto e conseguira com imensa dificuldade, alcançar novamente a margem e ali ficara, inerte em imensa fadiga, inconsciente até aquela manhã.
Despertara com o sol forte daquela tarde, sentindo muita dor em todo o corpo. Ao ser arrastado de bruços pela violenta correnteza, o seu rosto se desfigurara em  ferimentos e hematomas; mas estava vivo!
Sempre tivera consciência de sua ambição e sabia que para conquistar um belo patrimônio, fazia qualquer coisa; ferir os servos ou mata-los; humilhar-se aos caprichos de uma nobre dama; Mas não conseguia compreender porque a Duquesa Linia, mediante sua extrema fidelidade e humildade, o condenara á morte!
Caminhou determinado e em imensa dificuldade até á nobre moradia; intermináveis horas foram necessárias para fazer o trajeto. Estava decidido a pedir-lhe explicações.
Os servos avistaram-no já a noite escura se fizera. Olharam-no horrorizados para o  estado físico do violento capataz Augusto. Este cambaleava ofegante e exausto, quase que se arrastando.
Augusto ignorou os seus semblantes assustados que pareciam não compreender onde tanto se ferira. Defronte á  moradia da Duquesa Linia, soltou um forte grito, que mais parecia um gemido rouco de raiva:
-         Linia!
Um dos servos, piedosamente se aproximou dizendo-lhe:
-         Senhor Augusto, a duquesa viajou pela manhã! Foi para a corte jurando que nunca mais voltaria aqui!
Após dizer isto o servo temendo-o afastou-se e os demais companheiros também o fizeram.
Augusto estava só e exaurido defronte á moradia. Olhou a noite escura e decidiu entrar.
Com imensa dificuldade banhou-se lavando os cortes e os hematomas; que se contavam em inúmeras feridas. Sentindo-se melhor, colocou uma veste limpa, pegou a sua espada e foi até o pasto para pegar uma boa montaria.
Concluíra que a Duquesa Linia, não deveria estar muito longe a apenas um dia de viagem. Com facilidade a alcançaria e estava certo de que os servos e os guerreiros do falecido Duque Jordan,  que a acompanhavam, não haviam se esquecido do pacto que tinham feito em comum: "Augusto lhes dava proteção e eles lhe teriam fidelidade!"...O violento capataz fizera diariamente a sua parte; esforçara-se em lhes agradar com abundância de alimento e por vezes algumas moedas de ouro; também quando a Duquesa Linia mandava agredir algum deles por mero capricho, o capataz os levava para longe fingindo obedecer a ordem da nobre dama, mas simplesmente os protegia. Augusto fizera este pacto com eles, porque temia a qualquer instante uma revolta dos servos de Lorde Arthur e precisava ter os seus próprios defensores.
Nunca pensara no entanto, que um dia precisaria destes, por causa de uma traição da Duquesa...confiava em Linia plenamente!
" A alcançarei de manhã, se cavalgar veloz a noite inteira" Pensando assim prontamente Augusto montou e seguiu veloz.

Já o sol se erguia quando o capataz Augusto avistou a imponente carruagem de sua senhora, Duquesa Linia Corleanos Dubrak!
Sem deixar-se ser visto, apressou o galope e esperou os viajantes na estrada mais adiante.
Os guerreiros vendo Augusto, ainda que também não compreendessem a desfiguração de sua face, cumprimentaram-no felizes; assim como os demais servos também o fizeram. Linia na sua carruagem nada percebera, pois o trajeto não fora interrompido. Cavalgando com seus amigos, em trote lento, contou-lhes o que a duquesa fizera consigo "atirara-o para a morte!" e alertando-os que esta faria o mesmo com qualquer um deles, fosse servo ou guerreiro, implantava-lhes a ira e a revolta.
Contou-lhes ainda, que a duquesa Linia  matara o velho duque Jordan, que nunca os  maltratara, num ritual de asfixia impiedoso.
O capataz Augusto conseguiu o que desejava, o murmúrio de revolta ia se espalhando pelos servos indignados.
Seguindo orientações do capataz Augusto, os viajantes pararam próximo a uma clareira na beira da estrada, mantendo-se silenciosos.
A duquesa Linia, intrigada com a parada e o silencio, saiu da carruagem para ver o que ali acontecia.
O capataz agilmente pulou na sua frente assustando-a.
Empunhando a espada, encostou-a no rosto delicado da jovem duquesa, reverenciando-a ironicamente e sendo observado pelos guerreiros e servos do falecido Duque Jordan, que se mantinham imóveis. Falou-lhe:
-         Boas tardes minha duquesa; pensavas que eu estivesse morto?
Linia desesperada ordenou que os guerreiros a defendessem, mas estes limitaram-se a rir de sua ordem histérica. A jovem olhou então para a face desfigurada de Augusto, sentindo-se confusa em como ele tinha conseguido sobreviver á imensa queda d'água daquela imponente cachoeira. Os seus olhos luziam raiva e ódio e Linia sentia preocupada que ele ali estava  para roubar-lhe a fortuna em vingança.
Amedrontada desejou entrar na carruagem para ingenuamente tentar proteger-se. Augusto impedindo-a disse aos guerreiros:
-         Tirai-lhe as vestes e prendei-a naquela arvore!
Os guerreiros prontamente atenderam o seu pedido sem questionar suas intenções. Enquanto Augusto retirou da carruagem o baú com sua enorme fortuna. Após conseguiu arromba-lo disse aos guerreiros e aos servos:
-         Isto é de todos nós e será justamente dividido!
Todos lhe responderam  com um só grito de euforia, vendo as jóias e o ouro no baú.
A duquesa Linia desprovida de todas as suas vestes, e amarrada nos pés e mãos á arvore, começava a chorar pedindo-lhes clemência.
O capataz Augusto indiferente aos seus apelos, olhou para as poucas mulheres e crianças ali presentes e falou-lhes:
-         Ide até a duquesa, uma de cada vez e cumprimentai-a como sentirdes vontade; depois venham aqui receber a vossa recompensa!
Pouco a pouco as mulheres e as crianças foram se aproximando de Linia; umas cuspiam-lhe, outras esbofeteavam-na, outras só a olhavam com indiferença...depois iam para perto do capataz que lhes entregava jóias e moedas de ouro em abundância, e lhes pedia que caminhassem pela estrada até onde nada mais vissem.
Obedientes e felizes as mulheres e as crianças se afastaram deixando ali somente os homens.
A duquesa Linia silenciara no amargor que sentia, na humilhação e na dor; somente o seu pranto incontrolavel quebrava-lhe o silencio.
Então Augusto deixando-se dominar pela dor que também sentia em seus próprios ferimentos, encheu-se de ódio e falou aos homens:
-         Agora sois vós homens que sempre me foram fieis e amigos...ide até á duquesa Linia Corleanos Dubrak e cumprimentai-a como desejardes...ela é jovem, bonita, e muito interessante...e todos vós sabeis que sentia enorme satisfação em quando a agredia...
A frieza estava-lhe estampada nos olhos e sentou-se calmamente próximo ao baú, enquanto os servos e guerreiros iam se aproveitando da duquesa ou simplesmente agredindo-a. Depois pegavam a sua parte do tesouro de Linia.
Já o sol se escondia sob as colinas quando o ultimo homem violentou Linia com crueldade.
A duquesa Linia Corleanos Dubrak ainda consciente, mas completamente ferida, estava deitada no solo, os homens a tinham soltado para melhor se vingarem dela. Encolheu-se tal qual uma criança; não tinha mais forças para chorar ou se lamentar do que ali lhe acontecera.
O baú esvaziara-se quase por completo. O que ali sobrara seria a parte de Augusto e ainda seria suficiente para que comprasse uma boa propriedade.
Estava sozinho na clareira, com a carruagem de Linia e dois cavalos. Caminhou satisfeito até á jovem duquesa que se mantinha encolhida e imóvel e abaixou-se dizendo-lhe:
-         Duquesa Linia Corleanos Dubrak, agradeço-lhe imensamente a boa hospitalidade em sua propriedade e desejo deixar-lhe uma lembrança...
De posse de um punhal o capataz Augusto fez-lhe profundo corte em sua face direita. E guardando tranqüilamente o mesmo, prosseguiu:
-         ...te lembrarás o resto de tua vida, do teu fiel e submisso servo Augusto!
O capataz afastou-se; atrelou a carruagem aos dois cavalos e seguiu viagem com seus companheiros.


                            Linia ali ficou inerte, deitada no solo frio. O corte em sua face sangrava demasiadamente; o corpo doendo-lhe profundamente; não se movia e desejava morrer.
Tardiamente naquela noite e ainda na mesma posição encolhida e imóvel, Linia escutou o trotar ligeiro de muitos cavalos vindo em sua direção.
Escutou um grito autoritário ordenando que todos parassem e viu quando um forte homem apeava da montaria na estrada e caminhava em sua direção.
Abaixou-se para olha-la, julgando que ela estava morta. Ao toca-la sentiu-lhe a pele quente e o ar ofegante.
-         Levanta-te, ordeno-te!
Linia levantou-se com extrema dificuldade e só então olhou ao redor. Aproximadamente quarenta homens armados em suas montarias a olhavam também, em trajes sujos. "São salteadores!" concluiu rapidamente em seus pensamentos. Aquele que parecia o líder, olhou-lhe o corte profundo na face e observou-lhe os inúmeros hematomas...facilmente deduziu a violência que ela sofrera. Ordenou-lhe friamente:
-         Como te chamas?
O tom era autoritário e rude. A duquesa respondeu-lhe num balbucio quase imperceptível:
-         Chamo-me Linia!
O homem grotescamente voltou a indagar-lhe:
-         És serva de que propriedade?
A duquesa Linia Corleanos Dubrak não conseguia pensar no que responder-lhe e manteve-se silenciosa e imóvel; mas as pernas não mais lhe sustentavam o corpo e perdendo a consciência desmaiou.
O líder daquele bando de salteadores colocou-a na garupa de uma das montarias e continuaram viagem.
Atacariam a propriedade do rico Lorde Arthur em busca de ouro e jóias, no dia imediato ao anoitecer.



































                         O ataque foi um fracasso para os salteadores. O nobre Lorde Arthur previamente avisado por seu amigo, conseguira resguardar a propriedade e os seus moradores.
Os guerreiros o haviam defendido com glória naquela noite, e os salteadores tinham desistido.
Naquela manhã, Lorde Arthur pediu para os guerreiros vasculharem a propriedade e lhe informassem os estragos e os possíveis mortos e feridos.
Pediu a todos os servos que se mantivessem no interior do castelo, porque temia que os rebeldes ainda voltassem.
O sol ainda não se tinha erguido em majestade, quando os guerreiros retornaram ao castelo, dizendo ao nobre que haviam contado cinco rebeldes mortos naquela noite e traziam-lhe um corpo nu de mulher.
Lorde Arthur aproximou-se do corpo que estava próximo ao pavilhão interno dos servos. Perplexo percebeu que era a sua irmã, a duquesa Linia.
Ainda que não gostasse da sua extrema arrogância, sentiu-se piedoso de a ver naquele estado. Não somente pelo fato de lhe ter parentesco, mas por ser uma mulher violentamente maltratada e agredida.
O corpo nu, sujo e bastante ferido estava imóvel e parecia sem vida; o nobre tentava conter a emoção. Um dos guerreiros falou-lhe.
-         Ainda está viva, senhor Lorde Arthur!
Todos os servos que ali estavam observando-os, sabiam que se tratava da Duquesa Linia Corleanos Dubrak. Alguns deles tinham trabalhado para a nobre e tinham conhecimento das suas extravagancias e de seus caprichos em maltrata-los. Uns a olhavam com indiferença, outros com raiva, mas a grande maioria sentia profunda piedade de seu sofrimento.
Lorde Arthur abaixou-se misericordiosamente e pegou Linia no colo, levando-a rápida e carinhosamente para um aposento; enquanto um dos guerreiros se apressava a localizar o medico que fazia ainda alguns curativos em servos feridos no ataque.
Lorde Arthur pediu a uma serva que a banhasse e que a vestisse.
O nobre passou cuidadosamente os dedos em sua face para sentir a profundidade do corte que traspassava ao interior da boca; muito inchado e infeccionado.
Lorde Arthur saiu do aposento sentindo-se triste e amargurado. Concluía em seus pensamentos apressados, que os salteadores a haviam encontrado na estrada em viagem; "a roubaram e violentaram-lhe o corpo"...sussurrou para si com indignação.
Com certeza a tinham abandonado ali, daquele jeito, talvez como uma vingança pelo fracasso no ataque, ou talvez como um aviso...mas sentia-se confuso porque os seus próprios guerreiros não a tinham protegido! Com certeza o haviam feito, mas uma duquesa na estrada com apenas dez guerreiros, nunca poderia escapar de quarenta salteadores armados e vorazes.
Os servos que resgatara em sua propriedade, contaram-lhe que tinha viajado com uma imensa fortuna, os guerreiros e vinte servos entre os quais mulheres e crianças..."coitados" exclamou; "teriam estes sobrevivido ao ataque intempestuosos!"..."onde estariam?"
As indagações eram-lhe muitas enquanto caminhava apressado. Encontrou a esposa Sara e Carol costurando serenamente no salão. Sara levantou-se com a costumeira dificuldade, em seu ventre avantajado e disse-lhe alegre:
-         Disse-me o guerreiro que nenhum de nossos servos e guerreiros foi morto! Graças a Nosso Pai!
Mas o seu semblante fechou-se ao ver a fisionomia entristecida de Arthur e indagou-lhe nervosa:
-         Temes um novo ataque? É isto que te entristece?
Lorde Arthur pediu gentilmente a Sara que se sentasse próximo a Carol e depois que esta o fez falou-lhes com cautela, sempre temendo o seu estado:
-         Não acredito que os rebeldes voltem; temerão novas perdas...contaram os nossos guerreiros que encontraram cinco deles mortos!
Sara indagou-lhe ansiosa interrompendo-o
-         Então o que te entristece meu querido?
 O lorde Arthur pegou-lhe a mão dizendo-lhe.
-         Temo por ti querida Sara e por nosso filho que ainda está em teu ventre; mas receio não ter demasiado tempo para te omitir...
O semblante de Carol compreendia a seriedade no que precisava lhes contar. Sara balbuciou determinada.
-         Estou bem Arthur, falai-me!
Lorde Arthur então pausadamente falou-lhe:
-         Precisas ir ver tua mãe...a duquesa Linia Corleanos Dubrak foi encontrada próximo ao rio...estava nua e imensamente ferida!
Sara levantou-se surpresa, não desejava ver a mãe que a abandonara. Sentia-se imensamente magoada por aquela mulher fria, avarenta e inescrupulosa.
O nobre percebendo-lhe a emoção; levantou-se e a abraçou cuidadosamente.
-         Faltam agora apenas dois meses para que o nosso filho nasça, controlai a emoção e os maus pensamentos; não é momento para isto! Linia esta muito ferida; tem hematomas em todo o corpo; foi barbaramente violentada e agredida; compreendes o que te digo Sara?
Sara permanecia imóvel em seu abraço e Lorde Arthur prosseguiu.
-         Releva o imenso mal que te fez, e perdoai-a! Olhai-a piedosamente pelos sofrimentos aos quais a submeteram. Peço-te que em tua extrema bondade, vás até lá! Se nada mais fez de bom nesta vida, devemos agradecer-lhe porque te gerou a vida!
Então Sara deixou-se comover e uma lagrima sutil desceu-lhe a face. Olhou para o nobre Arthur com imensa ternura e depois olhou para Carol, suplicando-lhes:
-         Não me deixem só...venham comigo!
Prontamente Carol levantou-se também para ampara-la; Sara parecia uma menininha tremula, com imenso medo de uma mãe que a maltratara largando-a ao abandono.


                           Os três caminharam silenciosos até o aposento onde a Duquesa Linia se encontrava sendo medicada. Quando lá entraram o medico sério aproximou-se reverenciando-os.
-         Preciso falar-lhe senhor Lorde Arthur!
Sara olhou fixamente para Arthur pedindo-lhe.
-         Senhor meu marido, deixai que fale diante de mim; não existem motivos para segredos entre nós!
Sara era elegante, dócil, meiga e extremamente afável com todos; mas era também destemida, forte e de uma personalidade vigorosa e super determinada.
O lorde Arthur ordenou ao medico que falasse e este explicou-lhes que a Duquesa Linia não teria como sobreviver; porque a perda de sangue fora enorme. Alem dos aparentes ferimentos, tinha continua hemorragia pélvica e algumas costelas quebradas na região torácica. Lamentou-se:
-         Se a assistência medica tivesse sido imediata, poderia com a ajuda de Nosso pai Misericordioso melhorar, mas pelos ferimentos eu conclui que está neste sofrimento á mais ou menos dois dias!
Dizendo isto o medico saiu do aposento pedindo licença ao lorde e fazendo uma reverencia a Carol e Sara. O lorde Arthur também pediu para que a serva que ali estava saísse e somente então aproximaram-se do leito onde Linia se encontrava.
Sara e Carol também ficaram perplexas ao ver o estado em que se encontrava a jovem Linia. Arthur temeroso pela emoção extrema em sua esposa Sara, prontamente trouxe-lhe um divã para que se sentasse próximo ao leito.


                          Linia gemeu ao tentar mover-se e abrindo os olhos reconheceu-os. Murmurou imensamente enfraquecida.
-         Minha linda filha Sara!
Ainda que não desejasse se emocionar, Sara não conseguiu conter o pranto de dor, de raiva, de revolta e de piedade , que durante tanto tempo ficara preso em seu interior.
Linia sempre murmurando com dificuldade olhou para eles fixamente e falou-lhes friamente:
-         Matei-os...eu os matei porque invejava a vossa felicidade que eu não conseguia sentir...
Arthur imensamente intrigado com o que dizia aproximou-se e Linia fechando os olhos em dor continuou murmurando muito baixo:
-         Matei o  médico Ricardo porque invejava-lhe a bondade; nunca fui boa! Matei o servo Gabriel Vandak em sua liberdade; porque nunca me senti livre!
O nobre momentaneamente esqueceu-se da sua enfermidade e irritado lhe indagou rudemente.
-         O que nos dizes Linia?
A duquesa mantinha-se serena, reabriu os olhos ao perceber a fúria do irmão Arthur e murmurou-lhe:
-         fui eu irmãozinho...eu consegui destruir a vossa felicidade...eu mandei matar os dois...eu matei aquela serva bisbilhoteira...estou morrendo...mas o farei destruindo-vos mais uma vez a paz...
Sara  tudo conseguira escutar mas não compreendia o que Linia dizia-lhes em tom de provocação e arrogância. Começou a sentir-se mal. Lorde Arthur que se afastara da esposa em extrema indignação  não percebia as indisposições de Sara .
Carol perplexa, mantinha-se compenetrada em escutar-lhe.
Linia sorriu sarcasticamente com dificuldade por causa do profundo corte em sua face. Soltava o seu veneno aos poucos.
-         Não quero piedade de nenhum de vocês...não quero vosso pranto...quero a vossa raiva...a vossa ira...a vossa tristeza...erraram em condenar Gabriel Vandak á masmorra...ele é inocente e nunca vos perdoará por isto!...
Linia sentiu um aperto forte em seu peito e contorceu-se cuspindo sangue...o pulmão havia furado... mas ainda teve ímpeto de olhar cada um deles com um brilho de ódio nos seus olhos e findou:
-         Eu vos odeio e morro vos odiando!
Então a duquesa sucumbiu, perdendo a vida em seu corpo frio e em sua mente perturbada.


                        Lorde Arthur olhou para Carol que também estava completamente atônita com tudo o que ouvira.
Sara começou a contorcer-se de dor e Arthur desesperado, aos gritos chamou o medico que os aguardava do lado de fora do aposento.
O medico rapidamente auxiliou Sara pedindo que a levassem para o seu aposento.
Lorde Arthur levou-a apressadamente.
Sara suava em demasia em seu leito, sendo examinada pelo medico e sob o olhar angustiado de Arthur. Porem as dores pouco a pouco foram diminuindo.
O medico disse a Arthur que tudo fora somente um susto, talvez provocado por extrema emoção e que com repouso no dia seguinte estaria boa.


                            A tarde na propriedade ainda apresentava imensa claridade e o Lorde Arthur após ficar algum tempo com sua querida Sara, desceu deixando-a dormindo.
Instruiu os servos para que sepultassem Linia sem honras. Depois caminhou até o salão onde encontrou Carol em pranto convulsivo.
Abraçou-a carinhosamente, também se comovendo e após assim ficarem alguns instantes Lorde Arthur afastou-se secando as suas lagrimas e indagou-lhe:
-         Crês no que Linia nos disse?
A nobre senhora tentando conter a profunda emoção, falou:
-         Porque mentiria em seu leito de morte?
-         Talvez para nos confundir Carol!
-         Não creio nobre Arthur; falava com tanta convicção!
O nobre olhou-a emocionado e pegando-lhe as mãos afirmou-lhe:
-         Prometo-te Carol, que rapidamente averiguarei com os servos que trabalharam para Linia; eles com certeza falar-me-ão a verdade! Se injustiça foi feita com Gabriel Vandak, irei pessoalmente liberta-lo!
Carol sentia-se confusa e abalada com tudo; agradeceu-lhe e novamente se abraçaram em emoção, com aquelas lembranças tão sofridas.


                             
                                    










                           Já anoitecia no castelo de Lorde Arthur, quando Sara despertou. Havia dormido a tarde inteira e sentia-se bem.
Olhou o aposento, carinhosamente decorado por si mesma. Muitas rendas nos cortinados e nos divas. Tudo em tons muito leves e suaves.
Arthur estava sentado bem próximo ao leito com uma expressão demasiadamente abatida e preocupada, acariciando-lhe levemente os cabelos.
-         Sara minha querida , como te sentes?
O nobre sentindo-lhe profundo amor, tratava-a diferentemente dos costumes da nobreza, onde a esposa era também a serva de seus senhores.
Com cordialidade e imenso respeito, a deixava participar de todos os momentos de sua vida; era-lhe a companheira e não somente a esposa.
Sara sorriu-lhe, pegando-lhe a mão e afagando-a ternamente.
-         Meu querido Arthur, sinto-me bem! Perdoai-me o susto que lhe dei!
Arthur inclinou-se beijando-lhe a face, sentia-se comovido.
-         Não posso perde-la Sara, és tão importante em minha vida; sinto tanto medo!
Sara percebendo-lhe a emoção sorriu tranqüilizando-o
-         Está tudo bem agora querido; deitai-te um pouco aqui ao meu lado!
Prontamente Arthur tirando as sandálias, deitou-se ao seu lado e Sara olhando-o fixamente indagou-lhe:
- Porque me omitistes o assassinato de Lorde Ricardo?
A vos lhe era meiga e dócil, sem censura ou critica ao que lhe escondera durante aqueles quatro anos.
-         Estava profundamente perplexo com a sua morte tão cruel; doía-me imensamente a perda do amigo, do companheiro, do pai que em verdade sempre me foi...me lamentava não conseguir acabar com a imensa dor que Carol também sentia...omiti pelo meu sofrimento e para não te fazer sofrer, compreendes?
-         Sim querido Arthur, compreendo o quanto deves ter sofrido e o quanto deve doer te fazer recordar aquele dia; mas preciso que me contes tudo agora!
Lorde Arthur temia que a sua serenidade pode-se se alterar novamente em extrema emoção e fazer-lhe mal. Sentia no entanto que também a ansiedade e a determinação de Sara a levariam á verdade. Decidiu contar-lhe tudo o que ocorrera na noite em que Ricardo fora assassinado; e em como havia encontrado Gabriel Vandak dormindo tranqüilamente próximo ao rio.
Após a triste narrativa silencio se fez no aposento por alguns instantes. Então Sara perguntou-lhe:
-         Soube que com seu árduo trabalho trouxe prosperidade á  propriedade, dando muito orgulho e alegria á sua mãe Carol e ao amigo Ricardo; Parecia haver se regenerado lhes devotando imenso carinho e respeito; tratava-os verdadeiramente como pais! Não compreendo que motivos teria Gabriel Vandak para matar Lorde Ricardo?
Arthur olhou para Sara perplexo. Não conseguia compreender como sua querida esposa, no educandário, longe de tudo por longos cinco anos, poderia saber tudo a respeito da vida de Gabriel na propriedade de seus amigos. Indagou-lhe curioso.
-         Como sabes de tudo isto Sara?
A jovem temerosa silenciou, porem o nobre insistiu:
-         Algum servo contou-te tudo isto, quando aqui chegastes? Se o fez porque não te falou dos crimes de Gabriel?
Sara balbuciou tristemente.
-         Não compreenderias meu querido Arthur!
O nobre afagando-lhe os cabelos carinhosamente falou-lhe.
-         Como não compreender-te querida! Contai-me como o soubestes; peço-te que também não me omitas nada!
Sara então encorajou-se e apertando sua mão, contou-lhe serena.
-         Com certeza concluirás que estou louca; mas és o meu esposo e sei que nada devo te ocultar! Há muito tempo atras, como sabes o meu pai Job morreu subitamente do coração, após o enorme desgosto ... nos dias imediatos surpreendentemente escutei-o conversando comigo! Eu era uma menina e quando o escutei pela primeira vez pranteei aflita e entristecida...meu pai consolou-me dizendo:"... minha filha não chores, somente o corpo morre, mas a vida continua! " ; disse-me ainda, que eu podia comunicar-me com ele quando eu precisasse...confusa eu lhe indaguei, "...se estás vivo porque não posso ver-te?"...pacientemente ele me explicou, que existia um impedimento a que isso acontecesse, mas que eu deveria dar graças a Deus por poder escuta-lo e sentir sua presença...Não me senti assustada com aquilo que era tão estranho; sentia confiança na voz meiga e carinhosa de meu pai! Entretanto tive receios de contar para os outros o que acontecia! Meu pai Job pediu certo dia, que eu contasse tudo para o meu tutor, o seu amigo Ricardo; avisando-o de que Gabriel ainda estava vivo...eu o fiz mas senti que o bom medico não acreditava plenamente no que lhe dizia! Um dia, tu aparecestes em Adredanha e resolvestes queimar tudo; lembro-me como se fosse hoje, do imenso fogo clareando a noite!
Sara deu uma longa pausa para respirar profundamente e percebendo a atenção e o interesse de seu esposo Arthur, continuou.
-         Meu pai continuou próximo por muito tempo...quando me sentia só surgia para me consolar! Em situações de perigo aparecia para auxiliar...quando Gabriel apareceu doente na casinha de Carol, escutei-o pedindo que lhe contasse que aquele lhe era o filho e temendo por nossas vidas, levou-nos a um lugar seguro, onde nos abrigamos! No entanto disse-me que não teve permissão a alertar-me sobre a aranha venenosa, cabia a Gabriel tentar salvar-me a vida...não compreendi direito porque, mas nada mais indaguei a respeito! Meu pai sabia que Gabriel falava a verdade quando dizia que perdera a memória; mas temia que ao recuperá-la se tornasse vil novamente...quando parti para o educandário, Job falou-me que Gabriel se empenharia em melhorar-se; podia de alguma forma, ver-lhe os sentimentos mais profundos! Deves lembrar-te, que te pedi para tomares cuidados com Linia...pois  meu pai alertara, que ela ambicionava vingança e só tinha maldade em seus sentimentos.
Sara novamente deu uma pausa e sempre apertando a mão de Arthur que estava serio e compenetrado a tudo escutando atentamente, prosseguiu:
-         No educandário, tudo era muito triste e frio...somente consegui suportar a distancia do castelo e de todos vocês, porque meu pai eventualmente trazia-me noticias vossas! Contou-me do imenso sentimento que me tinhas e por isto compreendi porque tinhas me mandado para tão longe...contou-me da tuas viagens explicando-me que o sentimento em relação a mim mantinha-se forte e que ansiavas meu crescimento para me desposares...contou-me também como era a vida de Gabriel tentando redimir-se de todos os seus terríveis erros...
A jovem sentia-se cansada da longa narrativa e Arthur implorou-lhe:
-         Nada mais te disse o teu pai?
A jovem surpresa com o interesse de Arthur continuou.
-         Contou-me também que Linia se aliara a um dos  guerreiros que expulsastes do castelo, para se vingar de ti...pediu-me que te avisasse e eu o fiz...concluo agora que a mensagem chegou-te tardiamente...
O nobre Arthur lembrava-se da mensagem que recebera de Sara, pela manhã, no mesmo dia do crime; sentia-se perplexo e intrigado com a longa narração de sua esposa, em quem confiava plenamente. Havia descrito corretamente fatos que desconhecia, como os seus sentimentos que somente confidenciara a Ricardo. As indagações eram muitas em sua mente...indagou-lhe percebendo-a serena.
-         Ainda podes conversar com teu pai?
Sara entristeceu-se, falando melancólica.
-         No dia em que pediu para enviar-te a mensagem, explicou-me carinhosamente, que não mais tinha permissão de acompanhar-me, mas que eu não deveria ficar triste porque breve retornaria a este castelo e estaria contigo em proteção! Certa vez comentei com uma das religiosas do educandário "se os mortos podiam falar com gente viva"...mas sofri tantos castigos em função da minha ingênua indagação, que jurei para mim mesma nunca mais falar sobre a estranha experiência que vivi durante sete anos!
O nobre levantou-se do leito e olhou-a com ternura.
- Minha querida Sara, não me surpreendo em demasia com tudo o que  me contastes porque o bom Ricardo já havia me alertado sobre os mistérios que  envolviam as tuas comunicações com o teu falecido pai! Difícil no entanto é, para todos nós, conseguirmos compreender os inúmeros mistérios, que ainda desconhecemos; mas que com certeza existem entre o céu e a terra!
Lorde Arthur prontamente indagou-lhe:
-         Crês querida Sara, que foi realmente Linia quem matou Ricardo?
A jovem sentindo-se profundamente entristecida por sua mãe fria, gananciosa e vil, até á sua morte, respondeu-lhe.
-         Senhor meu marido, por tudo o que meu pai me contou de seus sentimentos, e da sua ânsia de vingar-se, eu creio que Linia possa ter ordenado a esse guerreiro que matasse Ricardo e de maneira que incriminasse Gabriel Vandak!
O nobre após lhe dar um beijo carinhoso de compreensão e agradecimento, saiu do aposento para refletir em tudo.

















                       Sara sabia que Arthur, despertara cedo naquela manhã, para fazer incessante questionário aos servos que tinham trabalhado aqueles anos para Linia.
Aproveitaria a oportunidade, para subir á masmorra sem que ele soubesse.
Com extrema dificuldade, conseguia subir vagarosamente os oitenta e quatro degraus, a determinação lhe era a força; Desde que despertara, sentia enorme impulso de ir ver o seu tio Gabriel. Vandak.

                    O sol ainda não ia alto no castelo de Lorde Arthur, quando Gabriel tentou revirar-se no chão frio de pedra fétida. Não existia mais  força em seu corpo para mover-se.
Escutou o profundo silencio que ainda imperava no castelo, após o ataque e a batalha que não conseguia compreender. Repentinamente escutou passos nos corredores da masmorra.
A fome lhe era enorme, ninguém havia surgido para lhe dar alimento aqueles longos dias ...pensou angustiado: " quem caminha nos corredores?"...
Sentindo-se tonto, viu surgir na porta, atras das grades, em uma nevoa esbranquiçada, uma linda jovem, de corpo esbelto e de porte elegante . Com dificuldade percebia que sua  pele  era rosada e o semblante  era incrivelmente terno.
Gabriel com seus trinta e cinco anos pensou que estava vendo um anjo, em vestes brancas e fitas em cetim violeta...
A Duquesa Sara,  olhava-o piedosamente!
Somente então, a névoa esbranquiçada sumiu de sua vista, e podia perceber que realmente aquela jovem ali estava e que o seu ventre estava aumentado em demasia; ia ser mãe!
Não se recordava de quem ela era e porque  o olhava com tanta compaixão. Não conseguindo levantar-se, manteve-se imóvel no chão frio. Ainda que desejasse  erguer-se para vê-la melhor!
-         Podes falar Lorde Gabriel Vandak?
A voz da jovem era delicada mas forte e determinada. Insistiu apreensiva.
-         Podes falar ?
Gabriel não falava com ninguém á quatro longos anos e ainda que Sara lhe indagasse inúmeras vezes, a emoção não permitia que sua voz respondesse aquela jovem aflita... na ânsia de faze-lo, Gabriel pranteou sua incapacidade!
Deixou-se soluçar em pranto imperceptível, na enorme força que fazia para erguer-se e responder-lhe. Porem estava demasiadamente enfraquecido!
-         Abram esta porta agora!
Sara expediu a ordem decidida mas o guerreiro ainda surpreso com a presença da Duquesa Sara, ali e naquele estado;  temeroso argumentou:
-         Não creio que o senhor Lorde Arthur, saiba que a sua esposa, a Duquesa Sara Corleanos, esteja fazendo uma visita ao Lorde Gabriel Vandak, nesta masmorra...Perdoai-me senhora Duquesa mas somente com a  autorização de seu nobre esposo, poderei abrir esta porta, que está fechada á longos quatro anos, e nunca foi aberta...perdoai-me duquesa!
O servo reverenciando-a afastou-se um pouco. Sara perguntou-lhe aflita.
-         Há quantos dias ele não é alimentado?
O guerreiro manteve-se silencioso e Sara novamente indagou autoritária:
-         Há quantos dias não lhe dão o que comer?
O homem armado olhou-a contrariado respondendo-lhe.
-         Não come há três dias senhora duquesa Sara...estávamos preocupados com o ataque ao castelo, e esquecemo-nos de alimenta-lo!
Sara enfureceu-se dizendo:
-         Trazei comida agora!
O guerreiro prontamente atendeu a sua ordem, ainda que temesse deixa-la ali sozinha.
A Duquesa Sara ficou a sós com Gabriel Vandak que se mantinha em pranto humilde e silencioso. Estava imóvel!
Sara abaixou-se com dificuldade por causa da grande barriga, e agarrando-se nas grades olhou Gabriel melhor.
O seu corpo completamente debilitado chocava-a. Perguntou-lhe piedosamente.
-         Vejo tuas lágrimas, porque choras?
Gabriel finalmente conseguiu murmurar com dificuldade em seu corpo enfraquecido no qual os ossos eram aparentes. A voz saiu-lhe num balbucio quase imperceptível:
-         Não fui eu senhora! Não o matei!
Sara compadeceu-se de Gabriel, porem nada mais falou-lhe porque  o guerreiro se aproximava apressado, trazendo o alimento que ela ordenara, e um vasilhame com  água. A jovem novamente ordenou-lhe, levantando-se com dificuldade:
-         Abra esta  porta!
O homem olhou-a novamente desculpando-se:
-         Perdoai-me Senhora Duquesa Sara Corleanos, mas não poderei obedecer a sua ordem! Á longos  anos, trago comida e água para o prisioneiro...ordenou-me o senhor Lorde Arthur, quando mandou traze-lo para a masmorra, que esta porta somente deveria ser aberta quando este homem estivesse morto! Devo senhora, obedecer as suas ordens!
Após explicar-se, o guerreiro colocou a pequena vasilha com o alimento e com a água, no chão através das grades; mas Gabriel Vandak mantinha-se imóvel. Sara indignou-se:
-         Não percebes homem, que o prisioneiro não tem mais forças para levantar-se e alcançar o alimento e a água que lhe ofereces?
O guerreiro novamente desculpou-se impacientemente:
-         Senhora Duquesa, somente abrirei esta porta, com a ordem expressa do senhor Lorde Arthur!
A jovem contrariada,  sentindo-se completamente impotente, olhou para o semblante de Gabriel Vandak, que ainda vertia pranto silencioso.
O cheiro fétido daquele ambiente fechado, lhe dava náuseas e afastou-se sentindo enorme indisposição.
Desceu a longa escadaria cuidadosamente. Escorando-se com uma das mãos, nas imensas pedras que edificavam aquela torre e com a outra amparava o ventre carinhosamente.


                                   Finalmente conseguiu alcançar o pátio interno do castelo; estava muito ofegante e parou para descansar um pouco.
Os servos que ainda se encontravam ali reclusos sob a proteção das muralhas, imediatamente perceberam que a nobre jovem não se sentia bem. Gentilmente uma das servas aproximou-se para auxilia-la percebendo-lhe o imenso cansaço e o semblante muito pálido.
-         Deseja algo Duquesa Sara?
Sara pediu-lhe que a auxiliasse a chegar até á biblioteca, onde o Lorde Arthur se encontrava.
Aproximando-se da sala, Sara agradeceu humildemente á serva prestativa e entrou sozinha sem bater. Sentia-se melhor!
O nobre conversava com uma das servas de Linia e percebendo a entrada da esposa, ainda pálida e um pouco ofegante, prontamente caminhou em sua direção apreensivo e auxiliando-a a se sentar, indagou-lhe preocupado:
-         Porque estás tão cansada? Sentes-te mal querida?
A duquesa Sara meneou a cabeça em negativa e olhando para a serva, perguntou ao marido.
-         Concluístes algo, querido Arthur?
O nobre dispensou a servo, agradecendo-lhe a ajuda e depois abaixou-se próximo a Sara dizendo-lhe carinhosamente:
-         Ainda não querida Sara...porem fiquei ciente através dos servos, de que realmente Linia contratou um de meus guerreiros e que este após uma breve ausência, sumiu misteriosamente! Soube também que Linia trouxe um capataz da corte e que este sendo extremamente violento, feria e agredia os servos...
Sara interrompeu-o falando determinada:
-         Fui até á masmorra ver Gabriel Vandak!
O lorde Arthur levantou-se sobressaltado com a coragem de Sara.
-         Porque fizestes isto, minha querida?
As lagrimas incontrolaveis desceram-lhe velozmente em profunda emoção. Aos soluços respondeu-lhe.
-         Está em estado miserável! Não come á três dias! Não consegue erguer-se para se alimentar e nem consegue falar! A sujeira destes anos enclausurado formou crostas e feridas em todo o seu corpo...
O nobre alarmado com a sua extrema emoção convulsiva, implorou-lhe que parasse de falar e que se acalmasse; mas Sara parecia não o ouvir e continuou, falando em pranto desesperado.
-         ...nada conseguiu falar comigo; mas chora! As suas lagrimas são tristes e me feriram! Conseguiu balbuciar inocência... Por piedade meu marido, vá até á masmorra e ordene ao guerreiro que abra a porta e o alimente...ordenei que o fizesse mas diz não poder contrariar as tuas ordens...
O nobre extremamente preocupado com Sara, que estava cada vez mais pálida, passou os seus dedos em suas faces secando-lhe as lagrimas e falou-lhe suplicante.
-         Precisas acalmar-te Sara; esta emoção não te fará bem! Vou te levar para o aposento e ficarás lá com Carol! Prometo-te que irei até á masmorra e farei o que me pedes!
Lorde Arthur caminhou até á porta e pediu a uma serva que chamasse a Duquesa Carol e o medico rapidamente. Levou Sara para o aposento e deitando-a cuidadosamente no leito, indagou-lhe aflito.
-         Ficarás bem?
A jovem tentando conter a emoção, agradeceu-lhe pedindo-lhe.
-         Por piedade, vai ver Gabriel Vandak!





                    Lorde Arthur subiu a longa escadaria pensativo..."Vinham á sua mente incessantemente as imagens de,  Henri II,  Brigith, Anderson, Joane, Orlando, Job, Ricardo...tantos haviam partido para algum lugar que desconhecia! Indagava-se: "Seria a vida um mero e gigantesco educandário?" Sentia-se um ignorante defronte a inúmeros mistérios!"
Perdera surpreendentemente sua família;  os irmãos Brigith e Anderson; a mãe Joane; o pai Orlando, o mentor Ricardo...enorme temor, possuía em seu interior, de  perder a doce e nobre Carol; a meiga e bondosa Sara; as pequeninas filhas Brigith e Joane; o pequenino filho Ricardo...
Agora ali estava ele novamente, subindo piedoso para salvar a vida de seu tio...talvez inocente pelo assassinato de Ricardo e Paulo; mas tão culpado na destruição de sua família!
Não compreendia porque não conseguia ter ódio ao Gabriel Vandak; com extrema facilidade o perdoava! Visando a plena felicidade de Carol, o libertara concedendo-lhe a oportunidade de regenerar-se dos males que fizera. Agora novamente o perdoava com pleno amor,  sentindo-se incrivelmente culpado por tê-lo julgado e condenado a tantos anos de reclusão! Ambicionando atender o desejo de sua esposa, novamente o libertaria concedendo-lhe nova oportunidade á continuidade!
O nobre Arthur, sentia enorme angustia  em seu interior, temeroso com o estado físico em que  encontraria Gabriel!
Sua esposa Sara o descrevera completamente sensibilizada...debilidade física que ele provocara condenando-o á fome e á miséria humana!
Conseguira agir com aparente indiferença todos aqueles anos, mas interiormente sentia-se culpado diariamente, tinha plena consciência, de que mantinha em vida restrita, em sua masmorra um semelhante!
Ao condenar Gabriel Vandak, uma pequena parte de si mesmo, ali também se  enclausurava; impedindo-o de ser completamente feliz!
Ainda que desejasse não encontrara outra forma de evitar que outros males ocasionasse!
Tantos naquela propriedade dependiam da sua determinação como nobre e confiavam em sua proteção!
Indagara-se freqüentemente naqueles quatro anos ..." Como punir os homens, que aniquilavam vidas e destroem a harmonia e a paz de seus companheiros, sem priva-los do convívio necessário?"...respostas não lhe surgiam no entanto.

Lorde Arthur aproximou-se do guerreiro e este assustou-se. O bom nobre nunca ali tinha ido naqueles longos anos. Reverenciou-o disse-lhe orgulhoso da tarefa cumprida:
-         Senhor Lorde Arthur, estes anos todos nunca abri a porta  como me ordenastes!
Lorde Arthur caminhou até a cela de onde exalava terrível mau cheiro e perplexo viu Gabriel resumido a um corpo esquelético, sujo e possivelmente doente. Balbuciou para si mesmo amargurado:
-         Guerreiro porque me obedecestes tão rigorosamente?
O servo olhou-o tentando perceber o que murmurava e percebeu que tristes  lágrimas vertiam continuamente de seus olhos.
"O Lorde Arthur chorava diante do estado miserável de seu prisioneiro?" Pensou incógnito.
Lorde Arthur interrompendo-lhe os pensamentos; implorou-lhe num murmúrio que abrisse aquela porta!
O guerreiro prontamente correu a procurar a chave que  ficara  oculta sob uma pedra todo aquele tempo. Encontrando-a , rapidamente a trouxe  atendendo o pedido de seu nobre senhor que ainda pranteava dor.
A porta finalmente foi aberta e o nobre entrou sem hesitações.
Abaixou-se humildemente próximo a Gabriel Vandak e olhando fixamente em seus olhos, sentindo-se completamente culpado, pelo mal físico que lhe ocasionara, murmurou:
-         Perdoai-me Gabriel, pelo imenso mal que te fiz!
Gabriel permanecia imóvel, as lagrimas também desciam-lhe nas faces magras em seu sofrimento agonizante!
O nobre determinado levantou-se, mostrava-se completamente alheio ao profundo mau cheiro que impregnava no ambiente e no prisioneiro. Sentindo-se imensamente apreensivo pediu ao guerreiro que o auxiliasse a descer com Gabriel Vandak.
O guerreiro sentindo-se terrivelmente agredido pelo odor que Gabriel exalava obedeceu a ordem e os três desceram da masmorra com dificuldade.
Finalmente chegando ao pátio interno do castelo, o Lorde pediu á alguns dos servos que observavam atônitos o estado daquele prisioneiro, que o banhassem imediatamente; lhe cortassem a longa barba e bigode; e lhe colocassem uma veste limpa.


                                O Lorde Arthur caminhou rapidamente para pedir ao médico que o examinasse, mas quando se aproximou do aposento, onde deixara Sara acompanhada da nobre Carol e do médico; percebeu uma serva aflita, no corredor próximo á porta.
Arthur sentindo enorme aflição em seu peito; entrou apressadamente no aposento.
Sara contorcia-se em dores terríveis, amparada pela a nobre Carol, enquanto o médico lhe examinava o ventre.
Arthur aproximou-se desesperado e sem compreender direito o que ali acontecia, segurou apreensivamente a mão de Sara. A jovem apertou-a com demasiada força, dando um urro expressivo de imensa dor.
O Lorde sentia-se imensamente impotente, sem saber o que fazer para auxilia-la ou conforta-la em seu sofrimento ou no mal que lhe acometia. Amava-a profundamente mas não sabia como evitar que sofresse, e isto o angustiava.
Nada conseguia também falar-lhe, a emoção o emudecera...  sentindo-se fragilizado, olhava para a bondosa esposa gemendo e por vezes gritando na dor que parecia não mais suportar.
Arthur deixou-se envolver pela aflição, vertendo  pranto sufocante na   angustia que sentia em  não poder defende-la daquele  sofrimento.
Carol continuamente secava-lhe a fronte, imensamente molhada pelo suor e as lágrimas de dor.
Sara olhou-os suplicante e desesperada .
O nobre olhou para o médico e em pranto desesperado e convulsivo, murmurou com dificuldade:
-         Por piedade, ajude-a! Faça alguma coisa!
O médico se esforçava em aparentar frieza e tranqüilidade;  mas não conseguia! A situação era extremamente grave.
O rosto seu também imensamente suado e com expressão sombria  mostrava claramente a sua preocupação exagerada.
Falou apreensivo:
-         O bebê não tem mais batimentos cardíacos... faleceu em seu ventre...
 O Lorde olhou para a esposa, que em meio a contorções violentas e gritos desesperados...parecia querer desfalecer em exaustão!
A mão de Arthur começava a doer com a força exagerada com a qual  Sara á apertava .
O nobre horrorizou-se então, ao ver que o leito alvo, estava tinto de sangue. Todas as suas atenções tinha direcionado para o sofrimento de Sara e não o havia percebido.
Carol também não conseguia conter mais a extrema aflição e chorando muito, continuava  secando-lhe tremulamente a face; Começou compulsivamente a orar pedindo clemência á Deus Pai.
O Lorde sem conseguir desvencilhar-se da mão da esposa, ajoelhou-se próximo ao leito e chorando amargurado implorou ao medico:
-         Salve-a; por tudo lhe imploro, salve-a!!! Não posso perde-la... não Sara... em nome de  Deus salve-a!!!
O médico compreendia o apelo angustiado que o Lorde lhe fazia; mas se sentia tão impotente quanto o nobre!
Sara não apresentava qualquer processo de dilatação ainda que tivesse contrações violentíssimas. A hemorragia era intensa e não sabia como conte-la... já perdera sangue em demasia! Não era um médico experiente; havia terminado de se doutorar, quando o Lorde Arthur trouxe-o para a propriedade. Estava ciente de que alguns médicos, cortavam a barriga de suas parturientes, para retirar-lhes os filhos ... mas não sabia como faze-lo... e se o soubesse, como faze-lo sem adormece-la em morfina... com certeza a droga lhe precipitaria a morte, na imensa fraqueza orgânica na qual já se encontrava.  "Como falar ao Lorde Arthur que não poderia salvar a sua esposa Sara..."
Arthur que o olhava suplicante, ainda ajoelhado, compreendeu em seu semblante que nada podia fazer e desesperou-se; Incontrolavel suplicou em  sua aflição:
-         Deus por piedade, não leve minha Sara!
Sara olhou-o  também desesperada com a profunda dor que sentia e após uma terrível contração e um urro de desespero,  perdeu os sentidos.
O Lorde Arthur percebendo que a sua mão ficara inerte, levantou-se e chorando muito ergueu os olhos e cerrando-os implorou:
-    Ricardo , me ajuda!!!    Salva minha Sara!!!
Carol em pranto, também convulsivo, olhou-o perplexa sem conseguir compreender o que o nobre fazia em desespero; mas o Lorde Arthur em profundo sentimento de fé, deixou-se cair de joelhos e balbuciou  humildemente; reclinando a cabeça, e em meio ao seu pranto de amor:
-         Deus por piedade, deixai que Ricardo salve minha Sara!!!









                          Abençoados pela Infinita Misericórdia de Deus, grandiosa luminosidade ali se fez!
      Intuitivamente o médico surpreendentemente reagiu! Pegou rapidamente um pequeno punhal em sua bolsa de couro e habilmente cortou o ventre da jovem Sara. Impressionantemente a jovem não reagira ao ferimento profundo mantendo-se em sono profundo. Em questão de segundos, o médico retirou o bebê inerte de seu ventre  e o agilmente o deu para que Carol o segurasse.
A nobre senhora, em completo estado de choque pegou a pequenina criança inerte e sentindo-lhe a pele quente, acalentou-a em seus braços fervorosamente.
Arthur  perplexo com tudo o que ali presenciava, mantinha-se ajoelhado e em pranto silencioso mas sentindo-se incrivelmente amparado e imobilizado em uma paz  inexplicável.
O médico enquanto estancava o sangramento com algumas mantas improvisadas; pediu num balbucio quase imperceptível  á serva que ali também estava  para conseguir-lhe uma agulha e linha de bordado...esta, completamente atônita com tudo, rapidamente saiu do aposento apressada para atender-lhe o pedido!
Arthur olhou para a esposa que respirava com extrema dificuldade; mas impressionantemente tranqüila...
Enquanto a serva atendia-lhe o pedido; o médico  deixando as mantas no corte que fizera no ventre de Sara... aproximou-se do pequenino bebê de sete meses, ainda no colo da nobre senhora e soprou subtilmente em sua fronte!
Carol olhou o pequenino ser, que retornava para a vida, se movendo em seus braços... as lagrimas desceram sensibilizadas nas faces da nobre senhora!
O médico limpou o ferimento  cuidadosamente e o costurou esmeradamente , com o material que pedira á serva. Surpreendentemente Sara permanecia imóvel, mantendo-se em sono profundo.
O médico verificando que a hemorragia havia parado e limpando as suas mãos aproximou-se de Lorde Arthur.
Colocou a mão no seu ombro e auxiliando-o a se levantar; disse-lhe com um sutil sorriso extremamente iluminado:
-         Daí graças  ao Bom Pai porque fostes abençoado em tua fé  e em tua nobreza! A nossa querida Sara, ficará boa! 
 Caminhou serenamente até á nobre senhora, que ainda acalentava a criança em pranto silencioso e também sorrindo-lhe candidamente, murmurou:
-         Minha nobre e querida companheira ...zelai por esta criança com extremo amor; o Misericordioso Pai concedeu-lhe a vida !
 Aproximou-se  da jovem Sara e abençoou-a !











                  O médico visivelmente pareceu despertar com um suspiro. Colocou a mão em sua cabeça. Parecia sentir-se tonto. Olhou então atordoado para a duquesa Sara, que dormia tranqüilamente e com a respiração amena! Vendo o seu ventre completamente perplexo, indagou ao lorde Arthur:
-         Quem fez isto? Quem lhe cortou o ventre?
O médico completamente atordoado, olhava para todos no aposento desejando explicações. Surpreendido viu a criança minúscula agitando levemente os bracinhos no colo da duquesa Carol ... suplicou incógnito:
-         Me digam, o que houve aqui???
O Lorde Arthur  imensamente emocionado, pranteou saudade e agradecimento ao grande amigo Ricardo; que ali viera para auxiliar a salvar Sara!
O nobre ajoelhou-se em extrema fé e deu graças ao Bom Deus que os havia abençoado!
Carol apertando carinhosamente  o pequenino em seus braços, também ajoelhou-se humildemente  chorando serenamente  em oração!
O médico permanecia atordoado com tudo o que ali presenciava!
Conseguia unicamente lembrar-se, em como se sentia aflito precisando explicar ao Lorde Arthur, que não poderia salvar a vida de sua esposa, a duquesa Sara... porem agora, surpreendentemente a Duquesa Sara estava ali repousando serena...com o ventre costurado...a hemorragia estancada...e o bebê de sete meses ao qual constatara a morte,  ali vivo! 
Sem conseguir compreender o que acontecera naquele aposento em sua inexplicável ausência; e mantendo-se os nobres silenciosos em oração;  pediu  á serva, que também chorava emocionada, para lhe auxiliar a banhar cuidadosamente a jovem nobre e tirar com cautela as mantas sujas , colocando roupas limpas em seu leito.
Enquanto a serva banhava carinhosamente a sua senhora, limpando-lhe o sangue; o médico pegou delicadamente a criança recém-nascida retirando-a do colo da duquesa Carol para medica-la e limpa-la. 
"Como era extremamente pequeno e frágil"... "como sobreviveria".... pensou!
A respiração lhe era difícil! Limpou-o com imenso cuidado; era um menino perfeito, mas prematuramente saíra do ventre da mãe... precisaria de ar muito puro e muito calor em seu corpo...
Observou a Duquesa Carol, que permanecia ainda profundamente comovida e em estado de oração; assim como o Lorde, que de olhos cerrados parecia orar fervorosamente.
Não desejando incomoda-los, o medico chamou um servo para acender a lareira num aposento próximo. Neste colocou o bebê, em leito improvisado e extremamente macio. "O aposento deveria permanecer completamente arejado, limpo e aquecido"; orientou a uma serva que lhe ficaria de guarda.
"Mas como alimenta-lo se ainda não possuía forças á sucção?" O médico caminhou pensativo, de volta ao aposento da Duquesa Sara e a encontrou já em leito limpo. Lorde Arthur levantou-se ainda visivelmente emocionado e caminhou até Carol ajudando-a a se levantar.
Ambos  olharam-se em extrema emoção e se abraçaram.
A nobre senhora murmurou confusa:
-  Foi Ricardo não foi? Ricardo, esteve aqui?
Arthur  meneou a cabeça afirmativamente sentindo que as lágrimas voltavam á aflorar em suas faces.
-  Ricardo veio até aqui para nos   auxiliar!
O Lorde sem conseguir falar-lhe  abraçou-a mais forte! Então caminhou até o leito de Sara e tranqüilizou-se ao perceber que suas faces, ainda profundamente pálidas, mantinham expressão serena de tranqüilidade e repouso.
O médico aproximou-se dizendo-lhe, que assim que despertasse deveria ser alimentada com refeição forte, pois o organismo estava muito fraco; iria prontamente até a cozinha orientar as servas, para que lhe preparassem um caldo substancioso.
Lorde Arthur finalmente conseguiu murmurar:
-         Como está a criança?
O médico falou-lhe mostrando-se incrivelmente impressionado:
-         É um menino senhor Lorde Arthur; uma criança bem pequena e frágil! Tomei a liberdade de leva-lo para o aposento ao lado. Precisava de calor que o acalentasse tal qual o ventre de sua mãe e para isto acendemos prontamente a lareira. Preocupo-me no entanto, em como alimenta-lo, é tão pequeno e frágil; nem mesmo sei se a Duquesa Sara terá leite para amamenta-lo!
O nobre compreendendo a sua preocupação, falou-lhe serenamente em agradecimento:
-         Deixemos ambos repousarem, dos momentos aflitivos por que passaram. Ficai com ela; eu irei á cozinha dar as orientações!
Dizendo isto ao médico, Lorde Arthur caminhou determinado; mas quando se preparava para sair do aposento, o médico interrompeu-o indagando suplicante:
-         O que aconteceu aqui , senhor Lorde? Estou demasiadamente confuso, porque nada vi... de nada me recordo!
O nobre voltou e colocando-lhe a mão no ombro  falou-lhe sensibilizado:
-         Também não compreendo.... mas agradeço fervorosamente ao bom Deus, pela vida de minha esposa Sara e pela vida de meu filho... Fazei o mesmo!
Dizendo isto o Lorde Arthur saiu apressadamente do aposento e caminhou até a cozinha do castelo, para orientar as servas sobre á alimentação a ser servida á Duquesa quando esta despertasse. Pediu-lhes humildemente:
-         Precisam ajudar-me ; precisará  fortalecer-se !
Somente então observou através de um imenso vitral, que á tarde se passara e que o sol já descia sob as colinas, incrivelmente radiante e belo.
Um servo temeroso em incomoda-lo aproximou-se vagarosamente dizendo-lhe:
-         Senhor Lorde Arthur, o prisioneiro foi limpo e barbeado; encontra-se ainda imóvel, no pavilhão dos servos!
O Lorde esquecera-se de Gabriel,   disse-lhe preocupado:
-         Levai-o de imediato para um aposento; pedirei ao médico que vá vê-lo!
O servo obedeceu prontamente.


                               Sara era imensamente querida pelos servos, aos quais sempre tratava com amor e respeito.
Rapidamente os rumores se espalharam pelo castelo, a respeito da pequenina criança que nascera antes do tempo, sendo rasgada á barriga de sua mãe!
Todos sentiam-se aflitos com a saúde de sua senhora, a Duquesa Sara Corleanos.
Silenciaram para não atrapalhar-lhe o repouso.
As servas preocupadas com a enorme perda de sangue, se esmeravam em lhe fazer fortes sucos e caldos variados, para que tomasse assim que despertasse.
 Outros por própria iniciativa, faziam feixes com a lenha que estava no castelo, para que a lareira que esquentava a pequenina criança, nunca se apagasse.
Todos ansiavam novamente vê-la feliz e com saúde!
O enterro de Linia havia passado desapercebido, sendo sepultada por dois servos que o fizeram friamente naquela manhã.
Lorde Arthur voltou ao seu aposento preocupado com Sara, mas percebendo que esta ainda dormia serena, pediu ao medico que o acompanhasse.


                       Ao entrarem no aposento onde já se encontrava Gabriel, o médico prontamente caminhou na  direção do leito onde estava imóvel.
Estava banhado e em limpo; mas vestia-se somente com uma canga, deixando o corpo visível.
Estava imensamente magro e desnutrido! As suas costelas impressionantemente se aparentavam uniformemente sobre a pele. Os braços extremamente finos podiam ser facilmente identificados em mera estrutura óssea coberta subtilmente por pele vastamente ferida. As suas pernas também assim estavam...podia-se perceber nelas, as marcas de mordidas de roedores.
O medico examinou-lhe os olhos, estavam esbranquiçados mostrando critico grau de anemia...a pele muito enrugada em todo o corpo declarava a desidratação!
Examinou-lhe o batimento cardíaco; era demasiadamente fraco mas parecia ainda saudável. Os seus pulmões  pareciam funcionar perfeitamente ainda que em seu ronco pareciam prenunciar uma possível pneumonia.
Tateou-lhe o abdome e não haviam vestígios de seqüelas.
Surpreendentemente o seu estado físico não era alarmante apesar da extrema miséria a que fora submetido aquele corpo.
O lorde Arthur ansioso, indagou ao medico com aparente aflição:
-         Então, vai recuperar-se?
O medico, percebendo-lhe a ansiedade, respondeu-lhe prontamente:
-         Com muito alimento e água, se recuperará primeiro que seu filho, Senhor Lorde Arthur!
Arthur, que em enorme sentimento de culpa sentia-se inexplicavelmente angustiado, reconfortou-se com a noticia do medico e dispensando-o para que retornasse ao aposento de sua esposa, caminhou até próximo a Gabriel e perguntou-lhe com a voz embargada em profunda emoção:
-         Estás um pouco melhor?
Gabriel abrindo os olhos com dificuldade, olhou para o nobre fixamente e falou-lhe fracamente num sussurro:
-         Porque fazes isto senhor? ...Matei aqueles a quem tanto amavas! Não sou merecedor de tua clemência e bondade...
O nobre olhando-o também fixamente respondeu-lhe firme:
- Agiste muito mal sim eu sei...mas eu sinto que não tinha o direito de revidar o grande mal que me fizestes...agi errado! Exclui-te do convívio com todos, desejando evitar que continuasses cometendo erros; privei-te do essencial a todo o ser humano, higiene, alimento e água! Somente Deus que nos é Pai haverá de julgar-te um dia por teus atos...no entanto, eu julguei e condenei e por isto peço-te que me perdoes!
Gabriel sentindo-se emocionado com aquele humilde pedido de perdão, falou-lhe fracamente:
-         Senhor lorde, eu não matei Paulo...tentei avisa-lo mas alguém impediu que eu o fizesse! Perdi os sentidos...e então me prendestes!
Arthur preocupado com sua fraqueza, pediu-lhe:
-         Depois me contarás tudo pausadamente; agora precisas repousar!
Gabriel insistiu:
-         Preciso explicar-me...preciso falar com o Senhor Ricardo e com a Senhora Carol...peça-lhes que venham aqui...por clemência o faça, eu preciso dizer-lhes que eu não matei Paulo...
A voz lhe saia cada vez mais enfraquecida e o nobre mal conseguia ouvi-lo.
-         Descansa Gabriel, mais tarde conversaremos e te alimentarás!
Gabriel ainda tentou suplicar-lhe a presença do medico Ricardo, mas o lorde Arthur já se afastava incomodado com o que Gabriel lhe pedia.



                      A noite descera incrivelmente serena na propriedade. Os guerreiros ainda se mantinham de prontidão, preocupados com um novo ataque dos rebeldes.
O silencio incrivelmente imperava em todos os cantos do castelo; ainda que todos ali se mantivessem em reclusão, abrigados e em proteção.

A nobre Carol havia se recolhido ao seu aposento para repousar um pouco.
As emoções daquele dia tinham lhe atingido profundamente, não conseguia parar de lembrar nas palavras do medico que lhe era um estranho, mas que pareciam sair meigamente de alguém que lhe era muito especial; o seu companheiro Ricardo.
Sentia em seu intimido que ele ambicionava poder dizer-lhe algo mais, mas por algum outro mistério não o tinha feito.
No seu peito, disparava-lhe o coração, em pensar que de alguma forma, ele estivera tão próximo a si naquele dia!

A refeição tinha sido levada a Gabriel e como este não tinha forças para alimentar-se sozinho, um servo gentilmente o auxiliou. Com facilidade ingeriu quatro pratos de caldo reconfortante e depois adormeceu.

Lorde Arthur permanecera ao lado da esposa Sara, aguardando ansioso que ela despertasse.
Havia aproveitado para refletir em tudo o que tinha ocorrido naquele dia.
Sentia-se inexplicavelmente abençoado por um Pai que Protege!
O nobre Arthur, também não conseguia esquecer-se das amenas palavras de Ricardo. Podia ainda sentir a sua mão quente em seu ombro, amparando-o carinhosamente como tinha costume de faze-lo quando o confortava.
Lembrou-se do auxilio que lhe dera para que se levantasse e do sorriso extremamente cândido e iluminado.
Estava consciente que o corpo que ali estava era do jovem medico que trouxera da corte, mas a presença que sentira com certeza era a de seu grande amigo Ricardo! Não tinha qualquer duvida de que este ali estivera para auxiliar Sara e seu filho e depois reconforta-lo!

                            Olhou carinhosamente para Sara e sentia-a tranqüila apesar de dormir há longo tempo. Não se sentia preocupado, o bom amigo Ricardo, havia lhe garantido que Sara ficaria boa e confiava plenamente nisto!
Tardiamente naquela noite, sempre vigilante ao lado do leito de sua esposa, Lorde Arthur percebeu que Sara gemendo entreabriu os olhos, e num gesto impulsivo levou a sua mão ao ventre, murmurando:
- Sinto dor!
O nobre, impedindo-lhe que tocasse no ferimento, segurou-lhe rapidamente a mão carinhosamente, explicando-lhe:
-         Cortaram teu ventre, por isto sentes dor querida!
Sara ainda extremamente fraca e abatida, não conseguia compreender o que o marido Arthur lhe dizia; e Arthur percebendo isto disse-lhe:
-         Estás muito fraca e ainda sonolenta; conversaremos melhor depois...
pedindo a uma serva que estava próximo á porta que trouxesse a refeição de Sara, retornou para próximo do leito.
Acariciou os seus cabelos e emocionado falou:
-         Que bom que ainda estás comigo...não seu como seria a minha vida sem ter-te ao meu lado!
Sara novamente colocou a mão no ventre e balbuciou apreensiva:
-         Meu filho!
O lorde percebendo-lhe a aflição novamente pegou-lhe a mão dizendo ternamente:
-         Nasceu antes do tempo, mas está bem...é um menino!
Sara sentindo-se extremamente cansada cerrou os olhos. Prontamente uma serva trouxe-lhe o caldo, mas Sara, só conseguiu alimentar-se um pouco e dormiu novamente.

                      Lorde Arthur apresentava a fisionomia cansada naquela magnifica manhã quente. Permanecera acordado em vigília, Temia que Sara precisasse de alguma coisa e estaria pronto a auxilia-la. A esposa no entanto, dormira sono profundo e sereno.
Por vezes tinha evitado que levasse a mão intuitivamente ao ferimento, sobre o qual o medico tinha colocado uma faixa branca.
Preocupado com seus filhos, rumou aos seus aposentos.
"Deveriam estar sentindo falta da sua mãe Sara" Pensava preocupado.
Percebeu surpreendido que o sol já ia alto e que seus filhos não mais estavam nos aposentos , já tinham descido para o salão de refeições.
Lá encontrou-os; Vendo-os acompanhados, com a nobre Carol tranqüilizou-se!
A menina Brigith sorriu ao vê-lo e pai Arthur afetuosamente abraçou a pequenina filha dando-lhe um beijo carinhoso. O nobre também beijou a menina Joane, que era  mais sossegada, e o menino Ricardo que começava a prender a caminhar.
Cumprimentou Carol que lhe sorriu afavelmente, indagando-lhe sobre o estado de saúde de Sara.
Lorde Arthur, sentando-se para também se alimentar, disse-lhe que a esposa Sara ainda dormia tranqüila e que parecia estar bem.
A nobre senhora olhando-lhe a fisionomia exausta , exclamou:
- Não dormistes com certeza!
O nobre Arthur  pensativo  respondeu-lhe carinhosamente:
-         Estava demasiadamente preocupado com o bem estar de minha querida Sara...não consegui dormir!
O lorde, pedindo a uma serva  que levasse as crianças, para o outro salão pois estas já tinham se alimentado, prosseguiu:
-         Preocupo-me  com meu filho, tão pequeno e frágil...deve estar com fome!
Ambos ficaram silenciosos e pensativos enquanto se alimentavam. Então Lorde Arthur fitou Carol e pediu-lhe que o acompanhasse até á biblioteca, onde poderiam conversar melhor.


Prontamente a nobre senhora se levantou e acompanhou-o até á grande sala.
Sentaram-se próximos.  Lorde Arthur pegando-lhe a mão falou-lhe seriamente:
-         Trouxe teu filho para um aposento!
Carol mostrando-se imensamente surpresa indagou-lhe:
-         Libertastes Gabriel?
O lorde Arthur ainda segurando-lhe a mão ternamente, continuou:
-         Eu errei em condena-lo, é inocente na morte de Ricardo e Paulo...pensa ele, que Ricardo ainda vive e pediu-me que o deixa-se ir vê-lo!!
Carol, sentindo-se extremamente emocionada, pranteou imensa dor e Arthur abraçando-a forte, falou:
-         Já lhe pedi perdão...mas não consigo me perdoar pelo estado miserável em que se encontra; extremamente magro e fraco!
O nobre engolindo em seco, tentou controlar em si, a dor da culpa que lhe surgia em inúmeras emoções.
-         Não consegui falar-lhe que Ricardo faleceu...Fugi como um covarde, temendo dar-lhe as explicações que se faziam necessárias...
A nobre senhora interrompeu-o:
-         Onde está? Irei vê-lo agora!
O lorde Arthur pediu-lhe que se prepara-se para não sofrer demasiadamente, porque o seu estado físico, abalara Sara e o abalara também.
Carol prometendo-lhe que seria forte e explicando-lhe que precisava ver seu filho imediatamente; afastou-se para ir ao aposento onde Gabriel se encontrava.



                           Batendo na porta, prontamente um servo a abriu e Carol observou o seu filho no leito, extremamente emagrecido e sendo auxiliado a se alimentar.
Caminhou na direção de seu leito, pedindo aos servos que ali estavam, que saíssem. Gabriel vendo-a, instantaneamente comoveu-se! 
As lagrimas desceram roliças nas faces de ambos. Carol segurou-lhe as mãos fortemente e Gabriel em sua fraqueza podia sentir o calor,  que estas emanavam. Contendo-se Gabriel murmurou:
-         Senhora minha mãe, eu não matei o guerreiro Paulo...ele era meu amigo! Era como um irmão!
A nobre senhora colocou-lhe a mão sobre os lábios ressecados, pedindo que silenciasse.
Após respirar ofegante, para conter as  lagrimas que  insistiam em descer em suas faces; beijou-lhe as mãos dizendo:
-         Gabriel, tardiamente soubemos que não fostes tu...fostes condenado estes quatro anos injustamente! O lorde Arthur se sente extremamente culpado por isto; também eu meu filho sinto enorme culpa, em não ter te procurado e escutado! O muito, que com certeza terias a contar-nos...
Gabriel tentou interrompe-la mas Carol continuou:
-         ...desconheces que naquele triste dia, não mataram somente o teu amigo...mas também  mataram Ricardo cruelmente! Uma flecha  lhe atravessou a cabeça! Logo após o assassino, fez questão de exibir-se defronte ao castelo com tuas vestes, teu cavalo e teu arco...
Carol fez pequena pausa para conter o pranto convulsivo, e continuou:
-         ... na imensa dor que sentimos, na perplexidade daquele momento, era tu que havias conseguido te vingar...depois, encontraram-te com as vestes sujas e o arco ao teu lado...não haviam duvidas! Tu os havias matado...
Gabriel serenamente deixava-se emocionar pela narrativa infeliz e imensamente dolorosa de sua mãe Carol.  A nobre senhora mantinha-se apertando-lhe a mão.
-         ...fostes preso e nunca mais te vimos; ou desejamos saber de ti! A dor pela perda de um enorme companheiro, nos foi extremamente dolorosa! Viajamos de imediato para a corte para buscar Sara que estava no educandário e para tentar esquecer tudo o que havia ocorrido aqui...quando retornamos, ainda que nos lembrássemos de ti, não conseguíamos compreender  porque mataras Ricardo! O lorde também não conseguia compreender porque tiraras a vida do pai que Ricardo lhe era...
Carol interrompeu a narrativa, mais uma vez para tentar conter-se na emoção; e não conseguindo-o abraçou o filho que também chorava muito. Ficaram assim algum tempo e então mais calma continuou:
-         Tem dois  dias que Linia aqui chegou extremamente enferma, e em seu leito de  morte, confessou que ela planejara tudo e com auxilio de um guerreiro, mandara mata-los para incriminar-te e assim destruir-nos a paz e a  felicidade em vingança...
Carol olhou-o suplicante:
-         Deves compreender meu filho Gabriel, que tantos males fizestes, que tudo nos levava a crer que este era outro mal que fazias...precisas perdoar-nos!
Gabriel silencioso em pranto infeliz, nada conseguiu dizer-lhe! A profunda emoção o impedia.
Permaneceram então silenciosos, deixando que somente a emoção falasse no coração e em suas mentes.




                          











                           Lorde Arthur retornou ao aposento e encontrou Sara já acordada. O seu rosto apresentava-se rosado e saudável e o sorrindo ao vê-lo, resplandecia que se sentia bem.
O nobre vendo-lhe o sorriso, caminhou radiante até o seu leito e lhe deu carinhoso beijo. Sara falou-lhe:
-         Sinto-me fraca, mas me sinto bem; sinto dores também em meu ventre mas estas são suportáveis! Meu querido estás abatido e pareces imensamente cansado!
A voz de Sara era fraca e baixa mas trazia a Arthur a certeza de que estava se recuperando. Falou emocionado:
-         Não te preocupes comigo Sara, precisas melhorar rápido! Temos  tanto a fazer juntos!
Sara concordou, dizendo-lhes que sentia fome. Prontamente lhe foi servida rica refeição e após alimentar-se com auxilio de Arthur, este falou-lhe:
-         Querida Sara, o nosso filho é muito pequeno e frágil...não sabemos como alimenta-lo!
A jovem percebendo a preocupação do marido, olhou-o carinhosamente e disse-lhe:
-         Arthur querido, tenho leite para lhe dar...este já vaza em meu peito...
O nobre falou-lhe entristecido:
-         Sim Sara, mas não saberá mamar!
Sara pediu-lhe então que lhe trouxessem o bebe, o que rapidamente fizeram. Somente então a jovem compreendeu o que o marido lhe dizia; não era um bebe robusto e forte, mas um ser imensamente frágil.
Sara comoveu-se, sem compreender como aquela criaturinha ainda vivia. Instintivamente colocou a mão no seu seio apertando-o e deste saiu o leite aquoso e esbranquiçado...Sara molhou o dedo e colocou-o cuidadosamente na boca do bebe, que pareceu engolir o pouco liquido, que em sua boca pingara .
-         Arthur, assim que o alimentarei! Incessantemente ao longo do dia, tirarei o leite do meu peito e o darei carinhosamente para que engula!
Lorde Arthur, sentindo-se confuso com a idéia da esposa e temendo o êxito em alimentar o filho assim; auxiliou prontamente a jovem esposa, amparando o pequenino .

















                        O inverno chegou rigoroso na propriedade do castelo de Lorde Arthur. Ventos fortes agrediam a vegetação em todas as direções.
No imenso salão a lareira constantemente acesa trazia o calor a todos que ali se encontravam reunidos.
Brigith e Joane brincavam alegremente com Sara; que as distraia com algumas bonecas de pano.
Brigith a menina astuta e sorridente de cinco anos, falava constantemente; não deixando o ambiente ficar triste ou silencioso.
Joane ainda que lhe fosse idêntica em corpo e semblante, era sossegada e introvertida  .
Ricardo, o pequeno menino com seus três anos caminhava continuamente com o auxilio de Carol, que aparentava fisionomia demasiadamente cansada.
Lorde Arthur que observava pensativo a sua família, pediu-lhes licença e saindo caminhou até o aposento do pequenino Orlando.
Aproximou-se do rapazinho de olhar esperto. Este ainda não completara dois anos de idade, mas já caminhava com perfeição.
Arthur balbuciou-lhe:
-         Vem no papai filhinho!
O menino instintivamente caminhou em sua direção, cambaleante e ameaçando cair. Facilmente aproximou-se de seu pai e sorrindo expansivamente abraçou-o .
O nobre Arthur pegou o filhinho no colo carinhosamente, e  observou-o.
Com extremo amor vislumbrava a grandiosidade e a beleza que aquele  ser possuía, antes de visualizar-lhe as deficiencias e imperfeições. 
O pequenino Orlando não possuía completo domínio nas expressões faciais. Apresentava problema visual e anomalia na dicção; mas o nobre pai acarinhava-o afavelmente com imensa ternura e admiração.
Aquele pequeno ser, que ao nascer cabia nas palmas abertas de suas duas mãos, lutara pela vida incessantemente. Era um vencedor!
Extremamente bonito e com traços incrivelmente delicados, lhe era o filho mais belo...de uma sensibilidade magnifica...e de uma ternura aparente no olhar ainda que este nada visualizasse.
O sorriso lhe era puro encantamento, ainda que a sua face por vezes se retraísse involuntariamente.
Os sons eram-lhe as palavras, por vezes de felicidade, de prazer, ou de suplica...mas nunca se percebia tristeza em seu olhar.
Avisando á serva que levaria o menino para o salão; Arthur se afastou levando-o em seus braços.
Sara percebendo-os entrar, falou-lhes feliz:
-         Querido Arthur, fostes acordar o pequenino!
Assim Sara chamava o filho carinhosamente. Arthur colocou o menino no chão próximo á mãe e ás irmãs e esta lhe chamou com imensa ternura.
-         Vem pequenino na mamãe!
O pequenino Orlando, caminhou firme em sua direção; e Sara feliz abraçou-o orgulhosa, dizendo:
-         Sempre encontrarás a mamãe!
O menino sorria espontaneamente a cada conquista.
As irmãs chamavam-no para brincar e Sara o colocou sentado no chão próximo a elas;  Orlando brincava como se tudo visse!
Arthur então sentando-se próximo á esposa ali ficou observando-os feliz; era-lhe uma família.





              Gabriel caminhava de um lado para o outro incessantemente. Conseguira recuperar o peso, mas a musculatura por vezes ainda lhe era frágil. Sentou-se no leito e pensou naqueles dois anos, desde que saíra da masmorra.
Carol havia se dedicado á sua alimentação com imensa ternura. E passado alguns meses já conseguia dar os primeiros passos.
Sentia-se no entanto, incomodado com a dedicação e a proteção de todos. Isto fazia-o sentir-se imensamente culpado com tudo o que fizera.
Todos eram bons e generosos consigo; e ele tão pouco podia fazer para retribuir-lhes a compreensão e amizade; ou reparar a imensa dor que outrora lhes trouxera.
Certa vez, quando o lorde Arthur o procurara para saber como estava, Gabriel lhe pediu suplicante que lhe deixasse voltar para a propriedade de Carol. Desejava voltar a administra-la. Prontamente o Lorde Arthur  sentindo-o apto ao trabalho, concordou.



                     Assim, ali estava ele novamente. Administrava a propriedade com dedicação e empenho ao lado do amigo Silvio. Muito trabalho tinham realizado juntos naquele ano que se passara.
Mesmo que isto tivesse trazido enorme tranqüilidade ao lorde Arthur, tendo menos responsabilidades pelas quais zelar e  também concedendo-lhes riquezas com a lavoura e a pecuária; Gabriel sentia-se ainda imensamente deprimido.
Ambicionava ardentemente, com seus trinta e sete anos, fazer algo mais pelo nobre e por Carol; sua doce mãe.
Freqüentemente ia até o castelo para levar as colheitas e revia a todos saudoso.
Conhecera as suas lindas filhas e o seu filho Ricardo; conhecera também o pequenino Orlando com seus inúmeros problemas de saúde!
Admirava a dedicação e o amor de Arthur e Sara para com aquele  filho, que lhes exigia continua atenção.
Sempre que via aquele Orlando tateando ou emitindo sons confusos...sentia-se imensamente culpado!
Inexplicavelmente recordava-se momentaneamente de Anderson, imobilizado em um leito, sorridente e escutando as estórias que lhe contava... como fora capaz de sufoca-lo tão friamente...como fora capaz de tantas atrocidades!
A culpa em sua consciência parecia interminável e o arrependimento cruel martirizava-o  diariamente ; agredindo-o dia após dia.
Desejava poder apagar os atos que cometera de sua mente, mas a cada dia eles ficavam mais aparentes e mais difíceis de esquecer.
Quando lorde Arthur o cumprimentava com extrema cordialidade; a nobre Carol o recebia com amoroso abraço; Sara lhe resplandecia agradável e acolhedor sorriso...a culpa o assombrava assustadoramente.
O seu sofrimento por vezes era tanto, que não se achava digno de vida tão prazerosa desejando ardentemente poder subir correndo para aquela masmorra novamente e ali se trancar em sofrimento, até que a morte o sucumbisse...
Aquela vida de penúria e tormento mental,  somente amenizava um pouco quando conseguia agradar ou dar orgulho ao lorde Arthur com seu trabalho.


                      Naquela manhã fria, Gabriel acordou mais inquieto e angustiado. A neve caíra densamente naquela noite, cobrindo os campos e as colinas e regelando os rios.
O frio era imenso e agasalhou-se com uma túnica de lã de ovelha que havia costurado para si.
Encontrou Silvio na sala e este parecia  perceber-lhe a intranqüilidade. Gabriel falou determinado:
-         Silvio, sinto-me imensamente mal...irei cavalgar por ai!
O servo olhou-o incrédulo.
-         Sairás com este tempo Gabriel?
Gabriel  angustiado respondeu-lhe.
-         Preciso fazer algo, não posso mais viver assim; com este sentimento de dor em lembranças irreparáveis. Preciso encontrar maneira de me redimir dos imensos males que fiz...
Silvio, tendo conhecimento de seu passado, silenciou; Gabriel pegando uma grande espada, que sempre andava consigo, afastou-se  saindo da moradia.
No estábulo que auxiliara a construir, encontrou os animais abrigados e em segurança; e no celeiro também os cavalos mantinham-se tranqüilos e aquecidos.
Gabriel olhou para o seu negro cavalo, mas preferiu escolher montaria mais jovem e vigorosa.
Após selar um cavalo robusto, Gabriel montou e saiu a cavalgar pela propriedade. A paisagem era pálida, inerte e sem vida; deixando-o ainda mais angustiado.
A neve por vezes dificultava o cavalgar, já em densa espessura sobre o solo.
Gabriel retornou á moradia para avisar ao seu amigo Silvio, que iria até o castelo de Lorde Arthur.
O trajeto que normalmente se fazia em uma hora de cavalgada tranqüila; Gabriel demorou três árduas e frias horas para percorrer.















                   Finalmente avistou as fortes muralhas silenciosas. Aproximando-se apeou da montaria e após resguardar o cavalo no celeiro, caminhou ao castelo.
Prontamente os guerreiros abriram-lhe o portal,  recebendo-o:
-         Senhor Lorde Gabriel Vandak, o que o traz aqui com este tempo?
Gabriel olhou-o com cordialidade e indagou:
-         A duquesa Carol ainda repousa?
O guerreiro meneou a cabeça negativamente, entristecendo o semblante. Gabriel imediatamente percebendo-o, indagou apreensivo:
-         Algo aconteceu com a nobre senhora?
O servo novamente meneou a cabeça em negativa e balbuciou:
-         É o pequenino Orlando!
Gabriel angustiava-se com a sua expressão entristecida e suplicou-lhe que lhe contasse o que acontecia .
-         Senhor Gabriel, ontem o pequenino Orlando estava bem e feliz...no entanto esta manhã, está imensamente febril e completamente imobilizado! Todos estão em seu aposento; somente as outras crianças estão no salão!
Gabriel, sem nada dizer-lhe, caminhou apressado até o aposento do menino. Raramente entrava no castelo sem que um dos nobre viesse recebe-lo, o fazia agora intuitivamente e em aflição.
Encontrou o aposento com a porta semi-aberta e entrou silencioso.
Carol estava profundamente abatida em uma poltrona da qual olhava fixamente para o menino inerte no leito.
Próximo a este, estavam o Lorde Arthur e a Duquesa Sara, aparentemente apreensivos.
O médico do castelo, examinava cautelosamente o menino que ainda não completara o segundo ano de vida.
Gabriel mantinha-se próximo á porta e escutou-o dizendo-lhes:
-         Não possui nenhum mal físico a não ser o estado febril e a imobilidade!
Gabriel, de onde estava, conseguiu observar que os olhos da criança estavam abertos, mas imóveis! Intrigado e agindo num  impulso aproximou-se do leito, para poder observa-lo melhor e somente então o nobre Arthur constatou sua presença ali.
Gabriel, percebendo a perplexidade do lorde, falou humilde:
-         Perdoai-me senhor! Não desejava intrometer-me...mas avisaram-me que todos aqui estavam, e sentindo-me aflito, desejei poder auxiliar-vos!
O nobre olhou-o agradecido mas falou-lhe entristecido.
-         Não sabemos o que tem...como podemos auxilia-lo?
Gabriel novamente agindo por estranho impulso, pediu ao lorde que o deixasse observar o pequeno Orlando.
O Lorde Arthur, sentindo-se meio indeciso, prontamente concordou. O medico então afastou-se da pequena criança, para que Gabriel pode-se se aproximar.
Gabriel cautelosamente tocou-lhe a pele da face, estava imensamente febril! Os olhos mantinham-se parados numa única direção! O corpinho impressionantemente imóvel! Gabriel poderia tranqüilamente afirmar que  aquela criança estava morta; mas a respiração tênue e a pele quente negavam a aparência.
Passou as mãos sobre os seus cegos olhos para observar-lhes um leve piscar, mas estes mantiveram-se imóveis.
Pedindo novamente permissão ao Lorde examinou-lhe o corpo atentamente, tal qual inúmeras vezes vira o seu tutor Manco fazer com os enfermos.
Intuitivamente se lembrou das ervas que ocasionavam estado convulsivo e depois febre alta e sono profundo! Mas aquela criança não apresentava convulsão e aparentemente não dormia...indagou intrigado:
-         Quem passou a noite com o menino?
Prontamente um servo se apresentou e Gabriel indagou-lhe:
-         Teve sono tranqüilo ou agitou-se demasiadamente no leito?
O servo, fugindo ao seu olhar, lamentou-se dizendo que não poderia responder-lhe porque dormira!
Gabriel então indagou ao lorde e á sua esposa.
-         Que fez á noite, antes de deitar-se? Com o que brincou?
Ambos se olharam e então a duquesa Sara falou-lhe tremula em seu nervosismo.
-         Brincou com as bonecas de pano, junto com suas irmãs!
Gabriel preocupado perguntou-lhe:
-         Quem fez as bonecas? Onde estão?
O nobre Arthur desconfiado com as perguntas de Gabriel explicou-lhe, ainda que não compreendesse o motivo da indagação.
-         Uma serva que trabalha na lida nos campos, as ofertou antes que o rigoroso inverno começasse; as crianças ainda que tenham outros brinquedos, afeiçoaram-se muito ás singelas bonequinhas!
Levantando-se suplicante Gabriel disse:
-         Preciso vê-las agora!
Ainda que ninguém compreendesse o que se passava na mente de Gabriel, imediatamente uma serva afastou-se para buscar as bonequinhas de pano.
Mediante a perplexidade de todos, Gabriel rasgou brutalmente uma delas. "estava certo em sua desconfiança, as bonecas singelas de pano, haviam sido enchidas com folhagem seca"...meticulosamente cheirou e analisou as ervas secas que ali se encontravam e concluiu que dentre elas, estava a erva que ocasionava a febre convulsiva! Com certeza, aquele menino colocara a boneca de pano em sua boca e numa coincidência incrível do destino, de alguma forma sua salivação umedecera o pano fino, trazendo a substancia medicamentosa á sua boca...pelo seu tamanho pequeno e sua pouca idade, seria suficiente somente algumas gotas para lhe trazer a febre...não conseguia compreender no entanto, porque o pequeno Orlando dormia com os olhos abertos e porque o servo durante a noite, não lhe percebera o estado convulsivo...Gabriel olhou fixamente para ele e suplicou-lhe:
-         Pela saúde do pequeno Orlando, falai-nos a verdade; estivestes neste aposento a noite inteira?
O servo extremamente receoso, temendo as represálias do seu senhor, contou-lhes sentindo-se aflito, que só saíra do aposento porque o menino dormia tranqüilo...O lorde indignou-se com a irresponsabilidade do servo pedindo que este saísse do aposento. Olhou então para Gabriel e indagou-lhe curioso:
-         O que concluístes Gabriel?
Gabriel, sentindo-se extremamente envergonhado, contou-lhes:
-         Algumas destas ervas que a serva usou para encher as bonecas de pano...é a erva que eu usava propositadamente para me fazer doente...
Baixou a cabeça mostrando enorme arrependimento e continuou:
-         ...tinha conhecimento que suficiente seria marcar uma folha, para que ela me fizesse ter convulsões , conseqüente febre e sono profundo durante alguns dias! Estou convicto de que seu filho, brincando com uma boneca, a levou a boca, a saliva umedeceu o pano fino e a substancia toxica atingiu-o ... se com apenas uma folha um adulto forte fica desacordado durante longos dias, o seu filho com uma pequena gota, também o ficará...
Gabriel dando uma pausa, prosseguiu preocupado:
- As ervas não ocasionam mal maior em adultos; no entanto não sei se trará maior problema a uma criança tão pequena!
O lorde Arthur, impressionado com a perspicácia em  suas conclusões, perguntou-lhe:
-         Como soubestes que o servo se ausentara?
Gabriel que olhava o pequeno Orlando, respondeu:
-         Porque anteriormente á febre e ao sono profundo, a erva provoca estado convulsivo...se olhar cuidadosamente perceberão que existe baba em sua almofada!
O nobre estava perplexo com o sofrimento de seu filho aquela noite e ali tão sozinho. Voltou a indagar:
-         Porque dorme em febre alta com os olhos abertos?
O medico que a tudo escutara silencioso prontamente respondeu:
-         Por seu o seu filho muito pequeno, senhor Lorde Arthur, ele não está dormindo; Está em estado de choque!
A duquesa Sara que também se mantivera silenciosa; angustiada exclamou:
-         O que faremos!
Gabriel pausadamente contou-lhes:
-         O velho Manco costumava fazer um chá com uma erva, que limpava a barriga de quem se envenenava! No entanto não sei onde poderei encontra-la com a neve que está lá fora! Seria bom esfriar-lhe a pele; tal qual Ricardo fazia comigo! E dar muito liquido...irei ver se encontro a erva!
Dizendo isto Gabriel saiu do aposento, enquanto o medico se prontificava a colocar panos frios em sua fronte e lhe dar cautelosamente liquido a beber.
A duquesa Sara aproximou-se de Carol e sentando-se ao seu lado oraram fervorosamente.
O nobre Arthur permaneceu próximo ao seu querido filho.
Gabriel afastou-se do castelo, rumo as colinas aonde costumava encontrar as ervas para Manco.

Difícil seria a sua missão. A vegetação já era muito pouca em algumas partes em função do rigoroso inverno.
Já era tarde, quando descobriu próximo a uma arvore frondosa, algumas ervas que ainda resistiam. Rapidamente as pegou e retornou ao castelo com muita dificuldade pois recomeçava a nevar.

Quando lá chegou, encontrou o pequeno Orlando no mesmo estado de choque, e a febre não tinha cedido apesar das bandagens frias.
Dizendo ao lorde que conseguira as ervas, caminhou até á cozinha do castelo, e usando somente algumas folhinhas fez o chá.
Gabriel aproximou-se do leito com o caneco e o lorde Arthur sentindo-se terrivelmente ameaçado pelas lembranças...aproximou-se de Gabriel, impedindo-o!
Gabriel compreendendo-lhe o receio e sentindo-se mal com o seu temor, de que prejudicasse aquela criancinha, balbuciou:
-         Tomarei um pouco!
Dizendo isto Gabriel tomou metade do chá que estava no caneco, e não tardou a que tivesse náuseas e vômitos. Convulsivamente expeliu tudo o que estava em seu estômago, limpando-o .
Melhorando, banhou a face no tonel e voltou ao leito, pedindo permissão ao lorde para dar o chá também a seu filho.
O nobre sentindo-se mal e envergonhado pela desconfiança, prontamente autorizou-o .
Gabriel então, cuidadosamente foi vertendo pequena quantidade daquele chá na boca do menino Orlando, que instintivamente engolia. Não tardou para que ele se mexesse e contraindo as feições, expelisse o que fazia imenso mal em seu estômago.
Quando o pequenino terminou de sentir as náuseas e vômitos, sempre amparado por Gabriel, deitou-se com o auxilio deste e sorriu sereno.
O menino Orlando estava recuperado!
Gabriel caminhou então até á sua mãe Carol e dando-lhe um beijo na mão, saiu do aposento.


                      Descendo a longa escadaria; sentia-se mal com a enorme desconfiança de Lorde Arthur. Sabia no entanto que os seus receios tinham enorme justificativa. Nunca seria visto como uma pessoa boa! Por mais que se empenhasse nisto! "Tudo por culpa sua e só sua..." Ainda não acabara de descer a escada, quando o nobre Arthur  alcançou-o e colocando-lhe a mão no ombro, agradeceu-lhe humildemente:
-         Imensamente agradecidos estamos, Lorde Gabriel Vandak, por teres auxiliado nosso filho Orlando!
Gabriel olhou-o entristecido, murmurando.
-         Nada tens a me agradecer senhor lorde...tanto ainda tenho a pagar-te!
Ambos se olharam piedosamente, por suas vidas tão opostas mas sempre tão entrelaçadas.
Gabriel ainda sentindo-se imensamente angustiado com suas culpas, suplicou-lhe:
-         Terás um tempo para ouvir-me, sinto enorme necessidade de falar-lhe; senhor lorde Arthur?
Lorde Arthur compreendendo-o, levou-o para a biblioteca. Nesta, comodamente sentado, Gabriel fez uma longa narrativa, da  eterna infelicidade que sentia; e da   enorme culpa! Explicou-lhe da necessidade extrema que sentia em poder redimir-se. Porem não sabia como!
O nobre sentindo enorme piedade por seu aparente e sincero arrependimento pediu-lhe:
-         Cuidai do pequeno Orlando!
Gabriel ainda envolvido pela emoção da longa narrativa indagou-lhe:
-         Que me dizes senhor?
Lorde Arthur olhou-o amigavelmente dizendo:
-         Se sentes necessidade extrema de redenção, cuidai do pequeno Orlando...fazei dele um bom homem e um guerreiro!
Gabriel não conseguia compreender o que o Lorde Arthur lhe pedia. "Porque cuidar de um menino tão afável, lhe seria a possibilidade de redimir-se?". O nobre percebendo-lhe a duvida, falou-lhe serenamente:
-         Amo o pequeno Orlando, mas estou ciente que a vida lhe será extremamente penosa, pois como sabes, é cego, é mudo e possui problemas de coordenação motora...dou-te a missão Lorde Gabriel Vandak, de lhe ensinares a viver com as deficiências e limitações que possui... ensinai-o a caminhar ligeiro, a se alimentar, a se defender e a atacar se isto se fizer necessário... ensinai-o a se comunicar ainda que não possua fala...doutrinai-o para que saiba escrever ainda que não consiga ler...fazei assim do pequeno Orlando um grande homem e um bom guerreiro!
Gabriel perplexo deixou-se balbuciar:
-         Isto é impossível!
O lorde Arthur colocou-lhe a mão no ombro amigavelmente, dizendo-lhe:
-         Também é impossível que apagues as lembranças dos males que fizestes!
O nobre Arthur tinha feito a proposta a Gabriel, para que este compreendesse, que inúmeras situações na vida, tem que ser aceitas como são em resignação! "Os inúmeros males que tinha feito não poderiam ser apagados assim como as deficiências físicas de seu filho não poderiam ser alteradas..." Lorde Arthur saia da biblioteca quando Gabriel interceptou-o aflito:
-         Senhor Lorde Arthur!
Arthur voltou-se prontamente e Gabriel falou-lhe convicto:
-         Eu aceito a sua proposta, Senhor lorde Arthur!
O nobre não podia crer no que ouvia,  Gabriel falou-lhe determinado:
-         Farei do seu filho, o pequeno Orlando, um grande homem e um bom guerreiro! Ficarei ao seu lado dia e noite, e o doutrinarei no que sei!  O que não souber aprenderei junto com ele!
O lorde perplexo com a sua determinação indagou-lhe:
-         Desejas alterar o desígnios do Bom Deus?
Gabriel humildemente murmurou:
-         Não senhor lorde Arthur; Desejo imensamente ensinar o seu filho a compreender e se adaptar aos desígnios do Bom Deus!
Ainda que o nobre não estivesse convicto do êxito na determinação de Gabriel, em ensinar seu filho do jeito que lhe impusera, concordou que se estabelece-se no castelo como mentor do pequeno Orlando ; "Nada tenho a perder com o seu empenho,  meu filho terá uma companhia diária evitando assim outros incidentes como o que ocorreu hoje! "...concluíra lorde Arthur.
Tardiamente naquele dia, Gabriel montou e saiu em galope ligeiro rumo á propriedade de Carol.
Estava disposto a assumir com empenho a nova tarefa. Rumaria definitivamente para o castelo no dia seguinte. Começara a escurecer e a nevasca  fazia o trajeto ser imensamente frio, árduo e penoso.



                         Finalmente chegou á moradia na qual Silvio já o aguardava impaciente.
Aquecendo-se na lareira, contou-lhe o que havia acontecido com o pequeno Orlando no castelo. Feliz falou-lhe da missão que Lorde Arthur lhe concedera "Seria o mentor de seu filho!"
Silvio perplexo, também achando-lhe a missão impossível, indagou-lhe entristecido:
-         Como está a duquesa Sara?
Gabriel conhecia-lhe o profundo sentimento que possuía em relação á nobre; mas como era um jovem resignado se mantivera longe do castelo para não aflorar ou demonstrar os seus sentimentos. Havia se unido a uma jovem que engravidara e já tinha duas crianças. Gabriel para tirar-lhe qualquer esperança e desiludi-lo em seu sentimento, murmurou:
-         Amando cada vez mais o Lorde Arthur Corleanos!
Ambos silenciaram e Gabriel exausto foi repousar, pois desejava sair na manhã seguinte bem cedo.












































    Foram muitos anos de glória, prosperidade e paz nas propriedades dos Corleanos.

Gabriel aparentemente um pouco grisalho, parecia ter-se se esquecido dos inúmeros males que tinha feito em sua vida. Se empenhando continua e incessantemente em ensinar o menino Orlando a viver com suas limitações, pouco tempo lhe sobrava para lembranças penosas. Completara seu qüinquagésimo aniversario e era ainda um cavalheiro robusto e forte, pronto a defender o seu pupilo.
Naqueles treze anos também não havia se interessado por nenhuma jovem ou senhora. O único envolvimento emocional de sua vida, havia sido a linda Brigith.
Se entregara ao celibato sem lhe ser tarefa árdua. Vivera aqueles longos anos para se regenerar de toda a dor que havia provocado.

Sua mãe Carol, estava extremamente envelhecida; não mais apresentava o vigor na pele ou nas feições, ainda que a idade em seus sessenta e seis anos, não lhe fosse demasiada.  Haviam se passado vinte anos desde a morte de seu companheiro Ricardo e ainda que houvesse se resignado á sua ausência o sofrimento ainda fluía em inúmeras lagrimas de saudades .Tinha dificuldade de locomover-se em função de um processo reumático crônico, que lhe feria ao se mover; talvez conseqüência de  ter sido  jogada no rio frio para se afogar quando ainda estava de resguardo!
Gabriel sempre que o menino Orlando ia repousar, aproximava-se dela para lhe confortar no sofrimento físico, dar-lhe assistência e muito amor.

O lorde Arthur com seus quarenta anos, freqüentemente viajava a negócios para a corte...haviam rumores de uma grande guerra, e ele estava extremamente preocupado com a sua grande família.

A duquesa Sara uma senhora muito jovem com seus trinta e quatro anos e incrivelmente bela mantivera-se dedicada ao esposo, aos filhos e a administração do castelo que ficava sob sua responsabilidade na ausência de lorde Arthur. Não existia um só servo que não lhe tivesse simpatia. Era amável e acolhedora com todos. Sempre sorridente e feliz ensinara ás lindas filhas a serem nobres educadas e prestativas; Carol a auxiliara na tarefa de doutrina-las.

As jovens estavam com dezoito anos e ainda que fossem idênticas em corpo e semblante e tivessem tido igual educação, Brigith era doce e terna tal qual a mãe Sara; mas Joane era retraída, séria e agressiva.
Inúmeras vezes o pai Arthur, a colocava de castigo por desobedecer á mãe e á avó Carol. Em conformidade com as leis sociais, tinham passado da idade de assumirem compromisso matrimonial, mas lorde Arthur e  a duquesa Sara, concordavam plenamente, que suas filhas haveriam de escolher seus maridos por afeição e não por imposição como eram os costumes. Para isto, as levavam freqüentemente a todas as festas e bailes aos quais eram convidados. Também faziam viagens breves á corte, para escolherem o lindo vestuário e se atualizarem nos costumes de comportamento.





Quando viajavam, o jovem Ricardo com dezesseis anos os acompanhava. Era um jovem alto e forte, tal qual o pai Arthur; mas os olhos eram vis e cruéis.
Gabriel acompanhara de perto o seu crescimento, por vezes analisando-o  nas inúmeras perversidade, que sempre fazia. Era incorreto com os servos e se mostrava superior.
Certas vezes  agredia ou ofendia o menino Orlando, mas Gabriel sempre estava por perto para protege-lo ou ensina-lo a se proteger.

Gabriel concluíra que Lorde Arthur não tivera sorte com seu herdeiro e temia pela continuidade da vida harmônica no castelo.
Não fosse pela jovem Brigith e pelo jovem Orlando, a harmonia já havia sido quebrada á muito.

Por vezes Gabriel refletia, "Como alguns filhos de pais tão bondosos e íntegros, podiam ser tão frios e tão cruéis!".

Gabriel olhou para o jovem Orlando que cavalgava próximo a si. Iriam até o lago. O jovem Orlando estava com quinze anos e o Lorde Gabriel sentia-se orgulhoso " era-lhe um filho!".
A tarefa fora árdua e difícil porem Gabriel conseguira parcialmente tudo o que Lorde Arthur havia lhe imposto.
Ainda que Orlando fosse cego, conseguia caminhar por todo o castelo, sem auxilio ou varetas...conhecia cada móvel, cada muralha, e cada aposento. Conseguia entrar e sair destes como se a visão lhe fosse perfeita. Também aprendera a caminhar nas proximidades do castelo; levara-o constantemente a conhecer o celeiro, os estábulos, os abrigos dos servos; os limites dos pastos e dos rios.
Orlando conseguia descrever com clareza a paisagem que o rodeava a cada posição que estivesse, ainda que os vocábulos por vezes fossem de difícil compreensão.
No salão de refeições sentava-se e servia-se completamente sozinho, e comia com extrema elegância e etiqueta.
Gabriel ensinara-o a identificar os muitos sons existentes, e Orlando com uma audição extremamente aguçada poderia sentir quando alguém se aproximava e como se aproximava; se era homem, mulher ou criança. Podia calcular com exatidão a posição onde estava e como estava. Inúmeros exercícios diários se fizeram necessários para tantas conquistas.
Por vezes Gabriel entrava e saia do aposento incessantemente e de  inúmeras maneiras para que sentisse as diferenças nos sons do caminhar...algumas vezes entrava calmo, outras nervoso, outras preocupado e em outras disposto a ataca-lo... ensinara Orlando a lutar e principalmente a se defender.
Sempre lhe dizia " Não tens visão, mas tens a audição, o tato, os reflexos, e uma inteligência fantástica; usai-os!"
Poderia um malfeitor se aproximar por trás de Orlando que este em enorme agilidade,  se defendia.
Não poderia ensina-lo a usar armas que necessitassem de mira, mas ensinou-o a se proteger de espadas ou lanças...
Orlando em seu crescimento, lera inúmeras obras, de arte, ciência e teologia; mecanicamente também aprendeu a escrever ainda que não visse as letras.
O conseguiu através dos perseverantes e incansáveis olhos de Gabriel; diariamente o mentor lhe era a visão e em suas pacientes narrações de tudo o que via ou lia Orlando ia memorizando gradativamente.
Gabriel estava consciente no entanto, de que não havia concluído a missão, em completo êxito. Tornara o pequeno Orlando um bom homem e um forte cavalheiro.... mas esta primorosa  educação estava restrita aos limites próximos ao castelo;  longe destes  seria extremamente vulnerável e isto o preocupava.
Com o treinamento árduo ensinara ao jovem Orlando a formar vocábulos. Ainda que fosse mudo, com extrema dificuldade ensinara-o a emitir sons repetidas vezes até que se assemelhassem ás palavras básicas.
Não poderia participar de um  dialogo mas conseguia compreender o que lhe diziam em plenitude , e em alguns vocábulos expressar-se um pouco.
Chegando próximo ao lago, Orlando apeou da montaria com agilidade. Gabriel também o fez. O jovem olhando para o lago como se lhe visse a beleza e a grandiosidade disse:
-         Calor!
A voz saia contorcida mas era compreensível.
-         Sim Orlando está fazendo muito calor...estamos em frente ao grande lago...está muito azul...ao fundo temos lindas colinas verdejantes e um céu imensamente claro...no pasto inúmeras folhagens floridas...
Gabriel sempre lhe narrava tudo o que via em detalhes, para que ficasse em sua memória. O jovem novamente balbuciou:
-         Irmão... mau!
Gabriel não poderia concordar ainda que o jovem Orlando estivesse certo . Disse-lhe carinhosamente.
-         Não Orlando, sois diferentes! Ninguém  é igual a ninguém. Ricardo é bonito, forte e elegante...e é teu irmão, deves respeitá-lo e ama-lo!
Orlando meneou a cabeça afirmativamente concordando humilde.
-         Papai... vem?
Gabriel colocou-lhe a mão no ombro carinhosamente e falou-lhe:
-         Sim Orlando, teu pai Lorde Arthur deverá chegar ao castelo hoje ou amanhã...sentes saudades?
O jovem novamente meneou afirmativamente balbuciando.
Ainda que o seu falar parecesse infantil, o jovem Orlando havia se tornado mais forte e viril que o irmão Ricardo que lhe era mais velho.
Quando estavam próximos, Orlando parecia o irmão mais vigoroso e bonito. Não fossem as deficiências físicas de Orlando, com certeza este faria Ricardo compreender a respeitar ao próximo.  Entretanto, em função  de suas limitações, lhe era submisso e humilde.










Retornando ao castelo, e entrando no salão, o jovem balbuciou feliz:
-         Pai!
Lorde Arthur que estava sentado numa poltrona falando com seus outros filhos; surpreendido com sua astucia, apressou-se a se levantar e lhe dar um forte abraço.
-         Como sabias Orlando que eu já chegara?
Orlando dando-lhe respeitoso beijo na face, balbuciou:
-         Voz!
O lorde Arthur, emocionava-se continuamente com o empenho do filho, em melhorar-se e aprender.
-         Vem meu querido Orlando, vamos sentar-nos com os outros!
Tranqüilamente Orlando caminhou para se sentar em uma das poltronas que estava vazia, enquanto lorde Arthur cumprimentava Gabriel abraçando-o agradecido, pelo muito que fizera por seu filho. Convidou-o a se sentar com eles.
A tarde foi agradável nas inúmeras novidades que o Lorde Arthur trazia-lhes da corte. Também tinha lhes trazido presentes e deu-os um  a um.
Para as jovens Brigith e Joane lindos vestidos...Para o jovem Ricardo alguns ricos e volumosos livros de estória...Para Carol um requintado xale de lã...Para a querida Sara uma valiosa jóia que lhe realçaria a beleza...Para Gabriel o lorde orgulhoso ofereceu-lhe uma bonita espada...
Orlando aguardava humildemente o seu presente e o Lorde Arthur aproximando-se dele, colocou-lhe um pequeno embrulho nas mãos, carinhosamente dizendo-lhe:
-         Abrirás com cautela, trouxe-te uma linda adaga que deverás usar sempre em tua cintura...no entanto somente usaras este punhal se necessário for para salvar-te a vida;...prometes isto a teu pai?
Orlando levantou-se profundamente emocionado e abraçando-o em agradecimento balbuciou convicto:
-         Juro!
Quem olhasse para o jovem Orlando não lhe identificaria facilmente o problema visual; os olhos lhe eram perfeitos e incrivelmente azuis. Aprendera a controlar as expressões faciais involuntárias, e só apresentava este problema motor quando estava demasiadamente nervoso; o que raramente acontecia.
Gabriel observou que o jovem Ricardo se levantara enciumado pela extrema afeição que o seu pai lorde Arthur demonstrava a seu irmão Ricardo.
Por sua fragilidade, desde pequeno, Orlando fora o centro das atenções, da admiração e orgulho. Quando Ricardo aprendeu a cavalgar foi normal aos olhos de todos; mas quando Orlando aprendeu a cavalgar foi motivo de euforia e imensa alegria no castelo....e assim em todas as conquistas diárias.
Lorde Arthur também percebeu no semblante do filho Ricardo, a contrariedade e aproximou-se indagando-lhe carinhosamente:
-         O que acontece contigo, meu querido filho Ricardo?
O jovem enfurecido respondeu-lhe agressivo:
-         O senhor meu pai só vê esse defeituoso na sua frente...
Lorde Arthur descontrolou-se dando-lhe violenta bofetada. O jovem Ricardo, irado, levou a mão ao rosto, enquanto o Lorde o advertia.
-         Nunca mais chames teu irmão Orlando desta maneira, ouvistes bem?
O jovem Ricardo provocou-o em não lhe dar resposta; e ainda enfurecido falou sem temor:
- Tudo em meu irmão é gloria!
O lorde Arthur sem hesitação, pegou-lhe pelo braço, e levou-o apressadamente para o seu aposento; Estando então a sós com o filho Ricardo tentou meigamente faze-lo compreender as limitações e as dificuldades na vida de seu irmão, e depois aconselhou-o:
-         Deverias meu filho Ricardo, cuidar e te preocupares com teu irmão Orlando e não lhe teres raiva...se tu caminhas com facilidade, com certeza a sua caminhada é muito mais difícil!
Após dar uma forte abraço em seu filho Ricardo e pedir-lhe que ficasse   em seu aposento, para refletir  um pouco em tudo; lorde Arthur retornou ao salão onde os outros familiares ainda se encontravam.
O semblante apresentava fadiga pela viagem e tristeza aparente pelo incidente em tarde tão prazerosa. Sara caminhou até ele amparando-o e reconfortando-o
-         Precisas repousar um pouco, meu querido Arthur!
O lorde concordou prontamente e pedindo licença a Gabriel, a Carol e aos filhos, ambos afastaram-se e subiram para o seu aposento.
O jovem Orlando caminhou até o mentor Gabriel e balbuciou:
-         Triste!
Gabriel compreendendo o que queria dizer, explicou-lhe que seu pai estava muito cansado da viagem e indagou-lhe:
-         Desejas estudar um pouco na biblioteca, antes da ceia?
O jovem prontamente meneou afirmativamente levando carinhosamente a adaga consigo.
Gabriel deu um beijo carinhoso em Carol que lhe sorriu e saiu acompanhando Orlando.

O jovem Orlando desejava melhorar a caligrafia e Gabriel lhe era o olhar critico. Por vezes censurava-o: " O (a) tem que ser mais redondo "...e pegando carinhosamente em sua mão auxiliava-o a corrigir-se...e assim Orlando ia se empenhando em melhorar-se.


Quando a noite desceu na propriedade, a pedido de Orlando ali continuaram estudando.
A porta  se abriu e o Lorde Arthur entrou com o semblante mais sereno. Sentiu-se entusiasmado ao perceber que o filho Orlando, sentado numa escrivaninha, estava profundamente concentrado nos manuscritos. Aproximando-se interrompeu-o:
-         Posso ver teus trabalhos, Orlando!
O jovem mostrando-se aflito, tampou os pergaminhos que estavam sobre a mesa. Gabriel compreendendo-lhe a atitude explicou ao lorde Arthur, que o seu filho desejava primeiramente melhorar-se na escrita para depois apresentar-lhe as suas conquistas no aprendizado. O nobre aceitando e admirando-se do empenho e do perfeccionismo do seu filho afastou-se após fazer-lhe um afago na cabeça.
Enquanto o jovem Orlando, pegava um pergaminho novo, sentindo-lhe as margens com o tato e escrevendo vagarosamente; o lorde Arthur e o mentor Gabriel conversaram.
-         Haverá uma grande guerra Gabriel!
Gabriel fez-lhe uma expressão de receio, temendo que o seu filho escutasse. Arthur compreendendo, falou-lhe baixo como se estivesse confidenciando algo.
-         Temo pelo bem estar de  minha família e de meus servos...temo pelas minhas propriedades! Temo principalmente por meu filho Orlando!
Gabriel sentindo-lhe a extrema preocupação tentou tranqüilizai-lo.
-         Não temas Lorde Arthur; Orlando sabe defender-se!
Arthur que freqüentemente se via obrigado a estar distante do castelo e do aprendizado de seu filho; ainda que conhecesse algumas de suas conquistas, não se sentia muito convicto de que realmente este saberia defender-se sozinho.
-         Peço-te Gabriel, que  escolhas e doutrines uma sombra para meu filho!
Gabriel compreendeu imediatamente o que o nobre lhe pedia; lembrou-se saudoso da "sombra" que outrora Lorde Arthur havia lhe dado. No inicio lhe fora incomodo mas com o tempo havia se tornado o amigo e o companheiro fiel. O nobre desejava fazer o mesmo pelo seu filho.
-         Deverá o servo, ser mais novo que meu filho Orlando; porem deve ser forte, astuto e inteligente! Acima de tudo que seja humilde e integro!
-         Compreendo o que me pedes senhor lorde! Atenderei o seu pedido e começarei a procurar o servo ideal para ser o protetor de seu filho, pela manhã bem cedo!
O nobre entristeceu murmurando.
-         Queria poder dar a visão ao meu filho, e uma boa dicção ...mas só posso conseguir-lhe isto por empréstimo, com um fiel companheiro!
Dizendo isto, ambos perceberam que Orlando se aproximava com o pergaminho em suas mãos. Parecendo emocionado, entregou-o  a seu pai e sentou-se próximo a eles.
O lorde Arthur abriu o pergaminho e percebeu um longo texto, em linhas por vezes incertas, e letras por vezes irregulares em tamanho e forma, mas legível. Leu emocionado:
           

"Querido Pai Arthur,
Desejo tanto falar consigo, mas as palavras não saem na minha voz, ainda que as tenha em meus pensamentos. Gostaria tanto de poder dizer-lhe o quanto amo nossa família. O quanto sou agradecido ao mentor Gabriel. Não posso ver e nem falar, mas ele ensinou-se a pensar com astucidade e ensinou-me o impossível, a escrever! Não se aborreça com meu irmão! Queria poder ajudá-lo meu pai! Meu carinho, minha admiração e meu respeito.
Seu filho
Orlando Corleanos II "

O nobre não conseguiu conter a enorme emoção e sensibilizado verteu intenso pranto de alegria.
Olhou para o filho com profundo orgulho e para Gabriel com indescritível admiração.
Somente naquele instante compreendia  o quanto o seu filho era inteligente e como Gabriel Vandak, havia realmente realizado o impossível.
Não eram somente meras conquistas...eram enormes conquistas!
Ajoelhou-se próximo aos pés do filho Orlando, e falou-lhe em extrema emoção:
-         Perdoai-me meu filho...tenho te tratado como um menino e hoje me mostras o homem que és! Perdoai-me porque este teu pai, que imensamente te ama, não percebeu o que se ocultava sob as tuas aparente incapacidade ; Perdoai-me porque eu   errei em julgar-te pela capacidade exteriorizada e não pela  nobreza silenciosa que existe em teu interior... És grande meu filho! És forte! És um nobre!
O jovem Orlando auxiliou-o a se levantar e lhe deu um forte abraço. Lorde Arthur, extremamente emocionado falou-lhe ainda:
-         Falai meu filho Orlando...  o importante não é saber se expressar com a boca mas sempre com o coração!   A pena te será a voz e a tinta o teu mensageiro! Eu te prometo meu filho, que sempre estarei disposto a ouvir-te em palavras silenciosas mas com certeza eternas!
Novamente ambos se abraçaram e então o nobre olhou comovido para o seu mentor e agradeceu-lhe:
-         Minha eterna gratidão Lorde Gabriel Vandak!
Gabriel também sentindo-se extremamente sensibilizado , prontamente pediu-lhes licença, desejando deixar pai e filho a sós naquele instante. Justificou-se humildemente:
-         Deste-me outra missão senhor Lorde Arthur...irei cumpri-la !
Dizendo isto Gabriel afastou-se rapidamente, pois as lagrimas também já afloravam em seus olhos. Rumou para o aposento e da janela contemplou a noite escura, coroada por uma esplendorosa lua e cintilante em maravilhosas estrelas e agradecendo ao Criador, pranteou a gloriosa oportunidade da vida!






























                       " A viagem  fora breve!    Imediatamente ali estávamos em meio aquelas muralhas de pedra, que tantas estórias guardavam.
Meu mentor Ricardo, caminhava pensativo;   parecia sentir-se saudoso do tempo em que ali vivera.
Sentindo o enorme silencio que no castelo reinava, presumi que todos os irmãos em corpo físico  repousavam.
Entretanto, eventualmente eu podia ver, que alguns irmãos espirituais ,  profundamente agitados e confusos,   também estavam naquele castelo. Sentia-me no entanto confortado, em estar ciente, de que estes não poderiam perceber a nossa presença;  Na infinita proteção de Deus , ignoravam-nos. 
Ricardo subindo a longa escadaria, que tão bem conhecia, falou-me harmoniosamente:
-         Lucas, trouxe-te comigo nesta missão, porque nela aprenderás o quanto o nosso Pai, é misericordioso para com todos os seus filhos; concedendo-lhes amorosamente a ampla liberdade para que possam progredir...
Tinha me contado o meu mentor Ricardo, da sua humilde vida como um médico naquele castelo;  e eu como o seu aprendiz, conhecia detalhadamente  a vida de todos os irmãos que naquele plano físico, tinham a oportunidade de se regenerarem; ainda que nunca os tivesse visto assim tão próximos.
Eu era o aprendiz curioso, sempre atento a tudo e a todas as coisas e escutava atentamente as lições de meu mentor. Este prosseguiu:
-         ...conhecerás o Lorde Gabriel Vandak, que dorme neste aposento com o jovem nobre Orlando!
Entramos silenciosos no espaçoso aposento e nos aproximamos do leito de Gabriel.
O mentor Ricardo narrou-me então serenamente:
-         Em oportunidade reencarnatória regressa, Gabriel viveu neste mesmo plano físico! Era um senhor, dono de muitas terras e inúmeros escravos...senhor de enorme riqueza! Viveu no entanto sendo frívolo; aniquilava valores sociais e morais na única ânsia de se sentir e se mostrar superior! Observai Lucas, que na atual existência veio como um mero servo, desprovido de seus bens e destituído de seus títulos; Como servo , amorosamente tutelado por irmão bondoso,  viabilizava-lhe oportunidade ao seu progresso em vida humilde e resignada; sendo útil a todos os seus irmãos!  No entanto a contínua ânsia de vingança, por vezes injustificável nesta vida física; em verdade, era-lhe a incorformação á  vida modesta á qual não estava acostumado; mas á qual deveria resignar-se! A agressividade e a violência de vida regressa lhe afloraram nesta vida em atitudes frias, cruéis e extremamente individualistas! Em vida regressa a doce Brigith, lhe fora a esposa dedicada e submissa; mas cruelmente maltratada por seu esposo; a agredia, desrespeitava, e violava-lhe em todas as vontades; trancando-a em seu claustro! Na existência atual, a paixão violenta que sentia por ela, era-lhe provação; deveria por amor liberta-la, ampara-la e reparar todo o mal que lhe havia feito na outra existência. Os impedimentos á união de ambos neste plano físico eram grandiosos, porem em amor  teria êxitos e saldaria sua enorme divida para com esta... no entanto, ainda que estivesse ciente do certo e do errado, arduamente doutrinado por seu tutor Manco, e continuamente, em momentos oportunos tivesse ainda o aconselhamento á atitude correta, optou tal qual em vida regressa, pela violência, e com seu extremo egoísmo, ignorou-lhe os sentimentos na perda de seus familiares; instintivamente nesta existência, novamente a maltratou, a agrediu, a desrespeitou e lhe violou todas as vontades; enclausurou-a novamente !
O mentor Ricardo silenciou olhando Gabriel, que dormia sereno e prosseguiu a narrativa:
-         ...  este que me foi o filho rebelde numa outra existência; tirando-me a vida para possuir em imediato as minhas propriedades; , o meu assassinato ficou oculto e Gabriel não foi julgado e nem condenado pela justiça dos homens, mas nesta existência, condenado foi injustamente pela minha morte física, e sofreu demasiadamente sentindo minha ausência.
Ricardo fraternalmente abaixou-se para acaricia-lo e Gabriel revirou-se no leito. Talvez sentindo-se constrangido, sentindo a nossa presença!
-         Observa Lucas que aqui vivi, longe de qualquer parentesco com Gabriel; mas ali sempre estive, em todos os momentos decisivos de sua vida, como o pai que um dia fui,  para ampara-lo, orienta-lo e protege-lo! Gabriel sentia a ternura e o imenso afeto que lhe tinha, mas sentindo-se inexplicavelmente incomodado e culpado pelo  crime que cometera, tirando-me a vida outrora, evitava-me e desprezava-me, contestando sempre a minha dedicação e a constante compreensão para com todos. Tardiamente, nesta vida, compreendeu e aceitou a compreensão e o afeto que lhe dava!
Caminhei impaciente ao perceber um irmão espiritual imóvel e de olhar vidrado; parecia um mendigo suplicante de proteção, encolhido próximo ao leito de Gabriel. Ricardo percebendo o incomodo, balbuciou:
-         Ficai sereno Lucas...este é Henri II, covardemente assassinado por Gabriel Vandak. O acompanha em desassossego desde a morte súbita; Sem preceitos religiosos e de uma educação rígida e frívola, deseja aqui permanecer, desejando-lhe infelicidade! Quando Gabriel foi submetido ás árduas tarefas em Adredanha, ali também estava, se felicitando com as suas dores...e nos longos anos em que Gabriel permaneceu na masmorra, ali também ficou, satisfeito com seu estado deplorável, desejando-lhe a morte!
Curioso, interrompi indagando:
-         Mentor Ricardo, contaste-me que Gabriel Vandak nesta vida tenta finalmente regenerar-se e atualmente possui vida cristã...porque ainda o acompanha, este irmão em estado tão deplorável ?
Ricardo olhou-me fixamente, parecia sentir-se incrédulo com a minha ignorância. Explicou-me no entanto pacientemente:
-         Lucas, te foi doutrinado nas lições na Colônia : " Poderá um de nós estar amplamente em progresso, mas próximo a nós sempre estarão os nossos inimigos; ou alguns irmãos ainda perturbados ; esperando atenciosos qualquer possibilidade em que possam prejudicar-nos ou interferir em nossa vida evolutiva ; inúmeras vezes provocam sentimentos de insatisfação, pensamentos de revolta, em nós mesmos ou nos que lhe estão próximos! "...lembrastes que nos foi ensinado a orar e vigiar ?
Sentindo-me envergonhado baixei a cabeça humildemente e murmurei:
-         Não podemos auxiliar este infeliz que sofre na incessante ânsia de vingar-se?
Ricardo olhou para Henri II,  e expressando intensa piedade ; murmurou:
-         Não bom Lucas, em sua liberdade este ser ainda não compreendeu o mal que se faz e nem suplicou auxilio ao misericordioso Pai!
Dizendo isto meu mentor afastou-se, caminhando então em direção ao leito do jovem Orlando que dormia profundamente.
Eu tinha enorme curiosidade em saber, quem haviam sido e o que haviam feito todos aqueles irmãos, em suas vidas regressas...mas aprendera, que precisava ser paciente,  e aguardava meu mentor Ricardo se pronunciar.
-         Este é o pequeno Orlando, que salvei com a abençoada concordância de Deus Pai...falei-te sobre isto, lembraste Lucas?
Prontamente aproximei-me dizendo-lhe:
-         Sim mentor Ricardo; na imensa fé de Lorde Arthur, viestes aqui em plano físico, para lhe salvares a esposa Sara e a criança...graças ao bom Deus!
Ricardo colocou as palmas de suas mãos levemente sobre a mente do jovem Orlando, estas emanavam ofuscante  luminosidade. Desejava saber porque o meu mentor emanava tamanha energia restauradora sobre o jovem, mas este continuando com a séria tarefa, ia me narrando vagarosamente quase que num balbucio imperceptível.
-         Este é o jovem Anderson, que aqui novamente está, pela infinita justiça do Divino Pai, para prosseguir com a sua jornada neste plano físico, e doando a oportunidade a Gabriel Vandak, de doar-lhe a vida que a tirou...
O mentor ainda com a tarefa de emanar energia a este,  prosseguiu:       
-         Sente enorme afeição e amor ao  Lorde Arthur, porque inconscientemente lhe é acumulado o sentimento de irmão que outrora foi e do filho que atualmente o é...perceberás que a afeição e o amor é reciproca por parte do lorde Arthur, que deseja ardentemente vê-lo forte, sadio e em proteção...
Interrompi meu mentor cautelosamente para não lhe atrapalhar a tarefa que realizava, sentindo-me radiante com aquela revelação:
-         Anderson regressou no mesmo plano físico, como um deficiente para que Gabriel podesse se empenhar em auxilia-lo a viver com as suas limitações. Possivelmente uma deficiência que ele mesmo ocasionou, matando-o! Isto é espantoso!
Ricardo balbuciou em profunda paz, dando por encerrada a tarefa de auxilio ao jovem Orlando.
-         É a enorme vontade de Deus Todo Poderoso, de que seus Filhos consigam regenerar-se dos imensos males que fazem ao seu próximo!
Dizendo isto, o meu sábio mentor saiu do aposento, e eu segui-o silencioso pelo corredor. Dando uma pausa, em profunda oração, Ricardo entrou em outro aposento.
Um jovem dormia inquieto e percebi que ao redor do seu leito, dois seres o atormentavam.
Desejei repudiar as atitudes daqueles Irmãos perturbadores, mas o meu mentor novamente me colocou a mão no ombro carinhosamente, dizendo-me:
-         Não poderás intervir Lucas; todos os seres são livres ao olhos do Bom Deus...estes dois irmãos que atormentam o sono do jovem Ricardo, são livres! Somente o Pai poderá intervir, na fé e no merecimento daquele que esteja sendo atormentado e lhe peça auxilio!
Ricardo então, tranqüilamente caminhou até próximo ao seu leito e eu acompanhei-o; observando que aqueles nossos irmãos que ali estavam não podiam ver-nos.
-         Observa Lucas, como dorme tranqüilo e as feições estão extremamente contorcidas...grande inimigo de Lorde Arthur em vida regressa...
Percebendo que me sentia confuso, deu uma pausa sorrindo harmoniosamente e narrou calmamente.
-         O lorde Arthur, foi um dos filhos de Gabriel Vandak em vida regressa; contrariamente ao pai era bom e justo...piedosamente sentia clemência de sua mãe infeliz...e igualmente se apiedava dos inúmeros seres que eram entregues á escravidão de seu pai...nesta existência, Lorde Arthur veio possuidor de riquezas, títulos e propriedades, porque caridosamente soube administra-las em vida regressa quando o seu pai faleceu em extrema loucura...o jovem Ricardo em vida regressa era-lhe o irmão mais novo, sendo completamente frívolo igual ao seu pai. Mas sendo Arthur o primogênito dessa família, administrou as propriedades em valores cristãos, se beneficiando da riqueza que possuía mas sabendo reparti-la com todos que necessitavam de auxilio, ou aqueles que visualizasse estarem necessitados; os escravos eram por ele tratados com respeito e fraternidade...percebendo isto o irmão mais novo, indignou-se; prejudicado e sentindo-se excluído de autoridade e de seus bens...
Interrompi meu mentor para ver se havia compreendido:
-         Tu eras o pai de Gabriel Vandak, que te matou por ambição...Gabriel Vandak teve dois filhos com Brigith, um era Arthur o primogênito, e o outro o jovem Ricardo...Brigith era-lhe a esposa maltratada e submissa...Gabriel Vandak morreu louco...
Ricardo acalentando-lhe o raciocínio, parabenizou-o pela compreensão.
-         O jovem Ricardo que aqui está nesta existência indignado com a parcial indiferença do pai Lorde Arthur...em verdade a indignação lhe vem de vida regressa; na qual se sentiu tão excluído que trancou Arthur numa cela até que este morreu resignado em estado deplorável.. .lembras-te como o Lorde Arthur ficou angustiado ao ver o estado lastimável de Gabriel, ao visita-lo na masmorra?...Havia em vida regressa passado por situação semelhante e sabia inconscientemente o quanto esta era dolorosa...a sensação da lembrança o feriu!
Indaguei a Ricardo pensativo:
-         O lorde Arthur está em estado evolutivo bem mais avançado?
O meu mentor respondeu modestamente:
-         Caminha um pouco adiante...sabe compreender, aceitar, respeitar e repartir em maior amplitude. Existe misericórdia e amor em seu ser...se assim não o fosse, como haveria de ter perdoado tão facilmente nesta existência, Gabriel Vandak que matou cruelmente seus irmãos destruindo-lhe a família?
Percebendo-me silencioso e pensativo, falou:
-         Ensinou-nos Deus que deveríamos respeitar, compreender e perdoar nossos irmãos em suas imperfeições!  Observa Lucas, que os seres que o atormentam enquanto repousa não lhe são inimigos, e sim os amigos cruéis que conquistou em vida regressa, em atitudes tão perversas...aqui estão para instigar-lhe á continuidade do mal...é livre no entanto o jovem Ricardo para optar e para isto Deus lhe concedeu novamente vida farta; uma bondosa mãe e um exemplar pai...poderá corrigir-se no bem!
As imensas lições exemplificadas de meu mentor, eram-me muito valiosas e sentia-me feliz pela oportunidade que me concedera Deus Pai em acompanha-lo.
Novamente meu mentor Ricardo saiu do aposento, caminhou no corredor e entrou em outro.
Imensa luminosidade advinha deste, e nele não haviam seres perturbadores, mas inúmeros amigos espirituais que ali nos aguardavam.
Ricardo cumprimentou-os ternamente, e caminhou até o leito.
Uma senhora envelhecida ali dormia, apresentando enorme dificuldade de respirar.
Meu mentor meigamente passou-lhe a mão na face e a nobre senhora despertou em serenidade. Levantou-se tranqüilamente deixando um corpo inerte comodamente ali deitado.
O olhar lhe era cândido e expressivo.
Parecia atordoada ainda com o desenlace, mas Ricardo prontamente amparou-a. Carol olhou para o corpo envelhecido, sentindo um enorme vigor e juventude no corpo espiritual que agora possuía. Sorriu radiante para Ricardo pegando em suas mãos fraternalmente:
-         Meu companheiro!
Ricardo abraçou-a fraternalmente e eu me senti de jubilo com o imenso aprendizado que tivera naquela missão. "





































                       O dia amanhecera extremamente triste no castelo! Uma serva alertara ao lorde Arthur sobre o falecimento de Carol; e todos se encontravam inconformados com a perda de pessoa tão doce, tão serena e tão querida.
Lorde Arthur e a Duquesa Sara, sentiam a enorme dor da perda, daquela que lhes fora a mãe , sempre tão presente em suas vidas; e na vida de seus filhos a avó sempre carinhosa.
Gabriel emudecera num pranto triste mas sereno; sendo reconfortado pelo jovem Orlando que o acarinhava amigavelmente.
Velaram-lhe o corpo com extrema emoção e devoção ao longo daquele dia; e quando entardecia, o corpo de Carol foi sepultado, na presença dos nobres e dos muitos servos que ali puderam estar.

             Lorde Arthur decidiu viajar para a corte nos dias imediatos, com a sua família. Haveria grande baile imperial e fora convidado.
Sentia enorme necessidade de encaminhar suas lindas filhas a um matrimonio.
Seis longos meses ficariam ausentes, e as instruções a Gabriel foram serias advertências, em como administrar a propriedade se a grande guerra acontecesse.
Como a duquesa Sara o acompanharia, novamente o castelo de Lorde Arthur, ficaria entregue em inteira confiança ao Lorde Gabriel Vandak e ao nobre Orlando.

Ainda que se entristecesse em ser excluído da longa viagem, Orlando resignasse compreendendo porque o seu pai ali o deixava... não que se envergonhasse de suas deficiências e limitações, mas desejava protege-lo do mundo agressivo e competitivo que reinava fora da propriedade.

Os preparativos para a grande viagem, foram consecutivos naqueles dias e as jovens Brigith e Joane, se sentiam eufóricas com a possibilidade de conviverem longos dias com belos lordes e duques...o jovem Ricardo também se alegrava com a viagem, e principalmente porque o irmão "defeituoso", não os acompanharia. Ciente de que seu pai Lorde Arthur lhe daria maior atenção e méritos, se empenharia em auxiliar suas irmãs a conseguirem ricos esposos; e assim ficaria a sós com seus pais e futuramente sozinho administraria as suas propriedades. Em sua mente facilmente excluía o irmão, como se este nada representasse. não lhe demonstrava qualquer afetividade; mostrando claramente o interior frívolo e desprezível.

Não ambicionava a riqueza mas em tão tenra idade, desejava ardentemente o poder e o domínio.












                          Na véspera da grande viagem, o jovem Orlando amparava em Gabriel a sua profunda tristeza, e este consolava-o dizendo-lhe que muito teriam a estudar, e a aprender juntos...confortava-o informando-lhe a missão que o Lorde Arthur incumbira de doutrinar um guerreiro, para a sua proteção e companhia e que o jovem Orlando poderia auxilia-lo nisto...mas Orlando mantinha-se visivelmente entristecido, por saber que por longo tempo não veria sua família.
Lorde Arthur observava-os oculto na janela da biblioteca. Podia perceber a imensa tristeza do filho tão querido e isto lhe doía profundamente...
Derrepente o jovem Ricardo ali surgiu, esmerando-se na altivez e o Lorde Arthur impulsivamente, decidiu sair do castelo e aproximar-se sem ser visto, no jardim onde estavam.
Risonho o jovem rudemente falou:
-         Ficarás sozinho defeituoso!
Lorde Arthur desejou joga-lo no chão em ataque de fúria, indignado com a insensibilidade do filho Ricardo, mas intuitivamente conteve-se; desejava perceber o que ocorreria.
O jovem Orlando nada respondeu, mantendo-se silencioso e quieto próximo ao mentor Gabriel; que ainda que estivesse também indignado aparentava indiferença.
O jovem Ricardo persistiu com o ataque, dizendo-lhe:
-         Nosso pai de nada vale...é um fraco!
Orlando se levantou de um impulso só e atirou o irmão ao chão; lutaram bravamente, rapidamente Lorde Arthur aproximou-se em ânsia de proteger Orlando, quando Gabriel vendo-o, agarrou-o pelo braço suplicando:
-         Deixai-os Lorde Arthur...teu filho Orlando precisa dar uma boa lição em teu filho Ricardo!
Ainda que concordasse com isto, o nobre Arthur ali mantivesse, temeroso de que o bom Orlando se  ferisse.
Os dois jovens lutaram dramaticamente por algum tempo; até que Orlando caminhou na direção de Gabriel; e sem percebeu em seu nervosismo que seu pai ali estava, completamente perplexo com o seu êxito.
-         Perdoai-me Gabriel...ensinaste-me que somente deveria atacar em minha defesa; ataquei-o para defender a honra e a dignidade de meu bom pai!
Gabriel ajoelhou-se defronte a Orlando e o pranto lhe desceu intenso e convulsivo.
O lorde que ao seu lado estava abraçou prontamente o filho, também ajoelhando-se agradecido.
O jovem Orlando não compreendia o que estava acontecendo extremamente exausto e nervoso por se ver obrigado a lutar com seu irmão; não percebera que a sua voz, tinha saído fluentemente.
O jovem Ricardo, ainda inerte no chão, com o corpo dolorido e o olho negro, não percebia o que acontecia ao redor.
-         O que fiz de errado...porque estão chorando...porque estão ajoelhados?
Somente então, Orlando escutou sua própria voz que saia fluente. Abraçou o seu pai com intensidade, falando emocionado:
-         Eu o amo meu pai!

                         A alegria reinou no castelo de Lorde Arthur. Sara e Arthur exultavam de felicidade olhando o filho Orlando carinhosamente, que não mais parara de falar naquele dia.
Havia tanto a ser dito! Inúmeras vezes Orlando tinha silenciado com extrema dificuldade de balbuciar alguns sons ou para não constranger os que pacientemente o ouviam. Mas agora era-lhe diferente, as idéias podiam ser narradas em plenitude com uma fluência incrível.
Lorde Arthur sentia-se orgulhoso com a sua inteligência e perplexo em como Gabriel conseguira levar-lhe tanto conhecimento.
Orlando contava as estórias perdidas em sua infância, agradecia ao pai, ás irmãs, á mãe e a Gabriel continuamente.
Recitava longas poesias, colocadas arduamente por Gabriel em sua mente e em inúmeras e diárias leituras.
Não tinha  a visão, mas tinha impressionantemente mais cultura que qualquer um de seus irmãos.
Ricardo de castigo em seu aposento, remia a sua revolta no corpo dolorido e na face marcada pela discórdia com o irmão Orlando. Não compreendia porque o seu pai, não o defendera ou interrompera o ataque intempestivo de seu irmão.
Porque ele estava ali de castigo, e mais uma vez o seu irmão, recebia as glorias no imenso salão.
Orlando humildemente desculpara-se com ele, mas tinha certeza que somente ele o fizera para destacar-se ainda mais na idolatria de seu pai.
Percebera-lhe a voz grossa mas meiga, falando fluentemente; e não compreendia como seu irmão ficara bom...pensava: "mas ainda é um defeituoso cego!"...Ricardo remuia-se em incompreensões; julgamentos e sentindo-se arduamente vitimado e injustiçado.
Alegrou-se quando a noite finalmente desceu sobre a propriedade e finalmente deitou-se para dormir, ansiosos de que o dia novamente raiasse; e partindo em viagem não tivesse mais que conviver com o seu irmão.
No castelo todos recolheram-se aos respectivos aposentos para repousar.
O longo dia tinha sido exaustivo nos preparativos para a viagem.
Mas Orlando não conseguia dormir ainda eufórico com a possibilidade de se comunicar. Virou-se para Gabriel também deitado em seu leito e balbuciou:
-         Dormes mentor Gabriel?
Gabriel virou-se em sua cama, de maneira que podesse olha-lo dizendo:
-         Deverias dormir Orlando...todos despertarão bem cedo!
Orlando disse-lhe :
-         Já te agradeci pelo muito que fizestes por mim, mas sei que nunca poderei te mostrar a minha total gratidão...
Gabriel interrompeu-o dizendo tristemente:
-         O fiz por divida que tinha para com teu pai...ainda a tenho!
Sem compreender o que o seu mentor lhe dizia, o jovem decidiu tentar dormir.

                           Logo que a manhã surgiu gloriosa, todos já se encontravam prontos para fazerem a viagem para a corte.
Orlando despediu-se tristemente de suas irmãs e sua mãe e do pai lorde Arthur; no entanto não conseguira se despedir de seu irmão Ricardo; pois este havia entrado rapidamente na carruagem, não desejando despedidas.
Assim que os viajantes surgiram em galope apressado na poeirenta estrada; Orlando abaixou-se pegando um pouco de terra e vertendo um pranto sereno.
Gabriel Vandak aproximou-se , colocando-lhe a mão no ombro sem nada dizer-lhe. Sabia que aquele sentimento triste, Orlando deveria sentir sozinho.

                            Nos dias seguintes, Gabriel reuniu todos os filhos dos servos, na faixa etária de dozes anos. Um a um Gabriel foi conhecendo, até que encontrou um belo rapaz de olhar esperto e bastante humilde.
Já a tarde findava quando Gabriel chamou Orlando que estudava na biblioteca, treinando a redação e a caligrafia; e apresentou-lhe o rapaz:
-         Orlando, conheci inúmeros rapazes e creio que este é o certo para te ser o protetor e companheiro!...Claro que em tua concordância!
O jovem nobre aproximou-se e indagou-lhe:
-         Como te chamas?
O rapaz prontamente atendeu-o humildemente.
-         Sou o servo Rui, senhor nobre Orlando!
Após dialogarem longo tempo, o jovem Orlando balbuciou sereno a Gabriel:
-         Podemos prepara-lo...o quero como um amigo!
Imediatamente as providencias foram tomadas e o menino Rui passou a morar no castelo, dormindo no aposento de Orlando.
Gabriel se mudou, para um aposento ao lado que estava vago.
Rapidamente Orlando esqueceu a tristeza da ausência de sua família. Passavam os dias a cavalgar, estudar e também brincar.
Com facilidade Rui aprendia a escrever e a ler. Também se empenhava com esmero em aprender a ser um bom guerreiro.
Parecia gostar imensamente do jovem nobre Orlando, o que deixava Gabriel tranqüilo. Seria-lhe o aliado perfeito. Também Orlando o tratava como a um amigo.


                      Naquela noite, um mensageiro se aproximou do castelo em galope apressado, trazendo uma mensagem para o Lorde Gabriel Vandak.
Prontamente o mentor rasgou o lacre e a leu. Estava próximo a Orlando e Rui no salão de musica.
                              " Estimado Lorde Gabriel Vandak
Passados seis meses de nossa estadia na corte; venho comunicar-lhe que aqui permaneceremos até o matrimonio de nossas filhas, que está previsto para a primavera do próximo ano.
Sentimo-nos imensamente preocupados e saudosos de nosso filho Orlando!
Tão logo ocorram os matrimônios, viajaremos em retorno ao castelo!
Agradecemos por tudo o que tem feito por nós!
Saudoso abraço        
Lorde Arthur Corleanos "

A tristeza surgiu prontamente na fisionomia de Gabriel e Orlando percebendo-lhe o silencio, indagou-lhe:
-         É uma mensagem do senhor meu pai?
Gabriel serenamente leu-a e o jovem Orlando deixou-se abater em pranto saudoso. Imediatamente o servo Rui aproximou-se para consola-lo.
Chorava pela longa ausência e porque estava ciente, que as possibilidades eram remotas de reencontrar as suas irmãs. Com certeza, partiriam estas para as propriedades de seus esposos; e dificilmente iriam visita-los...na sua incapacidade visual tão pouco provável seria visita-las.
Mais um ano e meio teria que aguardar o retorno de seu pai lorde Orlando, de sua mãe a Duquesa Sara e de seu irmão Ricardo...
Mergulhado em profunda tristeza, pediu licença para ir para o seu aposento; e como a noite já ia alta, Rui o acompanhou. Gabriel também recolheu-se ao seu aposento.













































                " O retorno aquela moradia, aguçava-me a curiosidade, mas o mentor Ricardo mantinha-se silencioso.
Não estávamos sós, alguns outros Irmãos também acompanhavam-nos silenciosos.
Entramos no aposento do jovem Orlando, e percebi que este dormia harmoniosamente.
Num outro leito, um rapaz forte tinha no entanto sono bastante agitado e surpreendido percebi que alguns seres o atormentavam. Intrigado olhei para o mentor Ricardo, mas este mantinha-se magnetizando o ambiente próximo ao jovem Orlando; juntamente com os outros tarefeiros.
Imensa luminosidade se fez no ambiente e percebi confuso, que aqueles irmãos perturbadores se afastavam assustados.
A pedido do mentor Ricardo, os tarefeiros aproximaram-se mais do leito circundando-o e colocaram-se em oração profunda.
Surpreso observei que um feixe de luz descia sobre a cabeça de Orlando que mantinha-se dormindo.
Alguns minutos foram necessários para a conclusão da missão e Ricardo agradeceu fraternalmente aos amigos espirituais que ali haviam comparecido e estes se foram.
Fiquei a sós com o mentor Ricardo, naquele aposento.
Desejava ardentemente perguntar-lhe o que faziam, mas como um bom aprendiz decidi aguardar silencioso.
Observei atordoado que os irmãos perturbadores, que haviam se afastado com a luminosidade, tinham retornado e atormentavam de novo aquele pobre rapaz...Ricardo balbuciou:
-         Não é um pobre rapaz Lucas! É sim, um irmão imperfeito em busca de sua evolução!
Ciente de que podia vislumbrar meus pensamentos, envergonhei-me e indaguei prontamente:
-         Quem é ele?
O meu mentor Ricardo, pausadamente explicou-me:
-         Nesta existência, este é Rui, filho de servo, e escolhido por Gabriel para ser o protetor de Orlando...em vida regressa no entanto, era um escravo rebelde que extremou sua vida barbaramente esquartejado por seu capataz...
Dizendo isto, olhou clementemente para o jovem Orlando e eu balbuciei temeroso:
-         Era Anderson, ou seja o jovem Orlando esse capataz?
Ricardo sempre harmônico falou-lhe:
-         Sim meu bom Lucas...o jovem Orlando era o capataz de Gabriel e para sua infelicidade, adquiriu enorme divida, maltratando e matando os escravos a mando de seu senhor...quando Gabriel nesta existência asfixiou Anderson até á morte...matava em verdade o submisso capataz de outrora. Antes de morrer enlouquecido, Gabriel pediu ao capataz para exterminar a escrava que lhe era amante...lembras-te de Linia?...Sim a mandou matar! Mas o capataz que era Anderson, negou-se a faze-lo fugindo com ela, sendo pessoa boa estava exausto de obedecer ordens cruéis e sentiasse indignado com tanta violência e tantas injustiças....o senhor Gabriel enfureceu-se jurando-lhe vingança que não pode concretizar na outra existência...concretizou-a nesta...e agora tenta regenerar-se!

Aquelas estórias confundiam-me a mente, mas desejava compreende-las em amplitude. Meu mentor ignorando-me a dificuldade, talvez propositadamente, prosseguiu:
-         Aqui está Rui ,o escravo,  novamente um servo com a grandiosa oportunidade de perdoar Orlando , o capataz, por haver lhe tirado a vida barbaramente em vida regressa...e aqui está Orlando, o capataz, com a grandiosa possibilidade de redimir-se de seus males, sendo bom e justo para com os seus servos...
Ainda imensamente intrigado resolvi indagar-lhe:
-         Que faziam com  o jovem Orlando? Qual a missão?
O mentor Ricardo silenciou dizendo-me que devíamos partir!










































                 O servo Rui correu angustiado pelos corredores do castelo procurando o mentor Gabriel. Encontrou-o na biblioteca, preparando as lições as lhe serem doutrinadas naquele dia. Percebendo o jovem servo assustado, Gabriel rapidamente levantou-se indagando-lhe:
-         O que houve Rui? Onde está o nobre Orlando?
O servo aparentemente amedrontado balbuciou:
-         Não desperta senhor Gabriel!
Gabriel correu desesperado...o jovem Orlando havia se tornado o filho que não tivera; Na árdua tarefa de educa-lo e cria-lo desde os dois anos de idade, se afeiçoara demasiadamente.
Sempre estivera próximo a ele e ele sempre fora tão dependente de seus cuidados e ensinamentos. Precisará continuamente de sua proteção e de seu verdadeiro amor!
"Não poderia perde-lo..." Pensava angustiado.
Exausto pela idade, chegou ao aposento ofegante e encontrou Orlando deitado em seu leito.
Observou que este parecia dormir profundamente e tentou acorda-lo inúmeras vezes, até que finalmente o jovem entreabriu os olhos.
Gabriel, ainda ofegante e emocionado falou-lhe.
-         Que susto me destes, meu querido!

Orlando sentia-se ofuscado com a intensa luminosidade que lhe vinha aos olhos; esfregou-os instintivamente e novamente abriu-os.
Pouco a pouco as imagens destorcidas foram se recompondo e o jovem Orlando visualizou á sua frente, um senhor grisalho, de olhar triste.
Não acreditando no que acontecia, começou a tatear a face de Gabriel sentindo-se emocionado.
Gabriel olhou-o confuso.
-         O que sentes Orlando? O que há contigo?
Orlando levantou-se, olhando com assombro as cores do aposento; correu ao vitral e vislumbrou a paisagem; a beleza dos campos floridos...Gabriel aproximou-se dele extremamente preocupado.
-         Orlando deixas-me aflito, falai comigo!
O jovem radiante olhou-o fixamente e murmurou sorrindo:
-         vejo os teus olhos tristes...vejo a preocupação em tua face...vejo os teus cabelos grisalhos...
Euforicamente abraçou-o fortemente e depois colocou-se a rodopiar pelo aposento:
-         ...Vejo os cortinados...vejo os leitos...vejo os adornos...Eu estou vendo Gabriel! Eu posso ver tudo!
Correu novamente para a janela:
-         ...eu vejo os campos; são mais belos do que tu me descrevias! Eu vejo as flores; vejo o céu...eu posso ver tudo!

Gabriel compreendia que o seu menino recuperara completamente a visão...a emoção tomou conta de si e começou a chorar...Orlando continuava tocando em tudo em profundo encantamento. Parando defronte a um espelho olhou-se, balbuciando em emoção:
-         Eu posso me ver...posso ver meus olhos...minha boca...meu nariz...eu posso ver tudo!
Voltou-se perplexo para Gabriel:
-         Posso ver que choras...não chores meu grande amigo; acabou-se o negro véu em minha vista!
Dizendo isto ambos se abraçaram fortemente e choraram intensa felicidade. Oraram juntos em agradecimento, pela magnifica benção que haviam recebido do  Criador.

                         

                             O tempo passou breve na propriedade de Lorde Arthur. Novas estações vieram para o autentico deslumbramento do jovem Orlando que via tudo pela primeira vez.
A arte da guerra lhe tinha agora novo interesse. Desejava aprender rapidamente o manuseio das armas de mira para dar orgulho ao seu pai, nos inúmeros êxitos conquistados  em sua longa ausência.
O servo Rui continuou ao seu lado e também se esforçava em aprender tudo com primor. Já sabia ler e escrever adequadamente; também sabia como se comportar e agir diante da nobreza.
Gabriel aguardava ansioso o retorno de Lorde Arthur. O nobre ficaria igualmente perplexo ao ver seu filho Orlando completamente sadio e capaz.
Tinha concluído com esmero mais uma missão ao qual o nobre Arthur o incumbira; treinara um guerreiro para seu filho; ainda que este não mais lhe fosse essencial.



                             No final da primavera, numa bela tarde fresca; Gabriel aproximou-se da janela do grande salão onde se encontravam.
Escutara o galope pausado e desejava ver quem se aproximava. Exclamou feliz:
-         É o senhor teu pai Orlando! Lorde Arthur está chegando!
O jovem não conseguindo conter-se em tanta felicidade, suplicou-lhes antes de sair correndo ao seu encontro:
-         Nada lhes falem de minha recuperação; desejo surpreende-los em momento propicio! Quero fazer uma surpresa!
Gabriel e Rui prometeram que nada lhes diriam, e que o jovem nobre poderia falar-lhes no momento em que achasse oportuno. Então todos saíram do castelo felizes para receber os viajantes. Orlando estava extremamente ansioso e satisfeito, em seu coração fazia-se uma enorme festa de alegria com o retorno de seus queridos pais.
Ao se aproximarem os viajantes,  pararam as carruagens próximo a eles.
A Duquesa Sara enegrecida pelas vestes saiu da carruagem, sendo auxiliada por uma serva. Visivelmente estava extremamente abatida e infeliz.
O jovem Ricardo também saiu de outra carruagem, mas o semblante era-lhe sereno, mas misterioso.
Orlando visualizava a cena, sentindo-se angustiado com a demora no surgimento de seu pai...as vestes negras de sua mãe...o seu semblante entristecido...podia ver seus familiares pela primeira vez...mas a imagem o amedrontava!
Também Gabriel começava a se sentir aflito porque o Lorde Arthur não saia de nenhuma das carruagens...ciente estava de que era luto o que a linda duquesa vestia!
Gabriel hesitante aproximou-se da Duquesa Sara e cumprimentando-a cordialmente numa reverencia, falou-lhe gentilmente:
-         Senhora Duquesa Sara, seja bem vinda á sua propriedade!
A nobre manteve-se cabisbaixa e Gabriel indagou-lhe:
-         O senhor Lorde Arthur não veio convosco?
Imediatamente Sara teve uma crise convulsiva de choro e o jovem Ricardo, aproximou-se indignado e furioso:
-         Não molestes minha mãe...o senhor não vê que não está bem!
Orlando aproximou-se desejando ampara-la num forte abraço, mas o jovem Ricardo imediatamente a levava para o interior do castelo e auxiliando-a a subir para o seu aposento.
Gabriel e Orlando olharam-se perplexos; uma enorme tristeza aflorava em seus interiores. Instintivamente entraram também rapidamente no castelo e aguardaram ansiosos que o jovem Ricardo descesse para lhes explicar o que acontecera com o Lorde Arthur.

Não tardou muito, o jovem Ricardo desceu imponente a imensa escadaria; o semblante lhe era frívolo.
Orlando angustiado suplicou-lhe de cabeça baixa:
-         O que houve com o senhor nosso pai, Lorde Arthur? Porque a senhora nossa mãe está tão entristecida?
Ricardo julgando-o ainda cego, ignorou-o e caminhou em direção a Gabriel, dizendo-lhes:
-         Comunico-lhes, que Lorde Arthur Corleanos faleceu  na corte, após o matrimonio de suas filhas...
Gabriel e Orlando estavam perplexos com a noticia mas mais horrorizados estavam com a extrema frieza de Ricardo. Orlando balbuciou incrédulo:
-         Morreu o senhor nosso pai? Como?
Ricardo caminhando para o salão e recostando-se comodamente em uma poltrona, contou-lhes na mesma frieza e insensibilidade:
-         Fazíamos os preparativos para a viagem de retorno, quando sentiu enorme aperto no peito e faleceu subitamente...nossa mãe não suportou a perda e desde então apresenta-se confusa; inúmeras vezes fala consigo mesma como se estivesse falando com o nosso pai...disseram os médicos da corte que na imensa dor enlouqueceu.
Gabriel abraçou fortemente Orlando, tentando ampara-lo na sua imensa dor e tentando se reconfortar na sua própria dor; o pranto intenso lhes foi inevitável.

                             














                                      Os dias passaram em extrema dor para Gabriel e Orlando. A Duquesa Sara enclausurara-se em seu aposento, não desejando ver ninguém nem mesmo o filho Orlando, que se sentia saudoso.
As refeições lhe eram levadas e imediatamente expulsava os servos do aposento. Ricardo passava os dias fechado na biblioteca consultando os documentos e os cálculos de seu pai.
Gabriel sentindo-se cansado pelo imenso sofrimento, se empenhava em continuar administrando a propriedade, temendo-lhe o futuro; nas mãos do primogênito Ricardo.
Orlando não lhe revelara a sua recuperação e os servos mantinham-se silenciosos. Intuitivamente o fazia, esperando o momento oportuno a falar ao seu irmão que tudo podia ver.
Certa manhã, quando estavam reunidos no salão de refeições o jovem Ricardo falou ríspido.
-         Pelo direito de herdade, a partir de hoje todas as propriedades dos Corleanos estão sob meu domínio !
Olhou para Gabriel e frivolamente falou-lhe:
-         Agradeço-te o auxilio que deste a meu pai, mas deverás deixar esta propriedade até o próximo inverno... dar-te-ei o suficiente para que compres um pedaço de terra para ti...
Orlando indignou-se falando-lhe:
-         Não podes fazer isto, Lorde Gabriel Vandak é nosso parente próximo...não podes simplesmente expulsa-lo do castelo; pagando-lhe os serviços como se fosse um mero servo!
Ricardo olhou-o indiferente e hostil e continuou tranqüilamente:
-         Quanto a ti Orlando, terás o meu respeito e a minha proteção...no entanto se ousares me contradizeres ou fores antagônico as minhas decisões, levarte-ei para Adredanha e lá permanecerás os restos de teus dias...
Orlando levantou-se perplexo, premeditadamente tateou o assento para se apoiar e falou-lhe:
-         Não serei teu servo submisso, não foi isto que aprendi com o senhor nosso pai...aprendi que todos os seres devem ter a liberdade de ir e vir, e todos eles devem ter a inteira liberdade de pensamentos, sentimentos e ações.... Assim nos educou e assim tratava seus servos...
Ricardo levantou-se furioso interrompendo-o:
-         Nosso pai era um fraco! Bem vejo que nunca fostes á corte...os nobres são bem diferentes de nosso pai! São hostis, autoritários, superiores...não somos iguais a meros servos e não devemos trata-los com igualdade...nos são submissos! Somos uma raça de privilegiados...olhai nossos traços fisionômicos e olhai a rudeza das expressões desses miseráveis! Olhai Orlando; o nosso porte elegante e atlético e olhai os corpos mirrados em estaturas deselegantes de nossos servos.
Sob os olhares horrorizados de Orlando e Gabriel, Ricardo continuou:
-         Nosso pai Não havia como um lorde, nunca o foi! Somos guerreiros pela graça divina e aqui viemos para dominar! As inúmeras propriedades que a nosso pai pertenciam, agora me pertencem e a menos que eu morra, não terás qualquer domínio sobre elas...não me serás impecilio e isto eu te asseguro; serei um verdadeiro lorde e de hoje em diante deverão tratar-me como tal, com respeito e admiração. Tratar-me-ão de Lorde Ricardo Corleanos; filho do fraco Arthur Corleanos, e neto do vigoroso Duque Orlando Corleanos!
Findando em tom autoritário Ricardo afastou-se saindo do castelo, para dar instruções a um guerreiro do qual se tornara extremamente forte, nomeando-o capataz daquela propriedade.
Gabriel e Orlando olharam-se incógnitos. O sofrimento, o espanto e a preocupação lhes era demasiados.
Gabriel não deixaria o seu menino Orlando. Havia prometido ao Lorde Arthur que pelo resto de sua vida o acompanharia e protegeria. balbuciou temeroso:
-         Orlando, em promessa que fiz a teu pai, jurei-lhe acompanhar-te ate que meus dias findem...pelas atitudes de teu irmão Ricardo, estou certo que seria prudente viajarmos prontamente para Adredanha...lá auxiliarei em tua administração e lá estarás livres dos ataques intempestivos de teu irmão e dos horrores que ocorrerão neste castelo...
O jovem interrompeu-o sentindo-se profundamente admirado:
-         Gabriel Vandak, aconselhas-me a fugir? Sempre me ensinastes a lutar bravamente pelo bem e pela justiça! Como desejas agora que eu parta covardemente, dando costas para as terras do meu pai e deixando estas entregues em mãos de ser tão vil a quem ainda tenho que chamar de irmão! Como me pedes que permita os inúmeros que ele deseja cometer?
deu uma pausa e caminhando na direção de Gabriel, colocou-lhe a mão no ombro dizendo-lhe:
-         Por tudo o que me contastes, quando o meu pai Lorde Arthur, tinha minha idade já era um bom homem...com bons princípios e excelente moral cristã...assim também agirei!
Gabriel olhou-o, a idade pesava em sua fisionomia apreensiva.
-         Querido Orlando, ele é o primogênito e infelizmente está certo, nada poderás fazer... estás submisso ao seu poder! Pela herdade deve te proteger e te conceder a riqueza da qual necessites...mas as decisões serão só suas! Pela herdade ainda, poderá te julgar, punir e castigar, como um pai, tem autoridade de faze-lo...com a morte de Lorde Arthur, deverás agir como um filho obediente, sabes disto! Pelas leis de herdade, até a tua mãe a Duquesa Sara, passou a lhe ser submissa e lhe deve obediência e lealdade...nada poderia fazer se estivesse bem!
Orlando abraçou-o fraternalmente e confiante falou-lhe:
-         Ficarei Gabriel Vandak...protegerei as terras de meu pai e vigiarei pela segurança de minha mãe e dos servos que sempre nos foram amigos!
Gabriel baixou a cabeça pensativo e tristemente falou:
-         Deu ordens para a minha partida desta propriedade...não poderei ficar contigo!
Orlando rapidamente disse-lhe:
-         Concedeu-te um prazo...aproveitai-o até o ultimo dia! Faltam longos meses para que este chegue...até lá seremos aliados e encontraremos soluções!
Orlando caminhou serenamente de um lado para o outro e depois falou-lhe:
-         Não sabe de minha boa visão e continuará a desconhece-la...nos faremos dóceis e submissos tal qual deseja; mas estaremos vivamente alertas. Agora deves ir tentar dialogar com a senhora minha mãe, talvez te ouça; pela proximidade que tinhas com ambos; contai a ela todos os intempéries de meu irmão Ricardo! Eu irei procurar Rui que foi obrigado a retornar á vila dos servos, e lhe pedirei auxilio... será ele os nossos olhos nos campos e na lida dos servos.
Olhou fixamente para Gabriel e indagou-lhe:
-         Confiei em ti em árdua educação; confiarás na educação que me destes?
Sem palavras Gabriel abraçou-o e murmurou emocionado:
-         Confio em ti Orlando e desejo ficar próximo de tua vida...tu me és o filho que não tive!
Depois de profundo silencio e intensa emoção Gabriel caminhou até o aposento de Sara para fazer-lhe o que Orlando havia pedido.



Batendo na porta falou firme:
-         Duquesa Sara, desejo falar-lhe...sou Gabriel!
Surpreendentemente a porta repentinamente se abriu, e a bela dama surgiu extremamente pálida e com o semblante demasiadamente preocupado.
-         Entrai rápido Gabriel, para que não te vejam aqui entrando...precisamos ser discretos e Ricardo não poderá suspeitar de nossa proximidade!
Gabriel entrou rapidamente e auxiliou Sara a colocar a pesada tranca na porta. Tomando cuidado para não se aproximar da janela, onde poderia ser facilmente visto, balbuciou intrigado:
-         Porque tantos temores em relação a seu filho Ricardo?
A nobre dama sentou-se desajeitadamente em seu leito, e verter pranto convulsivo. Depois controlando-se indagou-lhe:
-         Como está meu querido filho Orlando?
-         Extremamente saudoso Senhora, desejando vê-la e abraça-la!
Sara pediu-lhe que se aproximasse e Gabriel prontamente o fez:
-         Todos estão pensando que estou louca...mas nunca estive tão lúcida. O sofrimento pela ausência física de meu companheiro Arthur, ainda me fere violentamente, mas seu que voltarei a vê-lo e isto me conforta...mas a dor da perda de um filho querido, e estou ciente jamais te-lo de volta, me dilacera o coração...
Gabriel julgando-a realmente enlouquecida balbuciou carinhoso:
-         Não perdestes nenhum filho nobre duquesa!
Sara olhou-o tranqüila, secando as lagrimas que persistiam em descer e falou convicta:
-         Perdi sim Gabriel...perdi o meu filho Ricardo; a quem julgava encantadora criança! O perdi para valores morais deturpados; se perdeu na busca incessante pelo poder! O perdi para sentimentos vis; Perdi meu filho Ricardo, amoroso; para ganhar um filho hostil, frívolo, violento e cruel! Afetividade nenhuma lhe tem valia! Nada somos para o seu coração duro! Onde erramos Gabriel?
Gabriel que estava perplexo com as tristes palavras de Sara falou-lhe:
-         Porque a senhora o julga tão cruel? O que o seu filho lhe fez?
A duquesa novamente pranteando choro convulsivo, contou-lhe com dificuldade:
-         Ricardo enclausurou-me neste aposento; porque sinto-me envergonhada de olhar o filho que gerei...aqui estou trancada por opção; fingindo-me de louca desde a morte de Arthur porque me fere em demasia a sua presença; sabendo o monstro que é...respeito a opinião de meu querido Arthur, de que todos os seres devem ter a oportunidade de errar e acertar sozinhos...demos-te uma chance Gabriel e refletindo, reconhecestes teus erros, e te redimestes; se não a tivéssemos concedido como terias percebido teus erros, como poderias desejar corrigi-los....quantas vidas destruirá Ricardo, até compreender o mal que se faz?
Gabriel ainda não conseguia compreender o que o seu filho Ricardo teria feito, para Sara se enclausurar num aposento, em cárcere privado, temendo a proximidade de seu primogênito. Novamente indagou-lhe suplicante:
-         Que fez teu filho Ricardo, Sara?
Sara tentando conter-se na emoção sussurrou:
-         Matou o pai!
Gabriel instintivamente abraçou Sara compreendendo-lhe o sofrimento que sentia e os motivos que a haviam levado a se fazer de louca e a se trancar no aposento. Era submissa á autoridade do filho cruel, que matara por ambição seu próprio pai...não olvidou por um instante no que Sara lhe falava, confiava plenamente em sua integridade e em sua dignidade. Jamais acusaria o próprio filho, se não tivesse certeza absoluta de seus atos. Acompanhara-lhe uma parte da infância, e Sara sempre fora a menina dócil e a mãe carinhosa e amorosa, aplicando-lhes bons conselhos de conduta moral e cristã.
A nobre dama, ainda jovem e bonita, controlou-se, agradecendo-lhe a confiança e levantando-se falou-lhe:
-         Nada posso fazer...não tenho como provar que assassinou meu querido companheiro Arthur...mas tudo vi e não evitei...não pensei que chegasse a isto!
Novamente sentando-se, pediu que Gabriel também se sentasse, e contou-lhe:
-         Os matrimônios de nossas filhas, foram emocionantes e felizes para nós...haviam escolhido por sentimento seus companheiros e com estes tinham convivido durante longo tempo para se certificarem da boa escolha...por isto adiamos nosso retorno ao castelo por longo ano e meio...Brigith desposou um rico comerciante da corte e Joane um duque, senhor de muitas terras...estávamos felizes! Mas Ricardo nunca conseguiu se entender e aceitas os bons princípios de Arthur...na corte vivia acompanhado por lordes e duques possuidores de valores fragilizados...quando não estava esbanjando dinheiro na jogatina ou com mulheres mundanas, se envolvia em disputas físicas e duelos com os amigos...o pobre Arthur sentindo-se infeliz aconselhava-o, mas Ricardo não lhe ouvia...por vezes castigava-o, deixando-o em seu aposento para que refletisse...mas de que adiantava...Ricardo já tinha suas próprias idéias e objetivos...não mais respeitava o pai...
Sara deu uma pausa para respirar ofegante e continuou a contar amargurada:
-         Quando nos preparávamos para retornar, Ricardo surpreendentemente ofereceu-lhe um chá...disse-lhe que com a bebida dormiria mais sereno e estaria mais disposto no dia seguinte...surpreendida com aquela atitude tão carinhosa, tão rara em Ricardo, também lhe pedi um pouco do chá, mas este me disse que só tinha feito um pouco para seu pai...achei estranho haver feito somente uma caneca de chá, mas nada disse, uma hora mais tarde, quando nosso filho se ausentara da moradia dizendo que ia se despedir de alguns amigos, Arthur olhou-me desesperado sentindo enorme asfixia...o seu corpo robusto e sadio caiu instantaneamente inerte e sem vida...
As lagrimas começaram a descer velozes com a triste lembrança, mas a duquesa fazendo-se firme continuou:
-         ...o velório transcorreu a noite inteira e o sepultamento com muitas honras foi pela manhã...só então voltei para repousar em nossa moradia na corte...como a viagem seria naquele dia, e os poucos servos que levamos também haviam estado no velório e sepultamento, observei que a caneca ainda se mantinha na copa...não sei te explicar porque o fiz, mas restara um pouco de chá na caneca e uma gatinha siamesa que Ricardo ganhara de uma de suas amigas, olhava-me suplicante pedindo o que comer...distraidamente dei-lhe o resto do chá e colocando-a em meu colo para acarinha-la, perdi-me em lembranças ternas e tristes por longa hora numa poltrona.....despertei de minha tristeza e melancolia percebendo que a gata ficara completamente imóvel...fiquei perplexa ao constatar que o bicho, que também era forte e sadio, morrera no mesmo espaço de tempo que meu querido Arthur após tomar onde o chá...em duplo sofrimento compreendi que o meu filho assassinara insensivelmente seu pai, o meu querido Arthur...
Gabriel estava perplexo com tudo o que ouvira...parecia-lhe difícil crer que aquele menino que vira crescer tão forte, amoroso e sadio tivesse sido capaz de matar o seu bondoso pai...voltando-se para si no entanto, prontamente a sua própria consciência acusou-o dos inúmeros assassinatos que também cometera injustificavelmente, e sentiu-se envergonhado mediante a sua perplexidade perante o crime alheio. Mantevesse silencioso.
Sara indagou-lhe sentindo-se mais tranqüila:
-         Porque aqui viestes Gabriel?
Gabriel olhou-a piedosamente:
-         Desejava vê-la pois sentia-me preocupado e prontamente aqui vim a pedido de seu filho Orlando!
Deu uma pausa, observando o semblante entristecido de Sara e prosseguiu:
-         Pediu-me que a avisasse que Ricardo assumiu o controle das propriedades...o fez submisso ás suas atitudes...e deseja expulsar-me da propriedade antes que inicie o inverno...
Sara melancólica meneou a cabeça e balbuciou:
-         E eu nada posso fazer para impedi-lo de tantos absurdos... estou submissa também á sua autoridade...o que farão?
Gabriel desejando passar-lhe confiança disse-lhe:
-         Orlando deseja ficar, fingindo-se submisso e dócil para observar-lhe os passos...ficarei ao seu lado até o ultimo dia do prazo que me foi dado sei que encontraremos soluções!
Sara balbuciou desanimada:
-         Como poderá meu querido filho Orlando observar-lhe os passos, tão desprovido de visão que é!
Gabriel carinhosamente pegou-lhe as mãos dizendo-lhe:
-         Senhora duquesa Sara, tende fé...pois o seu filho Orlando milagrosamente recuperou a visão...já tem um ano! Porem o irmão Ricardo, o desconhece!

O semblante da nobre dama encheu-se de jubilo; a noticia a havia feito reviver felicidade e ainda que o sofrimento fosse extremo agora tinha esperança que Orlando honraria o nome de Arthur.





                              Cuidadosamente Gabriel saiu do aposento de Sara sem ser visto, após prometer-lhe trazer sempre noticias.
Os sentimentos lhe eram confusos, sentia-se satisfeito por perceber que estava bem apesar do enorme sofrimento. sentia-se preocupado com Orlando ciente da morte de Lorde Arthur. Sentia-se indignado pelo crime de Ricardo. Mas também sentia-se novamente culpado por seus próprios crimes.
Encontrou Orlando pensativo em seu aposento, e este indagou-lhe ansioso:
-         Demorastes; estivestes com a senhora minha mãe?
Gabriel meneando afirmativamente a cabeça sentou-se ao seu lado.
-         Como está ela? Falou contigo?
Gabriel tentando manter-se sereno, contou-lhe tudo sem nada lhe omitir. Orlando surpreendentemente não se emocionara mas a indignação estava em seu olhar. Levantou-se para sair.
-         Aonde vais Orlando?
Indagou-lhe Gabriel preocupado, percebendo a adaga em sua cintura. O jovem olhou-o determinado e falou-lhe:
-         Vou ver minha mãe...não te preocupes! Ricardo foi para os campos com o novo capataz e tardará para retornar!

                       Dizendo isto saiu prontamente a ver a sua mãe. Chegando ao aposento bateu na porta murmurando:
-         Abre a porta senhora minhas mãe!
Sara abriu imediatamente a porta e após esta ser novamente trancada a emoção foi absoluta.
A imensa dor lhes era reciproca e o pranto era o mesmo em intenso sofrimento.
Durante longa hora, nada conseguiam dizer, mas o silencio lhes falava inúmeras coisas.
Finalmente Orlando observou-a pela primeira vez e balbuciou emocionado:
-         Como és bela minha mãe!
Sara sentia o seu sofrimento acalentado pela doce presença de seu filho Orlando que a acarinhava ternamente os longos cabelos.
-         Senhora minha mãe, ficai tranqüila, tudo se resolverá...Deus não desampara nunca os seus filhos!
Sara amedrontada falou-lhe, tocando a adaga que lhe estava na cintura:
-         Não faças nenhum mal a teu irmão!
Orlando carinhosamente fixou seus grandes olhos azuis, nos olhos de Sara, dizendo:
-         Esteja certa minha mãe, que não o farei...mas não hesitarei em ataca-lo para salvar a minha vida, a de Gabriel e a da senhora!
Dizendo isto Orlando deixou-se ficar acalentando e reconfortando a sua mãe a tarde inteira. Depois achou melhor despedir-se:
-         Eu a amo minha mãe!
Sara abraçou-o fortemente sentia-se incrivelmente melhor e mais forte.







                              Orlando também tomando enorme cautela, saiu do aposento de Sara e retornou ao seu, encontrando Gabriel angustiado.
-         Orlando preocupava-me contigo...o teu irmão Ricardo mandou chamar-te já faz algum tempo...sem abrir corretamente a porta, disse ao seu capataz que não te sentias bem e que estavas repousando...e assim que melhorasses descerias á biblioteca...
Orlando olhou-o mostrando o semblante triste mas imensamente sereno.
-         Foi tão bom ver minha bela mãe Gabriel!


                               Orlando abriu a porta vagarosamente e percebeu que seu irmão Ricardo, estava tranqüilamente recostado na escrivaninha que fora de seu pai.
Sentia enorme vontade de correr até ele e indagar-lhe como fora capaz de tanto barbárie, mas controlou-se.
Caminhou serenamente e tateando propositadamente uma poltrona, sentando-se silencioso.
A voz do irmão lhe surgiu rude e áspera:
-         Demorastes !
Orlando humildemente disse-lhe:
-         Sentia-me mal, deitei-me para repousar um pouco!
O lorde Ricardo então levantando-se repentinamente falou-lhe:
-         O que decidistes? Irás para Adredanha?
Orlando cabisbaixo, mostrando propositadamente tremula a sua voz, falou-lhe:
-         Não lorde Ricardo, preciso de tua proteção e de teu amparo, aqui permanecerei sendo humilde e servil.
Orlando pode verificar-lhe discretamente o seu semblante contrariado, enrubescera-se e colorizara-se ; e isto o surpreendeu! Parecia não desejar que este ali permanecesse!
Ricardo caminhava de um lado para o outro enraivecido. Ciente de que seu irmão não poderia ver-lhe a expressão desgostosa.
Após longo silencio, dispensou Orlando sem mais nada lhe dizer.


                          Orlando caminhou ao seu aposento, no qual narrou a Gabriel a surpreendente reação que vira em seu irmão Ricardo. balbuciou:
-         Não deseja que eu fique! Mas porque Gabriel?
Gabriel rapidamente respondeu-lhe:
-         Com que segurança fará suas necessárias á corte e ás outras propriedades temendo-te a resignação e a humildade?
Deu uma pausa e prosseguiu:
-         Se estou certo; com seu capataz, explorará os servos e os maltratará; por mais que finjas estares de acordo; nunca acreditará...lhes és uma ameaça ao seu domínio e á sua conduta!
Olhando Orlando fixamente, finalizou:
-         És Orlando uma ameaça á sua própria consciência! Que ciente está e sempre estará do crime que cometeu!
Orlando caminhou preocupado até á grande janela e balbuciou:
-         Poderá também matar-me!
Gabriel caminhou até ele e lhe disse, colocando-lhe a mão no ombro:
-         Poderá também tentar faze-lo...mas estaremos atentos!
Orlando, sentindo o calor que emanava da mão de Gabriel em seu ombro, sentiu-se amparado e protegido.
A enorme dor pela morte de seu pai e pela revelação do crime assustador de Ricardo faziam-no extremamente fraco e sensível.




                                Nos muitos dias que se seguiram, Ricardo comandou a propriedade com extrema crueldade e violência.
Inúmeros servos eram punidos e castigados incessantemente. Inconformados com a autoridade do capataz e com a crueldade do nobre, que haviam visto crescer em bondade e doçura por parte de seus pais.

                                 Gabriel e Orlando, continuamente  saiam do castelo para auxiliar alguns servos sem que Ricardo e o capataz Cláudio descobrissem.
Á noite, quando Orlando surgia para lhes dar alimentos, ou medicar-lhes as feridas; envolto numa extensa túnica alva encapuzada, que Gabriel tecera; os servos cientes do nobre que era, o abençoavam, chamando-o de "Anjo Azul"; em função dos seus incríveis olhos azuis.
Arriscava-se demasiadamente na tarefas noturna e incessante de socorro aos servos, ou nas constantes e diárias visitas á sua mãe; mas o irmão Ricardo mantinha-se indiferente á sua existência ou a de sua mãe.

Durante a claridade dos dias, reinava o lorde Ricardo, maltratando, agredindo, punindo e deixando á fome seus servos !
Na escuridão das noites, reinava o  nobre Anjo Azul, amparando, consolando, alimentando e medicando os servos que lhe eram amigos!

                                A grande guerra finalmente assolou a Inglaterra; cobrindo todas as terras numa violência injustificável. Aniquilando temporariamente os poderes da monarquia.
O jovem Ricardo inexperiente não sabia como agir ou se comportar. Inquieto e covardemente se ocultava na biblioteca esperando meramente que as batalhas noturnas acabassem; dando-se por satisfeito quando o castelo  era novamente vitorioso sem ser invadido.
Pelas manhãs friamente  saia a contar os guerreiros  mortos e os prejuízos na propriedade. Mas logo regressava ao castelo temeroso.
Os servos desprotegidos em seus abrigos frágeis, na enorme vila que lorde Arthur construíra; eram feridos ou mortos freqüentemente, ainda que os invasores ambicionassem somente a destruição de toda a monarquia.

O lorde Ricardo nem pensava na remota idéia de acolhe-los no interior das muralhas do castelo, tal qual o seu pai , o nobre Arthur o fizera certas vezes.
Tão pouco permitia também que o medico se ausentasse do castelo para socorre-los.
Este somente podia cuidar da nobreza e dos guerreiros que protegiam o castelo.


                  Naquela noite, o ataque ao castelo parecia interminável. O nobre Orlando angustiado com o sofrimento dos servos que lhe eram amigos, desprotegidos em seus abrigos  na vila;  foi determinado acompanhado de seu mentor Gabriel ao aposento de Sara.
Encontraram-na pranteando imensa dor.
Orlando aflito, escutando o barulho da batalha, abraçou-a para ampara-la. Mas Sara fitou-o dizendo:
-         Teu pai esteve aqui!
Orlando que havia escutado através de Gabriel o que ocorrera com o pai de Sara e suas comunicações, e ciente também do milagroso nascimento que tivera; em sua enorme fé, não se surpreendeu e indagou-lhe:
-         Por isto choras, senhora minha mãe?
Sara meneou afirmativamente a cabeça e balbuciou tremula ainda em pranto:
-         Pediu para nos trajarmos tal qual os servos!
Respirou profundamente e prosseguiu:
-         Devemos seguir  prontamente para a gruta de Gabriel...
Orlando e Gabriel não lhe fizeram mais indagações, rapidamente providenciaram túnicas iguais as de seus servos e as vestiram.
Prontamente e sem hesitações rumaram pelos corredores escuros até o pavilhão interno dos servos.
Os servos que ali se encontravam assustaram-se com suas vestes rasgadas e sujas, mas a um sinal do nobre Orlando, que lhes era o Anjo Azul silenciaram.
Mostravam-se felizes cumprimentando a Duquesa Sara que há muito não viam, percebendo-a sã e completamente lúcida.
Rapidamente o nobre Orlando falou aos servos que todos precisavam sair dali. Os servos confiantes, disseram-lhe que não tinham como faze-lo em ataque tão árdua nas proximidades das muralhas.

Sara tranqüilamente pediu que a seguissem e rumou para a entrada da masmorra.
Um de cada vez foi caminhando para lá sem serem vistos. Na escuridão daquela noite as atenções dos guerreiros estavam todas voltadas para o ataque.
Surpreendentemente Sara apontou para umas pedras na parede e pediu que as tirassem. Após tirarem seus pesados blocos de pedra, todos visualizaram um corredor que dava seqüência numa imensa passagem subterrânea.

Todos os servos os acompanharam ali entrando e somente um servo ficou no castelo para recolocar as pedras na fictícia parede.
A passagem era estreita e muito escura, mas um dos servos trouxera uma pequena lamparina que dava para clarear o caminho.
Após muito caminharem, a passagem subterrânea finalizou numa imensa pedra. Que arduamente todos empurraram com extremo vigor.
A imensa pedra deslocou-se vagarosamente e Gabriel observou surpreendido que haviam saído bem próximo á margem do rio.
Quando o ultimo servo havia saído da passagem, a bloquearam novamente e caminharam rapidamente, para se ocultarem na vegetação.
Observaram horrorizados que o castelo em sua imponência havia sido invadido e o pátio interno parecia arder em fogo .

                          Orlando ainda sentiu enorme impulso de ir socorrer seu irmão Ricardo, segurando firmemente a adaga que lhe estava na cintura, mas Gabriel energicamente evitou-o.
Caminharam silenciosos e entristecidos até á gruta próxima ao lago, onde Gabriel se ocultara certa época; e ali ficaram imóveis até o dia clarear.
Orlando sentia-se temeroso e podia sentir a mesma apreensão nos quarenta servos que os haviam seguido.
Mas falou-lhes firme tentando lhes passar segurança:
-         O castelo foi dominado, e todos seremos servos de outros senhores...devem tranqüilizar-se porque eles só desejavam destruir a nobreza e isto já o conseguiram! Nesta grande guerra  todos os nobres serão destruídos e os servos serão poupados!
Dizendo isto, prontamente todos compreenderam-lhe os trajes.
Cautelosamente, Orlando pegou a adaga que seu pai lhe ofertara com amor, e cortou os longos cabelos de Sara. Uma serva da lida, não possuía belos cabelos.
Também cortou os seus e os de Gabriel; posteriormente guardando, a adaga e os anéis de nobreza numa pedra oculta na gruta.
 Os servos olhavam-no com admiração, mas extremamente preocupados, estavam cientes de que o nobre Anjo Azul corria imenso perigo se lhe fosse revelada a nobreza.
Ciente de que ali não poderiam permanecer mais tempo ocultos, Gabriel aconselhou Orlando a caminharem até á vila dos servos e assim fizeram.



                       Aproximando-se desta, poderam observar na claridade do dia, a dor e o sofrimento no rosto de alguns servos, que haviam perdido entes queridos, amigos e companheiros.
Cautelosamente Orlando aproximou-se consolando-os um a um e amparando-lhes no sofrimento.
Também Sara e Gabriel o faziam, também estes servos nada lhes indagavam a respeito das pobres vestes ou dos pés descalços; sempre os haviam respeitado e seriam carinhosamente acolhidos por estes, protegidos e respeitados.

Não tardou a que surgissem alguns soldados, armados e imponentes, e como não falavam o mesmo idioma, olharam os servos analisando-lhes as vestes, os corpos, e depois novamente se afastaram rumo ao castelo.

Ouvia-se rumores, de que os guerreiros do castelo, tinham sido mortos na batalha e com estes estavam o cruel capataz Cláudio e o Lorde Ricardo....Sara foi prontamente reverenciada por uma senhora, e Orlando suplicou-lhe:
-         Por piedade, não faça isto, seremos mortos!
A senhora compreendeu-lhe a aflição simplesmente acompanhou a duquesa Sara a uma humilde moradia, e Sara sentiu-se tranqüila e em segurança.

Uma mão forte apoiou-se no ombro de Orlando e este assustando-se voltou-se, exclamando então simpatia:
-         Rui meu amigo!
Abraçaram-se fraternalmente e então o servo que Gabriel havia doutrinado com dedicação falou-lhes:
-         Que fazem aqui? Porque estão assim trajados?
Orlando balbuciou receoso:
-         Se os invasores souberem que pertencemos á nobreza, nos matarão! Seremos servos tal qual vós até que se vão!
Rui olhou-o mostrando-se compreensivo, mas os olhos brilhavam inconformado pela situação.
Orlando distanciou-se, e foi auxiliar alguns servos feridos. Gabriel também auxiliou a enterrar alguns mortos.
E assim passou-se aquela negra manhã.






































                   " Entramos no castelo em extrema proteção Divina. O ambiente era pesado em enorme energia maléfica e inúmeros irmãos repentinamente desencarnados, encontravam-se extremamente perturbados confusos; vagando em seu interior.
Os enormes salões haviam sido depredados e saqueados; assim como os aposentos ricamente decorados.
Alguns comandantes alimentavam-se fartamente no salão de refeições e podíamos escutar-lhes a euforia.
Meu mentor Ricardo olhou-me fixamente:
-         Sabes o que eles dizem Lucas?
Olhei-o incógnito:
-         Não consigo compreender-lhes o dialeto!
Meu mentor compreendendo-me a dificuldade falou-me serenamente:
-         Estão comentando entre si a alegria da conquista, e mostram-se indignados por somente haverem encontrado um lorde...mas perceberam pelos aposentos que na propriedade tinham mais três... dizem que os descobrirão pela tarde,...
Incompreensivelmente senti-me preocupado com a segurança da duquesa Sara, de Lorde Orlando e Lorde Gabriel, e murmurei pensativo:
-         Ricardo, não podemos auxilia-los?
Meu mentor mantevesse silenciosos pedindo que o acompanhasse. Rapidamente estávamos numa das celas da masmorra, onde observei atônito, o forte rapaz ensangüentado e em estado agonizante.
Ricardo olhou-me com brandura, pedindo-me que somente emana-se pensamentos de paz e tranqüilidade.
Falou-me que a apreensão, preocupação e horror, são sentimentos extremamente negativos e que eu como um aprendiz precisava evita-los. Deveria me manter sereno e harmônico para tentar auxiliar.
Meu mentor então, aproximou-se de Lorde Ricardo, que havia sido esfaqueado no tórax. Também haviam lhe decepado um braço e uma perna. Ali tinham vindo a pedido clemente de seu pai Arthur, para resgata-lo e amparando-o leva-lo prontamente á colônia para ser socorrido.
Porem meu mentor rapidamente percebeu que a missão não seria fácil. Em delírio agonizante o rapaz blasfemava contra Deus; no extremo sentimento de dor que sentia culpava o pai Arthur pelo infortúnio .
Ainda que ali estivesse só a cela estava repleta, e a nossa singela caravana de luz era insignificante, diante dos inúmeros perturbadores que atraia a si.
Meu mentor solicitou alguns reforços, pois a intensa energia maléfica ali presente nos incomodava.
Finalmente o lorde Ricardo levantou-se do corpo físico, mas o corpo espiritual também possuía as mesmas seqüelas.
Olhou ao redor e percebeu-nos atordoado a presença. Também visualizou outros irmãos que clamavam que os acompanhasse.
O lorde parecia confuso, e perplexo olhou para o seu corpo no chão fétido da masmorra.
Meu mentor emanando-lhe energia confortadora falou-lhe:
-         Jovem Ricardo teu pai pediu que viéssemos buscar-te!
Surpreendido observei a recusa daquele irmão que desejava ficar ali no castelo. Não abandonaria o poder que ainda julgava possuir.
Imediatamente não mais podia ver-nos, ainda que ali permanecêssemos; observando-o em intenso sofrimento.
Sendo habilmente reconfortado por irmãos em igual sofrimento.

Desolados, afastamo-nos e rumamos para a vila onde encontraríamos Sara.

Sara ainda mantinha-se recostada num pequeno assento rústico de madeira, e o meu mentor indagou-lhe:
-         Podes escutar-me querida?
A nobre duquesa olhou ao redor rapidamente percebendo se alguém ali estava. Ciente de que estava só indagou mentalmente ansiosa:
-         Arthur meu querido?
Meu mentor prontamente aproximou-se emanando-lhe luz e energia alva; dizendo-lhe em cândida energia mental:
-         Não querida Sara, sou Ricardo, e venho para te ajudar!
Sara receosa de que alguém ali entrasse, atrapalhando a comunicação, indagou:
-         Arthur salvou-nos!
Meu mentor, que agora emanava-lhe inúmeros feixes luminosos em passe restaurador, falou-lhe:
-         Ainda não estão salvos...Orlando será traído!
Dizendo isto, meu mentor Ricardo afastou-se vagarosamente enquanto Sara indagava verbalmente suplicante:
-         Por quem? Quem trairá meu filho?
Sem mais nadar poder dizer-lhe, meu mentor balbuciou serenamente:
-         Ficai com Deus nobre Sara!

E afastamo-nos. "






Orlando entrou rapidamente na acomodação indagando-lhe:
-         Porque gritas minha mãe? Falas de traição?
Sara colocou as mãos nas faces para conter-se no enorme receio e murmurou:
-         Corres perigo, serás traído! Temo por ti querido filho!
Orlando sentindo-se ameaçado indagou-lhe:
-         Quem me trairá?
Inconformada Sara fez um meneio de negativa dizendo-lhe não saber.









                 A tarde já findava, quando os soldados reuniram todos os servos. Surpreendentemente um deles falava o inglês fluentemente; e indagou hostil:
- Existe algum nobre em meio a vós?

Impressionantemente o silencio se fez.
Encontravam-se ali reunidos aproximadamente duzentos e oitenta servos; muitas crianças, jovens, mulheres e homens...que silenciavam em nome do nobre "Anjo Azul " que os amara como irmãos, amparando-os em inúmeras aflições.
Em meio a eles, o Lorde Gabriel Vandak, a Duquesa Sara Corleanos, e o Lorde Ricardo Corleanos, imóveis e cabisbaixos sentiam-se apreensivos.
Do silencio de seus servos dependiam suas vidas!
O soldado nervoso, aparentemente agitado em sua montaria, insistiu:
-         Sabemos que neste castelo, com certeza moravam mais três nobres, onde estão?
O silencio  mantinha-se  presente na fisionomia serena daqueles humildes servos.

O soldado sentia-se perplexo em como todos aqueles servos persistiam em proteger os seus senhores. Sentindo-se contrariado, coincidentemente aproximou-se de um jovem servo , que acompanhara os nobres na fuga do castelo; puxou-o violentamente pelo braço, e ameaçando-lhe a vida com a espada, indagou-lhe em  extrema fúria:
-         Onde estão teus senhores?
O jovem manteve-se silencioso e o soldado indignado fez-lhe corte profundo em seu braço direito insistindo:
-         Onde estão teus senhores?
O servo sentindo enorme dor no ferimento e contorcendo as feições em sofrimento, murmurou:
-         Fugimos á noite do castelo, no auge da batalha...por uma passagem subterrânea que existe no piso de uma das masmorra...acompanharam-nos os dois lordes e uma duquesa...a saída desta passagem subterrânea é próxima á margem do rio...
O jovem, ainda em sofrimento, apontou com dificuldade a direção do rio, onde se encontrava a saída da passagem secreta.
 O nobre Orlando amargurou-se ciente de que aquele pobre amigo, temendo a morte os denunciaria. Subtilmente segurou fortemente a mão de sua nobre mãe Sara e olhou em aflição para seu mentor Gabriel.
Como o soldado novamente ameaçava feri-lo, o jovem servo continuou:
-         ...na escuridão da noite, enquanto conseguiam invadir o castelo...eles fugiram em montarias velozes!
O soldado que agora colocava a afiada espada em sua garganta, perguntou-lhe:
-         O que me dizes é verdade?
O servo humildemente balbuciou:
-         Porque nossos senhores aqui ficariam, entregues á escravidão? Posso mostrar-lhes a passagem subterrânea!

O soldado ordenou que imediatamente a mostrasse, e o servo cambaleaste em sofrimento pelo ferimento que muito sangrava, levou-os até o castelo e mostrou-lhes a passagem oculta sob as pedras, no piso, de uma das masmorras.
Os soldados sob os olhares atentos de seus comandantes, prontamente concluíram que o servo lhe dizia a verdade; e que os nobres covardemente tinham fugido a galope aproveitando-se da escuridão.
Um dos comandantes argumentou rindo em seu idioma: "...se eu fosse um nobre deste castelo, também não optaria em ficar em meio a estes servos...com certeza também fugiria!"
Certo disto, ordenou aos soldados que imediatamente vasculhassem todas as estradas e trilhas da propriedade; e os trouxessem vivos ou mortos!

Gabriel avistou que o jovem servo, retornava só para a vila. O nobre Orlando correu em sua direção para auxilia-lo, pois já perdera muito sangue. Amparou-o num abraço repleto de gratidão, levando-o imediatamente para uma das humildes moradias.
Nesta limpou e cuidou de seu ferimento, indagando-lhe como se chamava. O jovem respondeu-lhe sereno:
- Chamo-me Carlos!
 O jovem Lorde Orlando, entristeceu-se deixando que as lagrimas descessem em suas faces em enorme sentimento de culpa, ao perceber que em função do profundo corte, aquele jovem estava definitivamente impossibilitado de mover a sua mão.
O humilde servo, olhou para os incríveis olhos azuis de seu nobre e percebendo que eles lacrimejavam culpa e gratidão, murmurou-lhe:
-         Não chores nobre "Anjo Azul"...demos graças ao Criador por nossas vidas!

O nobre deixou-se cair ao solo de joelhos, perplexo com a resignação e a humildade daquele jovem, e orou fervorosamente junto com ele, dando graças pelas inúmeras bênçãos que havia recebido em sua vida.

























                        Os nobres trabalhando arduamente na lida nos campos, muito haviam sofrido com os maus tratos  que recebiam, e aos quais não estavam acostumados.
O trabalho lhes era difícil e penoso o dia inteiro.
O lorde Gabriel Vandak, que ainda possuía o corpo robusto e forte, inúmeras vezes no cansaço normal da idade, era violentamente castigado por sua falta de produtividade no cultivo.
O Lorde Orlando Corleanos resignara-se á nova vida servil mas indignava-se continuamente com a violência e os maus tratos;  trabalhava incessantemente durante o dia inteiro  nos campos de cultivo e á noite abdicava de seu repouso para auxiliar os seus companheiros com imenso amor ...o "Anjo Azul"  sobrevivia, reinando incessantemente nas noites sombrias, oferecendo todo o amparo a seus irmãos.
A duquesa Sara, sentia-se profundamente orgulhosa do  filho ao qual concedera a oportunidade da vida e não mais a dor lhe atormentava o coração. Apesar do trabalho rude, nas colheitas de frutas e verduras, sentia-se bem. Por vezes encontrava seu nobre filho á noite; e os seus olhos incrivelmente azuis pareciam clarear a vida de todos aqueles dos quais se aproximasse levando-lhes Paz.

Oito longos anos haviam se passado em vida de escravidão, sob o domínio daqueles frios e malévolos invasores.
A guerra há muito tinha acabado, mas somente naquela manhã  os inúmeros soldados e comandantes finalmente deixavam a propriedade.
A ordem lhes era clara "Deveriam deixar as propriedades dominadas, para que os nobres reassumissem o seu poder e os seus títulos "

Os servos receberam a   noticia dos próprios soldados que os haviam escravizado.

Na árdua lida do cultivo nos campos e sentindo-se extremamente satisfeito; não pela riqueza de que novamente se via proprietário; mas pela liberdade que novamente poderia ofertar aos servos, tal qual o lorde Arthur o fizera; o jovem Lorde Orlando, com um sol imponente erguendo-se em majestade como testemunha, ergueu a enxada e gritou eufórico:

-         Liberdade!

Gabriel e os outros servos percebendo-lhe a felicidade completamente representada naquele  humilde gesto; ergueram também suas ferramentas de trabalho e imitaram-no a uma só e forte voz de vida:

-         Liberdade!

Era uma enorme festa que assinalava o fim de oito anos de muito sofrimento para todos...era o fim da escravidão, da apreensão e da dor!




                         Os servos caminharam para o castelo, seguindo o seu senhor Lorde Orlando, o nobre "Anjo Azul"; que abraçava a mãe. Surgiam de todos os cantos e se juntavam numa grande multidão feliz.
Cientes de que os invasores já tinham saído da propriedade, se sentiram surpreendidos quando se aproximaram das muralhas do castelo.
Perceberam que quatro fortes homens, montados em robustos cavalos, impunham as suas espadas, impedindo qualquer passagem pelo portal do castelo.

Mais próximos reconheceram o servo Rui, que estava entre eles. Perplexos, todos escutaram-no dizendo em voz autoritária:
-         Eu sou o Lorde Orlando Corleanos II, filho dos falecidos, lorde Arthur Corleanos e a Duquesa Sara Corleanos...
Dando uma pausa o ambicioso servo prosseguiu:
-         ...único sobrevivente da família e herdeiro absoluto de todas as propriedades e títulos dos Corleanos; assumo neste instante a posse de tudo o que me pertence!
Novamente silenciou para observar a atenção de todos ali, principalmente dos nobres, continuou altivo em voz forte:
-         Como prova do que digo, apresento-vos o anel de nobreza de minha família; assim como o anel de nobreza de minha mãe Sara, de meu pai Arthur e de meu irmão Ricardo!
Gabriel e Orlando observaram atônitos que o servo Rui, exibia em seus dedos os anéis que lhe davam o direito á herdade dos Corleanos.
Também Sara estava perplexa com a traição; lembrando-se que o médico Ricardo a alertara sobre a traição ao seu filho.
O servo Rui continuou autoritário:
-         Estes são os meus capatazes e eles administrarão minhas terras com rigor; punindo toda e qualquer disciplina!
E finalizando o servo Rui ordenou. que dois de seus capatazes prendessem imediatamente os nobres Gabriel, Sara e Orlando.

Estes rapidamente o fizeram e os nobres foram levados para a masmorra, ficando reclusos numa mesma cela.
Atônitos e entristecidos, perceberam que na cela ao lado, se encontrava uma ossada, envolta em trajes envelhecidos que pareciam ser os de Lorde Ricardo.
Nada conseguiram dizer, o silencio calou-lhes o coração e as mentes, enquanto o sol descia rapidamente sobre os olhares perplexos de todos os servos.

                          Gabriel olhou ao redor, sentindo-se frágil e impotente. O tempo havia corrido veloz, mas lembrava-se claramente, do dia em que o Lorde Arthur o tinha salvado; libertando-o  daquela mesma cela, na masmorra!
Sentia-se cansado do árduo rumo da sua vida; contemplou o bonito jovem Orlando, que caminhava impacientemente de um lado para o outro. Como era bom e forte! Incrivelmente, o nobre tinha a idade, da sua verdadeira liberdade e do seu empenho em redimir-se... desejava agora poder ajuda-lo, mas não sabia como faze-lo. Prometera ao Lorde Arthur, que sempre o protegeria de todo  mal; mas ali estavam eles; presos e imobilizados!



                    No seu sexagésimo aniversário, sentia-se fraco, velho e inútil. Aqueles oito anos, na árdua lida nos campos, os haviam castigado em demasia!
Olhou tristemente, o semblante da bela Duquesa Sara; as suas faces já se marcavam com algumas rugas; em seus quarenta e quatro anos de vida,  e alguns de seus belos cabelos já se aparentavam grisalhos...o corpo lhe apresentava  o cansaço! As suas mãos e pés, estavam extremamente calejados e em  seus braços longos arranhões, lhe mostravam a penosa lida nas colheitas dos laranjais.

No intenso trabalho, do amanhecer ao entardecer, também o nobre Orlando, com seus vinte e cinco anos de vida, mostrava em seus músculos salientes e nos calos das mãos e pés, o imenso esforço que a lida lhe exigira.

A pele estava escurecida em todos os seus corpos, castigados pelo sol constante e no seu, Gabriel ainda podia sentir, as marcas do chicote, quando fraquejava no trabalho, sentindo-se exausto.
Lembrou-se sentindo-se profundamente agradecido, das inúmeras vezes, que o nobre Orlando, á noite, surgia como um anjo azul, para lhe tratar as feridas e lhe dar água e alimento, pois nem mesmo o corpo extremamente dolorido conseguia se alimentar, e só desejava repouso.
Sentia-se orgulhoso da educação que dera aquele jovem, mas sentia, que alguma outra força, o impulsionava a ser uma pessoa tão boa e tão justa!
Cansado, Gabriel deixou-se sentar no chão frio e úmido da cela, e ardentemente , desejando devolver a liberdade a Orlando e Sara, orou fervorosamente, humilde e em pranto; cerrando os olhos.
-         Senhor Deus, tanto errei nesta minha vida... ignorai as imperfeições deste teu filho, porque nada te rogo para mim... peço-te piedade e misericórdia, a estes teus filhos, que sempre tiveram vida tão digna... enviai teus anjos para socorre-los, em tua infinita bondade... concedei-lhes a liberdade para que prossigam auxiliando...Não deixai-os Senhor, definhar nesta cela fria; poderão ainda construir um império de bondade nestas terras, com seus corações tão puros e tão repletos de amor!

Gabriel colocou as mãos sujas sobre as faces e continuou:
-         Senhor Deus, castigai-me o corpo para que me redima dos imensos males que tenha feito... mas preservai o corpo sadio deste jovem para que erga a bandeira do amor em teu nome... preservai a vida desta nobre senhora, para que o acalente e o ampare em vida prospera...

Gabriel não mais conseguia prosseguir, o pranto se tornara convulsivo, e  o nobre Orlando, havia se abaixado a conforta-lo; dizendo:

-         Apaziguai teu coração, tutor Gabriel; estamos juntos e vivos, graças á Deus Pai!

Ouvindo o filho dizer isto, em extrema serenidade, também Sara, aproximou-se pedindo-lhes que orassem juntos; e ali ficaram unidos em oração e nas mãos que se davam calorosamente, agradecendo a Deus a vida e aquele lindo sol que ia repousar no horizonte.

                  "     Tão logo o sol havia se escondido no horizonte, um imenso grupo de tarefeiros á serviço de Deus Pai; desceu as colinas, impondo suas bandeiras de amor, paz e serenidade.
Surpreendido observei que uma chuva de pétalas cristalinas, orvalhavam a vila dos servos.
Extasiado com a grandiosa beleza, que vislumbrava, glorifiquei a Deus, por haver me concedido mais uma vez, a engrandecedora oportunidade, de acompanhar o mentor Ricardo, em mais uma missão, naquela propriedade.

                   Pouco á pouco, grupos de irmãos perturbadores, que haviam instalado o receio, o medo e a acomodação nos servos; foram se afastando e se retirando da propriedade, temendo a luminosidade que ali se expandia!
Tínhamos  por missão intuir-lhes na coragem, na perseverança, na esperança... Cada um daqueles tarefeiros de luz, deveria incentivar cada um daqueles  servos submissos, a erguerem-se num só grito humilde de liberdade, amor e justiça.

                  Passes magnéticos irradiavam-lhes forças; feixes luminosos abençoavam-nos em paz; e as incríveis pétalas cristalinas, que permaneciam orvalhando-os ,  trazia-lhes a benção e a proteção do Pai.

                 Revigorados e energisados, os servos paulatinamente encorajavam-se e iam se reunindo em pequenos grupos, ansiosos por libertar aquele que lhes fora sempre um protetor; O cândido Anjo Azul, que os salvara inúmeras vezes naqueles longos anos.
Ainda a noite não imperava sua majestade, quando um grupo de oitenta homens estavam dispostos  a invadir o castelo, render os quatro impostores e libertar o Lorde Orlando, a sua mãe Duquesa Sara e o seu mentor Lorde Gabriel.

                     Intuídos cuidadosamente, pelos tarefeiros espirituais; haviam concluído que seria prudente, que as crianças , as mulheres e os idosos, deveriam permanecer na vila em segurança.
                    Orientados pela magnânima luminosidade dos irmãos espirituais, que os intuíam, aguardaram em observação até que todos no castelo repousassem.
                   No auge de uma noite estrelada, intuitivamente foram conduzidos, á discreta passagem subterrânea, portando suas ferramentas de lida estes seriam os seus instrumentos de defesa, naquela batalha santa.
                 
                   Extremamente emocionado; acompanhei os oitenta servos, que eram carinhosamente e fraternalmente amparados por meus Irmãos da colônia.
Após a longa caminhada na passagem subterrânea e após serem facilmente retirados os blocos de pedra, os oitenta servos, completamente mudos e silenciosos, em seus movimentos, pareciam   indecisos em como agir, naquele piso da masmorra.
                    Novamente a luminosidade dos tarefeiros a serviço de Deus, resplandeceu intuindo-os.
Facilmente e sem violência conseguiram render , um capataz que vigiava o portal da entrada do castelo.
Posteriormente, ainda conduzidos pelo intenso feixe de luz, rumaram para os aposentos e renderam os outros impostores, entre eles o servo Rui.
Sem os agredirem, prenderam-nos firmemente em alguns assentos no imenso salão.
                           Sentia-me radiante, assim como todos os meus companheiros, naquela imensa caravana de tarefeiros á serviço de Deus.
Havíamos honrado a missão que nos fora dada, sem que uma bandeira de amor, paz e serenidade fosse derrubada!

Ricardo olhou-me, incrivelmente sorridente e balbuciou:
-         Olhai Lucas, também Deus nos abençoa!

Olhando para cima , naquele imenso salão, observei que uma chuva de pétalas cristalinas, orvalhava nossos seres e transportávamos levemente em retorno á colônia.    "




































                           Os servos, sentindo-se vitoriosos, abriram as grandes janelas e os portais do castelo, e todos, mulheres , crianças e idosos, chegaram prontamente correndo, para comemorar com eles a conquista!
                           Na masmorra, Gabriel sentindo-se intrigado com o barulho que se ouvia, olhou  para Orlando e Sara. Os três levantaram-se e caminharam até a pequena janelinha tentando descobrir o que acontecia.

Extremamente emocionado o Lorde Orlando verificou, que  os duzentos e cinqüenta servos, que haviam sobrevivido á penúria daqueles anos, levantavam com uma das mãos uma tocha e com a outra a ferramenta da lida e gritavam num só e forte eco, olhando fixamente na direção da masmorra:
- Liberdade!
Facilmente concluiu, que aqueles humildes e submissos servos, haviam invadido o castelo para os libertarem.

                           A incrível visão do imenso clarão das chamas das tochas, as ferramentas agitando-se no ar e um só e incessante grito de liberdade, permaneceria em suas mentes por muito tempo, como um momento abençoado.
Em extrema emoção os três nobres deram-se as mãos e deixaram-se cair de joelhos, em agradecimento pela liberdade.
Rapidamente a cela foi aberta e abraçando aqueles amigos que ali estavam, o nobre Lorde Orlando desceu prontamente para abraçar e agradecer aquela multidão de amigos e poder gritar com eles, levantando os anéis de nobreza que lhe haviam sido entregues:
-         Liberdade!

Ninguém conseguiu repousar até o dia clarear; longos  anos de sofrimentos haviam findado e raiava a esperança em novos tempos para todos.

Na vida do Lorde Orlando e da Duquesa Sara, abria-se uma nova etapa. Cientes do penoso trabalho nos campos, saberiam compreender e auxiliar os servos que nestes trabalhavam, com maior fraternidade.

A conquista era de todos e com todos, tudo seria repartido!

Bonita festa se fez.
Ao redor de uma imensa fogueira, houve comida e bebida em abundância para todos; muita dança e muita música.
No imenso salão os impostores mantinham-se comodamente presos nos assentos; até que lorde Orlando pudesse decidir-lhes o futuro.

                        








                       Gabriel sentara-se exausto, defronte a imensa festa de alegria e euforia.
A idade pesava-lhe no corpo...em trinta e dois anos tentara se redimir de todos os males que fizera;   mas os onze anos de insensatez e crueldade ainda lhe pesavam na consciência em imensa culpa. Sentia-se saudoso dos dezessete anos de inocência e juventude....
"  Quantos mais lhe concederia Deus viver?!  "

                       Sessenta anos de existência haviam se passado rapidamente, tal qual a pena apressada de um bom escritor... sentia enorme vontade de escrever a sua vida, para que inúmeros irmãos podessem crer que nunca é tarde demais para fazer o bem, redimindo-se de erros que hajam cometido... mas sentia que o tempo lhe seria insuficiente para isto, aproveitaria os anos que Deus lhe concedesse para  auxiliar, ser justo e bom;
Porem estava consciente, que mesmo assim, não conseguiria apagar da sua memória, a imensa culpa que sentia, de ter tirado a oportunidade a tantos, de viver!
                 


                       Quando o sol surgiu imponente, clareando-lhes o dia; os servos após repousarem um pouco foram para a lida espontaneamente.

Orlando caminhou com Sara e Gabriel ao imenso salão.
O lorde olhou o servo Rui piedosamente dizendo-lhe:
-         Desejas ouro? Riqueza? Poder?
O servo parecia envergonhado do ato cometido baixando o semblante; e Orlando prosseguiu:
-         Darte-ei bons cavalos...dar-te-ei ouro suficiente a que vivas bem...dar-te-ei uma de minhas grandes propriedades...para lá poderás ir prontamente! Terás o que desejastes ; não precisavas fazer o que fizestes... bastava pedir-me! Gosto de ti e me és como um irmão! Esquecestes-te do quanto convivemos juntos? Do quanto aprendemos unidos? Do quanto brincamos?

Orlando aproximou-se de Rui, libertando-o das amarras e auxiliando-o a se por de pé.
-         Quando recuperei a visão, descobri ao teu lado a incrível beleza do mundo que me rodeava...esquecestes de tudo?

Rui não conseguia olhar para Orlando.
-         Rui, vai com teus amigos providenciar a viagem, enquanto vou á biblioteca manuscrever um titulo para ti e a doação da posse de uma propriedade!

O servo estava perplexo com sua atitude e preparava-se para sair com os três aliados, que Gabriel também libertara das amarras, quando Orlando ainda lhe disse:
-         Não me desejes nenhum mal e nem tentes nada contra nossa paz...compreendo-te imperfeito tal qual o sou, e ainda te considero irmão!

Dizendo isto Orlando afastou-se para providenciar a documentação sob a enorme admiração e orgulho de Gabriel e Sara.
Rui e os aliados foram prontamente providenciar as montarias e juntar seus pertences, sob os olhares perplexos de alguns servos, que admiravam extraordinária bondade em seu senhor, para te-los libertado.
Posteriormente á partida de Rui e seus amigos, Orlando providenciou rapidamente o sepultamento dos restos mortais de lorde Ricardo, que se encontravam naquela cela úmida; sentia-se extremamente piedoso pela morte tão trágica e com certeza extremamente sofrida.  No sepultamento fez-se todas as honras, como se faz ao mais nobre dos mortais.


                                    Muito havia a ser feito nos próximos anos; o castelo precisava ser reorganizado e em algumas partes construído em função da destruição pelo fogo.
O animo era amplo e irrestrito em todos e foram longos meses até que tudo estivesse adequadamente limpo e organizado.

O Lorde Orlando, havia reduzido o tempo dos servos na lida nos campos e nas colheitas, fazendo o revezamento do trabalho por turnos.
Também havia providenciado calçado e vestes novas para os servos.
A comida e a bebida lhes eram fartas e saudável.

Com o auxilio de Gabriel, repartira parte de sua extensa propriedade, concedendo-a aos servos; dividindo-a em pequenas propriedades doou uma a cada família; nesta eles seriam livres, a plantar, colher ou construir .

Para maior satisfação ainda daqueles servos, que tanto lhe haviam sido fieis, Lorde Orlando, colocou um medico também em uma propriedade, próxima as suas. Teriam auxilio medico continuo; e lhes doou pequena quantia para que podessem construir suas moradias, adquirir moveis e utensílios, que poderiam  ser encomendados na corte ou em aldeias próximas.

Periodicamente esta quantia, lhes era dada como pagamento por seu trabalho e esforço, realizados nas terras dos Corleanos.

O empenho e o retorno eram grandiosos por parte de todos os servos, que lhe retribuíam, em fartas colheitas.











                     Quando Gabriel completava mais um ano de existência, observou que em suas pernas e braços surgiam pequenas feridas que não cicatrizavam.

Extremamente preocupado, alertou Orlando sobre os ferimentos e este acompanhou-o prontamente á presença do medico do castelo.
O medico após analisar cuidadosamente os ferimentos do Lorde Gabriel Vandak, balbuciou horrorizado, com grandiosa expressão de temor:

-         Lepra!

Orlando estremeceu e Gabriel imediatamente entristeceu-se. Não pelo fato de estar gravemente enfermo, mas por estar ciente que não mais poderia ficar próximo ao seu "filho" Orlando...e á sua grande amiga Sara...
Terminaria os seus dias isolado em algum recanto  e muito só.

Em cuidados extremamente rigorosos, prontamente construiu-se uma pequena e cômoda casa próxima ao lago.  Nesta Gabriel moraria o resto de sua vida.

Na dolorosa despedida, ciente que não poderia abraçar o seu menino, o Lorde Gabriel Vandak, olhou-o com extremo amor e o pranto silencioso desceu-lhe sobre a face em profundo e sincero sentimento.

O nobre Lorde Orlando somente um pouco distanciado,  também pranteou o seu imenso carinho e amor aquele que lhe era um pai .

Assim Gabriel, sem palavras naquela despedida, foi para o seu novo lar, onde periodicamente lhe seriam levados alimentos.
Rapidamente Orlando mandou limpar com extremo cuidado o aposento de Gabriel; e depois olhando Sara, abraçou-a intensamente e chorou a intensa dor pela perda da proximidade daquele que lhe fizera um homem.



                   Condenado pela enfermidade ao isolamento, Gabriel via-se agora prisioneiro em sua própria cela de solidão.
Porem, sentia-se humildemente resignado com a enfermidade, que lentamente ia-lhe dilacerando o corpo em chagas dolorosas.

Enganara-se no entanto que não mais veria o seu menino Orlando; ao qual criara com imenso amor e extrema dedicação.
Aquele nobre lorde, o visitava incessantemente e ainda que se mantivesse sentado á certa distancia, passava longas tardes próximo ao seu mentor;  pedindo-lhe conselhos; contando-lhe como estava a mãe duquesa Sara e falando-lhe da vida nas  propriedades.
Gabriel sentia-se revigorado com suas visitas periódicas, e em suas ausências, era prontamente informado pelos servos de suas viagens.
Nunca lhe deixara faltar alimento; bebida ou conforto!
                           Surpreendentemente sentia-se sereno e agradecido a Deus Pai pela enfermidade, na qual sentia-se redimir paulatinamente das inúmeras chagas que provocara ao seu redor, em tantos irmãos.
Gabriel passava os dias contemplando a natureza que o rodeava e ainda que caminhasse com extrema dificuldade por causa dos ferimentos, freqüentemente caminhava ao redor do imenso lago, para ali refletir em sua vida e orar em agradecimento e pedindo perdão por seus erros.

A lepra lhe vinha lenta e pausadamente. Primeiro ocasionando chagas em seus braços e pernas... cuidadosamente, envolvia-as com panos, para que os insetos e bichos, não fossem atraídos á carne apodrecida.

Os anos se passavam e ainda que o estado físico de Gabriel cada dia fosse mais deplorável, ali permanecia vivo, em vida humilde, serena e em resignação absoluta.

O lorde Orlando, certo dia  ali trouxe uma linda jovem para que conhecesse. Tratava-se da duquesa Cintia, a sua esposa. Gabriel sentia-se feliz com a alegria aparente de seu menino, e agradecido pelo  imenso carinho que sempre demonstrava  nas continuas visitas.
Percebera no entanto, o espanto e a repulsa da bela jovem á sua enfermidade. Porem não a culpava. Olhara-se também no leito do lago, e percebera-se desfigurado...
O lorde Orlando, no entanto, parecia não lhe parecer a degeneração física, tratando-o sempre com extremo amor e a mesma simpatia.

Gabriel concluía, que o seu menino, nele somente via o mentor  que o auxiliara, educando e acarinhando contínua e pacientemente.

Alguns anos depois o Lorde Orlando, lhe trouxe o seu primogênito, para que Gabriel o conhecesse .
Era um menino forte e robusto, a quem o lorde Orlando orgulhosamente apresentou como Gabriel Corleanos.
Gabriel Vandak emocionara-se profundamente com a homenagem carinhosa de Lorde Orlando, e fizera-lhe um meneio de amor, vertendo lagrimas quentes, que desaguavam nas já profundas chagas em sua face.

Incrivelmente a enfermidade poupava-lhe os órgãos básicos á sua continuidade. A visão, a respiração e a locomoção ainda permaneciam inalteráveis.
Podia caminhar com os pés sãos, que nada possuíam; e ainda que as pernas lhe estivessem profundamente ulceradas, conseguia caminhar lentamente.
Perdera um dos braços, completamente corroído pela lepra, mas o outro ainda lhe servia de apoio, ao se mover com uma bengala improvisada.
Os cabelos caiam-lhe nas pequenas chagas que surgiam também no couro cabeludo...porem, apesar das dolorosas seqüelas da enfermidade, o sofrimento e a dor pareciam lhe ser atenuados.                
Percebendo que não mais conseguiria preparar suas refeições sozinho, Lorde Orlando ordenou que diariamente lhe fosse levado alimento quente e rico em nutrientes; e que esta refeição fosse deixada próxima á porta de sua moradia.
Gabriel agradeceu-lhe em pranto sensibilizado, como freqüentemente o fazia quando o seu menino o visitava. O nobre Orlando, estava certo, não mais conseguiria cozinhar para si, sem o braço que perdera.


Os anos se passaram em existência extremamente penosa.
Lorde Orlando não tivera mais filhos e quando o visitava, falava-lhe do imenso amor que sentia a sua esposa Cintia e ao seu filho Gabriel. Fazia longas explanações em como o pequeno Gabriel Corleanos era inteligente e astuto.
Gabriel percebeu nas incessantes visitas, em como o seu menino Orlando apresentava-se envelhecido. 
Admirava-se profundamente em como havia conseguido sobreviver á enfermidade por longos quinze anos.
Também o nobre não conseguia compreender a resistência de Gabriel,  a tanta dor e sofrimento.


Certa tarde chuvosa e triste, o Lorde Orlando apeou da montaria, e most5rando-se indiferente ao tempo que o molhava,  sentou-se entristecido no mesmo assento de pedra.
Gabriel o construíra próximo a uma arvore frondosa, quando ali viera morar. Em suas visitas o nobre ali sempre se sentava e Gabriel a alguns metros de distancia, permanecia escutando-o defronte á sua casinha, onde também havia construído assento confortável.
Mas naquela tarde o Lorde estava silencioso e triste; e colocando as mãos sobre as faces chorou convulsivamente.
Gabriel sentiu um enorme impulso de caminhar até ele e lhe dar um forte abraço, mas a enfermidade o impedia.
Olhou-se em pernas e braços enfaixados. Lembrou-se de sua face completamente desfigurada.
Lorde Azul havia lhe ofertado a túnica alva encapuzada que por muito tempo usara agindo como o "anjo azul" e ainda que esta  tampasse grande parte do seu corpo enfermo,  não desejava provocar maior horror em seu menino, aproximando-se.

Sentiu no entanto que o seu menino Orlando precisava de amparo e com extrema dificuldade; pois a face  não mais conseguia movimentar-se sem imensa dor, em função da pele que ali já perdera; murmurou-lhe :
-         Que acontece querido Orlando?

O nobre Orlando escutou-lhe o sussurro imperceptível, o olhando-o com admiração vendo-lhe a extrema dificuldade de balbuciar.
Tentando conter o pranto e a tristeza, para lhe evitar maior sofrimento, Orlando contou-lhe que sua mãe a duquesa Sara havia falecido,  naquela manhã e em angustiante dificuldade de respirar.

Gabriel entristeceu-se compreendendo-lhe a imensa dor.
 Emudeceu também em pranto, profundamente saudoso da nobre e bela duquesa que nunca mais vira naqueles dezessete anos.



Gabriel observou o seu menino, estava grisalho e engordara; mas os imensos olhos azuis mantinham-se jovens e brilhantes. Completara  quarenta e três anos de vida digna e honrosa para com a família e os seus servos. Pelo que lhe contara, era um pai exemplar ao seu filho Gabriel que completara dez anos.
Cientes de que não poderiam confortar-se num abraço,  ambos ali ficaram em pranto solidário e em sofrimento comum.
Tão logo o nobre havia melhorado, ambos abraçaram-se fraternalmente em sentimento e prantearam mais uma despedida, entre tantas naqueles longos anos.

Observou-o partindo ; em seus setenta e oito anos levantou-se com extrema dificuldade com o auxilio da bengala e foi deitar-se em seu leito.
Ainda que estivesse com a extrema idade e vivesse em  grandioso sofrimento, nunca pedira clemência a Deus, para o levar!
Deitado naquele leito, naquela mesma noite, orou pedindo-lhe fervorosamente que lhe concedesse mais alguns anos de vida; para que podesse conhecer o caráter e a personalidade do herdeiro do castelo...O primogênito de Lorde Orlando o menino Gabriel Corleanos.
Só então Deus Pai poderia leva-lo se assim fosse de sua vontade.


Surpreendentemente, Deus Pai pareceu atender-lhe o pedido, e Gabriel conseguiu viver por mais dez anos.
Em desejo realizado, conhecera o forte jovem, que herdara os belos olhos de seu pai, e que também passou a visita-lo  constantemente. Herdara-lhe também a bondade , o amor e a justiça para com todos.
Satisfeito e sentindo-se realizado, Gabriel, agradeceu a Deus a imensa oportunidade que havia lhe concedido, naqueles oitenta e oito anos de vida.

Deitado em seu leito, já cego e praticamente imobilizado, cerrou os olhos e orou em fervoroso agradecimento.

















          "      Acompanhei o ultimo dia vida, de Gabriel, em plano físico, sentindo-me extremamente emocionado.
Admirava-o profundamente ,na brandura, na harmonia e na serenidade que emanavam de seu ser.

Naquele ultimo ano de sua vida física, perdera a visão por completo, e praticamente arrastava-se para pegar a comida que lhe era pontualmente trazida e deixada na porta de sua casa.
Depois sentava-se com extrema dificuldade no assento defronte ao seu lar, aguardando a visita de seus amigos incansáveis; Lorde Orlando e o jovem Gabriel que completara vinte anos.
Gabriel ainda conseguia escuta-los em longos diálogos, mas não conseguia mais balbuciar .
Mantinha-se imóvel meneando a cabeça negativa ou afirmativamente, mostrando-lhes que tudo compreendia e que estava atento.
Os olhos que havia perdido, naqueles últimos dias, desfiguravam-no ainda mais. E ciente disto, Gabriel enfaixara também uma parte de sua cabeça.
Gabriel sentia  que a vida se esvaia... e em ultima visita de seus amigos, pude observar-lhe o  sorriso de despedida, e senti que  os seus amigos em amor o haviam compreendido.
Admirava-lhe a abnegação ás necessidades e as vaidade tão humana.

Encontramo-lo   inerte, havia perdido naquele  dia as pernas definitivamente, e o seu braço também não mais lhe obedecia o comando.
Sentia fome pois não mais conseguia levantar-se para recolher o alimento que com certeza o aguardava no mesmo lugar.
Também sentia-se sedento mas com a garganta também ulcerada não mais conseguiria engolir.

Finalizara-se a sua árdua jornada. E ali estávamos para ampara-lo e resgata-lo no desenlace.

O meu mentor Ricardo chamou-me serenamente, necessitando de corrente magnética de todos nós.
-         Auxiliai-nos Lucas!

Muitos irmãos ali estavam em missão para socorre-lo, e leva-lo prontamente á colônia, onde seria atendido em centro hospitalar adequado a regenera-lo de todas as seqüelas físicas.

Gabriel ainda orava incessantemente pedindo perdão; a enorme culpa o acompanhara todos aqueles anos.

Meu mentor Ricardo, aproximou-se de sua cabeceira, e emando-lhe enorme energia, senti que o ambiente se iluminava.
Observei então, radiante, que ali também entravam seus amigos, Arthur, Sara e Carol.
O pequeno cômodo estava repleto em luminosidade, mas Gabriel ainda sofria os tormentos da morte do corpo. Mas a alma tornava-se mais e mais leve.

Gabriel, balbuciou mentalmente pensando em seus amigos,  Arthur, Carol, Sara, Orlando e Gabriel Corleanos, e tantos outros irmãos que o haviam acompanhado em vida:
" Amo vocês!"

Então a sua mente física, definhou no corpo extremamente mortificado e ensangüentado e a mente espiritual, visualizou o intenso clarão que dele se aproximava.

Mas Gabriel , ainda que estivesse livre de seu corpo enfermo, em sua ainda dolorosa perturbação física, não conseguia nos perceber as formas e percebendo a imensa claridade que o rodeava,  simplesmente orou com fervor.

-         Deus Misericordioso, sinto os teus anjos tão próximos a mim, mas não consigo vê-los. Auxiliai-me Deus Pai, ainda que não seja digno de tua bondade.

Dizendo isto Gabriel foi prontamente amparado fluidicamente e magneticamente pelos mentores espirituais que ali estavam para auxilia-lo.

Gabriel sentia-se amparado e reconfortado, mas ainda nada podia ver, a não ser o intenso clarão que o ofuscava.

Olhei para o mentor Ricardo e os demais irmãos espirituais que oravam fervorosamente em seu auxilio, e em extrema emoção e amor aquele irmão eu orei piedosamente junto com eles.

Após intensa e fervorosa corrente de oração, enquanto Gabriel era auxiliado, para que podesse estar pronto ao transporte, pelos mentores espirituais; um enorme feixe de luz, desceu sobre todos nós transportando-nos á colônia.



















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